Sentença de Julgado de Paz
Processo: 103/2017–JPFNC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL POR CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Data da sentença: 01/17/2019
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: Processo n.º 103/2017 – JPFNC
Sentença
Relatório: ---
A, melhor identificada a fls. 1, intentou contra B, Lda., também melhor identificado a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 2 a 4 vr., dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido, peticionando (após aperfeiçoamento), a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de € 1.640,00 (mil seiscentos e quarenta euros), bem como, a condenação da Demandada à emissão das faturas referentes aos valores pagos pela Demandante, ao pagamento das custas e de procuradoria condigna.
Para tanto alegou, em síntese que, no dia 30 de março de 2016, encomendou à Demandada uma mesa com acabamento e medidas específicas, a realizar no prazo de 30 (trinta) dias. A Demandada aceitou a referida encomenda, tendo sido estipulado o preço de €770,00 (setecentos e setenta euros).
No dia 12 de maio de 2016, a Demandada efetuou a entrega da encomenda, mas a Demandante verificou que a mesa vinha com defeito nos pés, dado que, o acabamento não era idêntico ao do tampo.
No dia 16 de junho de 2016, a Demandada procedeu à entrega dos novos pés, mas os mesmos não foram aceites pela Demandante por também apresentarem descolamento do acabamento.
A Demandada corrigiu o referido defeito e voltou a proceder à entrega dos pés da mesa no dia seguinte, ou seja, em 17 de junho de 2016. Porém o vidro não encaixava por ter uma dimensão superior, e as partes extensíveis não se encontravam niveladas em relação ao tampo da mesa.
Na data da encomenda (30-03-2016), a Demandante pagou €270,00 (duzentos e setenta euros).
No dia 12 de maio de 2016, a Demandante pagou €350,00 (trezentos e cinquenta euros), tendo ficado estipulado que o remanescente do preço, no montante de €150,00 (cento e cinquenta euros), seria liquidado após eliminação dos defeitos.
Apesar dos pagamentos efetuados a Demandada não emitiu as faturas correspondentes com indicação do número de contribuinte da Demandante.
No dia 24 de junho de 2017, a Demandante comunicou à Demandada a sua intenção de resolver o contrato, tendo solicitado a devolução das quantias pagas.
Todavia, a Demandada não procedeu à restituição das referidas quantias.
Deste modo, até à data da interposição da presente ação, a Demandante encontra-se desembolsada das quantias pagas e não recebeu a mesa em causa, com os defeitos devidamente eliminados.
Concluiu pela procedência da ação.
Juntou procuração forense, sete documentos e arrolou uma testemunha.
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Tramitação: ---
Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação de fls. 27 a 37, dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzida, defendendo-se por exceção e por impugnação.
A Demandada excecionou deduzindo a incompetência do Julgado de Paz, em razão de pacto privativo e atributivo de jurisdição, nos termos constantes dos artigos 1.º a 8.º, da contestação.
Por impugnação, a Demandada alegou, em síntese, que:
A mesa encomendada pela Demandante não tinha as medidas standard, do modelo escolhido, pelo que, a Demandada entregaria a mesa logo que as alterações fossem executadas, tendo as partes prescindido do prazo de 30 dias para a entrega, porque a mesa tinha de ser fabricada.
Quando a mesa foi entregue, após a substituição dos pés, os funcionários verificaram que os extensíveis estavam a funcionar corretamente.
Quando a mesa foi entregue a Demandante aceitou-a, tendo assinado a respetiva fatura, sem ter reclamado quaisquer defeitos.
A Demandada corrigiu a mesa conforme as indicações da Demandante.
Pelo que, a Demandada não aceita os valores peticionados.
Concluiu pela procedência da exceção e pela improcedência da ação.
Juntou procuração forense e 2 documentos.
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A Demandante manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação.
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A Demandante pronunciou-se, no exercício do contraditório sobre a referida exceção de pacto privativo para atribuição de jurisdição, nos termos constantes de fls 45 a 46 vr., pugnando pela improcedência da referida exceção.
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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se.
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. (Fls. 81 a 83, dos autos).
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Questões a decidir:
Na presente ação o objeto do processo é delimitado pela causa de pedir, pelo pedido e pelas exceções, pelo que, as questões a decidir são as seguintes:
Se o tribunal é competente em função da jurisdição e do território, para apreciar e decidir a causa; e na positiva, se a Demandante tem direito à emissão das faturas referentes aos valores pagos, e à devolução em dobro do montante pago por conta do preço do bem encomendado à Demandada; bem como, se esta deve indemnizar a Demandante por danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Saneamento:
Tal como consta da referida ata, que aqui se considera integralmente reproduzida, antes da produção da prova a Demandante procedeu ao aperfeiçoamento do seu requerimento inicial, com a desistência do pedido formulado na alínea b), do requerimento inicial.
No exercício do contraditório, a Demandada declarou que nada tinha a opor.
Assim, declaro válida a modificação objetiva da instância, e homologo a desistência parcial do pedido, nos termos requeridos, ao abrigo das disposições conjugadas do art.º 43.º, n.º 5, da LJP e dos artigos 283.º, n.º 1; e 286.º, n.º 2, ambos do CPC.
Sobre a exceção de “incompetência em razão de Pacto Privativo e Atributivo de Jurisdição” (sic):
O Demandado deduziu a referida exceção invocando o art.º 94.º, do CPC, estribado na menção constante no documento junto a fls. 38, com a seguinte redação: “Em Caso de Litígio é competente o Tribunal da Comarca de Paços de Ferreira”.
Ora, em primeiro lugar, cumpre dizer que, salvo o devido respeito por opinião contrária, no caso dos autos não se coloca a questão de atribuição de jurisdição, dado que, o litígio apenas tem conexão com a ordem jurídica portuguesa. Assim, quanto muito, poderia ter sido invocada a exceção de aforamento convencional, prevista no art.º 95.º. do CPC.
No entanto, sem necessidade de outro tipo de considerações (designadamente, as de averiguar se tal menção, nos termos em que a mesma está consignada do referido documento é, efetivamente, uma cláusula contratual válida e vinculativa para a Demandante), cumpre assinalar que, nos termos do art.º 104.º, n.º 1, alínea a), do CPC, por remissão do citado art.º 95.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, a situação dos presentes autos é uma das que se encontram expressamente excluídas da disponibilidade das partes, relativamente à possibilidade de atribuir, por convenção, o foro territorialmente competente para o julgamento da causa.
Efetivamente, na presente ação a causa de pedir decorre do incumprimento defeituoso do contrato, pelo que, a competência territorial tem enquadramento no art.º 12.º, da Lei n.º 78/2001 de 13/07, com a redação dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07, (LJP), tal como decorreria da norma equivalente, constante da 1.ª parte, do n.º 1, do art.º 71.º do CPC.
Deste modo, e nos termos das citadas normas legais, deve ser considerado que, na presente ação não é admissível a cláusula de competência convencional, e sendo assim, a Demandante poderia validamente optar, como fez, pelo foro do local do cumprimento da obrigação.
Assim, a referida exceção deverá improceder, declarando-se o Julgado de Paz jurisdicional e territorialmente competente para julgar a causa.
Tendo em conta o teor do petitório constante do douto requerimento inicial, verifica-se que a Demandante peticiona a condenação da Demandada à emissão das faturas referentes aos valores efetivamente pagos, “com o número de contribuinte da mesma” (sic).
Ora, a emissão de faturas está abrangida por legislação específica, designadamente, pelas disposições aplicáveis constantes do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, constituindo matéria própria da jurisdição fiscal, e relativamente à qual o Julgado de Paz não tem competência para apreciar e para se pronunciar, uma vez que a sua competência material se circunscreve às ações declarativas, com valor até €15.000,00, respeitantes às matérias taxativamente indicadas no art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001 de 13/07, com a redação dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07, (LJP).
Ora, nos termos do art.º 7.º, da LJP, a incompetência dos julgados de paz é por estes conhecida oficiosamente.
A incompetência absoluta em razão da matéria constitui uma exceção dilatória, que dá lugar à absolvição da Demandada da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 576.º, n.º 2; 577.º, alínea a); ambos do Código de Processo Civil (CPC).
Assim, declaro o Julgado de Paz incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de condenação da Demandada à emissão de faturas, devendo a mesma ser absolvida da instância nesta parte.
No entanto, sempre se dirá que ficou provado nos autos que a Demandada emitiu uma fatura (fls. 38 e 39), respeitante ao valor global da transmissão do bem ou serviço em causa nos autos, a qual não foi impugnada, verificando-se que a mesma indica o número de contribuinte fiscal da Demandante, bem como, os restantes dados relevantes, pelo que, não há indícios de conduta fraudulenta que determinem a remessa de certidão dos autos à Autoridade Tributária para os efeitos tidos por pertinentes.
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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam outras exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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Valor: atribuo à causa o valor de €1.640,00 (mil seiscentos e quarenta euros). Cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
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Fundamentação – Matéria de Facto:
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que:
1. No dia 30 de maio de 2016, a Demandante encomendou à Demandada uma mesa em wengue, de cor preta, do modelo “Turim”, com medidas específicas de 1,40 x 1,00 metro, e duas extensões com 0,50 metro, cada uma e tampo de vidro. Cf. fls. 38 e 47.
2. A referida encomenda foi efetuada pessoalmente pela Demandada no estabelecimento da Demandada sito na Estrada -----, --------, Funchal;
3. A Demandada dedica-se ao fabrico de mobiliário de madeira e operações conexas e comércio por grosso de móveis. Cfr. fls. 20 a 22 vr.
4. As referidas medidas não correspondem ao standard do modelo “Turim” fabricado pela Demandada.
5. A Demandada aceitou a referida encomenda, e o fabrico da referida mesa com as características acima indicadas.
6. A encomenda foi aceite com nota de “urgente”. Cf. fls. 47.
7. O local da entrega do bem corresponde à morada de residência da Demandante.
8. O preço convencionado pelas partes corresponde à quantia de €770,00 (setecentos e setenta euros);
9. No dia 12 de maio de 2016, a Demandada procedeu à tentativa de entrega da mesa na residência da Demandante;
10. Na mesma data, a Demandada emitiu a fatura M15/531, a titular a transação, no valor de €770,00 (setecentos e setenta euros), correspondente à totalidade do preço e com indicação do NIF da Demandante, que a assinou. Fls., 38;
11. Na referida data, a Demandante reclamou à Demandada o facto de os pés da referida mesa não terem o acabamento conforme ao modelo e condizente com o respetivo tampo;
12. A Demandada aceitou a referida reclamação, prontificando-se para substituir os pés da mesa, tendo recolhido os originais;
13. O tampo e o vidro da mesa ficaram guardados em casa da Demandante;
14. Em data não concretamente apurada do mês de junho de 2016, a Demandada procedeu à entrega dos novos pés da mesa;
15. Na data referida no número anterior, a Demandante reclamou o facto de o acabamento dos novos pés da mesa estar a descolar;
16. Após a montagem dos novos pés da mesa, o vidro do tampo não tinha a medida exata, e precisava de ser retificado;
17. As partes extensíveis precisavam de ser niveladas e afinadas;
18. A Demandada recolheu a mesa para efetuar a reparação da mesa, dado que, a intervenção necessária teria de ser efetuada em oficina;
19. Em 30 de março de 2016, a Demandante efetuou um pagamento na quantia de €270,00 (duzentos e setenta euros). Fls., 9;
20. Em 12 de maio de 2016, a Demandante efetuou um pagamento na quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros). Fls., 10; ---
21. Em 20 de junho de 2016 a Demandante, através do seu mandatário, procedeu à resolução do contrato, por meio de mensagem de correio electrónico, remetida à Demandada. Fls 11;
22. Até à data da instauração da presente ação a Demandada não procedeu à restituição dos valores pagos pela Demandante;
23. A referida mesa continua em poder da Demandada, na oficina do seu estabelecimento comercial.
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Factos não provados: ---
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que:
i. A Demandante sofreu outros danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de €400,00 (quatrocentos euros);
ii. As partes prescindiram do prazo de 30 dias para a execução da encomenda e entrega do bem à Demandante;
iii. Quando a mesa foi entregue a Demandante aceitou-a, sem ter reclamado quaisquer defeitos;
iv. Após a substituição dos pés da mesa a Demandante não apresentou outras reclamações;
v. Aquando da entrega da mesa os funcionários da Demandada verificaram que os extensíveis estavam a funcionar corretamente;
vi. No momento da entrega da mesa à Demandante, o referido bem não apresentava “erros de fabrico”;
vii. No momento da entrega da mesa à Demandante esta aceitou, e não reclamou quaisquer defeitos;
viii. Só passados alguns dias é que a Demandante reclamou a existência de defeitos;
ix. Todas as reclamações da Demandante foram prontamente resolvidas;
x. A Demandante exigiu que a concretização da entrega da mesa dentro de um prazo adicional.
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Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações de parte, dos documentos constantes a fls. 5 a 11; 38; 39 e 47, dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento.
Considera-se provado por confissão o facto respeitante ao número 12.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 4; 5; 7 a 9; 11; 14 e 22, que constituem matéria assente.
Pela prova documental consideram-se provados os factos indicados de forma especificada e respetivamente, na enumeração da matéria assente, supra.
Ainda, relativamente à prova documental, apesar de a Demandada ter impugnado de forma genérica os documentos juntos com o requerimento inicial, cumpre dizer que as suas próprias testemunhas confirmaram as fotografias, nomeadamente, de fls. 5, todas as testemunhas; de fls. 6 a 7 testemunhas C e D.
Por outro lado, o pagamento respeitante ao documento a fls. 9, foi também corroborado pela testemunha E.
A prova da matéria vertida nos números 13; 16 a 18, e 23 resulta da concordância das testemunhas da Demandada, que nesta parte se mostraram isentas, credíveis e com razão de ciência.
A restante matéria, em especial a constante dos números 2; 15 e 20, resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação jurídica estabelecida pelas partes.
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados ou dos depoimentos das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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Fundamentação – Matéria de Direito:
A causa de pedir na presente ação respeita à responsabilidade contratual por cumprimento defeituoso relativamente à encomenda feita pela Demandante à Demandada, de uma mesa fabricada por medida.
Esta matéria remete-nos para o conteúdo dos contratos de compra e venda, e empreitada, relativamente a bens de consumo.
Efetivamente, no art.º 874.º, do Código Civil (CC), a lei dá a noção de compra e venda como “o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. (Cfr. art.º 874.º, do CC).
E, também, a noção de empreitada é revelada pela lei, como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. (Cfr., artigo 1207.º, do CC).
No gozo e pleno exercício da respetiva liberdade contratual, as partes celebraram um contrato, pelo qual, a Demandada ficou obrigada a fabricar uma mesa, tendo por base um modelo existente, mas com medidas específicas, de acordo com as indicações da Demandante, celebrando a compra e venda do bem em causa.
Sendo assim, a causa é enquadrável na alínea h), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Dos pedidos deduzidos pela Demandante extrai-se que, para além do mais, (após aperfeiçoamento), a mesma pretende obter a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de € 1.640,00 (mil seiscentos e quarenta euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Vejamos se lhe assiste razão:
Atendendo aos factos provados, na presente ação estamos perante o fornecimento de um bem móvel para consumo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 4.º e 12.º, da Lei da Defesa do Consumidor, abreviadamente LDC (redação atualizada da Lei n.º 24/96, de 31/06) e artigos, 1.º a 10.º, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05, adiante designado, abreviadamente, por VBC.
Desde já, convém ter presente que, nos termos do n.º 2, do art.º 1.º-A, o regime jurídico previsto no referido VBC, aplica-se para além da compra e venda, ficando abrangidos os contratos de empreitada ou de prestação de serviço, pelos quais seja fornecido um bem de consumo, incluindo a locação.
Assim, embora por comodidade de exposição seja aqui referida a compra e venda, considera-se a total abrangência de aplicação do referido regime legal, no qual, os factos provados são subsumíveis, englobando a empreitada convencionada pelas partes.
A característica fundamental da venda (fornecimento) de bens de consumo reside na verificação de dois requisitos cumulativos: o primeiro, de natureza subjetiva, atinente à específica qualidade de cada uma das partes contratantes, em que o vendedor (fornecedor) é, necessariamente, um profissional, e por sua vez, o consumidor (adquirente) é uma pessoa particular, que atua no âmbito da satisfação de necessidades pessoais; e um segundo requisito, de natureza objetiva, relativamente à afetação do objeto mediato do contrato (bem de consumo), cuja aquisição está predestinada ao uso não profissional do adquirente.
Assim, acontece no caso sub judice, uma vez que, ficou provado que a Demandante adquiriu a mesa identificada nos autos para seu uso particular à Demandada, tendo esta como escopo social, a fabricação e venda de móveis em madeira e operações conexas.
Por sua vez, o art.º 4º, da LCD, dispõe que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
Do regime jurídico acima referido resultam determinados direitos gerais dos consumidores, sendo que, além de outros, o consumidor tem o direito à qualidade dos bens ou dos serviços e o direito à prevenção e à reparação dos prejuízos, quando o bem ou o serviço esteja em desconformidade com as normas legais aplicáveis, ou legítimas expectativas do consumidor (Cf., art.º 4., da LCD).
Resulta provado que, no dia 30 de março de 2016, a Demandante fez a encomenda da mesa identificada nos autos, e que a Demandada aceitou fornecer o bem.
No entanto, ficou provado que a entrega da referida mesa só foi realizada no dia 12 de maio de 2016, ou seja, para além do prazo legal estabelecido no n.º 2, do art.º 9.º-B da LDC.
No entanto, não foi alegado e provado que essa situação constituiu objeto de reclamação efetuada pela Demandante, com a exigência de entrega do bem dentro de um prazo adicional razoável.
Porém, apesar de a Demandante ter ficado tacitamente conformada com a entrega tardia da referida mesa, o certo é que, na data em que se concretizou a referida tentativa de entrega, a mesa evidenciou desconformidades, que originaram a devolução da mesma, designadamente, porque o acabamento dos pés não era condizente com o tampo, nem com o modelo que serviu de base à encomenda efetuada.
Ora, é patente nos autos que a Demandante assinou a respetiva fatura, mas de tal facto não derivam os efeitos que a Demandada alega, designadamente, a ausência de desconformidades do bem e a sua aceitação sem reservas; dado que, contrariamente ao alegado, ficou provado por confissão que, a Demandada prontificou-se a proceder à imediata substituição dos pés da mesa, o que só pode significar que a desconformidade existia e foi prontamente reclamada pela Demandante.
Apenas em junho de 2016, a Demandada voltou a tentar proceder à entrega da mesa em conformidade com o contrato, mas, mesmo assim, foram detetadas outras desconformidades, que impediram o uso normal do bem, designadamente, a necessidade de afinações dos componentes extensíveis, com desnivelamentos significativos e a retificação do vidro do tampo que, após a substituição dos pés originais da mesa, deixou de se ajustar ao tamanho da mesma.
Porém, em 20 de junho de 2016, a mesa ainda não tinha sido entregue em perfeitas condições à Demandante, que decidiu resolver o contrato, nos termos da mensagem de correio electrónico enviada pelo seu Ilustre Mandatário à Demandada, conforme fls. 11, que aqui declaro integralmente reproduzida.
Ora, não só a lei presume, como efetivamente resulta da prova efetuada nos autos que, que os defeitos existiam no momento da(s) entrega(s) do bem, pelo que, o mesmo não estava em conformidade com o contrato e com as legítimas expectativas da Demandante. Cfr., art.º 2.º, e art.º 3.º, n.º 2, da VBC (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05).
Por outro lado, também a lei presume que, os defeitos verificados no bem resultam de culpa exclusiva da Demandada, e não feita qualquer prova em contrário para ilidir essa presunção legal, sendo certo que, a esta incumbia o respetivo ónus. (cfr., art.º 799.º, n.º 1, do CC).
Deste modo, podemos afirmar, desde já, a desconformidade da mesa, objeto mediato do contrato de fornecimento de bens de consumo celebrado entre as partes.
Por força do referido regime legal, a falta de conformidade do bem, no caso de bens móveis, deve ser denunciada no prazo de dois meses. (Cfr., n.º 2, do art.º 5.º-A, VBC).
Pela prova produzida nos autos, verifica-se que foi devidamente efetuado o acionamento da garantia pela Demandante, que logrou provar, como lhe competia, que denunciou os defeitos à Demandada, de forma tempestiva e eficaz, para que a mesma procedesse à eliminação dos defeitos verificados no bem adquirido.
Também ficou provado que, a Demandada, na sequência das denúncias das desconformidades, identificadas pela Demandante nas suas reclamações, efetuou várias intervenções de reparação da mesa.
Nos termos do referido regime legal, em caso de desconformidade do bem adquirido, o consumidor tem à sua disposição as hipóteses consagradas no art.º 4.º, n.º 1, do referido regime da VBC, pelas quais pode optar, dento dos limites impostos pelo n.º 4, do mesmo dispositivo legal. (Cfr., Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05).
Efetivamente, a referida norma legal tem a seguinte redação: “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.” (Cf., art.º 4.º, n.º 1, VBC).
A opção entre as várias soluções que o consumidor/Demandante tem à sua disposição não está condicionada a uma hierarquia predefinida, mas deve haver alguma proporcionalidade e adequação, que torne justificada a sua opção, relativamente à solução que pretende exigir do fornecedor/Demandada, a qual, em última instância, está balizada pelo abuso de direito ou enriquecimento sem causa. Cfr., art.º 4.º, n.º 4, da VBC.
Assim a opção pela resolução do contrato, sendo a opção mais gravosa para a Demandada, deve ser ponderada, designadamente, pela verificação da falta de adequação das outras soluções consignadas na lei, relativamente ao caso concreto.
Tendo em conta sequência factual, designadamente, pelo facto de após várias reparações efetuadas, os defeitos persistirem, e ainda, por ter decorrido um lapso de tempo manifestamente excessivo, relativamente à nota de “urgência”, que foi reconhecida pela Demandada na celebração do contrato, e sendo as desconformidades existentes de molde a impedir a utilização normal do bem, não choca, no caso dos autos, que a Demandante tenha operado a resolução do contrato.
Efetivamente, a reparação dos defeitos existentes no bem adquirido constitui uma forma de segunda oportunidade de cumprimento do contrato. Porém, no caso dos autos esta solução ficou frustrada, e após várias tentativas mostrou-se desadequada, por culpa exclusiva da Demandada, o que abalou definitivamente a confiança da Demandante.
Aliás, a Demandada não fez prova, sendo certo que lhe incumbia esse ónus (art.º 342.º, do CC), de ter dado resposta à comunicação da resolução do contrato, nem de ter notificado a Demandante sobre a eliminação de todas as desconformidades da mesa, o que impede outra possibilidade de suprir a falta de conformidade do bem face às expectativas por outra forma, como seria a substituição do bem, valendo aqui (por aplicação subsidiária, nos termos do art.º 939.º, do CC), o disposto no art.º 921.º, n.º 1 do CC, o qual dispõe que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes (…) a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou erro do comprador.”
Nestes termos, o Demandante provou - como tinha de provar -, que denunciou oportunamente as desconformidades existentes na mesa, e deu a devida oportunidade à Demandada, para que esta pudesse agir em consonância com as obrigações decorrentes da garantia a que se encontra obrigada no fabrico e venda do bem. ---
No entanto, a Demandada tendo sido notificada da resolução do contrato, tendo o bem na sua posse, não cumpriu a obrigação legal de proceder à restituição à Demandante da totalidade do valor pago, no prazo de 14 dias. Cfr. art.º 9.º-B, n.º 7, da LCD.
Ora, ficou provado que em 30-03-2016, a Demandante efetuou um pagamento no montante de €270,00 (duzentos e setenta euros), e que na data da primeira tentativa de entrega do bem, 12-05-2016, efetuou um segundo pagamento no montante de 370,00 (trezentos e setenta euros), o que totaliza a quantia de €620,00 (seiscentos e vinte euros).
Assim, nos termos do disposto no art.º 9.º-B, n.º 8, da LDC, a Demandante tem direito a exigir, como exige na presente ação, a quantia de 1.240,00 (mil duzentos e quarenta euros), correspondente ao dobro da totalidade dos montantes pagos, sendo a Demandada responsável pela devolução àquela do correspondente valor.
Face ao que antecede, a ação deve proceder nesta parte do pedido. (Cf., art.º 9.º-B, n.º 7 e n.º 8, da Lie n.º 24/96 de 3/07 – LDC; conjugado com o art.º 4.º, n.º 1, e n.º 5; e art.º 5.º-A, n.º 2, ambos do DL n.º 67/2003, de 08/04, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21/05 - VBC).
Relativamente ao pedido de condenação da Demandada ao pagamento do montante de €400,00 (quatrocentos euros), por danos patrimoniais e não patrimoniais, mesmo tendo em consideração a presunção legal de culpa sobre a Demandada (art.º 799.º, do CC), não foi feita prova de factos suscetíveis de considerar verificados os restantes pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, outros danos para além da quantia paga, incumbindo o respetivo ónus à Demandante, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 342.º, 798.º, 483.º, pelo que, o pedido deve improceder nesta parte.
A Demandante pede ainda, a condenação da Demandada no pagamento das “custas judiciais e condigna procuradoria” (sic).
Relativamente às custas remete-se para o que fica decidido infra.
No que respeita à procuradoria condigna, cumpre dizer que em processo de julgados de paz não há lugar a custas de parte, sendo devida taxa de justiça, nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28/10, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24/02, pelo que, o pedido deve improceder, nesta parte.
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DECISÃO
Pelo exposto, e os fundamentos acima invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente por, parcialmente provada, e consequentemente:
a) Declaro improcedente a exceção de atribuição de foro convencional, e declaro o Julgado de Paz jurisdicional e territorialmente competente para julgar a causa;
b) Declaro o Julgado de Paz incompetente em razão da matéria, para apreciar e decidir sobre a emissão de faturas, absolvendo a B, Lda., da instância nesta parte;
c) Condeno a B, Lda, a pagar a A, a quantia de 1.240,00 (mil duzentos e quarenta euros);
d) Absolvo a B, Lda., do restante peticionado nos presentes autos.
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Custas: ---
Na proporção do decaimento, que fixo em 76% para a Demandada, e 24% para a Demandante. (Cfr., art.º 527.º, n.º 2, e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, aplicáveis, ex vi, art.º 63.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 – de harmonia com o disposto no art.º 10.º, do Código Civil, por omissão da Portaria n.º 1456/2001, de 28/12, na redação dada pela Portaria n.º 209/2005 e de 24/02, que regula as custas nos Julgados de Paz).
Para os efeitos previstos na Portaria n.º 1456/2001, de 28/10, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24/02, declaro a Demandada proporcionalmente parte vencida, pelo que, a mesma é responsável pelo pagamento do valor correspondente ao respetivo decaimento, relativamente ao montante da taxa única de justiça. (Cfr., art.º 1.º, do referido diploma legal).
Nestes termos, a Demandada deverá proceder ao pagamento do valor em falta, a título de segunda parcela da referida taxa única, no prazo máximo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária, no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação. Cfr., artigos 1.º, e 10.º, da Portaria 1456/2001, de 28/12.
Cumpra-se o disposto no art.º 9.º, da citada Portaria 1456/2001, de 28/12, relativamente à Demandante, com a redução resultante da proporção do respetivo decaimento.
Notifique e registe.
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Julgado de Paz do Funchal, em 17 de janeiro de 2019

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira