Sentença de Julgado de Paz
Processo: 33/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
NA MODALIDADE DE EMPREITADA
Data da sentença: 11/23/2016
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 33/2016-J.P.

Relatório:

A Demandante, A, NIF. -----, residente na rua .-----, no concelho do Funchal.

Requerimento Inicial: Alega em suma que contratou com a demandada a substituição do soalho da sua habitação, bem como a pintura das paredes dos quartos onde o soalho foi substituído, e na casa de banho. O serviço foi iniciado a 6/08/2012 e terminou a 20/08/2012. No exercício dessa atividade a demandada emitiu as faturas que ora junta, e que perfazem a quantia de 2.969,30€, que foram pagas pela demandante. No ano seguinte após a conclusão da obra surgiram problemas no soalho, nomeadamente as madeiras ficaram torcidas, sendo desadequada face ao que foi contratado. E, surgiram fendas no interior e exterior das paredes da habitação, nomeadamente num dos quartos sentem-se odores de uma possível danificação do sistema de esgotos, o qual fica por baixo do soalho. Pelo que, interpelou a demandada no sentido de reparar estes danos. Para o efeito socorreu-se da DECO. No entanto, aquela não resolveu o problema, pois limitou-se a efetuar pequenos remendos de má qualidade, nomeadamente pregou pregos no soalho que não deixam fechar a porta, mas não resolveu os outros problemas existentes no soalho, ignorando os defeitos denunciados. Sucede que em Fevereiro/2016 parte do soalho de um dos quartos acabou por abater, por este motivo solicita vistoria de forma a aferir dos defeitos referidos, pois a obra deveria ser duradoura, o que não sucede. Na sequência, solicitou a uma empresa de carpintaria um orçamento para efeitos de reparação deste dano, o qual perfaz a quantia de 9.015,80€, como se junta. Conclui pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de 9.015,80€, por danos materiais. Junta 2 documentos. Requer a realização de vistoria ao imóvel para aferir os danos.

MATÉRIA: Ação de responsabilidade contratual, enquadrada no art.º 9, n.º1 alíneas I) e H) da LJ.P.

OBJETO: Incumprimento do contrato de prestação de serviços, indemnização por danos.

VALOR DA AÇÃO: 9.015,80€.

A demandada, B, Unipessoal, Lda., NIPC. -------, com sede na -------------, no concelho do Funchal.

Contestação: Efetivamente realizou a obra no valor de 2.969,30€. Os materiais e utensílios foram fornecidos por si e correspondem a uma obra de qualidade média, a qual foi de acordo com as possibilidades da demandante. No final desta, a demandante verificou e aceitou o serviço. Alega ainda que viu os defeitos no ano seguinte após a conclusão da obra e que os denunciou 2 anos após a conclusão da obra, porém a demandada só com esta ação teve conhecimento dos mesmos, e a verdade é que atualmente os eventuais direitos que pudesse ter caducaram, não podendo ser judicialmente exigidos. Aceita o vertido nos art.º 1 a 4 do R.I., impugnando o restante. Esclarece que nunca procedeu a qualquer reparação, não tendo sido interpelada para esse efeito. De facto, em Outubro ou Novembro de 2015, foi contactada pela demandante para lhe enviar a fatura/recibo n.º 199 referente á pintura, o que fez. Esclarece que após a conclusão da obra, a demandante solicitou novo orçamento para reparar o pavimento exterior da casa, o qual era em calçada de calhau, assente sobre terra e estava em risco de ceder, tal facto apenas demonstra que a relação das partes era boa. Após a apresentação do orçamento aquela não aceitou, pois não tinha meios financeiros. Acrescenta que não danificou sistema de esgoto pois não existiam quaisquer tubos debaixo do soalho, e não têm qualquer ligação com a obra realizada. Na realidade a cada da demandante tem 2 andares, possui mais de 50 anos e está em mau estado de conservação, tendo o pavimento exterior deteriorado e em risco de ceder. A fragilidade e decadência da estrutura da casa pode desencadear danos, sem que haja responsabilidade por esse facto. Impugna, ainda, o orçamento, pois não é responsável pelo esgoto, nem pelas fissuras, para além disso está empolado pois mesmo que fosse de carvalho, não seria tão caro, sendo esta madeira de qualidade superior. Conclui pela procedência da exceção, e absolvição do pedido. Junta 10 documentos.

Notificada á demandante, apresentou 1 documento, a fls. 51

Posteriormente, a demandada apresentou 1 documento, a fls. 60.

TRAMITAÇÃO:
Realizou-se mediação mas sem o acordo das partes.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIAS DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao art.º 26, n.º1 da LJP, mas sem obtenção de consenso das partes. Seguiu-se para produção de prova com audição de testemunhas, realização de inspeção ao local e alegações, de fls. 67 a 69 e 70 a 71.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I - DOS FACTOS ASSENTES (Por Acordo):
A)Que a demandante contratou a demandada para realizar o serviço de colocação de soalho em substituição do existente na sua habitação. Contratou, ainda, o serviço de pintura das paredes dos quartos onde o soalho foi colocado e na casa de banho.
B)A obra foi iniciada a 6/08/2012 e terminou a 20/08/2014.
C) No exercício dessa atividade a demandante emitiu as seguintes faturas; n.º 135 a 1/08/2012 no valor de 1174,51€, venda a dinheiro n.º 178 a 22/08/2012 no valor de 1000€, venda a dinheiro n.º 179 a 22/08/2012 no valor de 174,79€ e a fatura n.º 199 a 31/08/2012 no valor de 620€.
D) As quais perfazem o valor total de 2.969,30€, que foram pagas atempadamente pela demandante.

II - DOS FACTOS PROVADOS:
1)Que a obra foi adjudicada após orçamento apresentado á demandante.
2)Os utensílios e os materiais foram fornecidos pela demandada.
3)Após a conclusão das obras surgiram problemas no soalho.
4)As madeiras estão torcidas
5)Em Fevereiro de 2016 parte do soalho de um dos quartos abateu.
6)A demandante solicitou um orçamento para reparação dos danos causados a uma empresa de carpintaria.
7)O orçamento engloba serviços de carpintaria e também de pedreiro.
8)O orçamento que lhe foi apresentado possui o valor de 9.015,80€.
9)Que a demandante apresentou no dia 22/12/2012 reclamação contra a demandada junto da DECO.
10)Há reclamação á foi atribuída o número 34746/2012, e tinha por objeto defeitos no soalho.
11)O conflito foi objeto de mediação extrajudicial, sem obtenção de acordo das partes.
12)A demandada solicitou orçamento para reparar o pavimento exterior da casa, o qual é em calçada de calhau, assente sobre terra.
13)Mas não foi aceite por falta de meios financeiros.
14)O prédio onde a demandante habita possui 2 andares.
15)E, tem falta de pintura exterior.
16)Estando o pavimento exterior deteriorado.

MOTIVAÇÃO:
A decisão é sustentada essencialmente com base na inspeção ao local, realizada no passado dia 11/11/2016. Nesta o Tribunal constatou os defeitos do serviço realizado. Verificando que os rodapés foram mal colocados, pois além da falta de pedaços de madeira, que foi tentada colmatar com a colocação de uma massa de cor avermelhada, os rodapés foram colados às paredes com silicone de cor branca, vendo-se os remates, e com espaços significativos entre as ripas dos rodapés. Algo que se verifica em todas as divisões e, também, no corredor.
Foi, ainda, verificado que as tábuas do soalho estão a ondular, o que sucede em todas as divisões e no corredor, e na divisão do lado direito da habitação estão levantadas algumas tábuas, vendo-se a parede por baixo do rodapé, pois há um espaço onde o soalho deveria encaixar na ligação na parede.

Na inspeção realizada, a demandante, autorizou o levantamento de umas tábuas do soalho, na divisão junto á casa de banho, pois suspeitava que a estrutura do soalho não foi executado com madeira nova, conforme constava do orçamento. Após serem retiradas, verificou-se que apenas 3 dos barrotes de suporte, somente o que estava junto á parede era novo, isto pela cor e aspeto, os restantes tinham aspeto velho, e com pequenos furos de bicho na madeira, mais se verificou que estes estavam soltos da extremidade da estrutura.

O depoimento da testemunha, C, não foi valorado, pois das suas declarações, o Tribunal percebeu que a testemunha tinha participado na mediação. Ora, este estava sujeito ao princípio da confidencialidade previsto no art.º 5, n.º 1 e 4 da L. 29/2013 de 19/04, e ignorou-o mas tal comportamento merece censura.

O depoimento da testemunha, D, embora fosse esclarecedor, alguns dos factos não eram do seu conhecimento pessoal, mas indirecto, assim apenas foram valorados os factos que teve conhecimento direto e pessoal. Auxiliou na prova dos factos com os n.º 1, 2,3,4, 5,67,8 e 12.

O facto complementar de prova com o n.º 1 resulta do documento junto com a contestação, de fls. 33 a 34.

Os factos complementares de prova com os n.º 9, 10, 11, resultam do documento junto a fls. 51.

Os factos não provados resultam de ausência de prova nesse sentido.

III - DO DIREITO:
O caso dos autos é referente a um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, regulando-se pelo disposto no art.º 1207 do C.C. e também pelas leis que regulam os direitos do consumidor, pois a demandada atuou contratualmente e no âmbito da respetiva profissão, Lei n.º 24/96 de 31/07, e os Dec. Lei n.º67/2003 de 08/04 com as alterações constantes do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05.
Questões: danos, caducidade do direto, e indemnização.

Estamos face a um contrato de empreitada (art.º 1207 do C.C.) a qual consiste na realização de uma obra, mediante um preço.

Mais foi provado que, a obra foi adjudicada á demandada, após apresentação de orçamento elaborado para o efeito, e de acordo com o mesmo, aquela forneceu os utensílios e os materiais.

A obra foi realizada pela demandada, no exercício da sua atividade, podendo dizer-se que atuou em termos profissionais, e sendo esta uma atividade remunerada, é-lhe aplicável o do Dec. L. n.º 84/2008 de 21/05 por força do constante no art.º1-A, n.º2.

De facto, nos termos do art.º 4 da LDC, a demandada tem direito à qualidade do serviço, e tendo em consideração que se tratava de uma empreitada há que atender ao disposto no art.º 1208 do C.C. Segundo este, considera-se cumprimento defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou vícios, configurando deformidades as discordâncias relativas ao plano convencionado e vícios as imperfeições que excluam ou reduzam o valor da obra ou a sua aptidão para o uso normal da coisa.

Os vícios, vulgarmente designados por defeitos, podem ser aparentes ou ocultos, e revelando os existentes á data de entrega de obra, quer os subsequentes a tal entrega.

Na inspeção ao local o Tribunal constatou os defeitos denunciados. Em relação aos mesmos o Tribunal não pode considerar que a obra foi executada em conformidade com o solicitado e muito menos sem vícios.

De facto não me parece plausível que alguém que esteja a pagar um serviço aceite que exista espaços grandes entre as ripas dos rodapés, colmatados com uma massa de cor avermelhada, e noutros locais falte mesmo pedaços de ripas, e que os rodapés não unam entre si nas esquinas das divisões.

Isto é um exemplo de má execução do serviço contratado. Contrariamente ao que a demandada alega, nada tem que ver com o facto de, a casa onde a demandante reside, ser antiga e de precisar, exteriormente, de obras de remodelação, pois a falta de pedaços de madeiras, e os espaços muito largos entre as mesmas nos rodapés e espaços até há ombreira das portas, não pode ser imputada a idade do prédio, e falta de manutenção exterior. Isto significa que a madeira dos rodapés não chegou, e em vez de colocarem os pedaços em falta, resolveram tapar os espaços com uma massa que nem se assemelha á madeira e noutros locais nem colocaram nada. Ora sendo os rodapés o remate de qualquer soalho significa que a obra foi mal executada.

Mas, não está apenas em causa os acabamento, os rodapés, também o restante soalho apresenta problemas, e não são poucos, conforme se constatou na inspeção ao local.

De facto, o solho que foi colocado em todas as divisões e no corredor está ondulado, e na divisão sita á direita, face á entrada do imóvel, além de estar ondulada na entrada, perto da parede oposta á porta da divisão, tem 4 tábuas do soalho levantadas, e separadas da parede, vendo-se inclusive a parede por baixo do soalho.

A implantação de um soalho em tábuas corridas, no piso térreo não deve ser feita antes do seu adequado levantamento, o reforço da sua base/estrutura mediante a colocação de novos barrotes, por cima da estrutura deve então colocar-se as tábuas, previamente impermeabilizadas, e tratadas, e finalmente devem ser afagadas de forma a obter uma uniformidade no piso, e por fim envernizadas, algo que a demandada nem pode alegar desconhecer, pois no seu orçamento, de fls. 33 a 34, menciona precisamente estes serviços, os quais estavam incluídos na empreitada que lhe foi adjudicada.

Quer isto dizer que a demandada sabe a teoria, agora restava executar o serviço desta forma. Ora a ondulação nas tábuas evidencia que as tábuas do soalho não estavam devidamente secas quando foram colocadas, de tal forma que se agravou e culminou mesmo com o levantamento, espontâneo, de algumas tábuas, isto na divisão que fica á direita do imóvel. Mas a ondulação é notória também nas outras divisões e corredor.

Para além disso, na inspeção realizada a demandante autorizou o levantamento de umas tábuas do soalho ma divisão junto á casa de banho, pois suspeitava que a estrutura deste não foi executado com madeira nova, conforme constava do orçamento. Após serem retiradas e vendo-se apenas 3 dos barrotes de suporte apenas o que estava junto á parede era novo, isto pela cor e aspeto, os restantes tinham aspeto velho, e com pequenos furos de bicho na madeira, mais se verificou que estes estavam soltos da extremidade da estrutura. Ora daqui se explica que as tábuas do soalho que foram colocadas por cima da estrutura acabem por ondular, já que a sua base, a sustentação do soalho, não foi executada em termos adequados, não sendo aplicado em toda a estrutura barrotes novos, o que contraria aquilo a que se obrigou.

De acordo com o disposto no art.º 2, n.º2 do mencionado Dec. Lei foi estabelecida uma presunção legal, nos termos da qual presume-se que o defeito já existia no momento da entrega da obra. Assim, competia á demandada elidir esta presunção legal (art.º 350, n.º1 do C.C), de forma a afastar de si o incumprimento da sua obrigação, que no fundo era ter executado a obra em conformidade com o acordado.

Ora a demandada, como profissional da arte da construção civil, nomeadamente da área da carpintaria, tinha a obrigação de saber os riscos implicados numa obra como aquela, onde se implantam delicados materiais como a madeira, numa estrutura, que se encontra desajustada às qualidades desses materiais.

Note-se que o documento que juntou a fls. 37, o qual alega ser a ficha técnica do pavimento que foi colocado, merece alguns reparos. De facto, não está provado que o documento corresponda efetivamente á madeira que se encontra colocada no imóvel da demandante. De facto, pela análise de tal documento, que não possui datas, nem quantidades, tanto se pode referir á madeira aplicada naquela casa como em qualquer outra. Por outro lado, e pressupondo que realmente corresponde, estranha-se que apresente os documentos de fls. 35 e 36, referente á aquisição daquelas madeiras, pois a referida ficha, que alega ser a garantia das madeiras aplicadas, provem de uma empresa sediada no continente e as madeiras foram adquiridas a outra empresa, sediada em Câmara de Lobos, conforme também apresenta.

Devido a esta discrepância não pode considerar-se que a referida ficha técnica comprove que a madeira possui qualquer garantia, e muito menos que a madeira em causa seja aquela que corresponde á ficha técnica, motivos pelo qual se desvaloriza o referido documento.

Do exposto resulta que a demandada não conseguiu elidir a presunção legal de falta de conformidade do bem, algo que se verifica a olho nu, até para um leigo em carpintaria, pelo que é responsável perante o seu cliente, a ora demandada, pelas faltas de conformidade que existam (art.º 3, n.º1 do Dec. Lei. n.º 84/2008 de 21/05) e se manifestem no prazo de garantia.

A garantia legal difere consoante se trate de uma coisa móvel, a qual dispõe do prazo de 2 anos, ou imóvel, a qual possui a garantia de 5 anos (art.º 3, n.º2 do Dec. Lei. n.º84/2008 de 21/05).

Conforme se referiu está em causa uma empreitada de um soalho em madeira e respetiva estrutura. Na realidade, o soalho embora faça parte de uma casa é constituído por elementos diversos da mesma, agora é preciso qualificar juridicamente esta coisa.

A doutrina vem definindo as partes componentes de um prédio como aquelas que fazem parte da sua estrutura e sem as quais ele está incompleto ou impróprio para o fim a que se destina e as partes integrantes como aquelas que estando ligadas ao prédio com carácter de permanência lhe aumentam a utilidade, mas sem que a sua falta o torne incompleto ou imprestável (in Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, pág. 237, e também in Mota Pinto, Lições de Direitos Reais, 1970-71, pág. 84).

Assim, são considerados como componentes aqueles elementos de uma coisa que a formem na sua totalidade, não podendo dela ser separados sem a destruir. São nela incorporados, como sendo elementos constitutivos, passando a serem abrangidos pelo direito de propriedade (ou qualquer outro direito real).

Por sua vez, as partes integrantes são coisas, por sua natureza originariamente móveis, mas cujo serviço útil só pode ser prestado estando materialmente ligados a outra coisa o que altera, em princípio, a sua natureza. Estão ao serviço de um prédio mas não chegam a ser elementos da própria estrutura dele.

Não se confunde com o seu todo, deixando de poder ser identificado ou individualizado, embora sem prejuízo da sua natureza mobiliária dado o disposto no art.º 204º, n.º 3 do Código Civil.

Na verdade, embora seja qualificado como coisa móvel, ao ser incorporado materialmente num imóvel, perde autonomia, sobretudo se se tratar de uma incorporação duradoura, e não meramente temporária. Na realidade, um prédio sem soalho deixa de cumprir a sua função, sobretudo se for habitacional, por isso o soalho é considerado como parte integrante quando instalado num prédio. Porém, a madeira que o compõe mantêm a sua individualidade, não se confunde com o todo, pois continua a ser identificada ou individualizada, podendo ser retirada ou substituída, como foi o caso dos autos, e pode também ser objeto de negócios autónomos, conforme foi o caso.

Na realidade, sendo este considerado como parte integrante do prédio, segue o mesmo regime das coisas imóveis, pois está ligado materialmente ao prédio, contribuindo para a comodidade do seu proprietário conforme resulta do art.º 204, n.º3 do C.C.

A qualificação do soalho era importante pois desta depende o prazo legal de garantia sobre a obra, a qual se conclui ser de 5 anos, e também o prazo que a lei lhe concede para denunciar os referidos defeitos.

Na realidade, a lei impõe ao cliente/consumidor, o ónus de denunciar os defeitos que verifique na obra no prazo de 1 ano, atendendo ao facto de seguir o mesmo regime das coisas imóveis (art.º 5-A, n.º2 do Dec. Lei. n.º 84/2008 de 21/05), e impõe-lhe ainda o ónus de intentar a correspondente ação no prazo de 3 anos, após a denúncia (art.º 5-A, n.º3 do mencionado Dec. Lei. n.º 84/2008).

Trata-se de uma dupla oneração para o consumidor, sob pena de se considerar procedente a exceção de caducidade do direito, suscitada pela demandada, pelo que cumpre verificar.

A demandante alega logo no R.I., art.º 7 que interpelou a demandada para reparar os defeitos que detetou, um ano após a conclusão da obra, através da DECO.

Por sua vez a demandada alega que nunca teve conhecimento dos defeitos, apenas com a ação ficou ciente da existência dos mesmos.

Para o efeito de prova, apenas temos dois documentos apresentados pela demandante, cumpre assim analisa-los de forma a verificar se cumprem os requisitos de uma denúncia contratual, pois embora a lei não explique como deve ser feita, a verdade é deve existir em termos inequívocos, seja expressamente, seja por meios tácitos, isto é, quando existam factos, dos quais se depreenda, com toda a probabilidade, a sua clara intenção (art.º 217 do C.C.).

Assim, verifica-se que o documento junto a fls. 51, constitui a certificação da apresentação de uma reclamação da demandante junto da DECO, a entrou no dia 22/12/2012 e foi atribuída o n.º 34746/2012. Desta consta que a reclamação era dirigida á ora demandada, com o objeto, defeitos no soalho. Qua a mesma foi objeto de mediação extrajudicial e não obteve o acordo das partes.

Do exposto se conclui que afinal a demandada já anteriormente tivera conhecimento dos alegados defeitos. Não obstante, os defeitos que foram denunciados não constam daquele documento junto, pelo que se desconhece o objeto concreto da reclamação.

Posteriormente, a fls. 60 foi junto outro documento relativo ao mesmo número de reclamação 34746/2012. Desta consta que a representante legal da demandada no dia 2/06/2016 esteve nas instalações da DECO para esclarecer as dúvidas relativamente á reclamação apresentada pela consumidora, a ora demandante. Do mesmo consta, ainda, que a pessoa que esteve nos serviços da DECO, e se disponibilizou em nome da demandada para realizar as reparações, não deu conhecimento do facto á gerência, que desconhecia os mesmos, até ser citada para esta ação.

Ora se facto a gerência ignorava, a verdade é que, também, não se preocupou em saber que funcionário se fez passar por ela, como se isso fosse normal. A verdade é que não é um comportamento correto mas o mesmo parece nem ter importado, facto que o Tribunal constatou na audiência, pelo que ficou com dúvidas se não era manobra dilatória habitual em situações semelhantes.

Na realidade, o Tribunal pode concluir, que com certeza ocorreu uma reclamação contra a demandada, ainda, em 2012 e não no ano seguinte á conclusão da obra. Do exposto resulta que os defeitos surgiram logo assim que a demandante analisou a obra, pois tal como o Tribunal constatou na inspeção, a má realização dos acabamentos da obra, ou seja, os defeitos existentes nos rodapés de toda a casa, tinham necessariamente que existir e eram visíveis após a conclusão da obra, o que resulta do senso comum.

E, em relação a estes a demandante tinha o prazo legal de 1 ano para os denunciar e 3 anos após a denúncia para intentar a respetiva ação. Ora se concluirmos que o documento a fls. 51 representa a denúncia da demandante deveria a ação ser intentada até 23/12/2015, esta foi intentada, apenas, a 22/01/2016, pelo que em relação a estes tem de concluir-se pela caducidade do direito, pelo decurso do prazo legal.

Quanto ao facto das madeiras estarem torcidas, o Tribunal identificou o mesmo como sendo a ondulação, que é visível a olho nu, no soalho das várias divisões e corredor, e sentida ao pisar-se o soalho. Quanto a este não se consegui provar quando surgiu, e se era também um defeito visível ou se surgiu após a conclusão da obra, embora não restem dúvidas que, se trata de defeito.

Por outro lado, da reclamação que dispomos, em termos genéricos, também não se consegue perceber se efetivamente o referido defeito já existia aquando da reclamação ou se surgiu posteriormente. Não obstante, é a própria demandante que alega no art.º 5 do R.I. que surgiram um ano após a conclusão da obra, e se tal sucedeu não consta dos autos qualquer outro elemento, do qual possamos concluir que fosse feita a devida denúncia, pois aquela que apresentou era de 2012 e se essa foi a única reclamação, não se pode dizer que esse defeito surgiu no ano de 2013.

De facto a lei impõe o ónus de denunciar os defeitos que forem surgindo no prazo da garantia legal. Como é evidente, há defeitos que não são imediatamente visíveis e vão surgindo com o passar do tempo, mas para estes deverá denunciá-los no prazo legal, ou seja, até 1 ano após o respetivo aparecimento. E, para estes não vale a denuncia que apresentou no final de 2012, devendo efetuar novas denuncias. Algo que não provou ter feito, pelo que se conclui pela caducidade, nos termos do art.º 5-A, n.º1 do Dec. Lei 84/2008 de 21/05.

Quanto ao levantamento do soalho da divisão que existe no lado direito, da porta de entrada, do prédio onde habita, cumpre esclarecer que foi uma nova situação, como aliás transparece do art.º8 do R.I, alegando ter aparecido no dia 9/02/2016.

Ora a ação foi intentada a 22/01/2016, e não se ignora que o Tribunal solicitou que realizasse o devido aperfeiçoamento ao R.I., isto no passado dia 23/01/2016, e a ação aperfeiçoada entrou precisamente no último dia do prazo que lhe foi concedido, surgindo com este novo defeito. Porém, tratando-se de uma nova situação, que surgiu no prazo legal de garantia, para que possa agora pedir em juízo qualquer quantia em relação á mesma deve previamente denunciar o defeito.

Ora esta ação, quanto muito valerá como denúncia do referido defeito, já que até esse momento a demandada não poderia conhece-lo, o que resulta da lógica comum, por isso tenho de dar razão á demandada quando alega que o desconhecia até ao momento de ser citada nos autos.

Quanto ao pedido deduzido, a demandante, embora beneficiasse de outros direitos facultados pela LDC, nomeadamente a reparação dos defeitos, a substituição, a resolução do contrato ou redução do preço pago (art.º4, n.º1 do Dec. Lei 84/2008 de 21/05), optou somente por um pedido de indemnização por danos materiais.

Este é deduzido nos termos gerais, por força do disposto na Lei n.º12, n.º1 da LDC. Contudo, não nos se esquecer do contrato subjacente ao pedido, a empreitada, que no art.º 1223 do C.C. refere precisamente a possibilidade de ser indemnizada nos termos gerais.

Esta indemnização prende-se com os prejuízos que não possam ser compensados com a eliminação dos defeitos ou redução da empreitada, uma vez que está em causa o cumprimento defeituoso do contrato, pois como resulta do próprio R.I. a demandada procedeu á realização da obra mas fê-lo em termos desadequados, o que equivale em termos jurídicos, ao cumprimento defeituoso do contrato.

Este tipo de indemnização, por violação contratual positiva, limita-se a compensar os danos que a demandante tenha sofrido e tenham um nexo de causalidade com os defeitos da obra. Quer isto dizer que não pode abranger todo e qualquer dano.

De facto, não há dúvida da responsabilidade da demandada, conforme já anteriormente se referiu, valendo para o efeito, o facto de não ter conseguido elidir a presunção legal, o que equivale a considerara-se o como defeituoso o cumprimento da sua obrigação, sendo esta culposa (art.º 799 do C.C.), já que também não obedece á legis artis.

Para o referido efeito, a demandante, apresenta um único documento, a fls. 18, o qual consiste num orçamento elaborado por outra empresa, para refazer a obra, ou seja, a estrutura e colocação de novo soalho, e também inclui outro serviço, referente a danos materiais que não conseguiu provar ter sofrido, nomeadamente os danos no esgoto e fendas na parede.

Ora, este documento não pode valer para o referido efeito, pois não reúne os requisitos legais de uma violação positiva contratual, além disso a demandante não alega factos que possam ser considerados como tal, o que devia ter feito, por este motivo indefere-se o requerido.

DECISÃO:
Nos termos expostos julga-se a ação não procedente, absolvendo-se a demandada do pedido.

CUSTAS:
São da responsabilidade da demandante, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros) no prazo de 3 dias úteis, sob pena de aplicação da sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), Portaria n.º 1456/2001 de 28/12.
Em relação á demandada proceda-se em conformidade com o art.º 9 da Portaria n.º1456/2001 de 28/12.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Funchal, 23 de Novembro de 2016

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)

(Margarida Simplício)