Sentença de Julgado de Paz
Processo: 26/2018-JPCSC
Relator: SÓNIA PINHEIRO
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 02/07/2019
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: ----SENTENÇA----
I. Identificação das partes
Demandante: A., NIF ....., casada, residente na Estrada .....Talaíde, São Domingos de Rana.
Demandados: C., NIPC ....., com sede na Avenida ......Lisboa, e D., residente na Rua ..... Campolide, Lisboa.

II. Objecto do litígio
O litígio reconduz-se ao pedido de condenação dos Demandados no pagamento da quantia de €6.064,00, a título de indemnização pelos prejuízos decorrentes de acidente de viação (al. h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (doravante LJP)).
Para tanto, inicialmente, a Demandante instaurou a acção contra a Demandada C., alegando os factos constantes do Requerimento Inicial (flªs. 1 a 37), que aqui se dá por reproduzido, juntando documentos.
Regularmente citada, a Demandada C. apresentou contestação (flªs. 42 a 46), que aqui se dá por reproduzida, onde invocou a excepção da ilegitimidade por não ter sido demandado o responsável civil e em virtude da Demandante beneficiar de seguro de responsabilidade civil automóvel com a cobertura de danos próprios.
Apesar de não ter sido notificada para o efeito, a Demandante ofereceu resposta a flªs 53, onde veio requerer a intervenção provocada do proprietário do veículo automóvel, com a matrícula 00-CD-00 à data do acidente, D. Juntou documento.
Foram os autos conclusos para julgamento, tendo sido admitida a resposta já que se afigurava útil à economia do processo, e relegado o conhecimento da excepção da ilegitimidade para momento ulterior.
A Demandada prescindiu da mediação.
Foi agendada audiência de julgamento para o dia 07.07.2018, não tendo a Demandada comparecido, pelo que a mesma foi adiada, tendo-se agendado o dia 20.07.2018 para o caso de ser requerida a justificação da falta. No dia 20.07.2018 foi aberta audiência, foram as partes convidadas a discutir os factos relativos à invocada ilegitimidade da C. e, face à não oposição da mesma, foi proferido despacho que admitiu a intervenção principal provocada de D., e ordenou a sua citação.
Válida e regularmente citado, o Demandado D., não apresentou contestação.
Foi designado o dia 29 de Novembro de 2018, pelas 10:00h, para a realização da audiência de julgamento, não tendo o Demandado D. comparecido e justificado a sua falta. Designado o dia 20 de Dezembro de 2018 para a realização da audiência de julgamento a mesma decorreu com obediência às formalidades legais como da Acta se infere, não tendo o Demandado D. comparecido nem justificado a falta. A Demandante juntou documento (flªs 136 a 138).
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Cumpre antes de mais apreciar e decidir da excepção de ilegitimidade passiva suscitada pela Demandada C.
Veio a Demandada C. suscitar a sua ilegitimidade suportada no facto da Demandante possuir seguro com cobertura de danos próprios. Cumpre referir que a legitimidade passiva se afere pelo interesse directo do demandado em contradizer, que se exprime pelo prejuízo que da procedência da acção advenha (artigo 30º do Código de Processo Civil), sendo certo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante, para efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo Demandante. Assim, a relação controvertida, tal como a apresenta o demandante, a forma e o conteúdo da sua pretensão é que consubstancia o objecto do processo, em face do que se afere a legitimidade e os outros pressupostos processuais, quase sempre determináveis por simples análise da petição inicial. Pelo que, verificados a causa de pedir e o pedido insertos no requerimento inicial, constatando-se a inexistência de seguro válido e eficaz do veículo 00-CD-00, e admitindo a Demandada que o veículo da Demandante estava segurado na F. ao abrigo da cobertura de danos próprios, considerando ainda o disposto no artº 51º, nº 2 do D.L. nº 291/2007, que determina a responsabilidade do Fundo, embora que limitada ao pagamento do valor excedente, é a Demandada parte legitima na presente acção.
Julga-se, assim, improcedente a excepção invocada de ilegitimidade, considerando-se a Demandada C. parte legítima na presente acção.
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Fixo à acção o valor de €6.064,00 (seis mil e sessenta e quatro euros) - cfr. artºs 306º nº 1, 297º nºs 1 e 2, 299º nº 1, todos do CPC, ex vi artº 63º da LJP.
O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença.
A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar (entre outros) uma “sucinta fundamentação”.
III. Fundamentação fáctica
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1. No dia 14 de Fevereiro de 2015, a Demandante encontrava-se na sua residência;
2. Quando de súbito é informada por um vizinho que se tinha verificado um embate no seu veículo ...., com a matrícula 00-EB-00, estacionado na via.
3. O embate foi provocado pelo condutor do veículo automóvel com a matrícula 00-CD-00, propriedade do co-Demandado D. Que se pôs em fuga, sendo desconhecido;
4. Aquando do embate, a matrícula do veículo 00-CD-00 ficou caída no local;
5. À data do embate, o veículo 00-CD-00 não possuía seguro automóvel obrigatório;
6. O veículo da Demandante estava segurado na F., ao abrigo da cobertura de danos próprios.
7. A Demandante accionou esse seguro para ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo veículo.
8. Em 26 de Fevereiro de 2015 a Demandante é informada pela sua companhia seguradora que, feita a peritagem, é perca total e definitiva do veículo.
9. Pelo que colocava à disposição o montante de €4.240,00 deduzida a franquia contratual de €500,00, que a Demandante veio a receber em 01 de Abril de 2015.
10. Deu ainda a conhecer que a proposta de aquisição do salvado era de €1.510,00, que a Demandante veio a receber em 06 de Maio de 2015.
11. A Demandante ficou sem veículo, sendo unicamente ressarcida de €5.750,00.
12. A Demandante requereu junto da Demandada C. o valor faltoso da sua indemnização.
13. Em 07 de Maio de 2015 é informada pela Demandada C. que a mesma assumia a responsabilidade indemnizatória conforme documento de flªs 28 e 29, cujo teor aqui se dá como reproduzido;
14. Porém a Demandada C. só assumiu o valor da franquia de €500,00, alegando ser apenas da sua responsabilidade o pagamento desse valor;
15. Desde 14 de Fevereiro de 2015 que a Demandante se encontrou privada do seu veículo.
16. A Demandante é funcionária pública, oficial de justiça, no Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste.
17. Cumpre horários de entrada ao serviço.
18. Reside a cerca de 20km do seu trabalho, não existindo transportes públicos que satisfaçam na maior parte dos dias os seus horários de trabalho.
19. O filho mais novo e menor da Demandante frequentava a Escola ...Manique, sendo a Demandante que o levava no veículo acidentado.
20. Escola esta que dista da residência da Demandante cerca de 7km.
21. A Demandante estava impossibilitada de ir levar o seu filho em transportes públicos e seguir para trabalhar.
22. Tal importava a alteração das rotinas matinais do menor como chegando á escola cedo no horário da abertura o menor não poder ficar entregue;
23. A Demandante procedeu a contrato de transporte com a “Transportes ..”, que presta serviços junto da Escola.
24. Em transportes a Demandante pagou à empresa “Transportes...” a quantia de €234,00.
25. A Demandante adquiriu nova viatura em 17 de Julho de 2015.
26. O custo de aluguer diário de um veículo semelhante ao da Demandante é de €142,82.
27. Contando a privação desde o dia 14 de Fevereiro de 2015 a 17 de Julho de 2015, o que perfaz 154 dias, à razão de €20,00 diários, perfaz o total de € 3.080,00.
28. Foi elaborada pela PSP a participação de acidente de flªs 136 a 138, cujo teor aqui se dá como reproduzida e integrada.
29. O veículo da Demandante tinha sofrido reparação em 2015, por via de acidente que sofreu.
Com interesse para a apreciação da causa nada mais ficou provado, considerando-se não provados todos os factos alegados e que sejam de sentido contrário aos provados.
Nomeadamente não ficou provado que:
a) Em 16 de Fevereiro de 2009 a Demandante tinha adquirido o veículo por €10.725,00;
b) O valor que recebeu de €5.750,00 não chegou para adquirir veículo semelhante;
c) Pois este valor ficou muito aquém do valor comercial do carro à data do acidente;
d) O veículo da Demandante estava praticamente novo, uma vez que tinha sido reparado dias antes em função de outro acidente que não foi a culpada;
e) O veículo valeria pelo menos €8.500,00;
f) O veículo da Demandante era o modelo ..1, tinha perto de ...km, ar condicionado, ABS, ESP, jantes de liga-leve, Isofix, retrovisores anti embaciante e rádio com CD;
g) Assim o valor atribuído ao veículo (€6.250,00 (€4240,00+€1510,00+€500,00)) é muito inferior ao valor comercial do veículo à data do sinistro;
h) O trabalho da Demandante finda na maioria dos dias muito para além da hora suposta.

Motivação da matéria de facto provada e não provada:
Os factos provados resultaram do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, da posição das partes vertida nos articulados, dos elementos documentais juntos aos autos a seguir discriminados, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, conjugados com as declarações das partes, e com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, que se mostraram sérios e credíveis. Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa.
Assim, os factos provados descritos nos itens 1, 2, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 foram admitidos pela Demandada na sua contestação.
Para a restante matéria teve-se em conta os documentos de flªs 57 para prova da matéria de facto descrita no item 3, 2ª parte; de flªs 30 a 34 para prova da matéria de facto alegada nos itens 24 e 25; de flªs 35, para prova da matéria de facto descrita no item 27, de flªs 36 para prova da matéria de facto descrita no item 26; de flªs 136 a 138 para prova da matéria de facto descrita nos itens 3, 4, 5 e 29; e de flªs 21 a 23, para prova da matéria de facto descrita no item 30. Tivemos ainda em consideração a missiva de flªs 19 e 20 da F., de flªs 24 e 25, que constitui o DUA do veículo da Demandante, e de flªs 28 e 29 referente a troca de mensagens e missiva entre a Demandante e a Demandada C. Em conjugação com tais documentos, para a consideração da matéria de facto provada, foram relevantes as declarações da Demandante e da Demandada C.. Assim, a Demandante reiterou o vertido no requerimento inicial, acrescentando que ao final do mês pagava as viagens do filho para a escola à Transportes ... . Por sua vez, o representante da Demandada C. referiu que o único dano indemnizável é a franquia de €500,00 que ficou a cargo da Demandante. Quanto aos outros danos teria de ter reclamado os mesmos junto do seguro de danos próprios que accionou, uma vez que a Demandada apenas responde no excedente.
Considerou-se o depoimento sério e credível da testemunha G., marido da Demandante, que acompanhou toda a situação sob análise. Referiu que foi acordado na noite de 14.02.2015 por vizinho a dizer que tinha ocorrido um acidente. Já no exterior constatou que o carro da mulher tinha sido embatido por outro veículo, e que tinha deixado a matrícula caída no local. O carro da mulher ficou com a parte da frente destruída. O carro tinha sido reparado pouco tempo antes, em 2015, porque tinha sofrido um grave acidente. Confrontado com o documento de flªs 21 a 23 confirmou ter sido essa a reparação efectuada no veículo. Confirmou que o doc. de flªs 24 e 25 é o DUA do veículo da Demandante. Acrescentou que pesquisou o valor de automóveis na internet. O carro valeria à data do acidente entre €8.500,00 e €10.000,00. Confirmou os gastos com a Transportes ...., sendo as facturas pagas ao fim do mês. Quanto ao que mudou na vida do casal por virtude do acidente, referiu que piorou muito, pois passou a andar com a mulher e filho menor numa carrinha de dois lugares. Era a esposa que levava o filho para a escola e deixou de o fazer. Ele tinha de ir de autocarro. Que adquiriram carro há cerca de dois anos. Confirmou que a viatura que compraram, pelo valor de cerca de €15.000,00, é a referida no doc. de flªs 15. Que entre 14.02.2015 e 17.07.2015 só tinham um carro para fazer face às suas deslocações. Ficaram privados de passear, principalmente ao Domingo. E quando o faziam era de noite, por causa das multas. Não compraram logo o carro porque não tinham dinheiro. Que o valor proposto pela Companhia de Seguros quase que parecia “uma bicicleta”. O carro tinha menos de 100.000km. Como extras tinha espelhos aquecidos, ar condicionado, bons bancos. A esposa é funcionária no tribunal de Cascais. Depois do acidente, o filho passou a ir de autocarro para escola e a mulher apanhava autocarro e comboio para o trabalho. As rotinas alteraram-se. A Instâncias da Demandada, referiu que tinha seguro de danos próprios. Em caso de perda total do veículo o valor era de €6.000,00 e pouco. Não deu atenção a esse facto, reconhecendo ter sido “um erro” seu. O veículo tinha volante em pele, pintura metalizada, faróis nevoeiro, não tinha cruise control, e computador de bordo. Confirmou que o veículo identificado no doc. de flªs 27 tem extras que o seu carro não tinha. Foi pago o valor do salvado e quanto à privação do uso não foi informado que podia pedir esse dano, pelo que não o fez.
A testemunha H. vizinha da Demandante, referiu que há cerca de três anos estava em casa e ouviu um estrondo. Viu um carro, jipe, de cor escura, a bater num poste e de seguida nos carros que estavam estacionados na rua. Foi ver os estragos e ao lado do poste estava a matrícula do Jipe. Viu o estado dos carros, sendo um deles o da Demandante, os quais ficaram destruídos. Era o único carro que a Demandante tinha para levar o filho à escola. O filho passou a ir de autocarro para a escola. Esteve sem carro durante muito tempo. Antes do acidente tinham dois carros, e após passaram a ter um único carro, sendo que de vez em quando a Demandante utilizava o carro da mãe para ir às compras. Que chegou a ir com a Demandante de autocarro até Oeiras e que depois a Demandante apanhava o comboio para Cascais, até ao seu local de trabalho no tribunal.
A testemunha I., tio da Demandante, referiu ter empresa J. há longos anos. Que reparou o veículo da Demandante em 2015. Referiu que o carro era um ..., e de extras tinha ar condicionado, direcção assistida, volante em pele. Quanto aos quilómetros percorridos afirmou não saber. Quanto à reparação disse que a fez por ordem da Companhia de Seguros e que o carro valia mais que a reparação pois se assim não fosse não a pagavam. Foi uma reparação dispendiosa porque o carro ficou muito danificado, que “levou tudo novo”. Que no dia do acidente foi ao local e viu o estado do carro. Que o carro foi rebocado para a sua oficina. Que não se justificava a reparação porque ia ficar mais cara que o valor do carro, que ascendia a €7.000,00, pois ficou todo destruído, incluindo o motor. Esclareceu que um motor novo para aquele carro custa €5.000,00 e um reconstruído custa €3.000,00. Que a sobrinha e marido apenas tinham uma carrinha de dois lugares. A zona onde vivem não tem transportes frequentes, só de hora em hora. O marido da Demandante saía de casa às 5:00h e não podia levar o filho à escola. O filho passou a ir de autocarro para a escola. Que não tinham dinheiro para comprar um carro, até chegou a dizer para falarem com a mãe da Demandante para esta ajudá-los. Depois acabaram por comprar um carro. O carro ... valia cerca de €7.000,00.
A testemunha K., filho da Demandante, referiu que o acidente se deu em 14 de Fevereiro de 2015, e que ficou todo desfeito na parte da frente. Que na altura andava no 11º ano, em Manique. Que antes do acidente tinham dois carros. Que o pai não o levava à escola porque ia muito cedo para o trabalho. Que antes do acidente a mãe é que o levava. Que depois passou a ir de autocarro e que pagavam as viagens no final do mês. Confirmou que os documentos de flªs 30 a 34 se referem aos valores pagos com o transporte. Que acabaram por comprar um carro e que não o fizeram antes porque não tinham condições financeiras. Que, de vez em quando, usavam o carro da avó materna para circunstâncias muito específicas e avisando com antecedência. Que nunca foi para a escola no carro da avó. A mãe passou a ir para o trabalho de transportes públicos. Quanto ao valor do .... referiu que fez pesquisas na internet procurando o mais parecido com o carro que tinham.
Por fim a testemunha Pedro Miguel Martins da Silva, vizinho da Demandante, referiu acerca dos factos em discussão que ouviu um estrondo, foi à janela e viu algumas viaturas danificadas e um poste caído. Uma das viaturas era o ... da Demandante. Que antes do acidente tinham dois carros, um comercial ... l de dois lugares e o sinistrado. Que têm dois filhos, K. e M. Antes do acidente via a Demandante e o filho mais novo a saírem de casa juntos, sabendo que o levava à escola no ... Depois do acidente viu, por diversas vezes, a vizinha e o filho K. na paragem do autocarro. Sabe que têm um .....há cerca de um ano.
Quanto aos factos dados como não provados resultam da ausência total de prova e de prova credível e bastante que atestasse a veracidade dos mesmos. Cumpre referir que relativamente ao valor comercial do veículo sinistrado a prova produzida não permitiu que considerássemos como provado o valor de €8.500,00 indicado pela Demandante. A testemunha G. referiu que valia entre €8.500,00 e €10.000,00. Por sua vez a testemunha I., mais conhecedor na matéria já que possui oficina J., referiu que valia €7.000,00. Relativamente aos extras do carro as testemunhas não souberam dizer com precisão quais os que o veículo possuía, bem como no que se refere aos quilómetros percorridos, elementos esses imprescindíveis para a aferição do valor comercial do veículo. Acresce que o documento de flªs 26 não é de todo suficiente para a prova desse valor. E o veículo de flªs 27, como a testemunha G. referiu, tinha extras que o carro da Demandante não possuía.


IV. O Direito
Nos presentes autos pretende a Demandante a condenação dos Demandados no pagamento da quantia peticionada de €6.064,00, correspondente a danos patrimoniais sofridos por virtude da ocorrência de acidente de viação.
A pretensão da Demandante funda-se na responsabilidade civil por factos ilícitos, ou extracontratual, que assenta nos pressupostos enunciados nos artºs 483º, 562º e 563º, todos do Cód. Civil.
A interpretação dessas disposições reguladoras da responsabilidade civil por factos ilícitos exige a ocorrência de um facto voluntário; que tal facto seja ilícito; que exista um nexo de imputação do facto ao lesante, indicador da existência e intensidade da culpa; que existam danos e que entre estes e o facto ilícito exista um nexo de causalidade.
Conforme decorre do nº 1 do artigo 342º do Cód. Civil, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, tendo a Demandante efetuado a prova que lhe competia relativamente à ocorrência do acidente em causa.
Assim, da análise do caso dos autos, resulta ter ocorrido um acidente de viação em que foram intervenientes, o veículo automóvel propriedade da Demandante, designado 00-EB-00, e o veículo 00-CD-00, resultando da prova produzida que é este que dá causa ao sinistro, já que desgovernado veio a embater naquele quando se encontrava estacionado na via.
Segundo resulta do preceituado no art. 24º do Cód. da Estrada, “o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”. Através do normativo em referência, consagrou o legislador, em matéria de tráfego rodoviário, o princípio segundo o qual a condução em excesso de velocidade se verifica, não apenas quando o condutor ultrapassa determinado limite legal objectivamente estabelecido, mas também quando, perante um determinado evento, características da via ou do veículo, ou outra circunstância relevante para a circulação em segurança, que seja previsível para um condutor com a capacidade de diligência de um cidadão médio, devido à velocidade de que anima o veículo, este não logre deter a marcha do veículo no espaço livre e visível à sua frente. Do excesso de velocidade relativo - ou seja, daquele que se verifica quando o condutor não consegue efectuar a manobra necessária ou imobilizar o veículo, sem que tal se deva a uma circunstância imprevisível ou à ocorrência fortuita de determinado evento, independentemente do valor absoluto da velocidade - resultará, por consequência, uma condução, presumivelmente, imprudente, descuidada ou temerária.
Temos que, face à matéria dada como assente, o condutor do veículo 00-CD-00, violou a norma do artº 24º do Código da Estrada, sendo que foi a sua conduta, que provocou o acidente.
Conclui-se pois, estarem preenchidos os pressupostos do nascimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por parte do condutor do veículo 00-CD-00.
Desconhece-se, porém, quem conduzia o veículo que causou o acidente.
Contudo, de acordo com o substrato factual apurado, o co-Demandado D. era, à data do sinistro, o proprietário do veículo 00-CD-00, que circulava sem seguro obrigatório de responsabilidade civil (em violação do artigo 150º do Código da Estrada).
A questão que agora se coloca é a de saber se, nessa data, tinha a direcção efectiva do mesmo e o utilizava no seu próprio interesse, pois que, somente na afirmativa, é que ela será passível de ser civilmente responsabilizado à luz do disposto no nº 1 do artº 503º do Cód. Civil.
Dispõe, com efeito, tal preceito legal que “Aquele que tiver a direção efetiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.
Portanto, como decorre do transcrito normativo, nele se responsabiliza, objectivamente, o proprietário do veículo pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, seja o veículo conduzido por ele, seja o veículo conduzido por comissário, desde que a utilização seja feita: a) sob a sua direcção efectiva e b) no seu próprio interesse.
Como tem sido sublinhado pela doutrina, a expressão legal tiver a direcção efectiva do veículo destina-se a abarcar todos os casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva, por se tratar das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontrem investidas, tomar providências para que o veículo funcione sem causar danos.
Portanto, tem a direcção efectiva do veículo aquele que pode dispor dele, no momento, conforme bem entender, conduzindo-o ou facultando a sua condução a terceiro sem se demitir de controlar a sua circulação, sem se alhear do uso dado pelo terceiro a quem o faculta.
Por regra, tem a direcção efectiva do veículo o proprietário deste. A propriedade (cfr. Decreto n.º 55/75, de 12 de Fevereiro e artigo 7º do Código do Registo Predial) faz presumir a direcção efectiva e o interesse na utilização do veículo pelo seu proprietário. Sendo tais requisitos de verificação cumulativa é, pois, sobre o proprietário do veículo que incide o ónus de demonstrar o contrário, já que é de admitir a existência de uma verdadeira presunção de direcção efectiva e interessada do veículo a favor do seu proprietário, posto que o conceito de direcção efectiva e interessada cabe perfeita e legalmente dentro do conceito do direito de propriedade.
Por outro lado, o veículo circula no interesse de quem tira vantagens da sua circulação. O interesse não tem de ser necessariamente económico. Pode ser de outra ordem, designadamente espiritual, de simples gentileza ou cortesia.
Na decorrência do descrito regime normativo e considerando que, como se sublinhou, a propriedade do veículo faz presumir a direcção efectiva e a circulação no interesse do respectivo proprietário, competia, pois, ao co-Demandado D. na qualidade de proprietário do mencionado veículo, o ónus de provar que, nas circunstâncias espácio-temporais em que o acidente ocorreu, não tinha a direcção efectiva nem o mesmo circulava no seu interesse o que, todavia, face ao facto de não ter contestado e não ter tido, aliás, qualquer intervenção no processo, nomeadamente nas audiências de julgamento para as quais foi convocado, não logrou demonstrar.
Assim sendo, é o co-Demandado D. responsável pelos danos causados pelo veículo 00-CD-00.
Nos termos do disposto no artigo 562º do Código Civil, a obrigação de indemnizar visa a reconstituição da situação que existiria, se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação.
Para cálculo da indemnização considera-se o prejuízo causado ou os danos patrimoniais, como prevê o artigo 564º do Código Civil.
Dispõe ainda o artigo 566º, nº 1 que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível.
Nos termos do n.º 1 do artº 47º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, a reparação dos danos causados por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel, a ora Demandada C.
Acresce ainda referir que, para que haja obrigação de indemnizar por parte da Demandada, terão de se verificar os pressupostos previstos no Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto, cujo âmbito se confina ao vertido no seu artigo 49º, nº 1, alínea c) “o Fundo de Garantia Automóvel garante, nos termos do n.º 1 do artigo anterior, e até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por: “b) danos materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz”.
Importa ter presente que, como dispõe o artigo 51º, nº 2 do referido D.L., “2 - Se o lesado por acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º beneficiar da cobertura de um contrato de seguro automóvel de danos próprios, a reparação dos danos do acidente que sejam subsumíveis nos respectivos contratos incumbe às empresas de seguros, ficando a responsabilidade do Fundo limitada ao pagamento do valor excedente. (…)”.
Preceitua ainda o artigo 54º, nº 1 do referido Decreto-Lei que satisfeita a indemnização, a Demandada fica sub-rogada nos direitos do lesado e nos termos nº 3 do citado artigo dispõe-se que são solidariamente responsáveis pelo pagamento à Demandada, nos termos daquele nº 1, o detentor e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.
Aqui chegados,
debrucemo-nos sobre o peticionado nos autos.
Peticiona a Demandante o pagamento da quantia de €500,00 relativa à franquia deduzida na indemnização que recebeu ao accionar o seguro de responsabilidade civil automóvel por danos próprios. A Demandante logrou provar que efectivamente tal quantia de €500,00 lhe foi deduzida, a título de franquia, na indemnização que recebeu da Companhia de seguros que accionou. Assim sendo, a Demandante sofreu a este título um dano patrimonial, que reveste a natureza de dano emergente, objecto da obrigação de indemnizar, como expressamente refere o art.º 564º, nº 1, do Cód. Civil. Ora tal montante, como consequência do acidente dos autos, constituiu um prejuízo efectivo suportado pela Demandante, e integra-se no “valor excedente” previsto no nº 2 do artº 51º do D.L. 291/2007, pelo que vão os Demandados solidariamente condenados no pagamento desse valor.
Peticiona a Demandante o pagamento da indemnização de €3.080,00 por dano de privação de uso, calculado à razão diária de €20,00, bem como o pagamento da quantia de €234,00 correspondente ao valor despendido com a empresa Transportes.....
Vejamos,
O dano pela privação de uso de veículo é um dano autónomo com repercussão na esfera patrimonial do lesado, que pode ser considerado independentemente de haver ou não perda total do veículo, nomeadamente quando se prove que, durante determinado período de tempo, se verificaram situações relevantes de perda efectiva das utilidades próprias desse bem danificado ou sejam demonstradas situações concretas em que se verificou uma falta de disponibilidade da viatura.
Há também quem aceite que essas situações também podem resultar de mera presunção natural de que o seu proprietário usaria normalmente esse veículo. Citamos a propósito, o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2015 (relatora Maria Adelaide Domingos – Revista n.º 5119/12.2TBALM.l1-1), onde se refere: “I– A indemnização por privação do uso de veículo é um dano indemnizável autonomamente e não depende da prova concreta de gastos acrescidos por parte do lesado, bastando que esteja demonstrada a perda das utilidades que o veículo proporciona. II– A respectiva avaliação, se outro critério não puder ser seguido, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, temperado pelas regras da razoabilidade e da experiência.”.
No que se refere à ponderação do montante da indemnização devida por este dano, tem sido recorrente o auxílio ao valor locativo dum veículo de características semelhantes como critério valorativo. No caso o valor locativo ascende a €142,82. No entanto, esta solução de recurso tem sido muito criticada (V. a este respeito, Maria Graça Trigo, in “Responsabilidade Civil – temas especiais, págs. 63 e seg.s). Entendemos que o valor da indemnização seja feito através da ponderação dum valor económico diário que tenha em conta a utilidade que decorre do uso normal do veículo, recorrendo-se para o efeito à equidade.
Dito isto, a prova feita sobre as desvantagens verificadas na esfera da Demandante durante o período relevante de perda de uso do veículo, o que ocorreu desde a data do acidente e até 17.07.2015 circunscrevem-se à impossibilidade de circular com o carro nas viagens de e para o trabalho e em lazer, o que é suficientemente grave, sendo que em face disso, julgamos que o valor peticionado de €20,00 diários, é razoável e adequado à situação concreta.
Em conformidade, fixa-se o valor da indemnização relativa ao dano da privação de uso do em €3.080,00, como peticionado.
Por sua vez, provado ficou que, em consequência do acidente, impossibilitada de transportar o filho para a escola no veículo sinistrado, teve a Demandante de recorrer a transporte alternativo, no caso o autocarro da transportes .... , onde despendeu a quantia total de €234,00, valor esse que constitui um prejuízo efectivo que suportou e do qual deve ser ressarcida.
Quanto à responsabilidade da Demandada C. no pagamento destes valores, entendemos que a Demandante não logrou provar, como lhe incumbia, que estes danos se inserem no referido “valor excedente” limitador da responsabilidade daquela. De facto, ao accionar o seguro por danos próprios cabia-lhe demonstrar nos autos que a cobertura da apólice não contemplava tais danos ou que peticionados os mesmos não foram total ou parcialmente satisfeitos, o que não fez. Assim sendo, nesta parte, apenas vai condenado no pagamento de tais danos, que ascendem ao total de €3.314,00, o co-Demandado D.
Peticiona ainda a Demandante o pagamento da quantia de €2.250,00 referente à diferença entre o valor recebido pela sua seguradora, dada a perda total do veículo, e o seu valor comercial. Cabia à Demandante provar o valor comercial do veículo à data do acidente – ou seja, o valor pecuniário que o veículo 00-EB-00 representava no património da Demandante à data do acidente e que, por via do mesmo, foi suprimido. Na verdade o dano e o seu quantitativo, enquanto elementos constitutivos da pretensão indemnizatória, têm de ser demonstrados pelo lesado, ora Demandante, como emerge da conjugação do preceituado nos artºs 342º, nº 1 e 483º do Cód. Civil. Ora não logrou a Demandante provar tal valor como acima se deixou exposto, pelo que nesta parte vão os Demandados absolvidos do pedido.
Adicionalmente, pede a Demandante a condenação dos Demandados no pagamento de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (artº 798º do Cód. Civil).
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, considerando-se o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda que possível, não foi efetuada no tempo devido (artº 804º do Cód. Civil).
O devedor só fica, em regra, constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, correspondendo a indemnização na obrigação pecuniária, em princípio, aos juros legais a contar do dia da constituição em mora (artºs 805º e 806º do Cód. Civil).
Em conformidade com o expendido, é a partir da citação que se inicia a contagem de juros vencidos, à taxa legal de 4% ou outra que vier a ser fixada (artº 559º Cód. Civil e Portaria n.º 291/2003, de 08.04), ao que acrescem os juros vincendos, até efectivo e integral pagamento, como peticionado.


V. Decisão
Nestes termos, e com os fundamentos invocados, decido
a) Julgar improcedente, por não provada, a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da Demandada C.
b) julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, consequentemente, condeno os Demandados, solidariamente, a pagar à Demandante a quantia de €500,00, e o co-Demandado D. a pagar-lhe a quantia de €3.314,00, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal de 4% ou outra que vier a ser fixada, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
c) absolver os Demandados do demais peticionado.

Custas: por via do disposto no artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 63º da LJP, declaro ambas as partes vencidas, pelo que vão ambas condenadas em custas na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 37% para a Demandante, 10% para a Demandada C. e 53% para o Demandado D. (art.ºs 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, com as alterações da portaria nº 209/2005, de 24 de Fevereiro).
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Registe e envie cópia aos ausentes, considerando-se os mesmos notificados na presente data.
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Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai ser assinada.
Cascais, Julgado de Paz, 07 de Fevereiro de 2019
O Técnico de Atendimento A Juíza de Paz