Sentença de Julgado de Paz
Processo: 46/2018-JPSRT
Relator: MARTA NOGUEIRA
Descritores: AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO
NOS TERMOS DO ART. 9º N.º 1 AL. G) DA LJP. ---
Data da sentença: 11/06/2018
Julgado de Paz de : SERTÃ
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(art. 57º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho – LJP)

Processo n.º 46/2018
Demandantes: I e F. ---
Demandados: H e H. --
Objeto da ação: Ação declarativa de condenação, nos termos do art. 9º n.º 1 al. g) da LJP. ---
Valor: € 3.844,70 (três mil oitocentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos).

OBJETO DO LITÍGIO
Os Demandantes I e F, vieram intentar, em 17-04-2018, a presente ação, com fundamento na alínea g) do n.º 1 do art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, pedindo que os Demandados fossem condenados a pagar-lhes a quantia de € 3.844,70 (três mil oitocentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos) a título de rendas em falta pelo incumprimento do pré aviso de 120 dias a que se obrigaram, bem como indemnização por danos patrimoniais no locado.
Para tanto os Demandantes alegaram os factos constantes do seu requerimento inicial de fls. 1 a 2 verso, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Juntaram: 32 (trinta e dois) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.

TRAMITAÇÃO
Regularmente citados, cfr. fls. 40 e 41, os Demandados apresentaram a sua contestação, de fls. 46 e segs., na qual se defendem por impugnação.
Não juntaram documentos.

Foi designado o dia 25-06-2018, pelas 10h30m para realização da audiência de julgamento, a qual teve lugar com todas as formalidades legais, cfr. da respetiva ata se alcança. Na referida audiência teve lugar inspeção judicial ao local, cfr. do respetivo auto se infere. Foi esta audiência suspensa para continuar no dia 08-10-2018, pelas 10h30m. Foi esta audiência suspensa para continuar no dia 06-11-2018, pelas 15h00m., para prolação de sentença.

A questão a decidir por este tribunal consiste em apurar se assiste razão aos Demandantes para exigirem dos Demandados as indemnizações peticionadas.

Fixa-se à ação o valor de € 3.844,70 (três mil oitocentos e quarenta e quatro euros e setenta cêntimos).

FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes os factos:
1 – Os Demandantes são donos e legítimos possuidores e proprietários da fração «D» que faz parte do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana com o art. 0000 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Sertã sob o n.º 0000, sito na Urbanização do R, freguesia de C, concelho da Sertã;
2 – Por contrato de arrendamento para habitação, outorgado a 30-01-2013, os Demandantes deram de arrendamento aos Demandados e estes tomaram aquele de arrendamento, a fração autónoma identifica no art. 1º do requerimento inicial;
3 – O contrato de arrendamento foi celebrado por tempo indeterminado, com início em 08-02-2013;



4 – A renda mensal acordada foi de € 280,00 (duzentos e oitenta euros), a pagar pelos Demandados, enquanto inquilinos, aos Demandantes, enquanto senhorios;
5 – A renda mensal seria paga até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para o NIB 000000000000000000000;
6 – No âmbito do contrato de arrendamento os Demandados, enquanto inquilinos, obrigaram-se a conservar e manter em boas condições de funcionamento todas as instalações de água, luz, saneamento, vidros, tetos, portas, paredes, do local arrendado, e tudo quanto ao mesmo diga respeito, ressalvando o desgaste proveniente da sua normal e prudente utilização;
7 – Foi acordado que os Demandados, enquanto inquilinos, podiam denunciar o contrato, mediante comunicação por escrito e com aviso prévio de 120 dias antes do termo pretendido do contrato, se, à data da comunicação, este tivesse um ano ou mais de duração efetiva;
8 – Os Demandados, enquanto inquilinos, obrigaram-se e acordaram, entregar o espaço arrendado, findo o contrato de arrendamento;
9 – Os Demandados saíram do locado em 24 setembro de 2017;
10 – Não respeitando os 120 dias de aviso prévio a que estavam obrigados;
11 – No dia 24-09-2017 o Demandante marido deslocou-se ao prédio onde se localiza a sua fração para recolher as chaves, tendo constatado que faltavam chaves;
12 – Algumas chaves em falta foram colocadas na caixa do correio em data posterior;
13 – O Demandante marido ligou à Demandada a reclamar a falta das chaves;
14 – Tendo reclamado do estado em que o apartamento se encontrava em termos de limpeza e conservação;
15 – A fração foi arrendada com mobílias com pouco uso e algumas novas;
16 – Desde setembro de 2016 os Demandados passaram a ocupar o apartamento arrendado apenas durante alguns fins de semana;
17 – No hall de entrada verificou-se que atrás da porta existiam vários buracos na parede, o intercomunicador tinha vestígios de sujidade, o roupeiro estava sujo e junto ao chão havia lixo, nomeadamente papéis de rebuçados, e o móvel existente no hall tinha marcas de queimado e estava sujo;
18 - Na sala verificou-se que nos 2 (dois) sofás de cor bege, havia lixo por baixo das almofadas dos assentos, os braços de apoio dos mesmos encontravam se com rasgões, e havia teias de aranha no teto. Existiam pregos espetados, quer na ombreira da porta de entrada da sala, quer na parede da janela em frente à porta, e furação do varão dos cortinados; O Aparador e a mesa da sala tinham marcas de queimado e a parede onde se encontrava o aparador estava visivelmente suja;
19 - No hall de acesso aos quartos verificou-se a existência de 2 (dois) pregos de senhorio colocados na parede de frente, que dá acesso para o quarto de casal, e as portas de acesso aos quartos tinham vestígios de falta de verniz;
20 - No quarto de criança - menino verificou-se que nas paredes existiam autocolantes fáceis de remover, mas após a sua remoção deixam vestígios de cola nas paredes. Existe furação de cortinados e prateleiras nas paredes, exceto na parede do roupeiro. Dentro do roupeiro estava uma concha da praia e vestígios de lixo e sujidade no chão junto do mesmo;
21 - No quarto de criança - menina verificou-se que nas paredes existiam autocolantes fáceis de remover, mas após a sua remoção deixam vestígios de cola nas paredes. Existe furação de cortinados na parede da janela e 2 (dois) pregos espetados na parede do lado esquerdo. Existe um estore que está colocado na janela com uma sanefa de madeira e com 3 (três) pregos);
22 - No quarto do casal e casa de banho privativa verificou-se a existência de várias marcas de queimado quer na cómoda, quer na cama de casal. As gavetas da cómoda encontravam-se sujas, a aparelhagem elétrica estava com pó e alguma sujidade. Existiam autocolantes colados na parede por cima da cabeceira da cama e um prego de senhorio espetado na parede e lixo no chão junto ao roupeiro do quarto. Na porta da casa de banho estava pendurado um toalheiro de metal, que tinha pendurados uma toalha de bebé e dois roupões de bebé atrás da porta, que eram dos Demandados, e que os mesmos levaram. No armário da casa de banho, dentro de uma das gavetas, estavam 3 (três) comprimidos, um penso rápido e vestígios de lixo dentro das gavetas. Verificou-se ainda, a existência de uma pastilha elástica de cor verde colada na torneira do chuveiro;
23 - Na casa de banho principal havia dentro do armário um perfume, um alfinete, um papel. No chão estava uma missanga e um elástico de cabelo;
24 - Na cozinha verificou-se que o exaustor se encontrava com vestígios de gordura acumulada, o fogão estava deficientemente limpo e o forno com gordura. Os azulejos e o radiador da cozinha tinham vestígios de sujidade;
25 - No sótão foi confirmado que a fechadura da porta de acesso foi mudada pelos Demandantes.
26 – Demandados entregaram algumas chaves do locado dia 24-09-2017;
27 – Ficou a faltar 1 molho com chaves;
28 - Que foram depois colocadas, pela mãe da Demandada, na caixa do correio do locado;

Igualmente com relevância para a decisão da causa não se consideram provados os seguintes factos:
A – Que os Demandados tenham denunciado o contrato de arrendamento com 120 (cento e vinte) dias de antecedência.
B – Que as obras de reparação necessárias no locado e referentes aos danos provocados pelos Demandados ascendessem ao montante de € 2.974,70 (dois mil novecentos e setenta e quatro euros e setenta cêntimos);
C – Que as paredes do locado necessitassem todas elas de uma demão de pintura.

Motivação dos factos provados e não provados
Para fixação dos factos dados por provados concorreram as declarações dos Demandantes, as declarações dos Demandados, os documentos juntos aos autos, a inspeção judicial feita ao locado e a prova testemunhal produzida.

No que diz respeito aos depoimentos testemunhais os mesmos foram apreciados segundo as regras da experiência comum, os critérios da lógica e os juízos de probabilidade e razoabilidade. No seu confronto teve-se em consideração demais provas, tendo-se procedido à seleção fundamentada do que se considerou verdadeiro e credível do que é incoerente e desprezível ou deixou dúvidas. Nos seus depoimentos as testemunhas mereceram a total credibilidade do Tribunal, por terem deposto de modo imparcial e credível, demonstrando ter conhecimento direto e pessoal da factualidade sobre a qual depunham.

A fixação da matéria fáctica dada como não provada resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, após a análise dos documentos juntos e da prova testemunhal produzida.

Por outro lado, e centrando-nos nos arts. 487º e segs. CPC, aplicáveis por remissão do art. 63º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), é ponto assente que o réu (in casu os Demandados) se defende por impugnação quando contradiz os factos articulados pelo autor (Demandantes) no requerimento inicial ou quando afirma que esses mesmos factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo Demandante e por excepção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autos, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
Acrescenta ainda o art. 490º n.º 2 CPC que se consideram admitidos por acordo todos os factos que não forem impugnados.

FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
As questões a decidir por este Tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre os Demandantes e os Demandados, às obrigações e direitos daí decorrentes bem como às consequências de um eventual incumprimento dessas obrigações.

No entanto, e tendo em consideração a factualidade dada como provada nos presentes autos, não nos podemos esquecer que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – cfr. art. 341º do Código Civil (adiante designado apenas por CC). E que, além disso, nos termos do art. 342º n.ºs 1 e 2 CC, «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», bem como que «A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita».

O arrendamento urbano é uma modalidade do contrato de locação cuja definição se encontra regulada nos arts. 1022 e 1023º do Código Civil (doravante designado por CC), sendo definido como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição». Deste contrato deriva um conjunto de obrigações para o locador (ou senhorio) e para o locatário (ou inquilino/arrendatário), nomeadamente aquelas que resultam dos artigos 1031º e 1038º CC, respetivamente, além daquelas que forem convencionadas entre as partes. Entre estas, para o que aqui releva, avultam a obrigação do senhorio de proporcionar o gozo do locado (cfr. artigo 1031º b) CC) e a obrigação do inquilino de restituir o mesmo no estado em que o recebeu (cfr. artigo 1038º CC), bem como de suportar os encargos e despesas respeitantes ao fornecimento de bens ou serviços ao locado, na falta de estipulação em contrário (cfr. artigo 1078º nº 2 CC). Por outro lado, no que respeita à cessação do contrato de arrendamento, pode a mesma ser feita por acordo das partes, denúncia, caducidade ou resolução (cfr. artigo 1079º do Código Civil). A cessação do contrato torna imediatamente exigível a desocupação do locado e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário (cfr. artigo 1081º nº 1 CC).

Ora, não tem este Tribunal quaisquer dúvidas que os Demandados desocuparam o locado no dia 24-09-2017. Já quanto ao cumprimento do aviso prévio de 120 dias não lograram os Demandados provar tê-lo cumprido, sendo certo que esse era o ónus que sobre eles impendia, nos termos das regras gerais do ónus da prova estabelecidas pelo art. 342º n.º 2 do CC, in casu. Diz o art. 9º da Lei que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU – Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), que a denúncia do contrato de arrendamento deve ser formalizada nos termos prescritos na Lei, ou seja, por carta registada com aviso de receção dirigida ao senhorio para a morada constante do contrato de arrendamento celebrado. Não tendo sido junto aos autos qualquer documento comprovativo da formalização da referida denúncia do contrato de arrendamento, e sendo as posições manifestadas por ambas as partes completamente antagónicas, não ficou o Tribunal convencido da data da denúncia do contrato alegada pelos Demandados, em janeiro de 2017, sendo certo, como já referimos que esse ónus competia aos mesmos.

A denúncia pode ser feita pelo arrendatário a todo o tempo, após seis meses de duração efetiva do contrato, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, sendo certo que a inobservância desse prazo não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (cfr. artigo 1098º n.ºs 2 e 3 do CC). É o que resulta também do estipulado na cláusula 8ª do contrato de arrendamento em apreço.

Deste modo, os Demandados têm que pagar aos Demandantes as rendas correspondentes ao prazo de aviso prévio em falta, tal como peticionado pelos Demandantes, e que no caso sub judice corresponde a 120 (cento e vinte) dias de aviso prévio em falta, ou seja 4 (quatro) meses de renda, no montante, cada, de € 280,00 (duzentos e oitenta euros), o que perfaz a quantia global de € 1.120,00 (mil cento e vinte euros).

Por outro lado, no âmbito da presente ação, suscita-se ainda a questão de saber se a coisa locada foi restituída no estado em que foi recebida, salvaguardadas as deteriorações decorrentes de uma prudente utilização, em conformidade com o fim do contrato, nos termos do artigo 1043.º CC, e caso não o tenha sido se devem os Demandados ser condenados a pagar aos Demandantes (senhorios) a quantia que alegadamente estes terão de despender para fazer obras de reparação no locado.

O contrato de arrendamento impõe direitos e obrigações a ambas as partes, resultando nos termos do disposto nos arts. 1081º e 1043º n.º 1 do CC que a desocupação e entrega do local ocorrem com as reparações que incumbem ao arrendatário. Mais resulta das disposições referidas, que o senhorio assume o desgaste e/ou deterioração inerente a uma utilização cuidadosa do locado, considerando o facto de que mesmo uma utilização prudente implica uma certa depreciação dos bens, designadamente porque esta ocorre pela simples ação do tempo. Nos termos do disposto nos arts. 1038º e 1043º n.º 2 do CC, e do acordado contratualmente (fls. 79 e 79 verso), resulta que o arrendatário está obrigado a entregar a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, presumindo-se que a mesma lhe foi entregue em Bom Estado de conservação, se nada constar em sentido diverso do contrato celebrado. Ou seja, o arrendatário tem o dever de não fazer uma utilização imprudente da coisa locada (art. 1038º d) do CC), recaindo sobre o senhorio a obrigação de manter o locado nas condições exigidas para o fim do contrato e existentes à data da sua celebração (art. 1031º do CC). Quer isto dizer que a regra é a de que o arrendatário responde pelas deteriorações da coisa que não resultarem de uma prudente utilização. Ao senhorio apenas compete alegar e provar a existência de perda ou deteriorações, face à presunção legal de que os danos ou deteriorações da coisa locada que extravasem o fim a que a mesma se destinava tem origem em facto imputável ao arrendatário, impondo-se ao mesmo a obrigação de indemnizar o senhorio independentemente de culpa (art. 1044º do CC).

Para evitar a mencionada responsabilização legalmente presumida, o arrendatário tem o ónus de alegar e provar que quaisquer danos ou deteriorações, alegadas e provadas pelo senhorio, aquando da entrega do local arrendado, resultaram da normal utilização do mesmo em conformidade com os fins do contrato, ou que as mesmas resultaram de causa que não lhe é imputável. Ou seja, tem o arrendatário o ónus de alegar e provar que aqueles danos ou deteriorações resultam de causa que não lhe é imputável, nem a terceiros a quem tenha permitido a sua utilização, nomeadamente, porque advém de qualquer circunstância externa, nomeadamente conduta ilícita do senhorio, ato de terceiro não consentido, caso fortuito ou de força maior, ou envelhecimento do imóvel.

No domínio da relação contratual em causa, o senhorio é proprietário e consequentemente interessado na conservação e preservação do locado, e o arrendatário ou inquilino é quem tem o gozo efetivo deste. É com base na convicção da existência de boa fé entre as partes que o proprietário entrega de arrendamento a sua propriedade, acreditando que o arrendatário fará dela uma prudente utilização (art. 1043º do CC).

Assim como, é na mesma convicção que o arrendatário aceita pagar um valor a título de renda, acreditando que o imóvel assegura o fim a que o contrato de arrendamento se destina. Impõe-se assim um dever geral e recíproco de cooperação entre as partes objeto do contrato de arrendamento com vista à salvaguarda de interesses distintos e próprios de cada uma das partes, dever este decorrente do imperativo legal da boa fé contratual.

O arrendatário tem o dever de vigiar o estado de conservação do local arrendado, bem como de informar o senhorio para que este examine o local e proceda às reparações necessárias que sejam da sua responsabilidade (art. 1038º h) do CC). Ora se o arrendatário omite informação sobre o eventual estado de deterioração do imóvel ao senhorio não pode este agir, podendo inclusive resultar danos maiores face ao tempo e à continuada utilização pelo arrendatário. Termos em que, há assim situações relativamente às quais mesmo admitindo existir um dever de conservação que compete ao senhorio em virtude de se tratar de uma deterioração inerente a uma prudente utilização (art. 1043º n.º 1 do CC), a responsabilidade pode recair sobre o inquilino por ter sido ele quem, pela sua ilícita omissão, contribuiu decisivamente para um processo de crescente deterioração que originou o dano maior no mesmo. Na verdade, são inúmeras as atuações que qualquer arrendatário cuidadoso, prudente e diligente deverá observar, tendo em consideração o cumprimento de um dever de uso prevenido, ponderado e cauteloso (“prudente utilização”), nomeadamente, porquanto danos que inicialmente e em si mesmo não constituem estorvo ao uso e gozo normal do locado podem evoluir para uma situação mais grave, de mais difícil reparação e designadamente com custos mais elevados, transformando-se em impedimento do gozo normal do locado.

Nos presentes autos teve-se ainda em conta que não podem os Demandantes, ao fim de cerca de 3 anos e 6 meses de arrendamento, esperar encontrar o imóvel exatamente no mesmo estado em que este foi entregue, porquanto todos os bens têm o desgaste normal pelo decurso do tempo e prudente utilização. Assim como, não poderão os Demandados entender que basta invocar ter feito um uso prudente, para excluir a sua responsabilidade, nomeadamente perante a prova de existência de danos, deteriorações e falta de limpeza do locado. Efetivamente, não podem os Demandantes, ao fim de 3 anos e 6 meses, esperar obter como novo um apartamento que deram de arrendamento em “bom estado de conservação”, mas também não podem ser surpreendidos com vários buracos nas paredes, sujidade, lixo, marcas de queimaduras nos móveis, sofás rasgados, pregos nas paredes e ombreiras das portas, vestígios de cola nas paredes, autocolantes nas paredes dos quartos, vestígios de gordura acumulada, entre outros.

Da matéria probatória resulta efetivamente verificada a existência de danos e deteriorações no locado, nomeadamente, os constantes dos factos provados 17. a 24., os quais resultaram da inspeção judicial ao locado levada a cabo pelo Tribunal. Para afastar a sua responsabilidade, os Demandados deveriam ter provado que as verificadas deteriorações resultaram da normal utilização em conformidade com os fins do contrato ou que as mesmas resultaram de causa que não lhes é imputável, nem a eles, nem a terceiros a quem tenham permitido a utilização da coisa. Contudo, nenhuma destas situações resultou nem alegada, nem provada, com claro prejuízo para os Demandados, que não lograram, assim, ter cumprido com o ónus de prova que sobre eles recaía (arts. 342º n.º 2 e 1044º do CC).

Sobre a pintura das paredes, efetivamente a pintura geral da fração considera-se uma obra de conservação ordinária da responsabilidade do senhorio e sem a qual o arrendatário fica impossibilitado de gozar o locado para habitação. Ademais não resulta provado que as paredes de toda a casa necessitassem de uma demão de pintura.

No entanto, e no que às paredes dos quartos diz respeito, tendo resultado provado que os autocolantes colocados pelos Demandados, pese embora de fácil remoção, deixam vestígios de cola nas paredes, entende este Tribunal que, pelo menos quanto a estes, é da responsabilidade dos Demandados indemnizar os Demandantes pela quantia que estes terão de despender para a sua pintura e para que o locado possa ser gozado para habitação.

Dos autos resulta provado que os Demandantes sofreram na sua habitação os danos e deteriorações dados como provados na presente ação (factos provados 17. a 24.). Contudo, a reparação desses danos e deteriorações não se encontra fundamentada em quaisquer faturas (com exceção da fatura respeitante à substituição da chave do sótão) juntas aos autos pelos Demandantes, porquanto estes apenas juntaram orçamentos, não podendo resultar provado que os Demandantes tenham despendido a quantia de € 2.974,70 (dois mil novecentos e setenta e quatro euros e setenta cêntimos), para reparar os danos provocados pelos Demandados e que estes tinham obrigação de reparar.

Quando o valor exato dos danos não tenha sido provado, o Tribunal recorre à equidade e julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º n.º 3 do CC).

Os Demandantes lograram provar os danos e deteriorações elencados nos factos provados, causados por ação dos Demandados, cuja responsabilidade os mesmos não elidiram. Dos autos não resulta provado a imputação aos Demandados da necessidade da pintura na totalidade da fração, mas apenas de 3 quartos do locado.

Analisando os direitos em confronto, bem como o facto de não terem sido peticionada a condenação dos Demandados nas reparações, algumas das quais já iniciadas, o que torna desnecessária a reconstituição natural e extemporânea uma condenação nesse sentido, prevalece assim a indemnização em dinheiro. No entanto e atendendo a que não resulta, como já amplamente foi referido, que os Demandantes tenham despendido da quantia de € 2.974,70 (dois mil novecentos e setenta e quatro euros e setenta cêntimos), para reparar o locado, teremos de nos socorrer da equidade (art. 566º n.º 3 do CC). Assim, e face ao provado, tendo em consideração para além do exposto, a experiência, fixa-se o valor exato dos danos e deteriorações supra descritos da responsabilidade dos Demandados em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), valor este em que vão também condenados.

DECISÃO
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada e condeno os Demandados a pagar aos Demandantes a quantia de € 2.630,50 (dois mil seiscentos e trinta euros e cinquenta cêntimos), dos quais € 1.120,00 (mil cento e vinte euros) referente a rendas devidas pelo não cumprimento do aviso prévio, € 10,50 (dez euros e cinquenta cêntimos) referente à fechadura duma das varandas que se encontrava avariada, tendo sido necessário proceder à sua substituição, e € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos no locado.
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Custas do processo: € 70,00 (setenta euros), por ambas as partes, na proporção do decaimento, que fixo em 30% para os Demandantes e 70% para os Demandados.

Os Demandados deverão proceder ao pagamento do valor em dívida – € 14,00 (catorze euros) – num dos três dias úteis seguintes à presente notificação, sob pena de se constituírem devedores de uma sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso (art. 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro) no efetivo cumprimento da sua obrigação. Decorridos catorze dias sobre o termo do prazo suprarreferido sem que se mostre efetuado o pagamento, será entregue certidão da não liquidação da conta de custas ao Ministério Público, para efeitos executivos, no valor então em dívida, que será de € 154,00 (cento e cinquenta e quatro euros).

Devolva-se aos Demandantes a quantia de € 14,00 (catorze euros).

Envie cópia da presente decisão aos ausentes.

Após o trânsito, arquivem-se os autos. ---

Sertã, Julgado de Paz, 06 de novembro de 2018
A Juíza de Paz

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(Marta Nogueira)