Sentença de Julgado de Paz
Processo: 245/2015-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Data da sentença: 11/29/2015
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 245/2015-JP em que são partes:
Demandante: A.
Demandada: B Lda, NIPC ......., com sede na Rua ......... Lisboa e filial Rua ......... Porto.
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OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou a presente acção declarativa, enquadrável na alínea i) do nº 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo:
a) que seja declarado resolvido o contrato de compra e venda objecto da presente acção e, por via disso, a condenação da Demandada a restituir à Demandante a quantia de € 1.398,13, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a data de entrada da presente acção até ao integral pagamento.
b) a condenação da Demandada a pagar à Demandante uma indemnização por danos não patrimoniais em valor nunca inferior a € 2.000,00.
c) a condenação da Demandada no pagamento das custas de parte, aqui se incluindo as despesas tidas com pagamento de taxa de justiça e honorários devidos à Mandatária da Demandante.
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A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 57 a 68.
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Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor que se fixa em € 3.398,13 - artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – artº 25º do C.P.Civil) e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS:
A.A Demandada é uma empresa que presta serviços, desde 1971, na área da cosmética capilar, com maior ênfase na compra, venda e revenda de novos cabelos através da aplicação de próteses de cabelos naturais e sintéticos por diferentes métodos, em calvícies totais e/ou parciais.
B. Demandante é uma consumidora dos bens e serviços comercializados pela requerida.
C. Em Maio de 2013, a Demandante dirigiu-se à filial da Demandada, sita na Rua no Porto, para adquirir uma prótese capilar, o que de facto fez, liquidando o seu valor na íntegra.
D. A aplicação da prótese capilar ficou a cargo desta última.
E. Pela compra e aplicação da prótese a requerente pagou à requerida a quantia total de €1.398,13 da seguinte forma:
a) €500,00 a título de sinal, no dia 23/05/2013;
b) €200,00, no dia 24/05/2013, por transferência bancária;
c) €698,l3 no dia 02/08/2013
F.A conselho da Demandada, a Demandante adquiriu ainda àquela produtos específicos para tratamento e manutenção da prótese em casa.
G. A Demandante optou por sujeitar a prótese aos tratamentos químicos de descoloração e ondulação.
H. A prótese capilar destinava-se ao uso pessoal da Demandante, facto de que a
Demandada tinha perfeito conhecimento.
I. A prótese capilar foi aplicada em 2 Agosto de 2013.
J. CTR é o termo em inglês, dado pelo fabricante ao tipo de prótese, ou sistema, em questão nos presentes autos, prótese essa comercializada pela Demandada desde 1997, e que, em português, significa, Reconstrução Transdérmica Cosmética (RTC).
L. Esta prótese (CTR) é feita com cabelo natural morto e constituída por uma pele (película de poliuretano ventilado) micro - perfurada, respirável, cortada à medida da superfície calva ou de deficiente densidade capilar que se pretende ocultar, que utiliza o sistema de cabelo inteiro, isto é, cada fio de cabelo aplicado, entra na película (pele) da prótese por um lado e sai pelo outro, num ângulo de 30º, sendo-lhe aplicada uma segunda película (com aderências próprias) que prende o cabelo.
M. A prótese adere ao couro cabeludo com aderências próprias (adesivos), sendo necessário efectuar manutenções a cada 3/4 semanas para efectuar esfoliação e hidratação do couro cabeludo, aplicação de novas aderências, lavagem e brushing do cabelo.
N. Cada prótese, seja ela um CTR ou um outro sistema, é personalizada, confeccionada à medida de cada cliente, de acordo com a cor, densidade, comprimento e corte solicitados.
O. Após a encomenda efectuada por parte do cliente, são-lhe retiradas as medidas e recolhidas informações, nomeadamente de cor, densidade, comprimento do cabelo, estilo de penteado e ondulação, sendo a informação enviada ao fornecedor.
P. O fornecedor demora cerca de 2 meses na realização de cada prótese.
Q.A cada sistema (prótese) é atribuído, por parte do fabricante, um número de registo, o qual é gravado na película, juntamente com o mês e o ano de fabrico.
R. A Demandada foi cliente da Demandante entre Dezembro de 2009 e Junho de 2012, período durante o qual adquiriu uma prótese capilar e respectivas manutenções.
S. Com a aquisição da prótese, a Demandada ofereceu à Demandante assistência gratuita até ao final de Setembro de 2013.
T. A Demandante agendou e efectuou duas assistências à prótese, a primeira a 21 de Agosto e a segunda em 19 de Setembro.
U. Em 24 de Setembro, a Demandante informa a Demandada que o cabelo da prótese está seco e espesso.
V. Nessa altura, é convidada a ir aos serviços para efectuar uma hidratação.
X. A partir do dia 29/09/2013, a prótese capilar começou a perder cabelo de forma constante e abundante.
Z. Em 3 de Outubro a Demandante telefona à Demandada a informar que não pode comparecer devido a um entorse.
AA. Em 25 de Outubro a Demandante aparece nas instalações da Demandada para mostrar a prótese.
BB. A Demandada confirma que o cabelo se encontra partido junto à película.
CC. Por carta enviada à Demandante datada de 9 de Dezembro de 2013, a Demandada declinou qualquer responsabilidade.
DD.O fornecedor, no entanto veio a substituir o sistema anterior, enviando nova prótese destinada à Demandante.
EE. A comunicar tal facto, a Demandada enviou carta registada em 27 de Janeiro de 2014, em resposta dada à carta enviada pelos seus advogados.
FF. A Demandada não obteve qualquer resposta, tendo insistido na necessidade de resposta em 19 de Maio de 2014.
GG. A Demandante recusou a nova prótese enviada pelo fornecedor.
HH O mau estado da prótese, com as peladas de cabelo, entristeceu a Demandante, causando-lhe desgaste psicológico e diminuindo-lhe a auto-estima.
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Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e da prova testemunhal apresentada em audiência de julgamento e devidamente identificada em acta, sendo que os factos constantes de B., C, D., E., H. e I., se consideram admitidos por acordo, nos termos do artº 574º nº2 do C.P.Civil.
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Os factos não provados resultaram da inexistência de prova ou prova convincente.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA:
A pretensão principal da Demandante nos presentes autos é que seja declarado resolvido o contrato de compra e venda objecto da presente acção e, por via disso, a condenação da Demandada a restituir-lhe a quantia de € 1.398,13, acrescida de juros, à taxa legal em vigor, desde a data de entrada da presente acção até ao integral pagamento.
Por sua vez, o contrato de compra e venda em apreciação, qualifica-se como uma relação de consumo, à qual se aplica a Lei de Defesa do Consumidor, Lei nº 24/96, de 31 de Julho e o Dec-Lei. nº 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 84/2008, de 21/05, devendo ainda ter-se em conta o regime geral da responsabilidade contratual - arts 798º e seg.s do C.Civil.
Dispõe o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 67/2003 que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, presumindo-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar que os bens não apresentam “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (…)” (alínea d) do nº 2 do mesmo artigo).”
Prescreve o n.º 1 do artigo 4.º do supra citado D.L. que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, clarificando o n.º 5 do mesmo artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
Cumpre de seguida, face à matéria de facto dada como provada, verificar se estão reunidas as condições para a procedência deste pedido efectuado pela Demandante.
Resultou provado que a Demandante adquiriu à Demandada uma prótese capilar (CTR) pelo preço de €1.398,13, a qual foi aplicada por esta, em 2 Agosto de 2013. A Demandante optou por sujeitar a prótese aos tratamentos químicos de descoloração e ondulação, tendo efectuado duas assistências à prótese, a primeira a 21 de Agosto e a segunda em 19 de Setembro de 2013. Em 24 de Setembro, a Demandante informa a Demandada que o cabelo da prótese está seco e espesso, tendo, a partir do dia 29/09/2013, a prótese capilar começado a perder cabelo de forma constante e abundante.
A Demandante cumpriu, assim o seu ónus de evidenciar a desconformidade apresentada pela prótese capilar.
À Demandada, para se ilibar da sua responsabilidade, incumbiria alegar e provar que a causa da queda do cabelo é imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito.
Com efeito, na contestação a Demandada imputou a queda de cabelo ao mau uso dado à prótese pela Demandante, referindo que a mesma optou por dois processos químicos, a ondulação e a descoloração, pelo que, seriam necessários produtos específicos para a manutenção da mesma, o que não aconteceu, desconhecendo qual o tratamento que a Demandante terá dado à mesma.
Voltando à específica legislação no âmbito do direito de consumo e que tende a favorecer o consumidor, no que concerne à aquisição de um produto defeituoso, estabelece esta, uma presunção que os bens de consumo não são conformes com o contrato se, entre outros factos, se verificar que os bens não apresentam “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem”.
Nessa sequência, prescreve o artº 3º do Dec-Lei 67/2003 de 8 de Abril: “o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue e o nº2 acrescenta que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou cinco anos a contar da data da entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”
Reportando-nos à situação dos autos, se a Demandante optou pelos processos de descoloração e ondulação, foi porque, naturalmente lhe foi facultada essa opção pela Demandada, tendo a Demandante efectuado duas assistências à prótese, a primeira a 21 de Agosto e a segunda em 19 de Setembro de 2013, bem como adquiriu produtos específicos para o efeito, no entanto, logo em 24 de Setembro, a Demandante informa a Demandada que o cabelo da prótese estava seco e espesso, tendo a partir do dia 29/09/2013, a prótese capilar começado a perder cabelo de forma constante e abundante.
Beneficiando a Demandante da presunção de desconformidade do bem em causa, enquanto a Demandada, por sua vez, se encontrava onerada com uma presunção de culpa, nos termos previstos no artº 799º do Cód. Civil, em que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, presunções essas que não foram elididas, conclui-se que a prótese não apresentava as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar.
Ora, a lei confere ao consumidor, como já supra referido, a escolha por uma das quatro soluções possíveis: a reparação ou substituição, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais, o que não se verifica.
A Demandante veio a optar pelo direito à resolução do referido contrato, pelo que, em consequência, tem direito à restituição do preço pago pela prótese, mediante, obviamente, a entrega da mesma à Demandada, no estado em que se encontra.
Peticionou ainda a Demandante a quantia de €2.000,00 por danos não patrimoniais sofridos.
Nos termos do artº 12º da Lei do Consumidor, tem a Demandante, cumulativamente com os direitos previstos no já citado artº 4º, o direito a ser indemnizada nos termos gerais.
Prescreve o artº 496º do Cód. Civil: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
Nesta matéria provou-se, que o mau estado da prótese, com as peladas de cabelo, entristeceu a Demandante, causando-lhe desgaste psicológico e diminuindo-lhe a auto-estima.
Face ao exposto e tendo em conta os factos provados, fixa-se, equitativamente, a quantia de € 300,00, nos termos dos artºs 4º e 566º nº3, ambos do Cód. Civil.
No que concerne às custas de parte, não se aplicando o Regulamento das Custas Judiciais, indefere-se o requerido.
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DECISÃO
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) declara-se resolvido o contrato de compra e venda objecto da presente acção e, por via disso, condena-se a Demandada a restituir à Demandante a quantia de € 1.398,13 (mil, trezentos e noventa e oito euros e treze cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até ao integral pagamento (art. 805º nº 1 do Cód. Civil, e Portaria nº 291/2003, de 08.04).
b) condena-se a Demandada a pagar à Demandante uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 300,00 (trezentos euros).
c) absolvo a Demandada do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento que se fixam em 50 % para cada parte, em conformidade com os artº 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.

Registe e notifique.
Porto, 27 de Novembro de 2015
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)