Sentença de Julgado de Paz
Processo: 9/2016-JP
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
Data da sentença: 10/30/2017
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: ATA DE LEITURA DE SENTENÇA

Aos 30 de Outubro de 2017, pelas 15.30 h, realizou-se, no Julgado de Paz de Coimbra, a continuação da Audiência de Julgamento do Proc. n.º 9/2016 - JP em que são partes: -
Demandante: A.
Demandado: B
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Realizada a chamada, encontravam-se presentes os Ilustres Mandatários das partes.
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Reaberta a Audiência, foi pela Meritíssima Juíza de Paz proferida a seguinte:

SENTENÇA
A Demandante intentou contra o Demandado a presente ação declarativa, enquadrável na alínea h) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, formulando os seguintes pedidos:
a) Ser o Requerido condenado a devolver à Requerente a quantia global de €2.500,00, mutuada nos termos do exposto de 1.º a 13.º da presente peça;
b) Ser o Requerido condenado a liquidar à Requerente, a título de danos de natureza não patrimonial, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), conforme exposto de 14.º a 33.º da presente peça;
c) Ser o Requerido condenado em custas de parte.
O Demandado apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 22 a 27, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.
Valor da ação: € 4.500,00

FACTOS PROVADOS:
A. Demandante e Demandado mantiveram uma relação amorosa durante cerca de dois anos, no período de Outubro de 2012 a Março de 2014;
B. Nos dias 28 de Agosto de 2013 e 30 de Agosto de 2013, a Demandante emprestou ao Demandado, mediante transferência bancária para a conta deste, as quantias de € 2.000,00 e € 1.200,00, respetivamente, para pagamento de um crédito pessoal do Demandado;
C. Quantias essas que o Demandado durante e após o término do relacionamento não liquidou integralmente, não obstante ter sido instado para o efeito, quer pessoalmente, quer por comunicação escrita, por carta registada com aviso de recepção datada de 28/09/2015;
D. O Demandado entregou à Demandante, a título de pagamento dos empréstimos em causa, a quantia de € 1.500,00;
E. Permanecendo, ainda, por liquidar a quantia de €1.700,00 (mil e setecentos euros);
F. No fim da relação, a Demandante encontrava-se triste e sob stress.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente:
A. Que, em Setembro de 2012, a Demandante havia mutuado ao Demandado a quantia de €850,00 (oitocentos e cinquenta euros) para as férias que vieram a realizar na República Dominicana.
B. Que a falta de cumprimento do Demandado se repercutiu na sua forma de ser e estar, passando, num primeiro momento, a preferir isolar-se de amigos e familiares por se sentir envergonhada e para que não tivesse de ouvir críticas e, num segundo momento, pelo desgaste emocional infrutífera das tentativas de recuperar os valores que mutuou e que são seus sem qualquer sucesso.
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos de fls. 12 a 14, 59, 60, 61 e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final.
Foram ouvidos os depoimentos das testemunhas MJFA e HJCG, indicados pela Demandante, tendo sido valorados, em termos probatórios, porque eram amigos da Demandante, tendo frequentado a casa desta, onde vivia com o Demandado, e tendo acompanhado a evolução da sua relação.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Com a propositura da presente ação, pretende a Demandante ser paga da quantia de € 4.000,00, que o Demandado é devedor por força dos empréstimos entre eles celebrado.
Nos termos do previsto no Art. 1142º do Código Civil (CC), “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Face à parte final da redação desta norma, constitui obrigação do mutuário (o Demandado) a restituição de outro tanto dinheiro ou outra coisa fungível do mesmo género e qualidade, sendo que o contrato em análise, atenta a matéria alegada e dada por provada, é gratuito, o que afasta a presunção legal da sua onerosidade, à luz da 2ª parte do n.º 1 do Art. 1145º do CC.
Segundo o princípio da responsabilidade contratual, previsto no n.º 1 do Art. 406º do CC, devem as partes cumprir pontualmente as obrigações a que estão adstritas.
Por outro lado, determina o n.º 1 do Art. 762º do CC, em conjugação com o n.º 1 do preceito seguinte, que o devedor só cumpre a obrigação “…quando realiza a prestação a que está vinculado”, devendo tal prestação ser realizada integralmente e não por partes, a não ser que tenha sido convencionado outro regime.
Por fim, de acordo com o estatuído no n.º 1 do Art. 799º, “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua”. Logo, presume-se que o devedor não cumpriu, por culpa sua, a obrigação, a não ser que prove o contrário.
No caso em questão, ficou provado que a Demandante emprestou ao Demandado as quantias de € 2.000,00 e de €1.200,00 e que este não devolveu a totalidade das quantias em causa, apenas tendo pago a quantia € 1.500,00, permanecendo em dívida a quantia de € 1.700,00. Face a isso, o Demandado deve ser condenado a cumprir a sua obrigação pecuniária, motivo pelo qual procede parcialmente o pedido da Demandante.
Em relação à alegada despesa com uma viagem, não ficou provado, de forma credível, que a mesma se tenha sequer realizado, quanto mais que a Demandante tenha pago o seu alegado montante de € 850,00.
No que concerne aos alegados danos morais, a Demandante não logrou demonstrar que o estado psicológico por si sentido, no fim da relação com o Demandado, se deveu ao não cumprimento integral, por este, das obrigações em causa.
A este título, era dever da Demandante provar os factos constitutivos do direito de que alega ser titular, de acordo com o n.º 1 do Art. 342º do CC, o que não o fez de forma convincente, devendo, nesta parte, decair o seu pedido. Quanto ao pedido de condenação do Demandado no pagamento das despesas tidas com a ajuda jurídica que a Demandante teve de recorrer para intentar a presente ação, importa sublinhar que nos processos tramitados no Julgado de Paz não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso, conforme estatui o n.º 1 e o n.º 2 do Art. 38º da LJP. Assim, a decisão tomada pela Demandante, no sentido de ser representada por mandatária, como resulta dos autos, é da sua exclusiva responsabilidade, não devendo o Demandado ser onerado com essa tomada de posição. Deve, pois, nesta parte, improceder o pedido da Demandante.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno o Demandado a pagar à Demandante a quantia de € 1.700,00, a título do valor que falta pagar por força dos empréstimos mencionados no item B dos Factos Provados, absolvendo-o do demais peticionado.


Custas na proporção do decaimento que se fixam em 62% para a Demandante e 38% para o Demandado, o que equivale a que a Demandante efetue o pagamento de € 8,00, no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro. Quanto ao Demandado, proceda-se ao reembolso de €8,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
Notifique.
Desta sentença consideram-se todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
Coimbra, 30 de Outubro de 2017

Dr.ª Daniela dos Santos Costa Afonso Nunes
Juíza de Paz Técnico de Apoio Administrativo