Sentença de Julgado de Paz
Processo: 227/2018-JPBBR
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL. INDEMNIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE VIAÇÃO. DESPISTE. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
Data da sentença: 01/30/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc.º 227/2018-JPBBR

DEMANDANTE: A., com NIF: 000, residente na Rua XX Coto.
DEMANDADA: B., S.A., com NIPC: 000, com sede na Avenida XX, Lisboa.
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OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante, intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea h) do n.º1 do artº 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 11.024,03 (onze mil e vinte e quatro euros e três cêntimos) a título de indemnização por danos resultantes de acidente de viação – despiste – correspondendo € 8.694,03 ao valor da reparação do veículo sinistrado e € 3.350,00 correspondentes à imobilização do veículo nos termos plasmados no requerimento Inicial, de fls. 3 a 12.
Juntou 8 documentos, de fls. 13 a 44, que se dão por reproduzidos.
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A Demandada apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 64 a 85. Em resumo alega que se verifica uma causa de exclusão da responsabilidade da Demandada, prevista na cláusula 40.ª, n.º 1, c), constante do contrato de seguro, pela qual está excluída a responsabilidade quando “…. voluntariamente e por sua iniciativa abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade;” o que se verificou.
Não juntou documentos.
Não se realizou a sessão de pré-mediação por a Demandada ter prescindido da mesma. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito e com observância do legal formalismo consoante resulta da respetiva Acta de fls. 142 / 143 e 147, sendo que foi necessária a produção de prova adicional.
O Demandante apresentou quatro testemunhas e a Demandada duas testemunhas, e foram ouvidas mais duas testemunhas essenciais para a descoberta da verdade dos factos. Foram ainda juntos dois documentos, de fls.134 e 135, que se dão por reproduzidos.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 11.024,03 – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas.
Não existem outras excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1. O Demandante tem registado a seu favor a propriedade do veículo automóvel de marca MM, modelo ZZ, com a matrícula 00-LB-00, doravante LB (cfr. doc. 1, fls. 13);
2. No dia 14 de junho de 2017, pelas 18.50 h, na zona de Rua YY, em Alfeizerão, o condutor do LB despistou-se, saiu da estrada indo bater num poste de suporte de linhas telefónicas que partiu e caiu sobre uma vedação em rede atigindo algumas estacas de sustentação da mesma e do qual resultaram danos no veículo, rede e poste da PT;
3. A rede danificada era propriedade da testemunha C.
4. O veículo era conduzido pela filha do Demandante D. ou pelo companheiro desta E., com autorização do Demandante.
5. C., ao chegar ao seu terreno viu o carro acidentado e a rede danificada e deslocou-se ao local onde se encontrava o Sr. E. exaltado e a D. D.
6. Viu o veículo que já estava carregado no pronto-socorro.
7. D. Ligou para casa e pediu para ligarem ao mediador para saber se era necessário chamar as autoridades.
8. O mediador de seguros F. afirmou que não era necessário chamarem a GNR pois foi-lhe transmitido que não havia terceiros envolvidos, feridos ou quaisquer danos.
9. Tirou fotografias ao mesmo que enviou para a GNR e Seguradora.
10. Este face à falta de identificação do condutor, afirmou, de forma perceptível e junto a E. e D. que ia chamar a GNR, tendo estes tomado conhecimento de tal facto.
11. C. chamou a GNR.
12. E. ligou ao seu colega G. Sérgio Antunes que se deslocou ao local com sua mulher e filho, pois encontrava-se a fazer compras.
13. Carregado o veículo, E. e D. foram embora, em simultâneo com a saída do pronto-socorro.
14. E. e D. saíram do local do acidente antes da chegada da GNR.
15. G. deu boleia a D. e E. deixando-os em casa.
16. A GNR chegou ao local 40 a 45 minutos após ter sido chamada.
17. O agente da GNR H. elaborou o Auto de Participação de Acidente de Viação, de fls. 32 a 34, com base nas declarações de C. e vista do local.
18. No Auto consta que se verifica “condutor em fuga”, por o veículo e seu condutor não se encontrarem no local do acidente.
19. À data do sinistro estava em vigor o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre o Demandante e a Demandada relativo ao LB, titulado pela apólice 000, mediante o qual aquele transferiu para esta a responsabilidade civil da circulação automóvel do veículo LB (cfr. doc. 2, a fls. 14 a 29, cujo teor se dá por reproduzido).
20. No âmbito do referido contrato de seguro estavam transferidas para a Demandada para além da cobertura de responsabilidade civil obrigatória, as coberturas facultativas de danos próprios, nomeadamente “choque, colisão, capotamento e quebra isolada de vidros”. (cfr. doc. 2, a fls. 14 a 29, cujo teor se dá por reproduzido).
21. Da apólice consta o capital seguro no montante de € 9.187,50, sem franquia (doc. 2, fls. 14 a 29 cujo teor se dá por reproduzido).
22. Em caso de acidente, a apólice abrange veículo de substituição por um período de 30 dias/2 ocorrências ano (cfr. doc. 2).
23. No âmbito do contrato de seguro celebrado entre o Demandante e a Demandada, nas Condições Gerais da Apólice, estão previstas cláusulas gerais de exclusão de responsabilidade (art.º 5º) e cláusulas específicas dos Riscos e Garantias de Subscrição facultativa (Clausula 40.ª) Cfr. doc. 2, fls. 14 a 29).
24. Quanto à cobertura facultativa de danos próprios a cláusula 40.ª estabelece que para além das exclusões previstas no art.º 5, o contrato também não cobre nomeadamente “ c) Sinistros resultantes de demência do condutor do veículo ou quando este conduza em contravenção à legislação aplicável à condução sob o efeito do álcool, ou sob a influência de estupefacientes, outras drogas ou produtos tóxicos, bem como quando voluntáriamente ou por sua iniciativa, abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade.”
25. Em 15 de julho de 2018 a filha do Demandante efectuou a devida participação junto da Demandada.
26. Em 25 de julho de 2018 a Demandada enviou uma carta ao Demandante a informar que não assumia a responsabilidade pela regularização do sinistro por aplicação da cláusula 40, n.º 1 alínea c), constante da Apólice de Seguro Automóvel, que exclui a responsabilidade pelos sinistros “...quando voluntariamente e por sua iniciativa abandone o local do acidente de viação antes da chegada da autoridade policial quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade”. (cfr. Doc. 5, fl.s 35).
27. Em 01 de agosto de 2018 a Demandada enviou nova carta ao Demandante informando que após uma reanálise cuidada ao processo reitera a decisão já comunicada na carta de 25 de julho de 2018. (cfr. Doc. 6, fl.s 36).
28. O veículo LB sofreu os danos constantes do documento junto a fls. 134, que se dá por reproduzido.
29. O veículo encontra-se por reparar desde a data do sinistro e até à presente data.
30. O Demandante é proprietário de pelo menos mais dois veículos idênticos ao veículo sinistrado e que são utilizados pelo Demandante, um TT e um SS.
31. Era usual o veículo LB ser conduzido quer por D., quer por E.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa consideram-se não provados os factos não consignados, nomeadamente não se considera provado:
1. Era a filha do Demandante que conduzia o veículo LB e sofreu o acidente.
2. Era E. que conduzia o LB e sofreu o acidente.
3. E. foi chamado ao local por D., tendo chegado após a ocorrência do mesmo.
4. E. e D. desconheciam que tinha sido chamada a GNR ao local.
5. O valor da reparação do veículo cifra-se em € 8.674.03.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Os factos assentes resultaram essencialmente da conjugação e ponderação dos factos admitidos pelas partes nos seus articulados, com os documentos constantes dos autos, da prova testemunhal - depoimentos produzidos em Audiência de Julgamento, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 655º do Código de Processo Civil e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C.Civ). Especificando:
Foram especialmente relevantes os testemunhos de: G., testemunha apresentada pelo Demandante, amigo e colega de trabalho de E. que depôs de forma clara isenta e credível, vindo clarificar e contrariar a versão apresentada quer por D. quer por E. Ora, o mesmo afirmou que foi contactado telefonicamente por E., pelas 18.50 h, que pediu a sua ajuda pois “… bateram contra um poste, tinham tido um acidente.” Quando chegou ao local a viatura já estava em cima do reboque, havia uma vedação tombada e um poste partido. Não havia mais nenhuma viatura e não viu o jipe que E. costumava conduzir. Esteve no local cerca de meia hora tendo ido com a mulher e filho, pois estavam nas compras. Carregado o veículo fora todos embora, tendo este levado E. e D. no seu carro e “…iam conversando, estando a D. muito nervosa…”, tendo-os deixado em casa. Confirmou que o Demandado tem outros veículos. Ora a versão dada pela testemunha D., filha do Demandante foi que ia a conduzir o veiculo LB e sem saber bem como perdeu o controle do carro e bateu no poste. Aflita ligou a E. que estava a trabalhar num terreno ali perto com o colega de trabalho. Ele veio logo de jipe e chegado ligou para a assistência em viagem enquanto ela ligava para o pai para ligar ao mediador de seguros. Este terá dito que não havendo feridos não era necessário chamar a GNR. Chegou o Sr C., proprietário do terreno que tirou fotografias e pediu a carta verde ao que ela acedeu. Este disse que ia chamar a GNR mas não o fez à sua frente.
Mais afirmou que o reboque tirou o carro e foi atrás dele no carro de E. Este foi com o colega pois iam ver outros terrenos. Afirmou que pôs a hipótese de o Sr. C. ter chamado a GNR e que seu pai tem outros veículos, um TT e um SS, usados por ele e pela mãe. Até hoje a carrinha está na oficina. No essencial a dinâmica dos factos relatada é contraditória com a versão da testemunha G., tornando-a pouco credível. Também E. apresenta uma versão de certa forma coincidente com a de D., mas contraditória com a de G., na medida em que afirma que tendo chegado após o acidente, com o colega, chamou o reboque e D. falou com o Sr. C., mostrou-lhe a carta verde e aquele tirou fotografias ao veículo. Não ouviu a conversa nem que aquele tinha chamado a GNR, mas ouviu dizer que ia chamar a GNR e colocou essa hipótese, mas não sabia se vinha ou não. Afirmou que D. foi embora na sua viatura e ele foi com o colega, tendo chegado a casa até antes dela. Por vezes também conduzia o veículo LB. O sogro tem mais dois veículos, um TT e um SS que costuma conduzir. As declarações da testemunha C., notificada pelo tribunal, mostrou-se igualmente isenta e credível e foi importante para esclarecer os factos. Este afirmou que pelas 19.40 h chegou do veterinário e viu um carro acidentado no topo do seu terreno. Tinha batido no poste e as suas redes estavam danificadas. Não viu quem era o condutor, mas havia alguém transtornado a falar alto. Esclareceu que era um jovem do sexo masculino com idade ente os 22 e 30 anos. Também estava uma jovem e para além destes só havia pessoas mais velhas. O veículo já estava carregado, com “as pessoas” no local. Pessoas que eram os dois jovens, esclareceu. Ninguém se assumiu como condutor do veículo LB, quando perguntou. Tirou fotografias ao veículo e enviou para a GNR e também para a seguradora. Afirmou que ia chamar a GNR, de forma perceptível, junto a D. e E. “ aos jovens” e efectivamente chamou a GNR que chegou cerca de 40 a 45 minutos depois. “As pessoas”, D. e E. abandonaram o local com o veículo, antes de chegar a GNR. Novamente este depoimento contradiz e descredibiliza os depoimentos de D. e E., no que respeita aos factos relativos à dinâmica do acidente e seu contexto e envolvência.
Os testemunhos de D. e E. mostraram-se assim pouco credíveis em alguns aspectos, baseando-se a convicção do tribunal essencialmente nas declarações das testemunhas G. e C, conjugados com os demais testemunhos. Contribuíram ainda os testemunhos da testemunha do Demandante: F., mediador de seguros que relatou que a mãe da D. lhe terá ligado perguntando que a filha tinha tido um acidente e se era necessário contactar a GNR, ao que perguntou se havia danos, feridos ou outras viaturas envolvidas, tendo esta respondido que não. Perante isso afirmou que não era necessário. Mais afirmou que se soubesse que havia danos teria dito que era necessário.
Testemunhas apresentadas pela Demandada: A testemunha I., disse ser coordenador de averiguações. Disse que foram promovidas averiguações de forma a verificar se o acidente ocorreu como relatado na participação. Afirmou que validou o relatório da averiguadora da equipa, mas não fez diligências no terreno. Foi J. que foi para o terreno e contactou os envolvidos e fez o levantamento dos dados. Pelo que lhe foi relatado pela referida perita J., que reproduziu em audiência, a situação enquadra-se na situação de abandono. Concluíram que o acidente não ocorreu como relatado. O Sr. C. retirou os dados da viatura e forneceu às autoridades. Sabe que na base de dados constam mais dois veículos propriedade do Demandante.
J. averiguadora do sinistro, fez as diligências no terreno para apurar se o acidente se deu como relatado. Houve algumas questões levantadas quanto à identidade do condutor e enquadramento contratual, falou com o Sr. C. e condutor do reboque que confirmaram que foi E. a fazer a chamada. Aquele afirmou que se dirigiu a E. e pediu identificação, tendo este se recusado. Então fotografa o veículo e os danos e como aquele se terá exaltado chama a GNR, tendo referido que o ia fazer. O casal teve conhecimento da chamada. Abandonaram o local antes da chegada da GNR. Conferiu que o demandante tem outros veículos: um TT, um SS e um tractor.
Foi ainda ouvido H., agente da GNR que elaborou o auto de Participação de Acidente de Viação, com base nas declarações do lesado C e vista do local. Quando chegou ao local apenas este se encontrava presente. Esclareceu que ao colocar no auto “Condutor em fuga – sim”, o fez porque se trata de um campo de preenchimento obrigatório – sim / não e que pôs sim porque o condutor não esperou pela GNR.
Quanto ao conhecimento, por D. e E., de que tinha sido chamada a GNR, contribuiu igualmente a confissão constante do requerimento inicial, nomeadamente, nos artigos, 14º, 17º, 24º e 26º do requerimento inicial dos quais se depreende que efectivamente tinham esse conhecimento.
Mais foram tidos em conta factos notórios e factos instrumentais que resultaram da instrução e discussão da causa, nos termos do n.º 1 do artigo 514.º e do nº 2 do artigo 264º do Código de Processo Civil.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova, essencialmente por contradição de testemunhos, nos termos já descritos.
O documento 7, junto a fls. 37 a 43, foi impugnado pela Demandada, quanto à letra, assinatura e teor. Tratando-se de documento particular, aplica-se o artigo 374º nº 1 do Cód. Civil que estabelece que “A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando este declare não saber se lhe pertencem...”. Quanto à sua força probatória há que atender ao artigo 376º do mesmo código. Deste modo, a força probatória plena atribuída pelo n.º 1 do artigo 376º do C.Civil, às declarações documentadas, limita-se à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais. Impugnando, a parte contra a qual o documento particular foi apresentado, o conteúdo do documento, nos termos previstos no artigo 444º do Código de Processo Civil, cabe à parte que o ofereceu fazer prova da veracidade da subscrição pela pessoa a cuja autoria é atribuído. Cabendo ao Demandante fazer prova da veracidade dos factos alegados no Requerimento Inicial e tendo, a Demandada, impugnado o conteúdo, teor e dizeres dos vários documentos, não fica estabelecida a genuinidade do documento apresentado. Não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, os mesmos constituem apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador.
Ora o Demandante não apresentou prova complementar (testemunhal ou outra) que corroborasse o conteúdo do documento 7, efetivamente nenhuma testemunha descreveu os danos do veículo, nem mostrou ter conhecimento do valor necessário para a sua reparação. Deste modo o tribunal entende que o mesmo não é suficiente e bastante para, por si só, criar no tribunal a convicção de que os factos nele contidos correspondem à realidade.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO:
Nos presentes autos pretende o Demandante que a Demandada seja condenada a pagar-lhe a indemnização por danos no seu veículo e pelo período de imobilização do mesmo, supra identificado, de acordo com o contrato de seguro cuja apólice foi igualmente supra devidamente identificada. Na contestação a Demandada alega que após a participação procedeu a diligências necessárias à confirmação ou infirmação das circunstâncias em que ocorreu o acidente. Tendo sido elaborado um Auto de Participação do Acidente de Viação, com n.º 000/2018 (doc. 4), pela autoridade policial, verificaram que no mesmo consta “Acidente com fuga – Sim”, que houve danos numa rede e num poste telefónico e foi emitido um auto de Contra ordenação (n.º 9287/43861), por fuga do condutor. Das diligências resultou que o condutor seria E. e teriam abandonado o local bem sabendo que não o podiam fazer, impossibilitando a identificação do condutor, verificação da habilitação legal para conduzir e impedindo a recolha exacta dos danos, posição do veículo e vestígios, o que constitui ilícito contraordenacional. Invoca assim a cláusula especifica do riscos e garantia de subscrição facultativas, cláusula de exclusão de responsabilidade 40.ª, n.º 1, c), constante do contrato de seguro, pela qual está excluída a responsabilidade quando “…. voluntariamente e por sua iniciativa abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade;”.
Ora, o Demandante celebrou com a Demandada um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatória com cobertura complementar de danos próprios, causados, entre outros, por choque e colisão. Na sequência de um despiste do qual resultaram danos no veículo seguro o Demandante accionou esta cobertura. A Demandada, após investigação que providenciou, declinou qualquer obrigação de indemnizar, por cartas de 25 de julho e 01 de agosto de 2018, por entender se que verifica a causa de exclusão da sua responsabilidade prevista na Cláusula 40.ª, n.º 1, alínea c), reproduzida supra.
A questão em apreço é enquadrável nos normativos que disciplinam a matéria relativa ao cumprimento e incumprimento dos contratos em geral, estabelecidos no Código Civil e nos normativos específicos que regulam o contrato de seguro automóvel (Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril). O contrato de seguro é definido como um contrato formal, dado que é reduzido a escrito, constituindo a apólice de seguro o documento pelo qual uma entidade, a seguradora, se obriga a proporcionar a outrem, o segurado, a segurança de pessoas ou bens, mediante o pagamento de uma contraprestação designada prémio de seguro. Ao segurado é imposto o pagamento do prémio, de acordo com o acordado e estipulado na apólice e à seguradora incumbe, face à prova da existência do sinistro e de que o segurado cumpriu com as obrigações a que se vinculou, liquidar com diligência as obrigações devidas com a ocorrência dos factos previstos na apólice. Não obstante tratar-se de contratos de adesão, há a possibilidade de as partes adequarem o contrato de seguro a condições especiais, de acordo com o princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil. Relevante, a este propósito, é ainda o artigo 406º do mesmo código que estipula que os contratos devem ser pontualmente cumpridos. Além do princípio da boa- fé que deve nortear toda a tramitação contratual entre as partes, estendendo-se aos preliminares e formação do contrato (artigo 227º do Código Civil). No caso objeto dos autos, trata-se de um seguro do ramo automóvel com garantia de danos próprios no montante de € 9.187,50 e sem franquia, conforme resulta dos factos dados por provados.
No âmbito do contrato de seguro celebrado entre o Demandante e a Demandada, nas Condições Gerais da Apólice, estão previstas cláusulas gerais de exclusão de responsabilidade (art.º 5º) e cláusulas específicas dos Riscos e Garantias de Subscrição facultativa (Cláusula 40.ª) Cfr. doc. 2, fls. 14 a 29). Quanto à cobertura facultativa de danos próprios a cláusula 40.ª estabelece que para além das exclusões previstas no art.º 5, o contrato também não cobre nomeadamente “ c) Sinistros resultantes de demência do condutor do veículo ou quando este conduza em contravenção à legislação aplicável à condução sob o efeito do álcool, ou sob a influência de estupefacientes, outras drogas ou produtos tóxicos, bem como quando voluntariamente ou por sua iniciativa, abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade.
Resulta dos factos provados que o acidente efectivamente ocorreu, tendo o condutor do LB se despistado e colidido com um poste de linhas telefónicas que partiu e danificou a vedação do terreno de C., não se tendo apurado se o condutor era D. ou E., o que no caso é irrelevante, já que ambos conduziam o veículo do Demandante, seguro na Demandada, com a sua autorização. Resulta ainda provado que C., lesado com os danos na sua vedação, chamou as autoridades policiais, GNR, e fê-lo dando conhecimento a D. e que estes abandonaram o local, ao mesmo tempo que o veículo sinistrado que foi levado no reboque, antes da chegada das autoridades. Ora estes, admitiram danos em propriedade alheia, quer na vedação quer no poste o que só por si justificaria a presença das autoridades e tiveram conhecimento que a GNR ia ser chamada e mesmo assim abandonaram por sua iniciativa e exclusiva vontade, o local do acidente, o que admitem mesmo no seu requerimento inicial nos termos supra explanados. Assim impediram que as autoridades recolhessem os elementos essenciais do sinistro, confirmasse a habilitação legal para conduzir do condutor e lhe fizessem o teste de alcoolémia, a que o condutor, estava obrigado a submeter-se (art. 156, nº 1, 153, nº 1 e 152, nº 1 do CE).
O Demandante levanta ainda a questão da definição de “entidade” constante da cláusula de exclusão 40.ª, n.1, c) i fine “…. quando voluntariamente ou por sua iniciativa, abandone o local do acidente antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por si ou por outra entidade.”, entendendo que terá de ser uma “autoridade” e não uma pessoa individual. Não podemos corroborar este entendimento, já pela génese da palavra que significa “ente”, “ser” “ indivíduo” (sic Priberan dicionários), quer pela própria alínea que refere “… por si ou outra entidade” ou seja igual ou diferente ao próprio. Assim entende-se entidade qualquer sujeito individual ou colectivo, com ou sem autoridade. O facto de abandonarem voluntariamente o local do acidente antes da chegada da autoridade policial, quando esta tenha sido chamada por outra entidade, basta para que se dê como preenchida a parte final da cláusula de exclusão da responsabilidade da Demandada.
Em caso semelhante e no mesmo sentido pronunciou-se o TRC no Acórdão proferido em 24 de Abril de 2012, no processo 36/12. 9YRCBR.
Pelo exposto dou por verificada a causa de exclusão da responsabilidade da Demandada, improcedendo o pedido.
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DECISÃO:
Face ao exposto, julgo a presente acção improcedente e em consequência absolvo a Demandada do pedido.
Custas: A suportar pelo Demandante, parte vencida, (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro). O Demandante deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Proceda-se ao correspondente reembolso à Demandada, em conformidade com os arts. 8º e 9º, da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.

Registe, notifique e arquive após trânsito em julgado.

Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 30 de janeiro de 2019

A Juíza de Paz
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(Luísa Ferreira Saraiva)

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
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Julgado de Paz do Oeste