Sentença de Julgado de Paz
Processo: 212/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO REFERENTE AOS DIREITOS E DEVERES DOS CONDÓMINOS - PAGAMENTO DE QUOTAS ORDINÁRIAS VENCIDAS
Data da sentença: 03/30/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


Processo n.º 212/2016-J.P.

RELATÓRIO:
O demandante, C. do C. H. V. G., NIPC. xxxxxxxxx, sito na Av. da M., n.º -- a --, no concelho do Funchal, devidamente representado pelos administradores.
Requerimento Inicial: Alega em síntese que, a demandada é proprietária da fração autónoma AC, sita no piso quatro do bloco B, do referido edifício, a qual está descrita na conservatória do registo predial do Funchal sob n.º ----/-------AC da freguesia de S. A.. A demandada, não obstante estar obrigado por lei a suportar as despesas comuns do condomínio, não têm cumprido com essa obrigação. O valor mensal das quotas vencidas era de 32,42€ e 38,91€ do fundo de reserva. Para além disso, encontra-se em divida a quota extraordinária de 2012 referente á pintura no valor de 380,07€, o que perfaz uma divida no valor de 1.272,31€. O demandante interpelou-a por diversas vezes, para efectuar o pagamento da quantia em divida mas sem sucesso, pelo que não teve opção senão recorrer às vias judiciais para satisfazer a divida que reclama. Conclui pedindo que seja condenada: A) no pagamento da quantia de 1.272,31€ de quotas ordinárias e extraordinárias vencidas desde 2012 a maio de 2016;B) nas quotas que se vencerem na pendência da ação; C) tudo acrescido dos juros de mora, á taxa legal, até efetivo cumprimento da obrigação. Junta 12 documentos.
MATÉRIA: Ação referente aos direitos e deveres dos Condóminos, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea C) da L.J.P.
OBJETO: Pagamento de quotas ordinárias vencidas.
VALOR DA AÇÃO: 1.652,38€.

A demandada, M. V., com residência na Av. das M., n.º ---, Aº AC, no concelho do Funchal.
A demandada foi considerada ausente (art.º 38, n.º 1 da L.J.P.), sendo representada por defensora oficiosa.
Contestação: Alega em suma que o demandante junta atas mas estão somente assinadas pelo presidente da mesa e respetivo funcionário, não cumprindo as formalidades exigidas, nomeadamente não reúne as assinaturas de todos os condóminos que nela participaram, sendo por isso anuláveis Para além disso não junta aos autos a notificação e respetivo envio da ata á demandada, que esteve ausente em todas as assembleias, conforme resulta das atas. A falta destas formalidades não prova a constituição do direito do demandante. E, na ata de 2016 refere que a convocação foi realizada por afixação de aviso convocatório e colocação na respetiva caixa de correio, pelo que não satisfaz as exigências legais, o que equivale a dizer que há um facto impeditivo da procedência do pedido. Quanto á quota extraordinária não foi junta aos autos qualquer ata, onde se mostre que foi aprovada, pelo que este valor não pode ser exigido á demandada. Impugna-se o documento 12 pois trata-se de uma alegada troca de comunicação entre as partes, sem se saber a origem deve ser desconsiderado. Conclui pela improcedência da ação, com absolvição da demandada do pedido.
No decurso dos autos o demandante juntou o regulamento do condomínio.
E, a demandada acabou por ser regularmente citada no dia designado para audiência, a fls. 132 e 133.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de mediação por ausência da demandada.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada verificando-se que a demandada compareceu, foi dado cumprimento ao art.º 26, n.º 1 da L.J.P., sem obtenção de acordo das partes. Seguiu-se para produção de prova com declarações das partes, nos termos do art.º 57, n.º 1 da L.J.P., a junção de 2 documentos e terminando com breves alegações finais, conforme ata de fls. 134 a 135

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- FACTOS PROVADOS:
1)No dia 1/03/2012 reuniu a assembleia de condóminos.
2)Os condóminos aprovaram o orçamento para pintar o edifício da empresa P.
3)O valor do pagamento foi distribuído pelas frações atendendo á permilagem.
4)A fração AC, que possui a permilagem de 15%, tinha a pagar 380,07€.
5)Aprovaram que o valor dos pagamentos seria repartido em 6 prestações, com inicio em março e términos em agosto de 2012.
6)No dia 30/01/2013 reuniu a assembleia de condóminos.
7) Os condóminos aprovaram o orçamento para o ano de 2013.
8)O valor mensal da quota da fração AC era de 32,42€.
9)E, aprovaram o valor anual do fundo comum de reserva no valor de 38,42€.
10) No dia 24/01/2014 reuniu a assembleia de condóminos.
11) Os condóminos aprovaram o orçamento para o ano de 2014.
12) O valor mensal da quota da fração AC era de 32,42€.
13) E, aprovaram o valor anual do fundo comum de reserva no valor de 38,42€.
14) No dia 23/01/2015 reuniu a assembleia de condóminos.
15) Os condóminos aprovaram o orçamento para o ano de 2015.
16) O valor mensal da quota da fração AC era de 32,42€.
17) E, aprovaram o valor anual do fundo comum de reserva no valor de 38,42€.
18) No dia 17/03/2016 reuniu a assembleia de condóminos.
19) Os condóminos aprovaram o orçamento para o ano de 2016.
20) O valor mensal da quota da fração AC era de 32,42€.
21) E, aprovaram o valor anual do fundo comum de reserva no valor de 38,42€.
22)A demandada nunca esteve presente em nenhuma assembleia de condóminos.
23)Os condóminos são convocados por avisos convocatórios afixados no edifício, e por colocação destes nas caixas de correio.
24)Os condóminos assinam recibo comprovativo do recebimento das convocatórias.
25)No ano de 2013, a administração do edifício convocou a demandada, varias vezes, para reuniões de condóminos.
26)A demandada nunca compareceu, nem respondeu às mesmas.
27) A demandada respondeu ao demandante, através de email, datado de 5/09/2013, á carta datada de 15/08/2013.
28)Informou que estava desempregada e não podia pagar a divida.
29)E, apresentou proposta para auxiliar na administração do edifício.
30)A administração respondeu-lhe por email datado de 3/11/2013.
31)Informou o valor que existia em divida e sugeriu-lhe fazer um esforço para pagar mensalmente a quantia de 35,67€.
32)A demandada realizou alguns pagamentos.
33)Que a administração foi abatendo nas quotas mais antigas.
34)A demandada a 30/11/2015 reclamou do valor em divida.
35)A administração respondeu a 3/12/2015.
36)Confirmando existir um erro em relação aos recibos emitidos.
37)E, a 5/12/2015 a administração enviou email corrigindo o valor em divida para a quantia de 1.532,45€.
38)Os pagamentos, da demandada, foram realizados por transferência bancária.
39)A administração, a 15/10/2015, afixou no edifício avisos solicitando a regularização das dívidas.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal sustenta a decisão na análise crítica de toda a documentação junta aos autos pelo demandante, cujo teor dou por reproduzido.
Relevou, ainda, as declarações das partes prestadas voluntariamente, nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P.
Os factos não provados resultam da ausência de prova convincente.

II- DO DIREITO:
O caso dos autos refere-se ao incumprimento de um dos deveres dos condóminos, nos edifícios constituídos no regime da propriedade horizontal, a contribuição para as despesas das partes comuns do edifício.
Questões: cumprimento das formalidades legais, divida.
A posição de condómino confere direitos e obrigações que resultam da dicotomia existente entre o direito de usufruir as partes comuns do edifício e a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação, conforme resulta do n.º 1 do art.º 1424 do C.C. as quais são pagas pelos condóminos em proporção do valor da sua fração, salvo disposição em contrário.
Quer isto dizer que, as despesas necessárias e os serviços de interesse comum, desde que devidamente aprovados pela assembleia de condóminos, são pagos por todos os condóminos, tendo como critério de distribuição de valores a imputar a cada condómino a proporcionalidade da despesa aprovada face ao valor que tem a sua própria fração.
Resulta expressamente da alínea e) do art.º 1436 do C.C. que é da competência do administrador exigir do condómino a sua quota - parte nas despesas aprovadas.
As quotas são obrigações de natureza pecuniárias (art.º 550 do C.C.) inerentes á titularidade da fração autónoma, constituindo as receitas próprias do condomínio, afectadas às despesas provenientes das partes comuns do edifício.
Mais se acrescenta que as quotas aprovadas pela assembleia, devem conter a o item destinado ao fundo comum de reserva, conforme determina o art.º 4 do D.L. 268/94 de 25/10.
Dispõe-se no art.º 1432, n.º 1, 2, 4 e 6 do C.C. o conjunto das formalidades necessárias á realização regular das assembleias de condomínio.
A realização das assembleias devem ser precedidas de convocatória com a antecedência mínima de 10 dias, efetuadas por meio de carta registada ou livro de protocolo, referindo a data, hora e local onde se realizará.
A convocatória deve, igualmente, conter os assuntos que irão ser discutidos pela assembleia, indicando-se ainda aqueles que necessitam de ser aprovados por unanimidade
Para agilização dos trâmites legais, deve, também, referir-se na convocatória a possibilidade da assembleia ser realizada em 2ª convocatória, sempre que não existir quórum de reunião, ou seja, sempre que não comparecerem o número suficiente de condóminos para se obter o vencimento das deliberações, numero este que varia conforme o capital investido no prédio.
As deliberações, em regra, são formadas por maioria dos votos representativos do capital investido, no entanto se a assembleia reunir em 2ª convocatória, bastará um quarto do valor total do prédio (art.º 1432, n.º 3 do C.C.). Esclarece-se, também, que para maior transparência devem as deliberações refletir quem efetivamente votou favoravelmente e os condóminos que votaram contra as mesmas.
A reunião deve ser lavrada em ata, a qual deve conter as assinaturas de quem tenha servido de presidente da assembleia e, também, de todos os condóminos que tenham participado (art.º 1 do D.L. 268/94 de 25/10).
Por fim, verificando-se a ausência de algum condómino, deve a ata da reunião ser-lhe comunicada, para tal deverá ser enviada por meio de carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias (art.º 1432, n.º 6 do C.C.).
A falta de algum destes requisitos legais constitui uma ilegalidade, e como tal é anulável, desde que seja invocado por algum condómino que não tenha participado na assembleia ou que tenha votado desfavoravelmente em relação a alguma das deliberações (art.º 1433, n.º 1 do C.C.).
Para o efeito dispõe do prazo legal, sendo 10 dias para os condóminos que estiveram presentes na assembleia, ou 10 dias a contar da receção da comunicação para os ausentes, os quais podem requerer ao administrador a realização de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas (art.º 1433, n.º 2 do C.C.).
Caso esta não seja requerida ou não se realize, podem, ainda, no prazo de 60 dias, a contar da data da deliberação intentar ação judicial, sob pena de se não o fizerem o direito de propor a ação de anulação caducar (art.º 1433, n.º 4 do C.C.). No entanto, se a assembleia extraordinária se realizar, e mantiverem a deliberação invalida, podem no prazo de 20 dias intentar a respetiva ação judicial, sob pena de se não o fizerem, o direito de propor a ação de anulação caducar (art.º 1433, n.º 4 do C.C.).

Em primeiro lugar cumpre dizer que a administração deste condomínio tem, ao longo dos anos, sido exercida por dois condóminos (art.º 1435, n.º 4 do C.C.), os quais não são profissionais, mas dedicam o seu tempo livre em prol do edifício, e como tal em prol de todos os condóminos, pois poupam dinheiro e velam pelo bem comum.
No entanto, verifica-se pela analise das atas juntas aos autos, que a administração do condomínio, ora demandante, não tem observado escrupulosamente os requisitos legais.
De facto, embora possuam alguns recibos comprovativos do recebimento das convocatórias, tal só se deve aos condóminos que, de boa-fé entendem devolve-los, pois os mesmos são deixados nas caixas de correio daqueles.
Também nas atas, embora seja referido quem esteve presente, verifica-se que não estão devidamente assinadas por todos os condóminos, e por vezes não se percebe bem o sentido de voto dos condóminos.
Por fim, mas não menos importante, a administração não envia pelos meios exigidos a ata aos condóminos ausentes, mas fá-lo através de email.
Ora esta forma de cumprir as formalidades, embora se compreenda que seja para evitar custos, agiliza demais os requisitos.
Tal como já se referiu, a não observação destes requisitos pode levar á impugnação das deliberações, e se algum condómino o tivesse feito estaria no seu direito, pois como se referiu há um cumprimento ad hoc, o que pode levar a desconfianças e facilitismos, que deve ser evitado.
Porém, no caso da demandada esta nunca o fez, pelo que agora já não as pode invocar, pois o seu direito já caducou e as ilegalidades cometidas estão convalidadas (art.º 288, n.º 1 e 3 do C.C.).
Por outro lado, constata-se que, apesar de a administração não observar devidamente os requisitos legais, convoca os condóminos para comparecerem nas assembleias e dá a conhecer o conteúdo das mesmas aos ausentes.
No caso concreto, encontram-se junto aos autos um conjunto de comunicações entre as partes, via email, no qual se constata que efetivamente a demandada tem conhecimento da respetiva obrigação, até ao final do ano de 2015.
Pela análise destas constata-se que, a demandada conhece o valor mensal que deve pagar a título de quota, o valor das quotas que tem em divida, e inclusive consta junto aos autos o motivo que a leva a não cumprir pontualmente com a sua obrigação, estar numa situação económica difícil por desemprego.
Quanto a esta, embora se lamente a sua situação, a lei não a contempla como forma de se desonerar ou como forma de adiar o seu cumprimento. Quanto á administração, teve realmente conhecimento desta situação, como tal compreendeu e tentou, por diversas vezes, estabelecer contactos e acordos, os quais a demandada não tem cumprido.
Mas, também se reconhece que, a demanda, ao longo destes anos tem efetuado alguns pagamentos, por meio de transferência bancária, do que se retira duas conclusões: primeiro o reconhecimento da obrigação, segundo que tem tentado cumprir com a mesma.
Quanto á divida peticionada, referente às quotas vencidas e respetivo fundo comum, tendo em consideração tudo o que se expôs é de concluir que a demandada deve realmente a quantia peticionada.
No entanto, tendo em consideração que a prova das comunicações existentes entre as partes, encontram-se documentadas nos autos até ao final de 2015, e os pagamentos que a demandada efetuou são todos anteriores a dezembro/2015, é, igualmente, de concluir que o conhecimento da obrigação, por parte da demandada, é somente até esse momento.
Perante o exposto, terei de a condenar a cumprir com a respetiva obrigação até esse momento, perfazendo a divida a quantia total de 1.547,19€, na qual se inclui a quota extraordinária referente á pintura do edifício de 2012.
Quanto às restantes quotas peticionadas existe uma obrigação natural da demandada (art.º 402 do C.C.), a qual é também condómina, e beneficiada com a manutenção do edifício, gozando e fruindo das suas utilidades.
Acrescenta-se que, a obrigação, das partes, é reciproca na medida que ambas devem cumprir com o que a lei lhes determina, ou seja, até que a demandada deixe de ser condómina.

Quanto á penalização requerida, verifica-se que são pedidos os respetivos juros moratórios, atendendo ao facto que o não cumprimento daquela obrigação é culposo, nos termos dos art.º 799 e 798, ambos do C.C., constitui-se a demandada na obrigação de reparar os prejuízos que tal atraso no cumprimento implique.
Os juros (art.º 806 do C.C.) constituem a penalização legal para os condóminos relapsos, a qual se traduz no pagamento de uma quantia pecuniária, a contar do dia da constituição em mora, a qual ocorreu, com a sua interpelação judicial para cumprir (art.º 805, n.º 1 do C.C.).
Assim, são devidos os respetivos juros, á taxa legal, desde a sua citação, ocorrida a 23/03/2017 (art.º 805, n.º 1 do C.C.), até integral e efetivo cumprimento da obrigação.
Quanto às quotas vencidas na pendência da ação, quanto ao resto do ano de 2016, embora juntassem a respetiva ata como não fizeram prova da sua comunicação á demandada, não pode aquela ser condenada, como aliás já se tinha referido nesta sentença.
Quanto ao ano de 2017, a administração não juntou a ata da assembleia de 2017, pelo que não se pode aferir do cumprimento das formalidades que se desconhecem.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se a demandada a pagar ao demandante a quantia de 1.547,19€, o que inclui as quotas vencidas até dezembro de 2015, e fundo comum de reserva, ao que acresce os juros de mora, á taxa legal, a calcular desde 23/03/2017, até efetivo cumprimento desta obrigação.

CUSTAS:
São da responsabilidade da demandada, devendo, proceder ao pagamento quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicado a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros) pelo atraso no cumprimento desta obrigação.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Funchal, 30 de março de 2017

A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)


(Margarida Simplício)