Sentença de Julgado de Paz
Processo: 40/2017-JPLSB
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data da sentença: 11/21/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença

Valor da acção: €1.854,19 (mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e dezanove cêntimos).


Demandante: A, Rua do ….
Mandatário: Dr. B, Advogado, com escritório na Rua …
Demandado : C, Av. …..
Mandatário: Dra. D, Advogada, com escritório na …

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 3.
Pedido: Fls. 3 verso.
Junta: 12 documentos e procuração forense.
Contestação: A fls. 33 e segs.
Tramitação
O demandante recusou a mediação. Foi marcada audiência de julgamento para o dia 11 de julho de 2017, pelas 16h, sendo as partes notificadas para o efeito.
Audiência de Julgamento
A audiência decorreu conforme acta de fls. 67 a 70.
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Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – A demandada é uma pessoa colectiva que tem por objecto, entre outros, a prestação de serviços de lavandaria em geral (cfr. certidão permanente a fls. 25 e segs. dos autos);
2 - Em 26 de abril de 2016, às 19h e 58m, o demandante entregou para limpeza, no estabelecimento da demandada, um tapete castanho com as dimensões de 3,60X2,10m, tendo pago à demandada a quantia de €99,60 (cfr. doc. 1, fls. 5 dos autos);
3 – No dia 17 de maio de 2016, o demandante procedeu ao levantamento do tapete, que foi apresentado embalado (admitido);
4 – No dia 20 de maio de 2016 o demandante devolveu o tapete à demandada alegando que o mesmo tinha sido danificado, reclamando a reparação do mesmo e a sua entrega em devidas condições;
5 – A demandada rejeitou qualquer responsabilidade alegando que quando o demandante entregou o tapete na loja para proceder à limpeza o mesmo encontrava-se tal como lho devolveu;
6 – Em 06 de junho de 2016 o demandante formalizou uma reclamação no respetivo livro (cfr. doc. 5, fls. 9 e 10 dos autos);
7 – Em 10 de julho de 2016, numa resposta à E, a demandante reiterou a recusa de qualquer responsabilidade, sustentando que o tapete foi rececionado “com alteração de textura visível” pela normal utilização e limpeza (cfr. doc. 6, a fls. 11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8 – Em 21 de Setembro de 2016 o demandante reitera o pedido de indemnização, enviando à demandada carta registada com aviso de receção (cfr. doc. 7, fls. 12 a 14, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9 – O demandante adquiriu o tapete referido supra ponto 1, em maio de 2013, no âmbito da execução de um projecto de decoração que ascendeu a €6.015,95, tendo sido atribuído ao mesmo o valor de €1.443,25, com IVA (cfr. docs. 11 e 12, a fls. 17 a 21, cujo teor se dá por reproduzido).

Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa consideram-se não provados os factos não consignados, nomeadamente não se dá por provado que o tapete referido supra ponto 2 dos factos provados tenha sido objecto de limpeza conforme a etiqueta determina; não se considera provado que a deterioração que o tapete apresenta resulta do uso dado pelo demandante.

Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual e nos depoimentos das testemunhas apresentadas, referidos nos respectivos factos. O demandante apresentou a testemunha F, sua empregada doméstica durante quatro anos, a qual afirmou que o tapete antes de ir à lavandaria precisava ser limpo mas tinha a lã “toda enroladinha”, como aparece na foto de fls. 8;
Da parte da demandada foram apresentadas as testemunhas G, responsável da empresa H, prestadora de serviços da demandada e que procedeu à limpeza do tapete por conta da demandada; e a testemunha I, trabalhador da empresa H. Ambas afirmaram que não colocaram quaisquer reservas ou observações relativamente ao estado do tapete porque o mesmo se apresentava e apresenta com o desgaste normal de um uso normal. Ora, tal afirmação é incompreensível na medida em que nem um nem outro poderiam saber há quanto tempo o tapete era usado, em que circunstâncias era usado, para se poder concluir que um tapete com as pontas do fio de lã abertas, admitindo que já estavam abertas, era resultado de uso normal e não merecia qualquer reparo. Na verdade, o tapete que foi exibido em audiência, a ter sido entregue na lavandaria como nós o vimos, deveria ter sido feita uma qualquer anotação ou referência que registasse o estado de deterioração em que se encontrava o tapete, ainda que se entendesse normal para o uso do mesmo, dado que quem o recebe não sabe nem a idade nem a que ambiente está sujeito, para poder, conscientemente, considerar que, face ao uso se encontra num estado normal. Acresce que, da explicação dada pela testemunha I, relativamente ao processo de limpeza, não podemos concluir que o tapete tenha sido apenas humedecido à superfície, como mandam as instruções de limpeza juntas pela demandada como doc. 7, a fls. 53 dos autos.

Do Direito.
Nos presentes autos pretende o demandante ser indemnizado pela demandada pelos danos que esta causou num tapete que lhe entregou para que procedesse à sua limpeza. A demandada apresentou contestação na qual alega que o tapete foi entregue ao demandante, após realizada a limpeza pela empresa H, sua parceira de negócio, com o desgaste do uso normal que o demandante lhe deu. Perante os factos supra dados por provados dúvidas não temos de que estamos perante um contrato de prestação de serviços, o qual é definido pelo art.º 1154º do Código Civil, como sendo “… aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, ainda que estejamos ou não perante um contrato misto de prestação de serviços e de depósito, ou perante um simples contrato de prestação de serviços, com a obrigação acessória de guarda das peças enquanto durar o período de limpeza, parece-nos seguro que durante tal período a prestadora de serviços deve responder nos mesmos termos que o depositário. Dúvidas também não temos de que estamos perante uma relação jurídica disciplinada, também, pelos normativos constantes da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril. Dispõe o artigo 4.º: que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.”; e artigo 12.º, diz que “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos”. É consabido que existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação – a má prestação – causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado. No domínio da responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor, conforme estabelecido no art.º 799º do Código Civil (diploma a que pertencem todos os normativos doravante referidos se outra menção não for feita), o que é dizer que cabe ao devedor, no caso a Demandada, para afastar a presunção de culpa, deveria provar que procedeu e que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família, ou pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente. Ora, a Demandada não logrou fazer esta prova, como lhe incumbia, sendo certo que também não provou que a limpeza foi feita com os procedimentos adequados, face às instruções da etiqueta. A Demandada assenta a sua defesa na afirmação de que o tapete lhe foi entregue no estado de conservação em que o devolveu ao demandante, considerando esse estado normal, razão pela qual não fez nenhum registo. Ora, estes argumentos não nos convenceram pelas razões já explanadas supra. Ademais, os funcionários das lavandarias, de quem é razoável exigir especiais conhecimentos sobre os materiais que lhe são confiados para limpeza, devem inspeccionar cuidadosamente as peças que os clientes lhes entregam, no sentido de verificarem qual o tratamento adequado, alertando-os, sobretudo, e no que ao caso mais interessa, para a possibilidade de qualquer tipo de deterioração dos materiais, assumindo assim não só uma postura profissional e responsável, mas ainda uma atitude preventiva e, porque não, defensiva. Nos termos do Art.º 483º, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Daqui decorre que são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual, como no da extracontratual, quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos. Acresce que, o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor, conforme estabelece o n.º1 do art.º 800º. Daqui resulta a inegável responsabilidade da Demandada. Importa agora valorar os danos que resultaram do cumprimento defeituoso da obrigação e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento. Por imperativo legal, face ao disposto no art.º 562º, sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão. Ao responsável incumbe reparar os danos – e em princípio todos os danos – que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade, como dispõe o art.º 563º. Não sendo possível a reconstituição natural, ou mostrando-se esta excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização é fixada em dinheiro, nos termos previstos no art.º 566º, nº 1. Esta terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão (art.º 562º). Ora, uma vez aqui aportados ficamos perante a parte mais difícil da decisão. Seria fácil, uma vez que sabemos quanto o demandante despendeu na aquisição do tapete, fixar a indemnização no mesmo montante. Porém, a máxima popular de que quem estraga velho paga novo colide com um princípio fundamental da nossa ordem jurídica e que proíbe o denominado enriquecimento sem causa, previsto no artigo 473.º. Daí que, é comum a jurisprudência considerar a natural desvalorização que em termos de valor de mercado dos bens em apreço, em cada caso, deva ser atendida. Tal raciocínio exige o recurso, sempre difícil e questionável, aos juízos de equidade, recurso previsto no artigo 566.º, n.º 3, juízos nem sempre justificáveis objectivamente. Porém, mau grado essa dificuldade, é o que entendemos ser mais ajustado ao caso em €750,00. Quanto à quantia de € 350,00 que a Demandante peticiona em jeito de compensação pelas despesas e incómodos já tidos, que sustenta em tempo, transporte do tapete, deslocações, cartas, mensagens de correio electrónico e outras, parece-nos reportar-se o Demandante a um pedido indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais, não obstante não os discriminar, sendo certo que, quanto aos danos patrimoniais reclamados neste âmbito não faz qualquer prova dos mesmos e quanto aos danos não patrimoniais, face aos princípios enunciados no art.º 496º, n.º 1, e tendo em consideração os factos alegados e supra dados por provados, é nosso entendimento que os danos morais invocados pelo Demandante “não assumem suficiente gravidade para merecer a tutela do Direito”. Na verdade, a factualidade alegada é apenas idónea a corporizar ou traduzir meros incómodos por si sofridos nas diversas diligências efectuadas tendentes a fazer valer a sua pretensão. Vai, por conseguinte, nesta parte indeferido o pedido. Bem como vai indeferido o pedido de juros comerciais dado estarmos perante uma relação de consumo e não uma relação entre comerciantes. Mau grado a incorrecção dos números do artigo 829.º-A, ocorre o seguinte. Quanto ao acréscimo de 5% a que se reporta o n.º 4, do artigo 829.º- A, o mesmo é de aplicação automática. Quanto à sanção pecuniária compulsória (n.º 1, 2 e 3), é a mesma aplicável quando está em causa prestações de facto infungíveis, o que não é o caso pelo que se indefere.

Decisão.
Face a quanto antecede, julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), acrescidos de juros de mora à taxa legal, até integral pagamento, ficando absolvida do restante pedido.


Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, face ao decaimento determino custas em partes iguais, já satisfeitas pelas partes.

Julgado de Paz de Lisboa, em 21 de novembro de 2017
A Juíza de Paz
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Maria Judite Matias