Sentença de Julgado de Paz
Processo: 297/2017-JPCSC
Relator: MARIA ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRAPROCESSUAL / ACIDENTE DE VIAÇÃO /
OCUPAÇÃO DE PARTE DA VIA DE TRÂNSITO
Data da sentença: 06/01/2018
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral:
ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO (2ª sessão)
COM PROLACÇÃO DE SENTENÇA
Proc. N.º 297/2017-JP
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Data: 01 de Junho de 2018----
Hora de Início: 17h30 ----
Hora de Encerramento: 17h45 ----
Parte Demandante: A, S.A.---
Parte Demandada: B, Companhia de Seguros S.A.----
Juíza de Paz: Senhora Dra. Maria de Ascensão R. Pires Arriaga ---
Técnica do Serviço de Atendimento: Lic. Lara Colaço Palma----
Feita a chamada verificou-se estarem presentes: ----
- O Ilustre mandatário da parte Demandante, Sr. Dr. C ----
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Reaberta a audiência de julgamento, e não desejando as partes usar mais da palavra, a Senhora Juíza de Paz, passou a proferir a seguinte:
--- SENTENÇA ----
I- AS PARTES E O OBJETO DO LITÍGIO
Nos presentes autos de ação declarativa de condenação, a Demandante, SGS, SGPS, S.A., com o NIPC ---------, pede a condenação da Demandada, AGEAS PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com o NIPC -----, a pagar-lhe €3.282,02 a título de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de viação causado pelo condutor do veículo seguro na Demandada, dos quais €1.948,86, correspondem ao custo da reparação do veículo e €1.333,16 correspondem a danos por paralisação.
Em síntese, alegando matéria enquadrável em sede de responsabilidade civil extracontratual (alínea h) do nº1 do artigo 9º da Lei 78/2001, de 13.07., alterada pela Lei 54/2013, de 31.07., doravante LOFJP) sustenta que o condutor do veículo seguro na Demandada, D, matrícula ZB , foi responsável pelo acidente de viação ocorrido em 02-07-2017, porquanto se encontrava parado na via de circulação da Av. Infante D. Henrique, efetuando cargas ou descargas numa operação de mudança, tendo a traseira do veículo junto do edifício e a parte frontal parcialmente na faixa de rodagem. O condutor do ZB não se encontra dentro do veículo e só apareceu momentos depois. O veículo da Demandante, E, matrícula HH, era conduzido por F, na Av. Infante D. Henrique, em Cascais, no sentido Gandarinha-Lisboa, por volta das 21.20h. A faixa de rodagem comporta duas vias de trânsito em cada sentido e o HH circulava pela via da direita quando se deparou com o veículo ZB à sua frente. O ZB não tinha quaisquer luzes sinalizadoras. O condutor do veículo ZB considerou-se culpado e assim declarou na participação amigável de acidente automóvel. Os custos de reparação do HH ascendem a €1.948,86 e foram avaliados pela Demandada. A reparação exige quatro dias de imobilização o que, considerando o valor de aluguer de veículo idêntico, representa um prejuízo de €1.333,16. Alega danos não patrimoniais que, a final, não peticiona. Junta: 8 documentos (cf. fls. 7 a 19) e procuração forense.
A Demandada, regularmente citada, contestou, alegando irregularidade do patrocínio forense da Demandante que, entretanto, foi sanada. Impugna a propriedade do veículo HH e, quanto à produção do acidente, alega que ainda era de dia e que não obstante a falta de sinalização do ZB o mesmo era perfeitamente visível para o condutor do HH porque o local é uma reta, de boa visibilidade, o ZB é branco, mais alto do que o HH e só ocupava parcialmente a via onde este circulava. Impugna o montante dos danos por paralisação. Conclui pela improcedência da ação. Junta 3 documentos (cf. fls. 36 a 58) e procuração forense.
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A Demandada faltou à sessão de pré-mediação e, depois, afastou esta fase processual.
A fls. 68/69 foi junto substabelecimento sem reserva subscrito pela I. mandatária da Demandada. A fls. 78/85, a Demandante juntou fotocópia de certificação do Documento Único Automóvel e, por lapso, cópia de procuração forense emitida por entidade que não é parte nos autos.
Iniciou-se no dia 24 de maio de 2018 audiência de julgamento com regularização do mandato forense outorgado pela Demandante (cf. fls. 81), audição das partes e tentativa de conciliação, que se gorou. Foram inquiridas duas testemunhas e apresentadas breves alegações. Por razões de marcação de outros atos, a audiência foi interrompida para continuar na presente data com prolação de sentença.
A ação tem o valor de €3.282,02.
O Julgado de Paz é competente (artigo 7º da LJP).
Cabe apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Dos factos
Para a formação da sua convicção o tribunal ponderou o teor das declarações das partes, em particular as do condutor do veículo HH e que também é legal representante da Demandante; os depoimentos das duas testemunhas inquiridas; os documentos juntos, em particular, a participação amigável de acidente automóvel e as fotografias do local. O tribunal acedeu, ainda, ao sítio da internet designado Google Maps (https://maps.google.pt) através do qual visualizou o local do embate o qual é, igualmente, do conhecimento pessoal do julgador que aí transita com frequência in itinere de sua casa para o seu local de trabalho, circunstância que foi levada ao conhecimento das partes na audiência de julgamento. Tem-se ainda em conta, quanto à dinâmica essencial do acidente de viação, o que resulta aceite por ambas as partes nos respetivos articulados e foi confirmado em audiência.
Assim, ficou provado, que no dia 02.07.2017, cerca das 21h20m, o veículo E, matrícula HH, propriedade da Demandante e conduzido pelo seu legal representante, F, circulava na Av. Infante D. Henrique, sentido Gandarinha-Lisboa. A faixa de rodagem é composta por quatro vias de trânsito, divididas por separador central, duas em cada sentido, e o condutor do HH circulava na via da direita no sentido indicado. Nesta via de trânsito, perto do edifício Sol Mar e do minimercado “O Saco”, encontrava-se imobilizado o veículo D, matrícula ZB (doravante ZB), cuja parte frontal ocupava parcialmente a via (da direita) na qual circulava o HH. A parte traseira do HH encontrava-se sobre o passeio e encostada à entrada do prédio de modo a facilitar as manobras de carga e descarga próprias da mudança que estava em curso. O veículo ZB estava parado e não se encontrava sinalizado, como resulta da declaração de fls. 7/8, preenchida no momento do acidente. O condutor do ZB não se encontrava na viatura nem junto desta e só apareceu momentos depois. O local é constituído por uma reta, com boa visibilidade. À hora a que ocorreu o acidente ainda era de dia. A Demandada é a seguradora do veículo ZB por força de contrato a que corresponde a apólice 0045.11.764758. Considera-se também provado, em face do orçamento de fls. 50/58, elaborado por entidade reparadora do grupo económico da Demandante sob supervisão do perito da Demandada, que o veículo HH sofreu danos cuja reparação ascende a € 1.948,86 e que exigem um período de imobilização de quatro dias.
Na formação da convicção do tribunal quanto aos factos apurados foram particularmente relevantes as declarações do condutor do HH, o qual, quanto à descrição do acidente, declarou, em resumo, que circulava pelo lado direito da faixa de rodagem, na via mais à direita das duas existentes, e que não se apercebeu da imobilização do veículo ZB se não quando já estava muito próximo deste, altura em que guinou o volante para a esquerda, para evitar o embate mas, ainda, assim, raspou com a parte lateral do HH na traseira do ZB. Disse, ainda, com interesse, que não foi o próprio que elaborou a participação amigável de acidente de fls. 9/10, junta sob doc. 2 com o R.I., antes tendo dado instruções a terceiro para a preencher. Quanto à posição final dos veículos após o acidente, é relevante o teor da averiguação de sinistro mandada efetuar pela Demandada, em particular as fotografias que constituem fls. 39verso e fls. 40 dos autos. Tais fotografias, compaginadas com o teor da declaração de fls. 44 elaborada e subscrita pelo gerente da sociedade proprietária do veículo D, afigura-se terem sido tiradas no momento do acidente, permitindo a perceção da dimensão do ZB, sua posição na via (reproduzida no croquis da participação amigável junta sob doc. 1 com o R.I., a fls. 7/8) e a sua visibilidade para os demais condutores. Permitem, também, visualizar o local onde se imobilizou o veículo da Demandante, uns metros mais à frente, junto de uns contentores tal como havia sido declarado pelo respetivo condutor, e a luminosidade do dia que ainda existia no momento.
O depoimento da testemunha G, secretária do condutor do veículo HH, da Demandante, contribuiu para esclarecer o modo como a Demandante calculou o valor dos danos que pede por imobilização do veículo por ter sido a própria depoente quem efetuou consultas de valores de aluguer de viaturas na internet. O testemunho de H, perito averiguador do sinistro, foi relevante para o esclarecimento da dinâmica do acidente.

Do direito
Perante a factualidade apurada, estamos perante uma situação de verificação de danos de natureza patrimonial em consequência de um acidente de viação. Impende sobre o responsável pela produção dos danos o dever de indemnizar o lesado (cf. artigo 483º do Código Civil). E, nos termos do disposto no artigo 562º do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Importa, por conseguinte, apurar se dos factos provados se pode concluir que o acidente ocorreu por facto imputável ao condutor ou proprietário do veículo ZB seguro na seguradora aqui Demandada.
A resposta, adianta-se, é negativa.
Do imediatismo da prova, mormente das declarações do condutor do HH que confirmam, de resto, as declarações escritas e o croqui constantes da declaração amigável de acidente, junta sob doc. 1, decorre que o sinistro ocorreu porque este, por desatenção ou velocidade excessiva não se apercebeu da presença do ZB numa parte da faixa de rodagem e que, não reconhecendo essa sua conduta, pretende que a falta de sinalização do ZB foi o motivo determinante do embate.
Sucede que a Av. Infante D. Henrique atravessa e serve uma zona residencial, com estacionamento em espinha em quase toda a sua extensão e no sentido Gandarinha- Lisboa, incluindo na zona do sinistro, o que torna previsível a entrada e saída de viaturas de e para o estacionamento, a circulação de viaturas a baixa velocidade para procurar lugar e para entrada e saída de passageiros e, mesmo, a imobilização na via de circulação mais à direita das duas existentes, incluindo pelos designados «Utilizadores vulneráveis» - peões e velocípedes, em particular, crianças, idosos, grávidas, pessoas com mobilidade reduzida ou pessoas com deficiência (alínea q) do artigo 1º do Código da Estrada). Logo, no local é, exigível aos condutores, a circulação a uma velocidade moderada, eventualmente inferior ao limite legal de 50km/h, e atenção permanente ao trânsito de veículos e de peões, por forma a evitar acidentes.
Acresce que a zona do sinistro constitui uma reta, com muito boa visibilidade permitindo aos condutores que nela circulem avistar a faixa de rodagem por muitos metros à sua frente à sua frente e que o veículo ZB é mais alto do que a generalidade dos veículos e, em particular, dos veículos entre os quais se encontrava, tem a cor branca e estava imobilizado numa parte da via da direita, seria impossível ao condutor do HH se estivesse atento, não ter visto atempadamente o ZB. Logo, o veículo ZB era perfeitamente avistável por um condutor atento o qual teria tempo e espaço para uma mudança prévia e atempada para a via mais à esquerda do mesmo sentido de circulação e, usando essa via da esquerda, passar pela frente do ZB sem produzir qualquer dano.
Porém, o que sucedeu foi que o condutor do HH só avistou o ZB muito perto do local onde este estava e, atenta tal proximidade, porque o veículo HH é de topo de gama ainda conseguiu realizar uma manobra evasiva e tocar de raspão na frente do obstáculo que se encontrava em parte da via de trânsito, tal como abundantemente relatou o seu condutor.
Do que se apurou decorre que não obstante o veículo ZB se encontrar a ocupar uma parte da via da direita sem qualquer sinalização não foi esta falta de sinalização a causa do acidente mas apenas, e só, a falta de atenção ou imperícia ou velocidade desadequada para o local (cf. artigo 25º do Código da Estrada) do condutor do HH que não lhe permitiu avistar e evitar embater num obstáculo imobilizado e perfeitamente visível.
Assim sendo, como é, é nossa convicção que a conduta do condutor do veículo ZB não contribuiu para a produção do acidente já que o cumprimento do dever de assinalar a presença do veículo na faixa de rodagem, como obstáculo que era, designadamente, através do uso dos dispositivos de sinalização (cf. nº2 do artigo 5º e alínea c) do artigo 60º do Código da Estrada - c) Luzes avisadoras de perigo, destinadas a assinalar que o veículo representa um perigo especial para os outros utentes e constituídas pelo funcionamento simultâneo de todos os indicadores de mudança de direção;) não teria evitado o sinistro uma vez que o condutor do HH seguia desatento ao trânsito sem reparar no que sucedia à sua frente ou com velocidade excessiva e só por essa razão, ou razões, não logrou vislumbrar que em parte dela estava um obstáculo e que lhe bastava, tomadas as devidas precauções, mudar e utilizar a faixa da esquerda para evitar o embate (cf. nº2 e 3 do artigo 13º do mesmo Código). Com efeito, o condutor do HH deveria não só tomar atenção à via como também adequar a velocidade de modo a que pudesse (…) em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (nº2 do artigo 24º do Código da Estrada).
Nos termos expostos, concluímos que o sinistro objeto dos autos é totalmente imputável ao lesado (assim se afastando a responsabilidade pelo risco da proprietária do veículo ZB e, logo, da seguradora Demandada - cf. artigo 503º do Código Civil), e que, por conseguinte, não impende sobre a Demandada a obrigação de pagar qualquer indemnização à Demandante pelos danos decorrentes daquele.

III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo a Demandada do pedido.
Declaro responsável pelas custas do processo a Demandante.
Custas do processo: €35.
A Demandada tem direito à devolução de €35.
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A Demandante deverá pagar a parcela de custas em falta e de sua responsabilidade, no valor de €35, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 por cada dia de atraso, e até um máximo de €140 (cf. nº 10 da referida Portaria 1456/2001, na redação dada pela Portaria 209/2005, de 24.02). Decorridos 15 dias sobre o termo do prazo de pagamento sem que este se mostre efetuado, será extraída certidão das custas e penalidades em dívida e remetida ao Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Oeste-Cascais, para eventual execução do valor em dívida que será de €140.
Registe, dê cópia aos presentes e envie cópia aos ausentes os quais se consideram notificados na presente data.
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Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma a cada uma das partes. ----

Cascais, Julgado de Paz, 01 de Junho de 2018

A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz