Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 33/2016-JP |
Relator: | FILOMENA MATOS |
Descritores: | USUCAPIÃO - AUTONOMIZAÇÃO |
Data da sentença: | 12/28/2016 |
Julgado de Paz de : | MIRANDA DO CORVO |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Identificação das partes Demandante: A, divorciado, titular do Cartão de Cidadão nº X válido até X, com contribuinte fiscal nº X, residente na X. Demandados: B mulher C, com o NIF X e X respetivamente, residentes em X. OBJETO DO LITÍGIO O Demandante propôs contra os Demandados a presente ação declarativa, pedindo que: 1) Se reconheça que o prédio rústico sito no lugar de X, freguesia de X, inscrito sob o artigo X da referida freguesia tem a área de 2.673,00m², porquanto, o mesmo nunca fora medido com rigor e houve expropriação parcial do mesmo por parte da S – …, SA; 2) Se reconheça que o Demandante é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, de um terreno rústico com a área de 1.391,50 m² a confrontar do norte com D, do sul com Linha de água (regueiro), do nascente com Estrada e do poente com E, correspondente à parcela n.º 2 do levantamento topográfico, que se autonomizou do prédio rústico inscrito sob o artigo matricial n.º X da freguesia de X, sito no lugar de X, da referida freguesia; 3) Se reconheça que a parcela em causa constitui um prédio rústico autónomo e distinto da outra parcela, pelo menos desde 1994, que compõe o prédio rústico identificado supra, pelo que a realidade jurídica não corresponde à realidade factual existente; 4) Serem os Demandados condenados a abster-se da prática de quaisquer atos que perturbem ou impeçam o exercício do direito de propriedade do Demandante sobre a parcela identificada sob n.º 2 do levantamento topográfico junto; 5) Serem os Demandados condenados a cooperar com o demandante na prática de todos os atos materiais e jurídicos necessários ao registo e inscrição na matriz da parcela identificada sob o n.º 2 do levantamento topográfico junto como documentos n.º 4, quer junto dos Serviços de Finanças, quer junto da Conservatória do Registo Predial ou junto de qualquer outra entidade, como prédio distinto e independente da outra parcela e com a descrição supra referida. 6) Serem os Demandados condenados em custas. Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 12, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e juntou cinco documentos. Tramitação e Saneamento Os demandados foram regularmente citados e não contestaram. O Julgado de Paz é competente para julgar a presente causa (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea e) e artigo 11.º, n.º 1, ambos da LJP), fixando-se o valor da causa em 1.997,85 € (cfr. artigo 296º, nº 1, 297º nº 2, nº 1 do artigo 302º e artigo 306º nº 1 e 2, do Código Processo Civil) e Portaria nº 1337/2003 de 5 de Dezembro. Não existem exceções que cumpram conhecer-se ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa. A Audiência de Julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, conforme da respetiva ata se alcança. FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS Com base e fundamento nos Autos, julgam-se provados os seguintes factos, com interesse para o exame e decisão da causa: 1- O demandante é dono e legítimo possuidor, na proporção de ½, do prédio rústico sito em X, freguesia de X, concelho de X, composto de terra de cultura, um poço com engenho e olival, a confrontar no seu todo a norte com F, sul G, nascente com Estrada e do poente com H. 2- O referido prédio encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de X sob o n.º X, cfr. doc. junto a fls. 13. 3- E descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º X, cfr. doc. junto a fls. 15 e 16. 4- Metade do prédio adveio à posse do Demandante por escritura de partilhas de 11 de Março de 1994, exarada de fls. 2 a fls. 10 do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º 7-B do Cartório Notarial de Miranda do Corvo, cfr. doc. junto a fls. 17 a 27. 5- Conforme levantamento topográfico elaborado, verifica-se que o prédio em causa tem a área de 2.673,00m², cfr. doc. junto a fls. 28. 6- A diferença de área existente entre o levantamento efetuado e a inscrição matricial e descrição predial, deve-se ao facto de o prédio em causa nunca ter sido medido com rigor, designadamente através de levantamento topográfico, e terem sido expropriadas parcelas do prédio em questão pela S – …, SA, cfr. doc. junto a fls. 29 a 36. 7- Demandante e Demandados procederam à partilha e divisão do referido prédio logo após óbito dos pais do Demandante e Demandado marido. 8- O prédio está dividido com marcos, em duas parcelas tendo a do Demandante (parcela nº 2) a área de 1.391,50m² e a dos Demandados (parcela n.º 1) a área de 1.281,50m², conforme levantamento topográfico junto a fls.28. 9- Cada uma das parcelas constitui, um prédio autónomo e devidamente demarcado. 10- Desde março de 1994, que o demandante cuidou da sua parcela que se autonomizou da outra parcela. 11- Ao demandante coube a parcela numerada com o n.º 2 do levantamento topográfico cfr. doc. junto a fls. 28. 12- E sobre tal parcela o demandante procede à sua limpeza, cuidando do olival, mandando lavrar e praticando outros atos, com exclusão de outrem há mais de 20, o que é visto por todos, pacificamente e de boa-fé, sem oposição de quem quer que seja, incluindo os Demandados. 13- O prédio rústico do demandante é composto de terra de cultura com olival, com a área de 1.391,50m², a confrontar do norte com I, do sul com Linha de água (regueiro), do nascente com Estrada e do poente com J. Factos não provados: não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a causa. Fundamentação fáctica: A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada foi adquirida, fundamentalmente, com base na apreciação crítica e conjugada das declarações das partes, dos depoimentos das testemunhas, acordo das partes e teor dos documentos juntos aos autos, dos quais faz parte um levantamento topográfico. Assim, os factos assentes em 1,7,9 a 11 e 13 consideram-se admitidos por acordo nos termos do nº 2 do artigo 574.º, do C.P.C. Os elencados sob os números 2 a 6 e 8 resultam do teor do suporte documental mencionado nos mesmos. Para os restantes factos a convicção do tribunal baseou-se nos depoimentos das testemunhas inquiridas que demonstraram isenção, credibilidade e conhecimento direto dos factos por si relatados. L, M, o primeiro topógrafo, os restantes residentes há muitos anos na freguesia em que se situa o prédio e ambos conhecedores do mesmo antes e depois da sua autonomização, e delimitação com marcos relativamente ao prédio na globalidade, bem como, dos atos de posse praticados em exclusividade pelo Demandante. O DIREITO Como sabemos, àquele que invoca um direito cabe a prova dos factos constitutivos do direito alegado, neste caso a posse sobre a coisa – artigo 342.º nº 1 do Código Civil. Refere o artigo 1316.º que “o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”. São, pois, estes os modos de aquisição da propriedade das coisas, sejam móveis ou imóveis. Vejamos então se o Demandante trouxe ao tribunal prova, e se a mesma foi suficiente para obter sucesso na sua pretensão, ou seja, a aquisição, pelo instituto da usucapião, de um prédio que faz parte do inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Miranda do Corvo sob o artigo nº X e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o nº X. Esta forma de aquisição invocada, a usucapião, é uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (corpus/animus) e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse (cfr., nomeadamente, artigos 1251.º e ss, 1256.º e ss, 1287.º e 1294.º e ss). No que concerne àquele primeiro elemento, a posse traduz-se na prática, além do mais, reiterada, de atos materiais correspondentes ao direito que se reclama ou se reivindica. Como elementos da posse fazem parte o corpus, que, como elemento externo, se identifica com o exercício de certos poderes de facto sobre o objeto, de modo contínuo e estável; e o animus, que, como elemento interno, se traduz na intenção do autor da prática de tais atos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos atos realizados. Assim, e porque se exige a presença simultânea desses dois elementos para que a sequência da prática reiterada e contínua de atos materiais de posse leve à aquisição da propriedade por via da usucapião, é que existindo unicamente o corpus, a situação configura apenas uma mera detenção (precária), insuscetível de conduzir ao direito real de gozo que se reclama (cfr. artigo 1253.º do C.C.). Ora a lei, atenta a dificuldade de demonstrar a posse em nome próprio - o animus, estabeleceu uma verdadeira presunção (iuris tantum) do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus (cfr. artigo 1252.º, n.º 2 do C.C. e assento, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, do STJ de 14/5/96, in "DR, II S, de 24/6/96, e ainda acórdãos do STJ de 9/1/97 e de 2/5/99, respetivamente, in "CJ/STJ, T5 - 37" e "CJ/ST J, T2 -126"). Podem, assim, adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for elidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa. Daqui decorre que, sendo necessário o “corpus” e o “animus”, o exercício daquele faz presumir a existência deste. Contudo, “o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título” (cf. artigo 1406.º, n.º 2 do Código Civil). “Para que possa adquirir a propriedade singular e exclusiva sobre parte determinada e autónoma daquele imóvel terá de ocorrer então inversão do título de posse: “…Tal inversão do título pressupõe, nos termos do artigo 1265.º do mesmo Código, que, designadamente, esse comproprietário manifeste inequivocamente perante os demais comproprietários do imóvel a sua intenção de passar a deter em nome próprio essa parte específica e individualizada do imóvel e que se opõe ao direito de que eles são titulares” (cfr. Acórdão do TRC de 28/09/2010, processo nº 172/09.9TBTMR.C1, in www.dgsi.pt), que foi o que o demandante fez perante os demandados sem posição destes. Conforme refere o Acórdão do STJ de 09/10/2008, no processo nº 08B1914, in www.dgsi.pt), “Tal significa que na compropriedade, a unidade predial pode parcelar-se por usucapião desde que os comproprietários passem a utilizar partes distintas do prédio como se estivesse materialmente dividido em frações, ocupando cada um sua fração, perfeitamente delimitada e circunscrita, sem oposição, de modo exclusivo, à vista de toda a gente, sem violência, na convicção de exercer um direito próprio, como se seu verdadeiro dono fosse, sem invasão de parcelas alheias.” Quanto ao decurso do tempo em que a posse foi exercida, ficou provado que o Demandante, por si, pacífica e publicamente, o fez há mais de 20 anos, encontrando-se assim satisfeito o requisito da antiguidade máximo exigido na lei, artigo 1296.º, do Código Civil. Por outro lado, a posse conducente à usucapião tem necessariamente duas características – ser pública e pacífica – uma vez que os restantes caracteres – boa ou má-fé, justo título e registo da mera posse – apenas influem na determinação do prazo para operar a usucapião. Ora, ficou provado que a posse do prédio em causa tem sido exercida por parte do Demandante, de forma pacífica e pública nos termos dos artigos 1261.º e 1262.º, ambos do Código Civil. E que se trata de uma posse adquirida de boa-fé, por ter sido elidida a presunção do nº 2, do artigo 1260.º do Código Civil, uma vez que o possuidor, “ignorava ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem”. Quanto ao modo de aquisição, esta posse é uma posse não titulada, porquanto o Demandante não dispõe de título relativamente ao prédio em apreço. O objeto material da posse sobre a parcela está, há mais de vinte anos, completamente delimitado e identificado com as confrontações definidas nos factos dados como provados. Nestes termos, encontra-se amplamente preenchido o requisito temporal máximo de vinte anos para operar o efeito útil da usucapião, de acordo com o exigido pelo disposto no artigo 1296.º do Código Civil. Por consequência, e em conformidade, o Demandante é titular do poder jurídico que, nestas circunstâncias, o artigo 1287.º lhe confere, com os efeitos previstos no artigo 1288.º, ambos do Código Civil. Apesar das regras constantes no nº 20.º do Decreto-Lei 384/88 de 25 de Outubro, é a jurisprudência unânime que estas cedem perante os direitos adquiridos por usucapião – cfr. RP 05.12.94; RP 10.10.94; RC 11.05.99; RC 28.03.2000; RE 26.10.2000; citando-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.02.2001 “a usucapião, como forma de aquisição originária e não derivada de direitos, opera mesmo em relação a uma parcela de um prédio, ainda que na sua génese tenha estado um fracionamento ilegal”. Vejamos, ainda, o que nos diz o Acórdão da Relação do Porto de 22/06/2006, “incidindo a posse sobre bens corpóreos, a invocação da usucapião apenas é dada perante obstáculos legais expressos como sucede nos casos assinalados no art.º 1293º, naqueles que resultem de normas jurídicas que impedem a apropriação individual de determinados bens do domínio público ou de baldios ou das que obstam à colocação de certos bens no comércio jurídico, mas não existe obstáculo a que a usucapião sirva para legitimar uma operação de divisão material de um prédio, ainda que, na sua origem, tenham sido desrespeitados certos condicionalismos impostos”. E ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/10/2008, proc. 08B1914, in www.dgsi.pt, que dispõe que “o estado de facto criado pela divisão em parcelas e autonomização destas, operada pelos comproprietários de um prédio rústico, pode converter-se em estado de direito pelo funcionamento das regras de usucapião. Tal significa que na compropriedade, a unidade predial pode parcelar-se por usucapião desde que os comproprietários passem a utilizar partes distintas do prédio como se estivesse materialmente dividido em frações, ocupando cada um a sua fração, perfeitamente delimitada e circunscrita, sem oposição, de modo exclusivo, à vista de toda a gente, sem violência, na convicção de exercer um direito próprio, como se seu dono verdadeiro dono fosse, sem invasão de parcelas alheias. A base de toda a nossa ordem imobiliária, não está no registo, mas na usucapião: as vicissitudes registrais não contendem nem abalam os efeitos da usucapião”. Assim, e em conformidade os pedidos formulados pelo Demandante, porque provados, têm de proceder. Decisão Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a presente ação totalmente procedente por provada e em consequência: a) Declaro que, o prédio rústico, sito no lugar de X, freguesia de X sob o artigo X da referida freguesia tem a área de 2.673,00m². b) Declaro que, o prédio rústico sito no lugar de X, freguesia de X, composto de terra de cultura com olival, com a área de 1.391,50 m2, que confronta do norte com D, do sul com Linha de água (regueiro), do nascente com Estrada e do poente com E, se autonomizou, por via da usucapião, do prédio rústico inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Miranda do Corvo sob o artigo X e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o nº X. c) Declaro o Demandante dono e legítimo proprietário do prédio supra identificado, ordenando-se a atribuição de artigo matricial e registo do mesmo a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio; d) Condeno os Demandados no reconhecimento da existência do prédio supra descrito na alínea b), como autónomo e distinto, assim como o descrito direito de propriedade do Demandante sobre o mesmo. e) Condeno os demandados a absterem-se da prática de quaisquer atos que perturbem ou impeçam o exercício do direito de propriedade do Demandante sobre o prédio supra identificado. Custas: Atenta a natureza da presente ação, serão suportadas pelo Demandante (artigo 535.º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 8º-C, do Código Registo Predial, o Demandante têm dois meses, (sob pena de pagamento de multa de valor igual à prevista a titulo de emolumento - nº 1, do artigo 8º-D), contados do trânsito em julgado desta sentença, para registar o direito de propriedade ora atribuído. Processado por meios informáticos e revisto pela signatária. Verso em branco. Esta sentença foi proferida e notificada às partes presentes nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da L.J.P., ficando as mesmas cientes de tudo quanto antecede, tendo-lhes sido entregue cópia. (Art. 131.º, n.º 5 do CPC) Miranda do Corvo, 28 de Dezembro de 2016 A Juíza de Paz, (Filomena Matos) |