Sentença de Julgado de Paz
Processo: 81/2015-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL
PRESUNÇÃO DE CULPA. PROVA.
ACTUAÇÃO DE INQUILINO.
CONTRATO DE SEGURO
Data da sentença: 12/27/2017
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1, intentou, em 14 de Julho de 2015 contra B E C , melhor identificados a fls 1, 20 e 46, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe a quantia de 731,92€, a título de indemnização por danos causados pela queda de um vidro da propriedade do 1º demandado no seu veículo que se encontrava estacionado na via pública, junto ao prédio.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 2 a 3, que se dá por integralmente reproduzido.
Juntou 8 documentos (fls. 4 a 9) que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citados, vieram os demandados apresentar as suas contestações a fls. 20 a 24 e 46 a 54 pugnando pela improcedência da acção.
Juntaram os documentos de fls. 25 a 32 e 55 a 106 que se dão aqui por reproduzidos.
O 1º demandado alega, em suma que o sinistro se deveu a actuação do inquilino da fracção da qual é proprietário, mas que ainda assim, participou o sinistro á 2ª demandada porquanto havia celebrado contrato de seguro multirriscos habitação, pelo qual havia transferido a sua responsabilidade civil para aquela companhia seguradora.
A 2ª demandada, alega, além do mais que o sinistro ocorreu por actuação de terceiro – o inquilino - e que nessa medida não responde pelos danos causados ao demandante.
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Ao tribunal cabe decidir a) a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil b) da obrigação dos demandados em indemnizar o Demandante pelos danos verificados ---
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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado. ---
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
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Tendo-se realizado Mediação, na ausência da 2ª demandada que renunciou ao direito de estar presente, as partes não lograram chegar a acordo, pelo que se procedeu á marcação da Audiência de Discussão e Julgamento, apenas nesta data, atentos os constrangimentos verificados no extinto Julgado de Paz do Agrupamento de Óbidos, Nazaré e Caldas da Rainha e em face da transferência dos processos daquele agrupamento para o recém-criado Julgado de Paz do Oeste.
Procedeu-se à Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respectiva acta melhor se alcança.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual se selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos pelas partes.
Ponderou-se, ainda, o depoimento da testemunha apresentada pelo Demandante, que prestou depoimento isento, revelando conhecimento directo dos factos sobre os quais testemunhou.
Igualmente se tomaram em consideração as declarações das testemunhas apresentadas pelos Demandados, com especial relevância para o depoimento de D, inquilino e morador na fracção do 1º demandado, que presenciou os factos e neles teve intervenção directa.
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Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. O demandante é proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matricula JE de E.
2. O 1º demandado é dono e legitimo proprietário do prédio urbano, sito na Rua XX, n.º 31, na freguesia de XX inscrito na matriz sob o artigo n.ºXX e descrito na Conservatória do Registo predial das Caldas da Rainha sob o n.º XX, constituído em propriedade horizontal.
3. Em 23 de Maio de 2014, o 1º demandado deu de arrendamento a fracção 3º andar direito a D pelo prazo de dois anos renovável, com inicio em 1/6/2014.
4. No dia 13 de Setembro de 2014, caiu um vidro da janela do prédio referido em 2, do 3º andar esquerdo, em cima do veículo identificado em 1.
5. A quebra do vidro resultou do facto de o referido inquilino D ter aberto a janela do quarto e a sua esposa, simultaneamente a janela da cozinha, tendo-se produzido uma corrente de ar.
6. A janela do quarto e a porta da cozinha apresentam-se perpendiculares, atentas as fachadas, frontal e traseira, do edifício.
7. Por força da corrente de ar, a janela sofreu um impacto causando a quebra do vidro que veio a cair no veículo do demandante e na via publica.
8. O veículo do demandante encontrava-se estacionado em frente ao referido prédio.
9. O veiculo do demandante sofreu danos no vidro dianteiro lateral direito, bem como na porta e capô.
10. A reparação dos danos verificados no veículo foi orçamentada em 731,92€
11. O inquilino D procedeu à substituição do vidro da janela do locado.
12. O 1º demandado participou o sinistro á 2ª demandada em data não concretamente apurada.
13. Entre a demandada seguradora e o 1º demandado foi celebrado um contrato de seguros multirriscos habitação, sobre o imóvel referido em 2, titulado na apólice n.º XXXXXX.
14. A 2ª demandada procedeu a diligências de averiguação, tendo sido produzido relatório por perito designado para o efeito.
15. A massa de suporte do vidro da janela encontrava-se me bom estado.
16. O aro da janela é feito de madeira e encontra-se em bom estado, não tendo sido substituído após o sinistro.
Não resultaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes ou com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A Demandante ancora o seu pedido no facto de o 1º demandado ser proprietário do prédio de onde o vidro caiu, causando prejuízos no veículo de sua propriedade, e quanto á 2ª demandada por aquele ter transferido a responsabilidade civil que lhe caberia por contrato de seguro celebrado com aquela seguradora.
Preliminarmente, importa referir, na questão de Direito, embora de modo sintético, que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de que provenha (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana – Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil; responsabilidade pelo risco ou objectiva - Artº.s 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss.) radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico (cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, 1986 – reimpressão, AAFDL, 283).
Além do dano, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e ss do C.C.): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjectivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efectivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578).
Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
Não restaram dúvidas ao tribunal, da existência do dano resultando de facto ilícito e da existência de nexo causal entre o verificado dano e a queda do vidro da janela. Restará verificar da imputação subjetiva do facto ao agente, analisando o requisito da culpa.
Nos termos do disposto no art. 493º do Código Civil, quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou se os danos se produziriam ainda que não houvesse culpa sua.
No caso sub judicie, verificamos que o 1º demandado deu de arrendamento o 3º andar esquerdo do seu prédio, cujo vidro da janela causou os danos no veículo do demandante. Assim, quem tinha em seu poder o imóvel, com o dever de vigiar, - por transferência do gozo do imóvel decorrente daquele contrato de arrendamento -, é o inquilino e não o proprietário.
O proprietário responde por danos que o imóvel causar, se tais danos resultarem da violação do dever de conservação. De facto, o art. 492ºdo CC estabelece uma presunção de culpa do proprietário (e não uma responsabilidade objectiva), no caso de “ruína” total ou parcial, por vicio ou construção ou defeito de conservação. Assim, para que presunção de culpa funcionasse seria necessário que o demandante tivesse provado que o sinistro se ficou a dever a uma má manutenção da janela, o que não sucedeu. Pelo contrário resultou dos depoimentos das testemunhas que a janela e vidro se encontravam em bom estado de conservação, tendo sido a conduta negligente do inquilino a provocar o resultado danoso na propriedade do demandante.
Assim, não podendo ser assacada responsabilidade pela produção dos danos ao proprietário, havemos de analisar, à luz do contrato de seguro, da responsabilidade da 2ª demandada. Assim,
O contrato de seguro sub judicedestina-se a “cumprir a obrigação de segurar edifícios constituídos em propriedade horizontal, contra o risco de incêndio.”, sendo que adicionalmente a este seguro obrigatório foram contratadas outras coberturas por acidentes próprios do bem segurado (o imóvel), nomeadamente “ Quebra de vidros, espelhos e pedras mármores”.
Nos termos da cláusula com tal epígrafe encontra-se garantido o ressarcimento de prejuízos decorrentes de quebra acidental de vidros fixos “que se encontrem no local de risco e que sejam propriedade do Segurado”, sendo o sinistro em análise, porventura, enquadrável nesta cobertura.
No entanto, nos termos da clausula segunda ( página 16) do referido contrato encontra-se especificadamente excluída a indemnização de danos causados em veículos automóveis (al. g).
Percorrendo o clausulado no contrato, foi igualmente contratada a cobertura denominada “Responsabilidade Civil Proprietário ou inquilino/ocupante da qual resulta que a companhia seguradora garante a responsabilidade civil extracontratual do segurado – 1º demandado – na qualidade de proprietário da fracção em causa. (pag. 18)
Ora, o contrato de seguro, nos moldes em que foi celebrado estabelece que a seguradora apenas terá a obrigação de indemnizar terceiros por danos materiais, na justa medida da responsabilidade do segurado enquanto proprietário do imóvel – o que como vimos se encontra excluída porquanto os danos resultaram inequivocamente da conduta de terceiro.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, a presente acção haverá de improceder.


Decisão:
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação totalmente improcedente, porque não provada e em consequência absolvem-se as demandadas do pedido.

As custas serão suportadas pelo demandante que se declara parte vencida (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro e n.º 3 do art.º 446.º, do C.P.C.).
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Registe.
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Bombarral , 27 de Dezembro de 2017
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)


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(Cristina Eusébio)