Sentença de Julgado de Paz
Processo: 53/2014-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
Data da sentença: 12/30/2014
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Proc. nº 53/2014-JP

em que são partes:
Demandante: A, NIF -------------, residente no Largo ---------- Porto.
Demandados:
- Representações B, Ld.ª, NIPC ----------, com sede na Rua -------------- Porto;
- C, S.A., NIPC ---------------, com sede no Largo -----------.
*
OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra as Demandadas a presente acção declarativa enquadrável na alínea i) do nº 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação destas a pagarem-lhe a quantia de € 11.657,54, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento, custas e custas de parte.
*
Apenas a segunda Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 33 a 46.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor que se fixa em € 11.657,54 – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (as Demandadas por representação -art.º 25º do C. P. Civil) e são legítimas para a presente acção.
*
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta.
*
FACTOS PROVADOS
A. O Demandante exerce a sua actividade profissional de mecânico nas instalações da Demandada Representações C, Ld.ª, local onde armazena máquinas e ferramentas que utiliza nessa sua actividade.
B. No dia 21 de Agosto de 2012, as instalações da Demandada Representações C, Ld.ª, sofreram um furto.
C. À data do sinistro objecto dos presentes autos, a primeira Demandada - Representações C, Ld.ª, tinha validamente contratado com a segunda Demandada Seguradora, um contrato de seguro Multirriscos/Comércio, na modalidade Multiproteção do Negócio, titulado pela apólice nº D.
D. Bem como um seguro de responsabilidade civil exploração, titulado pela apólice nº E.
E. O contrato de seguro Multirriscos/Comércio rege-se pelas condições contratuais, designadamente as condições gerais, especiais e particulares que constam de fls.136 a 152 e 272.
F. O risco inerente às coberturas de Furto e Roubo de bens do estabelecimento sito na Rua F, Porto, foi, assim, transferido para a Demandada, através do contrato identificado em C. supra.
G. Mostrando-se aplicável a este contrato de seguro, no caso concreto de Furto e Roubo, uma franquia contratual a cargo do segurado de «10%, no mínimo de €49,88».
H. A primeira Demandada participou à segunda Demandada um sinistro ocorrido no dia 21.08.2012, relatando o seguinte: “no passado dia 21 de Agosto de 2012, a Garagem B, ou seja, Representações B, Ld.ª, foi assaltada. Os fulanos entraram pela porta de acesso da rua, talvez com chave falsa, dado que não há sinais de arrombamento, partindo de seguida um vidro de acesso ao interior, tendo furtado cerca de € 780,00 em numerário à firma, 2 capacetes pertença do cliente Sr. G e ferramentas e máquinas diversas, pertença do cliente H”.
I. Os valores dos prejuízos referentes aos clientes da primeira Demandada, seguiram em anexo com a participação, bem como a declaração policial.
J. Mais constou dessa participação, que entretanto os mesmos indivíduos, nos dias 8 e 10 de Setembro de 2012, pelo mesmo sistema, voltaram ao mesmo local, tendo furtado no dia 8 a mangueira e a pistola do lavadora e no dia 10 a lavadora, causando um prejuízo às Representações B, Ld.ª, na ordem dos € 800,00 + Iva.
K. A segunda Demandada, tendo recebido a participação de sinistro da sua segurada (a primeira Demandada), deu início ao processo de sinistro.
L. Tendo desde logo cometido à sociedade independente de peritagens Resamar - Responsabilidades Técnicas, Avaliações e Peritagens, Ld.ª, a averiguação das causas do sinistro e avaliação dos danos ocorridos.
M. Aquela sociedade procedeu a essa averiguação e produziu o relatório pericial que se encontra junto a fls.153 a 217.
N. Pôde o perito verificar que o local do risco se situa na Rua F, Porto, correspondendo às instalações da segurada, a primeira Demandada, sitas na cave de um edifício de 8 pisos, construído em alvenaria revestida, placas separadoras de pisos em laje e cobertura em materiais incombustíveis.
O. O local destina-se a recolha de veículos e estação de serviço com lavagem manual, sendo que a componente estação de serviço/lavagem manual de veículos é explorada por A, ora Demandante.
P. O acesso às instalações da primeira Demandada é efectuado por uma rampa, desde a Rua F, conduzindo a um espaço ao ar livre e, deste, ao espaço fechado de aparcamento de viaturas e estação de serviço.
Q. Na zona ao ar livre, para além de um espaço de aparcamento de veículos, existe um outro espaço, de acesso franco, coberto em estrutura metálica, destinado à estação de serviço e lavagem manual de veículos.
R. A zona de aparcamento é, essencialmente destinada aos moradores do edifício, que possuem um comando para abertura do portão.
S. As instalações estão providas de câmaras de vigilância com gravação de imagens.
T. As superfícies envidraçadas das instalações, nas traseiras e da rampa lateral, estão providas de grades em ferro, com excepção de um conjunto de 5 (cinco) vidros de menores dimensões, voltados para a rampa de acesso ao local.
U. Os peritos deslocaram-se ao local do risco no dia 02.10.2012, tendo sido recebidos pelo Sr. I, sócio gerente da primeira Demandada.
V. Este, sobre as ocorrências participadas à seguradora, ora segunda Demandada, declarou que as instalações tinham sido assaltadas em 3 ocasiões diferentes, correspondendo às datas mencionadas na participação.
W. Os três assaltos foram concretizados pelos mesmos indivíduos, conforme o declarante pôde constatar pela visualização das imagens captadas pelo sistema de câmaras montadas no local.
X. Na primeira situação, foi partido um vidro da superfície envidraçada da parede da rampa de acesso ao local e foram furtadas diversas ferramentas e equipamentos que eram propriedade de A, ora Demandante; 2 capacetes de um cliente, G e ainda uma importância em dinheiro.
Y. Na segunda ocasião, em 08.09.2012, os assaltantes apoderaram-se da mangueira e pistola da máquina de lavar, voltando ao local dois dias depois, em 10.09.2012, altura em que levaram consigo a própria máquina de lavar.
Z. Mais declarou o Sr. I aos peritos, que na sequência da intervenção das autoridades, facultando as imagens gravadas, pelo sistema de vigilância, um dos indivíduos foi logo reconhecido pelos agentes da PSP, desconhecendo-se actualmente o seu paradeiro.
AA. Relativamente aos bens furtados, confirmou o teor da participação, referindo que as máquinas e ferramentas pertencem ao mecânico que trabalha no local, A, que os capacetes eram de um cliente, G e que apenas a máquina de lavar é propriedade da segurada.
BB. Dada a ausência nesse momento do Demandante desta acção no local, efectuaram os peritos posteriormente uma nova deslocação ao local do risco, onde o vieram a contactar, tendo este declarado que ocupava o local desde há cerca de 4 anos, acrescentando não possuir seguro para as ferramentas e equipamentos.
CC. Declarou ainda o ora Demandante que, para além destes bens, ainda lhe furtaram outros bens pessoais, que guardava no local, nomeadamente equipamentos de pesca.
DD. Tendo referido ainda que, relativamente às ferramentas que constam do orçamento enviado com a participação, não possuía facturas de aquisição, adiantando no entanto que se tratava de bens com cerca de 5 (cinco) anos que trouxera de outra oficina.
EE. Ainda na deslocação efectuada ao local do risco, puderam os peritos verificar que se encontrava partido um vidro da superfície envidraçada existente na rampa de acesso às instalações, precisamente na única zona que não está provida de gradeamento, sendo certo que a dimensão do vidro é suficiente para permitir a passagem de um indivíduo de estatura média.
FF. Apuraram contudo os peritos que as movimentações dos assaltantes - dois indivíduos – foram captadas pelo sistema de câmaras montado nas instalações, apenas não se determinando o modo como terão acedido à zona exterior do local.
GG. Mais apuraram, que o portão da rampa que dá acesso às instalações não apresenta danos que possam atribuir-se a arrombamento ou estroncamento.
HH. Os bens de terceiros, apenas estariam garantidos pelas coberturas da apólice nº D, se se “encontrassem expressamente descritos e valorizados nas Condições Particulares” da apólice de seguro, consoante resulta do artigo 7º, nº3, página 5 das Condições Gerais.
II. Os bens do Demandante que foram furtados não se encontravam descritos nem valorizados nas Condições Particulares da apólice de seguro.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, designadamente de fls. 8 a 16, 136 a 217 e 272 e depoimento testemunhal prestado em audiência de julgamento, consoante resulta da respectiva acta, cujos depoimentos se revelaram isentos e credíveis.
*
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
O Demandante pretende com a presente acção, ser indemnizado da quantia de € 11.657,54, quantia esta que terá necessidade de despender para aquisição de máquinas e ferramentas idênticas às que lhe foram furtadas das instalações da primeira Demandada.
É facto assente nos presentes autos, a existência de dois contratos de seguro celebrados entre a Demandada Representações B, Ld.ª e a Demandada C, S.A., designadamente, um contrato de seguro Multirriscos/Comércio, na modalidade Multiproteção do Negócio, titulado pela apólice nº D e um seguro de responsabilidade civil exploração, titulado pela apólice nº E.
O contrato de seguro em geral, é a convenção pela qual uma das partes – a seguradora – se obriga, mediante retribuição – prémio – paga pela outra parte – o segurado – a assumir determinado risco – e, caso este ocorra, a satisfazer ao segurado ou a terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado (Almeida Costa, RLJ, Ano 128º, nº 3862, págs. 20 e 21).
A apólice de seguro é o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora.
Condições gerais são as que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade. Condições especiais são as que, completando ou especificando as condições gerais, são de aplicação generalizada a determinados contratos de seguro do mesmo tipo. Condições particulares são as que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir.
O âmbito do contrato de seguro consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos. Na medida em que grande parte dos litígios resultantes do contrato de seguro respeitam à definição do âmbito do contrato, cabe precisar que, normalmente, as condições contratuais se aproximam do risco coberto nesta tríplice perspectiva: definição das garantias (por vezes designadas coberturas) em termos genéricos; identificação dos riscos cobertos; listagem das exclusões ou riscos excluídos.
O Demandante veio alegar nos presentes autos ter celebrado com a primeira Demandada um contrato de avença de três lugares de garagem nas instalações a esta, pertencentes, sendo que, aí armazena máquinas e ferramentas que utiliza diariamente na sua actividade de mecânico e no dia 21 de Agosto de 2012, as ditas instalações sofreram um furto, furto esse que lesou o Demandante na quantia de € 11.657,54.
Por sua vez, a Demandada Seguradora contesta a pretensão do Demandante, invocando a exclusão da sua responsabilidade, porquanto os bens de terceiros, apenas estariam garantidos pelas coberturas da apólice se se “encontrassem expressamente descritos e valorizados nas Condições Particulares” da apólice de seguro, consoante resulta do artigo 7º, nº3, página 5. Ora, não se encontrando os bens que foram furtados descritos nem valorizados nas Condições Particulares da apólice de seguro, o seu furto não se encontra garantido pelo contrato de seguro em vigor.
Com efeito, o risco inerente às coberturas de Furto e Roubo de bens do estabelecimento sito na Rua F, no Porto, foi transferido para a segunda Demandada, através do contrato de seguro Multirriscos/Comércio, na modalidade Multiproteção do Negócio, titulado pela apólice nº D, celebrado com a primeira Demandada.
Alegou o Demandante ter celebrado com a Demandada Representações B, Ld.ª, um contrato de avença de 3 lugares de garagem, nas instalações pertencentes a esta. Ora, como se sabe, não está o Tribunal sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nos termos previstos no artº 5º nº3º do C. P. Civil. O que, efectivamente se apurou, foi que o Demandante exercia a sua actividade profissional de mecânico nas instalações da Demandada Representações B, Ld.ª, aí armazenando máquinas e ferramentas necessárias à sua actividade, daí que, o contrato celebrado se qualifique juridicamente de locação, in casu, arrendamento de um espaço não habitacional localizado nas instalações da Demandada.
Vejamos.
A Demandada seguradora obrigou-se mediante o contrato celebrado com a primeira Demandada, a assumir com as respectivas consequências daí advenientes.
Ora, entre as coberturas contratadas que constam na respectiva apólice e para o que aqui importa considerar, incluem-se as garantias de Furto e Roubo de bens do estabelecimento sito na Rua F, no Porto. Por sua vez, mesmo não se sabendo em concreto, para além do que resultou provado, os termos do contrato celebrado entre o Demandante e a primeira Demandada, aquele é sempre um terceiro relativamente ao contrato de seguro em causa.
. Face ao estipulado no artigo 7º, nº3, página 5 das Condições Gerais da apólice, os bens de terceiros, apenas estariam garantidos pelas coberturas da apólice se se “encontrassem expressamente descritos e valorizados nas Condições Particulares” da apólice de seguro. Ora, não se encontrando os bens que foram furtados descritos nem valorizados nas Condições Particulares da apólice de seguro, conclui-se que o seu furto não se encontra garantido pelo contrato de seguro Multirriscos/Comércio, na modalidade Multiproteção do Negócio, titulado pela apólice nº D.
Resta apurar, se alguma responsabilidade pode ser atribuída à primeira Demandada pelo furto dos bens do Demandante.
Tendo em conta, nos termos já supra referidos, a existência de um contrato de locação, vejamos se foi violada pela primeira Demandada alguma obrigação contratual.
Desde logo prevê o artº 1031º do Cód. Civil como obrigação do locador, a entrega da coisa locada, bem como assegurar o gozo desta para os fins a que a coisa se destina. Não tendo o furto ocorrido na sequência de qualquer acto praticado pelo locador, quer por acção, quer por omissão, tendo antes resultado de actos de terceiros, nenhuma responsabilidade pode ser atribuída à primeira Demandada.
Face ao que antecede, conclui-se pela improcedência da presente acção.
*
DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolvo as Demandadas do peticionado.
Declaro parte vencida o Demandante, com custas a seu cargo, em conformidade com os artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 30 de Dezembro de 2014
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)
________________________________________
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Julgado de Paz do Porto