Sentença de Julgado de Paz
Processo: 94/2017-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
Data da sentença: 12/05/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A.”, com sede na Rua XX, Vila Nova de Gaia.
Demandada: B”, com sede na Rua XX, Lisboa.

II - OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na al. i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação da Demandada a substituir o material com a referência 0000, arquivado na factura n.º 0000 por material igual ao arquivado na factura 00000 dado que a referência do produto e o fabricante são os mesmos; ou, em alternativa, a condenação da Demandada a pagar à Demandante a quantia de €2.952,00, IVA incluído, conforme orçamento junto.
Alegou, para tanto e em síntese, que, no dia 26 de Maio de 2016, a Demandante comprou numa Loja da Demandada vinte e três caixas de flutuante (factura n.º 000) para revestir o chão da habitação do sócio gerente; devido a um acidente provocado por uma inundação proveniente da máquina de lavar roupa, no dia 10 de Setembro de 2016, teve que comprar mais duas caixas do mesmo flutuante (factura n.º 000), tendo o cuidado de levar a referência e uma ponta de flutuante; quando o funcionário lhe entregou as caixas, reparou que na parte inferior do material, a textura não era igual, pelo que questionou o funcionário, o qual lhe disse que podia levar porque era a mesma referência e o mesmo fabricante, o lote é que era diferente mas a superfície era a mesma; de facto, ao olhar de cima para a peça que levou e para a peça da caixa parecia-lhe igual; fez a colocação do flutuante com um amigo que é taqueiro de profissão que está habilitado a fazer este tipo de trabalho, já era noite e trabalharam com a luz artificial, não tendo reparado na diferença do material; no dia seguinte, com a luz natural de uma janela existente na divisão, notou a diferença na falta de brilho e na tonalidade; deixou passar alguns dias para ver se o chão ficava igual ao anterior visto que era mais recente do que o outro; no dia 05.10.2016, fez a reclamação na Loja, tendo estado a falar com o responsável (senhor C) que disse que não notava nada mas se o Demandante achasse que tinha pouco brilho que comprasse na Loja XXX o produto XXXX; o Demandante dirigiu-se à Loja indicada onde lhe transmitiram que o produto não existe e que esperasse três meses para o piso ganhar cor ou que colocasse as peças novas em sítios não visíveis; foi novamente à Loja da Demandada tendo falado com o responsável da secção (senhor D) que entendeu mandar um técnico (senhor E) à habitação do adquirente; na visita o senhor E notou que o chão estava diferente, tirou várias fotos e fez a medição do mesmo; no dia 19.12.2016, o senhor C ligou para a Demandante a dizer que tinha comunicado o assunto ao fabricante que disse que não se responsabilizava devido a se tratar de um chão rústico, pelo que a Demandada também não aceitou a reclamação; perante esta resposta, o representante da Demandante reclamou no Livro próprio no dia 09.01.2017; no dia 23.01.2017, enviou uma carta registada com A/R para a sede da Demandada em Lisboa dando o prazo de quinze dias para resposta, a qual não obteve; pediu à empresa “F.” o orçamento para a obra com o n.º 2300, datado de 16.03.2017, no valor de €2.952,00, para arrancar o chão flutuante e rodapés existentes e colocação de chão flutuante novo e rodapé fornecido pelo cliente.
Juntou documentos.

A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação, onde alega que a Demandada é uma sociedade comercial que tem como objecto o comércio de produtos de bricolage, materiais e produtos de construção e de jardim e outros similares, compra, venda e administração de imóveis e compra de imóveis para revenda; no dia 26 de Maio de 2016, a Demandante adquiriu junto da Demandada vinte e três caixas de pavimento flutuante (factura n.º 0000); posteriormente, no dia 10 de Setembro de 2016, a Demandante adquiriu junto da Demandada, entre outros materiais, duas caixas de pavimento flutuante (factura n.º 0000); resulta de ambas as facturas que o pavimento flutuante adquirido pela Demandante tem a designação de “XXXXX”; a Demandada recepcionou e analisou todas as reclamações apresentadas pela Demandante, tendo, inclusivamente, contactado a empresa fornecedora do pavimento flutuante em causa (“G” em resposta, a empresa fornecedora do pavimento flutuante informou que o soalho é de estilo “vintage” e que, portanto, tem um brilho típico de pavimento antigo; aliás, toda a mercadoria existente em stock na empresa fornecedora e em loja apresenta as mesmas características de cor, textura e brilho; tal informação foi transmitida à ora Demandante por e-mail datado de 19.12.2016; por outro lado, até à presente data, a ora Demandada não recebeu qualquer reclamação por parte de clientes adquirentes daquele pavimento flutuante; as duas caixas de pavimento flutuante adquiridas pela ora Demandante apresentam exactamente as mesmas características das anteriores vinte e três caixas, não tendo existido qualquer alteração no seu fabrico; se assim fosse, o produto teria sido descontinuado com a atribuição de uma nova referência e designação, o que não foi o caso; mais, o pavimento não apresenta qualquer defeito; acresce que a Demandada desconhece em que condições o material foi aplicado e que técnica foi utilizada no seu assentamento bem como que produtos foram aplicados pela Demandante na limpeza e manutenção do pavimento, sendo que, a arte de assentamento errada e produtos de limpeza corrosivos são aptos a danificar/alterar o aspecto de um pavimento de madeira; das fotografias juntas aos autos com o Requerimento Inicial, não é possível aferir qualquer diferença no pavimento aplicado à excepção de uma forte luminosidade proveniente da luz natural da janela da cozinha, sendo imperceptíveis; em caso de condenação, hipótese que somente se concede para efeitos de raciocínio, a Demandada somente poderá ser condenada a substituir as duas caixas de pavimento flutuante e não todo o soalho da divisão; a Demandada não aceita o orçamento n.º 2300, datado de 16.03.2013, junto aos autos, pois, para além de configurar uma situação de enriquecimento sem causa, é manifestamente excessivo e desproporcional tendo em consideração o valor de aquisição das duas caixas de pavimento flutuante (€44,18) e a ausência de encargos com mão-de-obra no assentamento do pavimento.

A Demandada recusou a fase da Mediação, pelo que se determinou o agendamento da Audiência de Julgamento, a qual se realizou com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.

Cumpre apreciar e decidir.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da matéria carreada para os autos, ficou provado que:
A) No dia 26 de Maio de 2016, a Demandante comprou numa Loja da Demandada em Vila Nova de Gaia, vinte e três caixas de pavimento flutuante (factura n.º 000), o qual veio a ser utlizado para revestir o chão da habitação do sócio gerente;
B) Devido a uma inundação ocorrida no local onde foi aplicado o supra referido pavimento, no dia 10 de Setembro de 2016, a Demandante comprou mais duas caixas do mesmo flutuante (factura n.º 000) para substituir o danificado;
C) A parte inferior do material adquirido em Setembro tinha uma textura diferente do adquirido inicialmente;
D) O material fornecido em Setembro era da mesma referência e do mesmo fabricante do anterior;
E) O lote era diferente mas a superfície era a mesma;
F) O representante da Demandante fez a colocação do flutuante com a ajuda de um amigo;
G) No dia 05.10.2016, o representante da Demandante reclamou junto da Loja da Demandada que o material fornecido posteriormente era diferente do inicial;
H) A Demandada enviou um técnico (senhor E) à habitação do representante da Demandante;
I) No dia 19.12.2016, o senhor C, colaborador da Demandada, comunicou ao representante da Demandante, via e-mail, que o fornecedor não assumia a reclamação uma vez que se trata de um pavimento rústico, pelo que a Demandada também não aceitaria a reclamação;
J) O representante da Demandante reclamou no Livro próprio no dia 09.01.2017;
K) No dia 23.01.2017, o Demandante enviou uma carta registada com A/R para a sede da Demandada em Lisboa dando o prazo de quinze dias para resposta;
L) O Demandante solicitou à empresa “F.” o orçamento para a obra com o n.º 00, datado de 16.03.2017, no valor de €2.952,00, IVA incluído, onde consta arrancar o chão flutuante e rodapés existentes e colocação de chão flutuante novo e rodapé fornecido pelo cliente;
M) Resulta de ambas as facturas que o pavimento flutuante adquirido pela Demandante tem a designação de “XXXX”;
N) A Demandada recepcionou e analisou as reclamações apresentadas pela Demandante, tendo, inclusivamente, contactado a empresa fornecedora do pavimento flutuante em causa;
O) Em resposta, a empresa fornecedora do pavimento flutuante informou que o soalho é de estilo “vintage” e que, portanto, tem um brilho típico de pavimento antigo, informação que a Demandada transmitiu à Demandante por e-mail datado de 19.12.2016.

Motivação dos factos provados:
Tiveram-se em conta os documentos de fls. 7 a 16 (facturas; e-mails enviados pela Demandante à Demandada e vice-versa; Folha de Reclamação; missiva enviada pelo representante da Demandante à Demandada por carta registada com A/R) e 21 (orçamento solicitado pela Demandante), conjugados com as declarações do representante da Demandante e com o depoimento da testemunha como segue:
- C, por ter conhecimento directo da situação como chefe de departamento na Loja da Demandada, o qual declarou que as suas funções são na área da construção; o representante da Demandante reclamou do flutuante; a Demandada mostrou-se disponível para ajudar, disponibilizou várias caixas mas aquele dizia sempre que o material era diferente; então mandaram um perito ao local; comunicaram a reclamação ao fornecedor que não a aceitou por entender que se trata de um pavimento vintage que não é uniforme; nunca receberam qualquer outra reclamação daquele material; há que cumprir normas de aplicação do material, o qual não foi aplicado por qualquer colaborador da Demandada.

Não foi provado que:
I. Existe uma diferença de brilho e de tonalidade entre o flutuante adquirido em Maio e o flutuante adquirido em Setembro de 2016 pelo representante da Demandante;
II. Aquando da visita ao local, o senhor E notou que o chão estava diferente, tirou várias fotos e fez a medição do mesmo.

Motivação da matéria de facto não provada:
Por ausência de mobilização probatória credível que atestasse a veracidade dos factos, após a análise dos materiais apresentados em Audiência de Julgamento, sendo certo que as fotografias juntas pela Demandante são absolutamente imperceptíveis.

IV - O DIREITO
Perante os factos dados como provados é inequívoco que entre a Demandante e a Demandada foi celebrado um típico contrato de compra e venda.
Há na compra e venda a transmissão correspectiva de duas prestações: por um lado, o direito de propriedade ou outro direito e, por outro lado, o preço.
Da definição dada pelo art.º 874º do Cód. Civil, resultam as características fundamentais deste tipo de contrato, quais sejam, onerosidade, bilateralidade, prestações recíprocas e eficácia real ou translativa.
O art.º 879º prescreve os efeitos essenciais deste típico contrato.
Ora,
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e as partes que neles outorgam cumprem as obrigações deles derivadas quando realizem a prestação a que estão vinculadas (artigos 406º, nº 1, e 762º, n.º 1 do Cód. Civil).
No âmbito das modalidades da inexecução da obrigação conta-se, além da mora e do incumprimento definitivo, a execução defeituosa, na lei designada por cumprimento defeituoso (artigo 799º, n.º 1 do Cód. Civil).
É o caso de o devedor executar materialmente a prestação, mas incumprir o contrato, por virtude de a executar deficientemente, isto é, em desconformidade com o convencionado.
A coisa vendida é defeituosa se sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destinam (artigo 913º, nº 1 do Cód. Civil).
O vendedor garante a boa qualidade da coisa vendida (durante o período abrangido), “assegura por um certo período um determinado resultado, a manutenção em bom estado ou bom funcionamento (idoneidade para o uso) da coisa, sendo responsável por todas as anomalias, avarias, falta ou deficiente funcionamento por causa inerente à coisa e dentro do seu uso normal”.
Nesse período, o comprador apenas tem o ónus da denúncia da anomalia (para o vendedor poder repará-la, ou substituir o bem, se necessário, sem necessidade de alegar e provar a concreta avaria ou defeito). Consagra-se como que uma “responsabilidade especial de natureza objectiva que tem por base a assunção pelo vendedor do risco relativo a defeitos de funcionamento da coisa”. O vendedor, pela garantia de bom funcionamento, assegura um resultado – o bom funcionamento durante determinado período – e, portanto, assume a obrigação de reparação de qualquer avaria que surja ou, se necessário, a substituição da coisa, mesmo que não haja culpa da sua parte, só podendo desobrigar-se provando que a anomalia, a avaria ou a causa do mau funcionamento, é posterior à data da entrega do bem e foi provocada por conduta culposa do comprador. Surgindo a avaria no período de garantia, o comprador tem direito à reparação ou substituição da coisa, direito que acresce aos previstos nos art.ºs 913º e seguintes do Cód. Civil.
Pois bem, a questão é que, no caso vertente, não logrou a Demandante provar ao Tribunal a existência de qualquer defeito no flutuante adquirido em Setembro de 2016 nem tão pouco que tal material não correspondesse à referência que solicitou e que seria a mesma do pavimento adquirido anteriormente.
É que, por um lado, da observação directa das amostras dos materiais adquiridos em momentos temporais diferentes, respectivamente, Maio e Setembro de 2016, não resultou que houvesse diferenças entre os mesmos, a não ser na parte inferior em que a cor da pintura é diferente mas após o assentamento tal não é visível, sendo certo que se trata de um pavimento com características rústicas, com um padrão que não é uniforme, tendo-se apurado que eram materiais com a mesma referência e do mesmo fabricante, simplesmente de um lote diferente, não tendo o fornecedor, só porque a Demandante, com ou sem culpa, danificou o pavimento, a obrigação de conseguir um material do mesmo lote, até porque os lotes esgotam.
Ora, é consabido que, ainda que fossem detectadas ligeiras diferenças, o que, reitere-se, de todo não foi provado, em qualquer material aplicado na construção civil (além deste veja-se o caso da cerâmica), é expectável encontrarem-se ligeiras diferenças de cor/tonalidade de lote para lote. Mas isso são riscos próprios da vida…
Mais, a própria luminosidade exterior do local poderá com o tempo afectar a tonalidade, tal como o ângulo de observação poderá ter relevância no padrão visual apreendido, além de que os olhos de cada um enxergam sempre diferentes percepções da realidade.
Face ao exposto, não tendo a Demandante logrado provar o que lhe competia, a presente acção não poderá proceder.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo improcedente por não provada a presente acção, absolvendo do pedido a Demandada “B”.
Custas pela Demandante. Cumpra-se assim o disposto nos artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.

Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 05 de Dezembro de 2017
A Juiz de Paz

(Paula Portugal)