Sentença de Julgado de Paz
Processo: 895/2016-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data da sentença: 07/04/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:
Sentença
(n.º 1, do art. 26º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho).
Processo n.º 895/ 2016
Matéria: Responsabilidade civil.
(alínea H) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho).
Objecto: Pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
Valor da acção: €15.000,00 (quinze mil)

Demandante: A, residente na Rua do ---------------------- Lisboa.
Mandatário: Dr. B, advogado, com domicílio profissional na ---------------------------------------------------------- Lisboa

Demandados: C, S.A, com sede na --------------------------- Maia. Mandatário: Dr. D, advogado, com domicílio profissional na Rua ------------------------------------------------------------- Lisboa.

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 10
Pedido: Fls. 10.
Junta: Procuração Forense
Contestação: A fls. 22 a 30.

Tramitação:
A demandada recusou a mediação.
Foi designado o dia 03 de maio de 2017, pelas 14h e 30m, para a audiência de julgamento, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito.

Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 80 a 86.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – No dia 02 de Setembro de 2013, cerca das 16h, o demandante deslocava-se a pé na Av.º D. João V, em Lisboa, e chegando ao cruzamento desta artéria com a Rua Saraiva de Carvalho, aguardou pelo sinal verde para peões e de seguida atravessou o cruzamento para o outro lado da Rua (admitido);
2 – Assim que se encontrava no passeio o veículo de marca Citroen com a matrícula IN, doravante IN, seguro na demandada, com a apólice --------, galgou o passeio de forma descontrolada na direcção do demandante (admitido);
3 – O demandante foi abalroado de forma violenta e empurrado contra a parede pelo IN;
4 – O demandante não teve tempo de mais nada a não ser gritar em pânico e desesperado para que a condutora recuasse o IN;
5 – Quando o IN recuou o demandante caiu inerte no chão ficando cerca de 15/20m imobilizado até à chegada do INEM;
6 – O demandante ficou em choque questionando as pessoas à sua volta se tinha alguma coisa partida;
7 – Em dado momento começou a sentir dores muito elevadas; 8 – As dores atingiram níveis que levaram a que a caminho do Hospital fosse administrado ao demandante uma dose de morfina;
9 – Chegado ao Hospital e feitos exames radiológicos foram diagnosticadas lesões graves na tíbia e no tornozelo;
10 – Foi colocada uma tala e suturada a perna direita do demandante na zona do maléolo interno, sendo colocado depois no corredor onde ficou cerca de duas horas sem informação alguma do que se passava em rigor, ou do que se previa fazer relativamente a eventuais atos médicos, aguardando por observação;
11- O demandante não ingeria alimentos há várias horas, não foi alimentado nem quis comer nada com receio de prejudicar alguma intervenção;
12 – O demandante padeceu de dores fortíssimas sem que fosse ministrado qualquer sedativo;
13 – Nesses momentos, com dores, fome, incomodo e sem informação alguma
sobre o seu diagnóstico o demandante ficou profundamente angustiado e receando o seu futuro;
14 – Horas depois, já noite, o demandante foi informado que sofreu fratura na tíbia e uma fissura no maléolo interno e vários ferimentos na parte interior da perna direita, que obrigariam à realização de uma operação;
15 – Foi informado que a intervenção cirúrgica teria lugar no dia seguinte;
16 – O demandante passou a noite numa enfermaria com outros doentes;
17 – Durante a noite o demandante foi algaliado com recurso a anestesia local dado ter vontade de urinar e não o conseguir fazer;
18 – O demandante não dormiu durante a noite e sentiu dores muito agudas;
19 – Na manhã seguinte o demandante foi informado que, por questões logísticas, não poderia ser operado no Hospital de São José, tendo de ser transferido para o Hospital de São Lázaro, o que sucedeu de imediato;
20 – No Hospital de São Lázaro foi informado que a operação era adiada para o dia seguinte, o que sucedeu por três vezes sendo submetido a sucessivos jejuns preparatórios;
21 – Ao terceiro dia foi encaminhado para o bloco operatório e chegado lá o médico constatou que a perna estava inchada e a ferida havia infectado, pelo que a operação teria de ser adiada;
22 – Os médicos não sabiam qual a previsão para a intervenção cirúrgica dado ser condição para tal a perna desinchar e não ter infeções;
23 – A reiterada falta de informação por parte do pessoal médico do Hospital foi aumentando a insegurança do demandante quanto ao seu futuro;
24 – Os familiares decidiram transferir o demandante para o Hospital Cuf Infante Santo no dia 5 de setembro de 2013;
25 – O transporte foi feito de ambulância;
26 – Durante o trajeto, o apoio da parte anterior da maca partiu, ficando o demandante em risco de bater com a perna sinistrada na porta, suportando o peso do corpo contra a porta da ambulância com a outra perna;
27 – O quadro de infeção obrigou o demandante a esperar cerca de dezoito dias pela operação que se realizou no dia 23 de Setembro, período em que aguardou em casa;
28 – O demandante manteve-se em casa quase sempre imóvel levantando-se para tomar refeições, deslocar-se à casa de banho com ajuda de muletas, e ir ao hospital;
29 - Numa das idas ao Hospital foi constatado que na zona do ferimento havia tecido morto e foi necessário proceder a uma raspagem, directamente sobre a pele, sem anestesia;
30 – Face ao decurso do tempo o médico entendeu que não era aconselhável a intervenção cirúrgica no momento aprazado, alterando o procedimento para colocação de uma estrutura externa na perna presa por parafusos, para forçar a ligação do osso e este por si só calcificar;
31 – A prótese externa foi presa com parafusos entre o joelho e o tornozelo;
32 – Para minimizar os riscos de infeção relacionados com a aplicação externa dos parafusos era desaconselhado saídas de casa o que o demandante cumpriu;
33 - A intervenção cirúrgica veio a ter lugar em 03 de outubro de 2013;
34 – O demandante ficou internado durante o pós operatório até 06 de outubro de 2013,
35 – O tempo de imobilização deixou a perna atrofiada tendo sido necessário fisioterapia três vezes por semana;
36 – No período compreendido entre a colocação da prótese e a respectiva remoção, em final de janeiro de 2014, o demandante apenas saía de casa para as sessões de fisioterapia e observação médica;
37 – À data do acidente o demandante tinha 24 anos, gozava de boa saúde mental e física, era estudante universitário e tinha uma vida social ativa própria da sua idade;
38 – O demandante tinha projectado uma viajem de férias com a mulher a Paris com partida no dia seguinte à ocorrência do acidente, a qual ficou inviabilizada;
39 – Para não perder o semestre o demandante começou a ir à Universidade em dezembro de 2013, com grande esforço e desconforto e de muletas;
40 – O demandante passou a sofrer de grande ansiedade quando se deslocava de automóvel;
41 – No dia 31 de janeiro de 2014, no Hospital Cuf Infante Santo, foram retirados os quatro parafusos, procedimento que que durou cerca de uma hora, foi realizado sem anestesia tendo sofrido imensas dores;
42 – O demandante voltou a sentir - se fraco e com muitas dores pelo que voltou a usar as muletas durante três dias;
43 – O demandante fez fisioterapia durante mais três meses três vezes por semana, tendo tido alta em abril de 2014;
44 – A demandada pagou as despesas Hospitalares e outras (admitido);
45 – Em 26 de agosto de 2014 a demandada considerou reunidas as condições para apresentar proposta final de indemnização e propôs-se indemnizar o demandante em €1.500,00 por todos os danos, incluindo os danos não patrimoniais (cfr. doc. 4 junto com a contestação a fls. 35, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
46 – O demandante não concordou com a quantia proposta.

Factos não provados.
Considero não provados os factos não consignados.

Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual e nos depoimentos das testemunhas apresentadas, referidos nos respectivos factos. Com efeito, a testemunha E, médico cirurgião ortopedista confirmou a existência das intervenções e dos atos médicos bem como a necessidade dos mesmos.
As testemunhas F, respectivamente tia e companheira do demandante, confirmaram todos os factos relatados no requerimento inicial, assistiram e acompanharam o demandante em todo o processo e em todos os momentos confirmando o sofrimento e angústia do demandante, relatando com grande objectividade tudo quanto o demandante viveu e sofreu.

Do Direito.
Nos presentes autos pretende o demandante que lhe seja atribuída a quantia de €15.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação cuja responsabilidade foi imputada à condutora do veículo seguro na demandada tendo esta assumido a responsabilidade e, em conformidade, já pagou as despesas hospitalares e outras conforme reconhece na contestação de fls. 22 e segs. A situação em apreço envolve a disciplina decorrente dos normativos que regem a responsabilidade civil, conforme artigos 483.º e segs. do CC. Dispôe este preceito legal que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". Estava assumida com anterioridade a culpa da condutora do Citroen com a matrícula IN, seguro na demandada. Por força do contrato de seguro é a demandada responsável pelos danos emergentes do acidente de viação, nos precisos termos em que o respectivo segurado o for e dentro dos limites do seguro – artigos 426.º e 427.º do Código Comercial e artigo 29.º, alínea a), do DL 522/85 de 31.12. É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito. Esta doutrina decorre do disposto no artigo 496.º n.º 1 do CC, nos termos do qual a fixação da indemnização deve atender aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.” Com relevo para o caso em apreço dispõe o art. 496º do Código Civil:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. (...)
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º (….)
Quanto ao conceito de danos morais cita-se, por todos, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume l.°: “Danos não patrimoniais – são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. (...) O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” Resulta dos factos supra dados por provados que, por força do acidente em causa, para o qual nada contribuiu o demandante, o qual caminhava tranquilamente e encontrava-se no passeio, este sofreu danos não patrimoniais de relevo bastante para justificar a fixação de uma compensação monetária. Na fixação de montantes relativos à indemnização deve imperar a ponderação e adequabilidade especialmente em linha com referenciais de justiça relativa que obrigam a um balizamento que tenha em devida conta os padrões médios jurisprudenciais, em particular dos Tribunais Superiores. Vejamos. O demandante sentiu angústia e medo no momento do acidente no qual se viu atirado contra a parede por um veículo automóvel, viveu o pavor de nada conseguir fazer para sair daquela situação; viveu o pânico da incerteza do que se passava com a perna; sofreu uma infecção no hospital que só por si deixa qualquer mortal em desespero quanto ao desenvolvimento da mesma; andou de Hospital para Hospital passando por três instituições; teve uma prótese externa presa com parafusos entre o joelho e o tornozelo; sofreu os horrores de uma raspagem da ferida sem anestesia; em 03 de outubro de 2013 foi submetido a intervenção cirúrgica; desde a data do acidente, de setembro de 2013, até final de abril 2014 sofreu dores, ficou com o seu quotidiano completamente alterado quer do ponto de vista social quer escolar, ficando impedido de frequentar normalmente a universidade, além do mais que resulta claro dos factos provados. Assim, considerando todo o exposto, atentos os critérios seguidos pelos Tribunais Superiores, e tendo em consideração que não foram provados factos dos quais decorra que o demandante ficou com sequelas permanentes de relevo, entendemos que sofreu danos bastantes que justificam uma indemnização de dez mil euros.

Decisão.
Em face do exposto, condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, mau grado o decaimento, considero a demandada parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação ao demandante.
Julgado de Paz de Lisboa, em 04 de julho de 2017
A Juíza de Paz
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Maria Judite Matias


Processo n.º 895/ 2016
Matéria: Responsabilidade civil.
(alínea H) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho).
Objecto: Pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
Valor da acção: €15.000,00 (quinze mil)

Demandante: A, residente na Rua do ---------------------- Lisboa.
Mandatário: Dr. B, advogado, com domicílio profissional na ---------------------------------------------------------- Lisboa

Demandados: C, S.A, com sede na --------------------------- Maia. Mandatário: Dr. D, advogado, com domicílio profissional na Rua ------------------------------------------------------------- Lisboa.
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DESPACHO

A demandada “N Seguros, S.A.”, notificada da sentença proferida no presente processo a fls. 87 a 95, e com ela não se conformando veio, a fls. 102 a 121 dos autos, interpor recurso, em tempo, da mesma, juntando as respectivas alegações.
Notificado o demandante, A, nos termos e para os efeitos do artigo 638.º, n.º 5, do CPC, foram apresentadas contra-alegações a fls. 128 a 136 vº.
Nos termos do n.º 1 do artigo 62.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho (LJP), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho) “as decisões proferidas nos processos cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância podem ser impugnadas por meio de recurso a interpor para a secção competente do Tribunal de Comarca em que esteja sediado o julgado de paz”. Por seu turno, o n.º 2 do mesmo preceito, dispõe que “o recurso tem efeito meramente devolutivo.”

Cumpre apreciar decidir:
Assim, e considerando o que supra ficou expendido, que o recurso está em tempo e que foram juntas as alegações por parte da recorrente, e as contra alegações por parte do recorrido, sendo legal e tempestivo (artigo 638.º, n.º 1 do CPC), admito o presente recurso, o qual é de apelação, com efeito meramente devolutivo, subindo nos próprios autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Local, Secção de Competência Cível, (artigos 644.º, 645.º n.º 1, 647.º n.º 1 do CPC, “ex vi” do artigo 63.º da LJP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho).
Remetam-se os autos.
Notifique-se.

Julgado de Paz de Lisboa, em 12 de outubro de 2017

A Juiz de Paz
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Maria Judite Matias