Sentença de Julgado de Paz
Processo: 123/2017-JPCSC
Relator: MARIA DE ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: DIREITO DO CONSUMO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data da sentença: 03/22/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: --- SENTENÇA ----
I - RELATÓRIO – As partes e o objeto do litígio
Nos presentes autos, o Demandante, Fernando, com o NIF 00, propôs a presente ação contra a aqui Demandada S, S.A., com o NIPC 00 (cf. recibo junto sob doc. 1 de fls. 4), pedindo a condenação desta a entregar-lhe um telemóvel igual ou com características semelhantes ao que aqui é objecto dos autos, bem como, a pagar-lhe o valor de €120, a título de indemnização pelos danos que lhe foram causados. Pede, em alternativa, a condenação da Demandada a restituir-lhe a quantia de €440, respeitantes ao valor atual do telemóvel – €320 – e indemnização por danos, no valor de €120, tudo acrescido de juros de mora (cf. aperfeiçoamento do R.I. de fls. 33/34).
Alega, para tanto e em resumo, que no dia 23.junho.2015 o sobrinho lhe ofereceu um telemóvel da marca ZZZZZ, modelo ZZZZ, com o IMEI 000, que havia comprado no estabelecimento comercial da Demandada, sito no Centro Comercial Cascais Vila. Após avaria do telemóvel o Demandante, no dia 14.julho.2016, entregou-o à Demandada para que esta procedesse à reparação em garantia. Em 20.agosto.2016, após reparação ao nível da bateria o telemóvel foi entregue ao Demandante. Depois de o experimentar, o Demandante verificou que o problema subsistia e voltou a entregar o aparelho para reparação, em 28.agosto.2016 no estabelecimento comercial da Demandada sito no Centro Comercial Cascais Shopping. A Demandada não apôs data em nenhum dos documentos de recebimento do telemóvel para reparação. A Demandada contactou o Demandante em 09.setembro.2016 para que fosse levantar o telemóvel e nesse ato informou-o de que não tinha sido feita nenhuma reparação em virtude do “selo de humidade” do aparelho se encontrar ativo. Este facto nunca tinha sido dado a conhecer ao Demandante, razão pela qual este apresentou queixa no livro de reclamações e deixou o telemóvel no estabelecimento da Demandada. Em 25.setembro.2016, o Demandante recebeu da Demandada, por correio electrónico, a folha de reparação já com data. Entre 01.janeiro.2017 e 11.abril.2017, houve uma troca de correspondência, por correio electrónico, entre o Demandante e a Demandada, sem nunca ter sido resolvido o problema. Com o requerimento inicial juntou 12 documentos (cf. fls. 4 a 15).
A Demandada não obstante ter recebido correspondência de citação e marcação de pré-mediação em morada diferente da sede (cf. aviso de receção de fls. 23) não interveio nos autos pelo que veio a ser determinada a sua regular citação na sede social. A citação foi efetuada em 25.setembro.2017 (cf. aviso CTT de fls. 37).
Na sequência de despacho de 25.agosto.2017 (cf. fls. 25) o Demandante apresentou requerimento de aperfeiçoamento do requerimento inicial (cf. fls. 33/34) que foi notificado à Demandada em conjunto com a citação.
O Demandante veio a prescindir da fase de mediação.
Designado o dia 16.março.2018 para audiência de julgamento, a Demandada não compareceu e não veio justificar a falta. Na presente data, apesar de notificada, reiterou a falta.
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Questão prévia
Antes de conhecer do mérito cumpre ponderar, de um ponto de vista formal, os pedidos formulados pelo Demandante.
Pretende este – em sede de aperfeiçoamento do R.I. - que a Demandada seja condenada a entregar-lhe um telemóvel do mesmo modelo, ou com características idênticas ao que é aqui objecto de litígio e a pagar-lhe o valor de €120, a título de indemnização pelos danos que lhe foram causados; ou, em alternativa, a devolver-lhe €320, referentes ao valor atual do telemóvel, acrescido de indemnização por danos no valor de €120. Daqui se afere que o Demandante formulou dois pedidos alternativos, como aliás é permitido pelo artigo 553º do Código de Processo Civil. Todavia, em sede de audiência de julgamento, o Demandante informou o tribunal de que já adquiriu um novo telemóvel e que, por essa razão, não tem interesse no pedido de entrega de um telemóvel idêntico, e que pretende apenas que lhe seja devolvido o valor do telemóvel constante do contrato, ou seja, €209,90 e uma indemnização pelos prejuízos que teve, desistindo do mais peticionado.
Posto isto e sanada que foi a eventual incompatibilidade de pedidos, importa apreciar do mérito da ação.
Fixo à ação o valor de €329,90.
O tribunal é competente (artigo 7º da Lei 78/2001, de 13.07).
Cabe apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Considerando o teor dos documentos juntos aos autos, que se dão por reproduzidos, e a falta de contestação da Demandada – que, conjugada com a falta injustificada à audiência de julgamento, equivale a confissão dos factos articulados pelo Demandante, ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13.julho.2001, alterada pela Lei 54/2013 de 31.julho.2013 - cabe considerar provada toda a factualidade invocada que acima se deixou enunciada.
Dos factos apurados retira-se que no dia 23.junho.2016 foi adquirido à Demandada um telemóvel da marca ZZZZ, modelo ZZZZZZ, conforme documento junto sob nº1, ao qual foi atribuído por esta o valor comercial de €209,90. Retira-se também da leitura dos documentos juntos sob nº2 e 3 (de fls.5 e 6, respetivamente), que o Demandante se deslocou por duas vezes a dois estabelecimentos comerciais da Demandada com o fim de ver a deficiência do seu telemóvel resolvida. Essa anomalia, descrita pelo cliente, aqui Demandante (cf. fls. 7 dos autos – doc. 4 do R.I.) correspondia ao desligamento do aparelho por “Bateria dura menos de 1 hora em conversação. Em stand by 2 a 3. Headphones não funcionam bem “. Tal anomalia foi comprovada e reparada pelos serviços técnicos da Demandada segundo os quais “O equipamento foi submetido a uma verificação técnica, durante a qual foi detetada a anomalia descrita pelo cliente. Foi efetuada a atualização do software do equipamento, substituição da bateria e headphones”.
Sucede que o aparelho veio a avariar-se mas, após a segunda denúncia de mau funcionamento, o Demandante veio a ser informado pela Demandada de que não seria possível proceder à reparação do telemóvel porque o selo de humidade se encontrava ativo, argumento com o qual o Demandante não concorda e pelo qual se recusou a levantar o aparelho deixando-o até hoje nas instalações da Demandada apresentando queixa no livro de reclamações. Igualmente se dá por provado que, apesar de várias insistências por correio eletrónico e de cerca de quinze deslocações às lojas da Demandada esta manteve a recusa de reparar o telemóvel até aos dias de hoje. Com as deslocações para tentar obter a reparação, o Demandante ficou privado de parte das suas horas de almoço.
Está em causa, no essencial, um contrato de compra e venda de um bem móvel regulado nos artigos 874º e segs. do Código Civil ao qual são aplicáveis as normas relativas à proteção do consumidor e aos prazos de garantia de bens de consumo, já que o contrato em causa foi celebrado entre um consumidor e um comerciante (respetivamente, a Lei 24/96, de 31.julho cuja última versão decorre do Decreto Lei 47/2014, de 28.julho -doravante referida por Lei de Defesa do Consumidor - e o Decreto Lei nº 67/2003, de 08.abril, na versão dada pelo Decreto Lei 84/2008, de 21.maio).
Em conformidade com o nº1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor e a alínea c) do artigo 1º-B do Decreto-lei nº 67/2003, respectivamente, o Demandante é, aqui, o consumidor por ser “ aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”; a Demandada é, aqui, a vendedora uma vez que tem essa qualidade “qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional”.
Nos termos do nº1 do artigo 2º do Dec. Lei 67/2003, o vendedor tem a obrigação de entregar ao comprador bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda. Com vista a um maior esclarecimento e proteção do consumidor, o legislador enunciou algumas situações de desconformidade entre o bem entregue e o contrato de compra e venda. Designadamente, na alínea d) do nº2 do artigo 2º referido, estabelece-se que não é conforme com o contrato de compra e venda o bem que não apresentar as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à própria natureza desse bem e a eventuais declarações públicas sobre o seu desempenho e características feitas pelo vendedor ou produtor ou seu representante.
Se a desconformidade se manifestar dentro de um prazo de dois anos após a compra de um bem móvel, presume-se que já existia à data da entrega do bem. Logo, impende sobre o vendedor o ónus de alegar e demonstrar que o “defeito” ou “avaria” ou “desconformidade” decorreu de qualquer ato imputável ao consumidor (cf. nº2 do artigo 3º do Dec. Lei 78/2001).
Havendo desconformidade, assiste ao consumidor o direito de obter a reparação do bem ou a sua substituição ou a redução adequada do preço ou a resolução do contrato devendo denunciar ao vendedor os defeitos ou desconformidade num prazo de dois meses após os ter detetado e dentro do prazo de dois anos após a compra de bem móvel (cf. artigo 5º, nº1, e artigo 5º -A, nº1 e nº2, do mesmo diploma).
No caso dos autos, o telemóvel foi adquirido à Demandada em 23.junho.2015 e tinha o valor comercial de €209,90. O Demandante adquiriu o telemóvel por oferta (doação) de um seu familiar e, assim, também adquiriu os direitos contratuais e de garantia que, antes, cabiam ao primitivo comprador.
Considerando os factos provados, em particular, a deficiência de funcionamento do aparelho decorrido cerca de um ano sobre a sua aquisição, falha essa que se mantêm mesmo após uma intervenção dos serviços técnicos da Demandada e a sua subsequente recusa em proceder a nova reparação, é forçoso concluir que o telemóvel não apresenta as qualidades e o desempenho habituais nos bens deste tipo. Na verdade, é expectável que um telemóvel funcione sem quaisquer problemas durante um largo período de tempo, no mínimo de dois anos após a aquisição, mormente sem que a bateria descarregue em duas ou três horas. Acresce que, atenta a indiferença da Demandada, e, portanto, a falta de satisfação do ónus de impugnação que sobre si impendia, tem de se presumir que o defeito de mau funcionamento já existia à data da compra do aparelho em causa.
Por consequência assiste ao Demandante, o direito de declarar a resolução do contrato e exigir da Demandada a devolução do valor do telemóvel que, como se apurou, é de €209,90. A resolução do contrato tem como efeito a destruição do vínculo e a concomitante obrigação de cada parte devolver o que recebeu em cumprimento do contrato (cf. artigo 801º, nº2, e artigo 433º conjugado com o artigo 289º, nº1, todos do Código Civil).
Por fim, no respeitante ao pedido de indemnização por danos causados no valor de €120, prevê o nº1 do artigo 12º da Lei de Defesa do Consumidor que “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”. No mesmo sentido estabelece o artigo 798º do Código Civil que, nas relações contratuais, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação responde pelos danos que causar ao credor.
Ora, in casu, o Demandante deslocou-se cerca de quinze vezes aos estabelecimentos comerciais da Demandada e ficou privado da tranquilidade das suas horas de almoço para tentar ver o seu problema solucionado. Tais deslocações, na medida em que representam perda de tempo e, em particular, privação do direito do Demandante a usufruir da sua hora de almoço para esse efeito ou para descansar, integram a natureza de danos indemnizáveis e merecem a tutela do direito.
Visto o disposto nos nºs1 e 3 do artigo 566º do Código Civil, ponderando, um prejuízo no valor/deslocação/tempo perdido de €8 e a envergadura comercial da Demandada, afigura-se equitativamente adequado um quantum indemnizatório de €120 como vem pedido.

III - DECISÃO
Em face do exposto, considero a ação totalmente procedente e, em consequência, declaro resolvido o contrato de compra e venda dos autos condenando a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de €329,90 (trezentos e vinte e nove euros e noventa cêntimos) e reconhecendo àquela o direito de reter na sua posse o telemóvel objeto do contrato e que lhe foi entregue pelo Demandante. Mais condeno a Demandada a pagar ao Demandante juros de mora sobre €329,90, a contar da presente data e até integral pagamento, à taxa legal de 4% ou outra que vier a ser fixada.
As custas do processo ficam a cargo da Demandada (artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28.12).
Custas: €70.
Tem o Demandante direito à devolução de €35.
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A Demandada deverá efetuar o pagamento das custas, no valor de €70, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 por cada dia de atraso e até um máximo de €140 (cf. nº 10 da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro). Decorridos 15 dias sobre o termo do prazo, sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída a competente certidão e remetida ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais para efeitos de eventual execução por custas e penalidades em dívida (€210).
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Registe, dê cópia ao Demandante e envie cópia à Demandada que, na presente data, reiterou a falta apesar de devidamente notificada para comparecer.
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Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma a cada uma das partes. ----
Cascais, Julgado de Paz, 22 de março de 2018
A Técnica do Serviço de Atendimento

A Juíza de Paz