Sentença de Julgado de Paz
Processo: 226/2013-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS
Data da sentença: 10/08/2014
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

RELATÓRIO:

O demandante, A, devidamente representado pela sua administradora, instaurou a ação declarativa de condenação contra os demandados, B e C, NIFS. x e x, respetivamente, o que fez nos termos do art.º 9, n.º 1, alínea C) da LJP.

Para tanto, alega em síntese que, na qualidade de administradores do referido edifício constatam que os demandados são condóminos e proprietários da fração autónoma AC, sita no x, piso x. Verifica, também, que não têm cumprido com as respetivas obrigações para com o condomínio. Conclui pedindo que sejam condenados no pagamento da quantia total de 1.839,11€, referente a quotas vencidas da anterior administração e no período de janeiro de 2012 a fevereiro de 2013, no que se inclui a penalização do art.º14, n.º2 do regulamento de condomínio. Juntando 8 documentos.

Os demandados inicialmente não estavam regularmente citados, pelo que lhes foi nomeado defensores oficiosos.

Posteriormente, acabaram por ser regularmente citados, apresentando contestação, através de mandatário constituído.

Alegam em síntese que a demandante tem sede na x, que pertence ao concelho de x, daí a incompetência territorial do Julgado de Paz. Alegam, também, que não são devedores de qualquer quantia, além de que a documentação que junta não titula qualquer divida, pelo que também não tem que pagar juros de mora. Concluem pela procedência da exceção e improcedência da ação.

O demandante notificado da exceção responde. Alega que a administração do edifício tem sede no x, conforme certidão que juntou no requerimento inicial. Conclui pela improcedência da exceção. Juntando novamente os documentos já apresentados.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré mediação por ausência dos demandados.
As partes dispõem de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao art.º 26, n.º1 da LJP, não tendo as partes chegado a consenso. Seguindo-se para produção de prova e breves alegações finais, conforme ata a fls. 97 a 99.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I-FACTOS PROVADOS:
1)Que o demandante é administrado pela D.
2)Que exerce esta função desde .../.../... .
3)Que os demandados são os proprietários da fração autónoma AC, sita no x, piso x.
4)Que a assembleia de condomínio reuniu a 29/12/2011.
5)Que aprovaram o orçamento para o ano de 2012.
6)Que a quota-parte mensal da fração AC corresponde a 29,59€.
7)Que a assembleia de condomínio reuniu a 14/04/2012.
8)Que nesta assembleia aprovaram uma retificação ao orçamento do ano de 2012.
9)Que a assembleia de condomínio reuniu a 2/04/2013.
10)Que aprovaram o orçamento para o ano de 2013.
11)Que a quota-parte mensal da fração AC corresponde a 29,59€.
12)Que o edifício possui regulamento de condomínio.
13)Que estabelece a obrigação de pagar mensalmente quotas até ao dia 8 de cada mês.
14)Que estabelece uma penalização para o incumprimento.
15)Que estabelece que as quotas podem ser pagas por várias formas.
16)Que uma delas é em dinheiro.
17)Que estabelece que é da competência do administrador a cobrança das receitas.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal alicerçou a convicção na análise crítica de todas as provas que lhe foram dadas a conhecer.
Os documentos juntos aos autos serviram para prova dos factos constantes das alíneas: 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 15), 16) e 17).
Foi ainda relevante o depoimento da testemunha, E, que sendo funcionária da atual administradora do edifício, tem conhecimento pessoal de alguns factos, depondo com a devida isenção. Serviu de prova aos factos: 12), 14),15), 16) e 17.
Não se provou mais nenhum facto com interesse para a causa.

II-DO DIREITO:
O caso em apreço prende-se com o incumprimento das obrigações dos condóminos, nos edifícios constituídos sob regime da propriedade horizontal, comummente designado por quotas de condomínio.
No caso concreto temos em análise: a (in)competência do Julgado, o montante da divida dos demandados (anterior administração e a atual administração), e a aplicação da penalização estabelecida no regulamento de condomínio.
Em relação á primeira questão, alegam os demandados que, o Julgado de Paz não é territorialmente competente para apreciar o mérito da presente ação, considerando que o demandante está situado num concelho destinto face aos concelhos onde o Julgado de Paz tem a sua circunscrição territorial.
Como se trata de uma exceção que pode influir no mérito da causa, cumpre iniciar a sentença pela análise desta.
Nos presentes autos, o pedido corresponde ao pagamento de despesas de condomínio por parte dos Demandados.
A competência territorial do Julgado de Paz, no caso sub judice, afere-se pelo previsto no nº 1 do art.º 12 da LJP, que dispõe que a ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações é proposta, à escolha do credor, no julgado de paz onde a obrigação devia ser cumprida ou no julgado de paz do domicílio do demandado. Assim cabe averiguar qual o lugar onde a obrigação deveria ser cumprida, uma vez que os Demandados residem no concelho de x, na freguesia de x, local onde o edifício se encontra implantado.
Verifica-se que o edifício em questão possui regulamento de condomínio, onde se prevê a possibilidade do pagamento das quotas de várias formas, conforme as identifica no art.º 14, n.º5, o que significa que qualquer uma delas é possível de fazer, sendo por isso um cumprimento com meios alternativos, deixando-se a escolha da opção ao devedor, os condóminos.
Ora duas das modalidades de pagamento são precisamente o dinheiro/numerário e cheque, no entanto não se estabelece em que local deve ser satisfeita a obrigação, caso o devedor/condómino opte por um destes meio de pagamento.
Por outro lado, o escritório da administração, situa-se no concelho do x, conforme documento junto a fls. 7 e 8, ora em sede de julgamento apurou-se que os condóminos podem, também, aí pagar as quotas, por uma das modalidades já referidas, conforme o atestou a única testemunha ouvida.
Pressupondo que exista outro local para o efeito, eventualmente o do local onde se insere o prédio, sito no concelho de x, tal não implica que este Julgado de Paz seja incompetente para tramitar os presentes autos. Senão vejamos, mesmo admitindo que o pagamento possa igualmente ser efetuado no local onde se insere o prédio, o que não foi provado existir local (escritório) onde se possa proceder ao pagamento de quotas, tal não retira validade à possibilidade de poder ser efetuado nos escritórios da administração eleita, sito no x. Com o devido respeito por opinião diversa, conclui-se pela competência territorial de dois tribunais para esta ação: o que corresponderá ao concelho de x, apenas por o pagamento poder ser realizado por transferência bancária e deposito a efetuar na conta do condomínio e o concelho do x, onde se encontra o Julgado de Paz, pelo motivo já explanado.
De acordo com o art.º 12, n.º1 da LJP compete a escolha ao Demandante, pelo que se constata ter escolhido, o Julgado de Paz do Funchal para a interposição da presente ação, como tal o Julgado de Paz do Funchal declara-se competente para apreciar a presente ação.
No que respeita á segunda questão, quotas vencidas, verifica-se que o demandante subdividiu a mesma tendo em atenção quem exerce a função de administradora do condomínio.
No caso concreto apurou-se que a maioria da alegada divida pertence à anterior administração, tendo transitado para a atual. Contudo, o demandante não especifica qual o período a que a divida se refere, nem apresenta as atas, onde contenha a aprovação do respetivo orçamento, como sustento desta parte do pedido.
Sendo função do administrador, entre outras, cobrar as receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (als. d) e e) do art.º 1436º do C.C.), enquadrando-se nessa categoria as prestações mensais a pagar por cada condómino e bem assim a sua quota-parte nas despesas aprovadas.
A posição de condómino confere direitos e obrigações que resultam da dicotomia existente entre o direito de usufruir as partes comuns do edifício e a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e
Resulta da alínea e) do art.º 1436 do C.C. que é da competência do administrador exigir do condómino a sua quota - parte nas despesas aprovadas.
No caso concreto apenas constam dos autos as atas proferida em Assembleia Geral de Condóminos, documentos juntos de fls. 12 a 19 verso, cujo teor aqui considero reproduzido, em que se verifica ter sido conferido poderes a atual administração, para exercer o cargo de administradora do condomínio do edifício em questão, função que desempenha desde 29/12/2011 (n.º5 do art.º 1435 C.C.).
Conforme se depreende pelo teor das normas supra referidas, o administrador só pode cobrar as despesas que estiverem aprovadas em assembleia de condóminos. No caso concreto a alegada divida da anterior administração não se fundamenta em qualquer deliberação colegial mas somente em documento contabilístico, elaborado pela anterior administração, conforme a testemunha apresentada o admitiu, ora o referido documento não é suficiente para fundamentar legalmente a suposta divida, motivo pelo qual esta parte da divida é indeferida.
No que respeita á divida da atual administração, consta das atas juntas, o valor das quotas que os titulares das frações devem mensalmente pagar, estando este incluído no orçamento que anualmente é apresentado, discutido e aprovado (art.º 1431, n.º1 do C.C.) em assembleia de condóminos, sendo aplicado de acordo com a permilagem que corresponde a cada fração (art.º 1424, n.º 1 do C.C.).
Assim temos, em relação á fração AC no ano de 2012 a quantia mensal de 29,59€, no ano de 2013 foi mantida a mesma quantia mensal, o que totaliza a quantia de 414,26€ de quotas ordinárias vencidas.
É certo que na ata da assembleia realizada a 14/04/2012 há referencia a um orçamento retificativo, contudo os únicos valores aprovados constam da ata da assembleia realizada a 29/12/2011, veja-se o seu teor e anexos juntos, motivo pelo qual as quantias dadas como provadas resultam dos elementos constantes da atas de assembleias de condóminos referidas.
No que respeita a aplicação da multa, resulta que o edifício em causa possui regulamento de condomínio, facto que nem é questionado pelos demandados, mas somente a aplicação da multa pelo facto de não terem, como alegam, ser interpelados para o fazer.
Este é uma das fontes de regulação do condomínio, que visa disciplinar o uso, fruição e conservação das partes comuns. O regulamento resulta de uma declaração de vontade, que se funda na vontade de um órgão colegial, a assembleia de condóminos, disciplinando assim a organização condominal e as suas normas possuem eficácia propter rem, o que significa que o seu cumprimento se impõe a todos, independentemente das pessoas que em cada momento sejam titulares dos direitos.
No caso concreto verifica-se que consta do regulamento, não só a obrigatoriedade de pagar quotas até ao dia 8 de cada mês, bem como consta a possibilidade de aplicar às quantias em divida uma penalização no caso de incumprimento desta obrigação, conforme resulta do art.º 14, n.º2 e 3, sendo por isso considerado como uma obrigação legal com prazo certo para o seu cumprimento (art.º 805, n.º2, alínea a do C.C.), para a qual não é necessário interpelação para que, o devedor, fique de imediato constituído em mora.
Desta forma visa-se compelir os condóminos a manterem as quotas em dia, de modo a facultar à administração os meios económicos para manter um edifício que é deles.
No caso concreto além de constar do regulamento de condomínio, foi novamente na assembleia realizada a 2/04/2013 deliberado aplicar aos condóminos relapsos a referida penalização, ata esta que não foi impugnada (art.º1433, n.º1 do C.C.), pelo que são validas e eficazes para todos os que se mantém como titulares de frações autónomas sitas naquele edifício, motivo pelo qual se entende condenar os demandados na penalização, na quantia de 41,42€, correspondente ao 10% da quantia em divida.

DECISÃO:
Face ao exposto, julga-se a ação totalmente procedente, por provada e em consequência condena-se a demandada a pagar ao demandante a quantia total de 455,68€ de quotas de condomínio, referente ao período entre janeiro de 2012 a fevereiro de 2013, na qual se inclui a penalização prevista no art.º 14, n.º2 do regulamento de condomínio.

CUSTAS:
Ficam a cargo das partes em proporção ao respetivo decaimento, fixando-se para o demandante em 75%, devendo efetuar o pagamento da quantia de 17,50€ (dezassete euros e cinquenta cêntimos), num dos 3 dias úteis subsequentes a notificação da presente decisão, sob pena de incorrer na sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento desta obrigação (art.º 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, na redação dada pela Portaria n.º 209/2005 de 24/02).
Proceda-se ao reembolso dos demandados, em proporção ao respetivo decaimento fixando-se em 25%, o que corresponde a 17,50€ (dezassete euros e cinquenta cêntimos).

Funchal, 8 de janeiro de 2014
A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º131, n.º1 do C.P.C.)
(Margarida Simplício)