Sentença de Julgado de Paz
Processo: 198/2016-JPSTB
Relator: LILIANA PATRÍCIA SOUSA TEIXEIRA
Descritores: INCOMPETÊNCIA RELATIVA - INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE RENDAS EM ATRASO -
Data da sentença: 05/02/2018
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º: 198/2016-JPSTB.
A – Relatório:
I – Identificação das partes:
Demandante: A – Compra, Construção e Venda de Imóveis, Lda., com o número de identificação de pessoa colectiva --------, com sede na Rua ----------- Azeitão, representada por B, cartão de cidadão número -----------, contribuinte número -------------, residente na Rua ------------ Azeitão.
Mandatária: Dr.ª C, Advogada com escritório na Rua ---------, Brejos de Azeitão, Azeitão.

Demandada: D – Unipessoal, Lda., com o número de identificação de pessoa colectiva ------------, com sede na Rua --------------, Urbanização Portais da Arrábida, Quinta do Anjo, representada pela gerente E.

II- Objecto do Litígio
A Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea i) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho, doravante designada Lei dos Julgados de Paz, peticionado a importância global de 4.824,64 euros relativa a rendas em atraso, juros de mora já vencidos e ainda das rendas e juros que se vierem a vencer no decurso da presente acção até efectivo e integral pagamento das quantias em dívida e que seja restituído de imediato, ou pelo menos até ao início do mês de Setembro de 2016, o estabelecimento comercial à Demandante no estado em que o mesmo se encontrava à data da celebração do contrato de cessão de exploração.
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A Demandada não apresentou contestação e apesar de regularmente notificada não compareceu à Audiência de Discussão e Julgamento de dia 11 de Setembro de 2017 e não justificou a sua falta. Dadas também as deficiências de alguns documentos constantes dos autos (incompletos) apresentados pela Demandante, agendou-se nova data para a Audiência de Discussão e Julgamento para o dia 09 de Outubro de 2017, no qual a representante da Demandada esteve presente e também juntou vários documentos de pagamentos efectuados à Demandante. Para exercício de prazo de vista agendou-se nova sessão de Audiência de Discussão e Julgamento, para o dia 22 de Janeiro de 2018 (data anterior foi desconvocada dado o requerimento de apoio judiciário apresentado pela Demandada, entretanto indeferido), tudo com observância do formalismo legal consoante resulta das actas a fls. 52, 59 e 60, 152 e 153.
A Demandada apresentou justificação da sua falta apenas quanto à sessão da Audiência de Discussão e Julgamento de dia 22 de Janeiro de 2018.
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B – Saneamento:
O Julgado de Paz é competente nos termos da Lei dos Julgados de Paz, em razão da matéria, artigo 9.º, n.º 1 alínea i), e em razão do território, artigos 10.º e 12.º n.º 1 todos da da Lei dos Julgados de Paz.

Da apreciação da (in) competência em função do valor:
Conforme despacho a fls. 176 e 178 (que ora se rectifica nos termos melhor adiantados nesta sentença - artigo 249.º e 613.º e 614.º do Código de Processo Civil) que determinou a reabertura da Audiência, de acordo com o disposto no artigo 607.º n.º 1 do Código de Processo Civil, foram as partes notificadas para exercício do contraditório legal, quanto à incompetência em função do valor deste Julgado de Paz, em consonância com o disposto nos artigos 3.º, 296.º, 299.º, 300.º do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi o artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz, tal como todos os artigos do mencionado Código adiante referidos, nada disseram no prazo legal concedido para o efeito.

Assim, em obediência ao já adiantado:
O artigo 296.º do Código de Processo Civil, estipula: “1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.”.
O artigo 8.º da Lei dos Julgados de Paz, estipula o seguinte: “Os Julgados de Paz têm competência para questões cujo valor não exceda 15.000 euros.”.
O artigo 299.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, dispõe: “1 - Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.”.

A Demandante A – Compra, Construção e Venda de Imóveis intentou contra a Demandada D – Unipessoal, Lda. a presente acção peticionado a importância global de 4.824,64 euros relativa a rendas em atraso, juros de mora já vencidos e ainda das rendas e juros que se vierem a vencer no decurso da presente acção até efectivo e integral pagamento das quantias em dívida e que seja restituído de imediato, ou pelo menos até ao início do mês de Setembro de 2016, o estabelecimento comercial à Demandante no estado em que o mesmo se encontrava à data da celebração do contrato de cessão de exploração.

Assim, na data de entrada da acção o valor da causa quanto a prestações vencidas era de 4.824,64 euros.
Sucede que a Demandante peticionou também rendas que se vierem a vencer no decurso da presente acção até efectivo e integral pagamento das quantias em dívida e ainda os juros vincendos, os quais não entram para a consideração do valor da causa nos termos do artigo 297.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

No caso sub judice estamos perante um alegado incumprimento da obrigação de pagamento da renda, que é uma prestação periódica (artigo 1075.º n.º 1 do Código Civil) e com prazo certo de vencimento dado o teor da cláusula 4.ª do contrato junto aos autos a fls. 154 a 159.
Para este propósito dispõe o artigo 300.º do Código de Processo Civil, o seguinte: “1 - Se na ação se pedirem, nos termos do artigo 557.º, prestações vencidas e prestações vincendas, toma-se em consideração o valor de umas e outras. 2 - Nos processos cuja decisão envolva uma prestação periódica, salvo nas ações de alimentos ou contribuição para despesas domésticas, tem-se em consideração o valor das prestações relativas a um ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos que a decisão abranger, se for inferior; caso seja impossível determinar o número de anos, o valor é o da alçada da Relação e mais (euro) 0,01.”.

Pelo que, nestes autos, o valor da causa determinar-se-ia multiplicando o valor das rendas (1800,00 euros - renda mensal) durante um ano, ou seja, 21.600,00 euros e depois multiplicando-se por 20, o que perfaz 432.000,00 euros.
A Demandante a fls. 82 a 84 veio esclarecer, em exercício de contraditório, os valores que julga que se encontravam efectivamente em dívida, sendo que os mesmos se reportam a um período que inicia em Outubro de 2016.
Assim, são 3 meses de 2016 (Outubro a Dezembro), 12 meses de 2017 e 4 meses de 2018 (Janeiro a Abril), ou seja, já 19 meses no total, o que perfaz o valor 34.200,00 euros.
A Demandante peticionou rendas vincendas até efectivo e integral pagamento e não é possível prever a data ou o termo do vencimento das prestações periódicas, pelo que o valor da acção é o da alçada da Relação mais 0,01(euro), ou seja, 30.000,01 euros, nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 300.º do Código de Processo Civil.

De acordo com o previsto no artigo 102.º do Código de Processo Civil, a infracção das regras fundadas no valor da causa, determina a incompetência relativa do Tribunal.
Nos termos do disposto no artigo 104.º do Código de Processo Civil, o seguinte: “2 - A incompetência em razão do valor da causa é sempre de conhecimento oficioso do tribunal, seja qual for a acção em que suscite. 3 - O juiz deve suscitar e decidir a questão da incompetência até ao despacho saneador, podendo a decisão ser incluída neste sempre que o tribunal se julgue competente; não havendo lugar a saneador, pode a questão ser suscitada até à prolação do primeiro despacho subsequente ao termo dos articulados.”.

Sucede que, de acordo com o artigo 7.º da Lei dos Julgados de Paz “A incompetência dos julgados de paz é por estes conhecida e declarada oficiosamente ou a pedido de qualquer das partes e determina a remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente.”. (sublinhados nossos).
A tramitação do processo nos Julgados de Paz, apenas faculta às partes, nos termos dos artigos 43.º e 47.º da Lei dos Julgados de Paz, em regra, a apresentação de dois articulados: o requerimento inicial e a contestação.

Poderá, ainda, haver lugar a um terceiro articulado, caso haja dedução de reconvenção e com vista ao exercício do contraditório quanto à mesma pelo Demandante, conforme preceituado no artigo 48.º, n.º 3 da Lei dos Julgados de Paz.
O Juiz de Paz com vista a dar cumprimento ao princípio do contraditório, designadamente, quanto a matéria de excepção, querendo, poderá fazê-lo por despacho em data anterior à designada para a Audiência de Discussão e Julgamento ou durante a mesma. Isto porque, o momento oportuno para conhecer da matéria de excepção é em Audiência de Discussão e Julgamento, seja no início, ou seja no fim da mesma aquando da prolação de sentença (artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
De acordo com o artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz, cuja epígrafe: direito subsidiário, “É subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com exceção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes.”.

Considerando que o artigo 7.º da Lei dos Julgados de Paz, não estipula momento temporal para apreciação da incompetência relativa oficiosamente, sendo Lei especial prevalece sobre o Código de Processo Civil, cuja aplicação é subsidiária e as particularidades da tramitação processual constantes da Lei dos Julgados de Paz, declara-se o Julgado de Paz incompetente em razão do valor que é 30.000,01 euros, dado que este Julgado de Paz só tem competência para apreciar acções com valor até 15.000,00 euros, nos termos do artigo 7.º e 8.º da Lei dos Julgados de Paz.

Remessa dos autos:
Assim, competente para apreciar esta acção é o Juízo local Cível de Setúbal (artigo 97.º e Mapa III do Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Decreto-Lei n.º 49/2014 de 27 de Março na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 86/2016 de 27 de Dezembro e artigos 130.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário - Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto na versão da Lei n.º 40-A/2016, de 22/12).

Responsabilidade por custas:
Custas a cargo do Demandante nos termos do disposto no artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, na redacção da Portaria n.º 209/2005 de 24 de Fevereiro, o qual deve proceder ao pagamento da segunda parcela de custas, neste Julgado de Paz, no prazo de 3 dias úteis, a contar desta notificação, sob pena de liquidação e aplicação de uma sobretaxa de 10,00 euros por cada dia de atraso no efectivo cumprimento desta obrigação (artigo 10.º da referida Portaria).
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Após trânsito em julgado remeta os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal sito na Rua Cláudio Lagrange – 2900-504 Setúbal.
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Esta sentença foi lida às partes, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da Lei dos Julgados de Paz.
Registe e notifique o Demandante também para efeitos de custas.
Setúbal, 02 de Maio de 2018.
A Juíza de Paz
Liliana Patrícia Sousa Teixeira