Sentença de Julgado de Paz
Processo: 25/2017-JPBBR
Relator: CARLA ALVES TEIXEIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO / INUNDAÇÃO
Data da sentença: 04/06/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Relatório:
A intentou a presente acção declarativa contra B, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 8.813,01, correspondente ao valor remanescente dos danos que alega ter sofrido em virtude de uma inundação ocorrida no estabelecimento comercial que explora, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.
Alega, para tanto, que havia contratado com a Demandada um seguro multirriscos empresas, cuja apólice identifica, que cobre os danos decorrentes de águas e inundações, pelo que é a Demandada responsável por tais danos.
Juntou 9 documentos.
A Demandada foi regular e pessoalmente citada e apresentou Contestação, onde alega que a inundação se deveu à rotura de uma conduta de rede pública de água, localizada na rua, pelo que tal sinistro se encontra excluído do âmbito da apólice contratada, sendo da responsabilidade do Município de Alcobaça. Alega, ainda, a insuficiência do capital seguro, pelo que, em caso de condenação, deverá a Demandante responder, para além da franquia, por tal insuficiência.
Juntou 3 documentos.
Uma vez que a Demandada prescindiu da fase da mediação, procedeu-se à marcação da audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal.
**
Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância e não há excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.
**
Fixa-se à causa o valor de € 8.813,01 (oito mil, oitocentos e treze euros e um cêntimo) - cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante abreviadamente designada LJP).
**
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A) FACTOS PROVADOS:
A) Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1 – A Demandante é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio a retalho de material de óptica.
2 – A Demandante celebrou com a Demandada um contrato de seguro com a cobertura multirriscos estabelecimentos, a que corresponde a apólice 00.
3 – O contrato de seguro celebrado entre as Partes rege-se pelas condições particulares juntas a fls. 81 e 82, pelas condições gerais juntas a fls. 83 a 93 e pelas condições especiais “XXXXXX” juntas a fls. 94 a 127.
4 – Através do contrato de seguro a Demandada garantiu a cobertura de perdas e danos tendo por objecto mercadorias, equipamento industrial e outros, resultantes directamente de inundações e danos por água, sendo o local seguro sito na Rua XXXXX, n.º 2, r/c esquerdo em Benedita, onde se situa o estabelecimento comercial da Demandante.
5 – No contrato de seguro celebrado foi prevista uma franquia de € 50,00 a cargo da Demandante, por cada sinistro abrangido pela cobertura de “inundação”.
6 - No dia 12 de Junho de 2016, pelas 11h, na Rua dos XXXXXXX, em frente ao estabelecimento comercial da Demandante, ocorreu o rebentamento da conduta pública de transporte de água pertença dos Serviços municipalizados de Alcobaça.
7 – A conduta de água que rebentou é uma conduta adutora/distribuidora.
8 - Como resultado do rebentamento da conduta, a água infiltrou-se pela grelha de ventilação existente junto ao passeio para a loja da Demandante que ficou inundada.
9 - Em consequência da inundação, foram danificados 322 pares de óculos com as marcas, referências e preços constantes da listagem de fls. 49 a 55 para onde se remete, com o valor global de € 15.477,56.
10 - Em consequência da inundação, foram danificadas 37 bolsas para óculos da marca Fisher price, no valor total de € 113,78.
11 – Os danos causados nos produtos referidos nos factos 9 e 10 impediram a sua comercialização ao público.
12 - Em consequência da inundação, foram danificadas 5 prateleiras em melanina branca, cuja substituição teve o custo de € 230,00.
13 - Em consequência da inundação, foram danificadas 10 resmas de papel e 60 pastas de arquivo, cuja reposição teve um custo de € 89,30.
14 - Em consequência da inundação, foram danificadas as paredes da cave, tendo sido necessário proceder à sua pintura, pelo preço de € 385,00.
15 - O sinistro foi participado pela Demandante no posto da GNR de Benedita.
16 - O sinistro foi participado pela Demandante à Demandada.
17 – Em 15 de Junho de 2016 deslocou-se ao local o perito avaliador da Demandada com vista a proceder à vistoria e avaliação dos danos.
18 – A Demandante recebeu da Seguradora dos Serviços Municipalizados de Alcobaça (C.) a quantia de € 7.482,63, com vista a ressarcir parte dos danos sofridos com o rebentamento da conduta.
19 – Em 15.09.2016, a Demandada enviou comunicação à Demandante invocando que o sinistro participado não se encontra abrangido pelas garantias cobertas pela apólice.
**
B) FACTO NÃO PROVADO:
1 – De acordo com o mapa de existências facultado pela Demandante à Demandada existiam € 133.381,56 de bens em risco.
**
C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos factos admitidos por acordo, dos documentos juntos, das declarações da Demandante e dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência final.
Concretizando:
- facto provado n.º 1: resulta da certidão permanente da Demandante a fls. 160 a 164.
- factos provados n.º 2 e 3: resultam da admissão por acordo das Partes nos articulados, sendo que a Demandante confirmou, em audiência de julgamento, que as condições da apólice eram aquelas que foram juntas pela Demandada a fls. 81 a 127.
- facto provado n.º 4: resulta das condições particulares da apólice a fls. 81 e das cláusulas 2ª n.º 1 a) e 4ª n.º 1, 03 e 04 da condição especial XXXXX a fls. 94 e 96.
- facto provado n.º 5: resulta das condições particulares da apólice a contratação do plano A (fls. 81) e do capítulo VII das condições especiais (fls. 127) o valor da franquia no caso de sinistro abrangido pela cobertura de inundação, no plano A.
- factos provados n.º 6, 8, 16 e 17: resultam da admissão por acordo das partes nos articulados.
- facto provado n.º 7: trata-se de facto que não foi alegado pelas partes, mas que resultou da instrução da causa, mais concretamente do depoimento da testemunha D. Por se tratar de um facto concretizador do alegado pela Demandante no artigo 4º do seu Requerimento Inicial (onde alegou que o rebentamento ocorreu numa conduta de transporte de água, sem concretizar que se tratava de uma conduta adutora), foi concedido prazo a ambas as Partes para se pronunciarem sobre o mesmo, tendo a Demandada apresentado a sua pronúncia a fls. 154 a 155, e não tendo sido requerida produção de prova adicional sobre o mesmo, por qualquer das partes. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 5º n.º 2 b) do CPC, pode o Tribunal conhecer deste facto.
O juízo probatório positivo sobre tal facto resultou do depoimento da testemunha D, que não foi contrariado por qualquer outro meio probatório e que prestou um depoimento que se reputou de credível, isento e claro, revelando bons conhecimentos técnicos sobre a rede de distribuição de água, os tipos de condutas existentes e aquela conduta em particular, que mostrou conhecer e onde referiu serem habituais incidentes como o dos autos, devido às suas características, que explicou, sabendo, do exercício da sua actividade profissional, que a mesma já foi reparada 5 ou 6 vezes.
- factos provados n.º 9 a 14: resultam da conjugação dos seguintes meios probatórios: (i) das declarações da legal representante da Demandante que explicou, em pormenor todos os danos sofridos em consequência da água “barrenta” que inundou a loja (ii) do depoimento da testemunha E, que trabalhava para a Demandante na data dos factos e os presenciou pessoalmente, tendo confirmado os danos ocorridos e descrito, em pormenor, o estado em que se encontravam as mercadorias e os danos que a água suja causou nas mesmas, impossibilitando a sua comercialização (iii) do depoimento da testemunha F, responsável pelo projecto de decoração da loja, que esteve presente no local aquando da inundação e confirmou, pessoalmente, os danos e a presença de vários centímetros de água “vermelha” na loja. Confirmou, ainda, ter sido o autor do orçamento de fls. 59, e dos trabalhos nele descritos, pelo valor nele constante; (iv) dos documentos não impugnados pela Demandada de fls. 49 a 55 contendo a listagem e preços dos óculos danificados; de fls. 56 contendo a factura de aquisição das bolsas para óculos no valor indicado; de fls. 57 contendo o orçamento para aquisição de novas prateleiras no valor indicado; de fls. 58 contendo as facturas de aquisição de pastas de arquivo e resmas de papel no valor indicado; de fls. 59 contendo o orçamento para a pintura, confirmado pela testemunha F; de fls. 47 e 48 contendo fotografias dos materiais danificados; (v) da ausência de produção de qualquer prova em contrário.
- facto provado n.º 15: resulta das declarações da Demandante conjugadas com o documento de fls. 44 a 48 correspondente ao auto de ocorrência elaborado pela GNR.
- facto provado n.º 18: resulta do documento de fls. 61, sendo que se trata de facto não impugnado pela Demandada.
- facto provado n.º 19: resulta do documento de fls. 128, correspondente à cópia de tal comunicação.
- facto não provado n.º 1: resulta da total ausência de prova produzida sobre o mesmo.
**
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Está em causa nos presentes autos um contrato de seguro denominado “XXXXX”, celebrado entre a Demandante e a Demandada e que tinha por objecto a cobertura de perdas e danos sofridos em mercadorias, equipamento industrial e outros, resultantes directamente das coberturas contratadas, sendo o local de risco o estabelecimento comercial da Demandante sito na Rua XXXXX, n.º 2, r/c esquerdo, em Benedita.
O contrato de seguro é um contrato através do qual o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro, ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente – cfr. artigo 1º do DL n.º 72/2008 de 16.04. Trata-se de um típico contrato de risco, garantia e conservação de património do segurado, em que a indemnização devida, pela verificação do sinistro, surge como uma forma de reparação do dano sofrido pelo segurado.
Atento o princípio da liberdade contratual, expressamente reafirmado no artigo 11º do citado DL, o contrato de seguro é regulado pelas estipulações da respectiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, subsidiariamente, pelas disposições daquele diploma e da lei comercial e civil - cfr. art. 4º do mesmo diploma.
Nos termos do disposto no artigo 128º do citado DL, nos seguros de danos – como é o caso - “A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro”.
Vejamos, então, o que se encontra convencionado entre as Partes, ao abrigo da sua liberdade contratual, através da análise das cláusulas contratuais que constam de fls. 81 a 127 dos autos.
Desde logo, dúvidas não restam de que o contrato celebrado entre as Partes cobria o risco de danos por água e inundações, conforme resultou provado e consta da cláusula 4ª nº 1, 03 e 04 e cláusula 2ª das condições especiais (fls. 94 e 96).
Os danos por água estão definidos como os causados “por água, de carácter súbito e imprevisto, em consequência de rotura, defeito, entupimento, ou transbordamento da rede interna de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgoto das águas pluviais, onde se encontrem os bens seguros, assim como os aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água do mesmo edifício e respectivas ligações” ficando excluídas desta cobertura os danos “causados por águas provenientes de canalizações ou esgotos não pertencentes ao edifício.” – cfr. cláusula 5ª, 04, n.º 1 e 3 a) das condições especiais (fls. 99).
O sinistro foi enquadrado, pela Demandada, nesta cobertura (danos por água), sendo que, uma vez que a canalização onde se verificou o rebentamento não pertencia ao edifício, sendo exterior a este, considerou que os danos se encontravam excluídos ao abrigo da cláusula de exclusão supra citada.
Porém, para além dos danos por água, o contrato de seguro abrange, também, os danos causados por inundações, sendo estas definidas como, entre outras previsões, o “rebentamento de adutores, colectores, drenos, diques e barragens” – cfr. cláusula 5ª, 03, n.º 1 b) das condições especiais (fls. 99) – (sublinhado nosso).
Ora, resultou provado que a inundação foi provocada pelo rebentamento de uma conduta adutora, pelo que, não se verificando nenhuma das exclusões previstas naquela cobertura (n.º 2 da citada cláusula), há que concluir que os danos resultantes de tal inundação se encontram cobertos pelo referido contrato de seguro, pelo que está a Demandada obrigada, ao abrigo de tal contrato, a indemnizar os danos sofridos pela Demandante em consequência da mesma.
Provou-se, também, que, em consequência directa de tal inundação, a Demandante sofreu os danos descritos nos factos provados n.º 9, 10, 12, 13 e 14, que totalizam a quantia de € 16.295,64. Porém, provou-se, também, que a Demandante já foi ressarcida, por terceiros, da quantia de € 7.482,63, pelo que o remanescente dos seus danos é de € 8.813,01, quantia que peticiona nestes autos.
O referido valor não excede o capital seguro que era de € 123.000,00 para mercadorias, € 2.500,00 para equipamentos industriais e € 1.500,00 para outros danos, pelo que se encontra dentro dos limites contratados entre as Partes – cfr. condições particulares, a fls. 81.
Ao valor dos danos há, porém, que deduzir o valor da franquia contratada no valor de € 50,00, nos termos do disposto na cláusula 5ª, 03, n.º 3, e capítulo VII, plano A, n.º 2 das condições especiais, conjugadas com as condições particulares, onde se prevê a contratação do plano A (fls. 99, 81 e 127).
Alegou a Demandada que se verificaria uma situação de insuficiência de capital seguro, porém nada provou quanto a essa matéria, pelo que nada há a conhecer quanto à mesma.
Face ao exposto, do contrato celebrado entre as Partes, decorre a obrigação da Demandada de indemnizar a Demandante da quantia de € 8.763,01 (€ 8.813,01 - € 50,00), pelos danos sofridos por esta no seu estabelecimento comercial em consequência da inundação causada pelo rebentamento da conduta adutora.
Por último, e quanto aos juros, o devedor constitui-se em mora logo que seja interpelado judicial ou extra-judicialmente, para cumprir, sendo que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, correspondendo estes aos juros de mora legais - cfr. artigo 805º n.º 1, 804º n.º 1 e 806º n.º 1, do CC.
Face ao exposto, vai a Demandada condenada nos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação (17.05.2017), até integral pagamento, conforme peticionado, à taxa legal para juros civis, que é de 4% - cfr. artigo 559º n.º 1 do CC e Portaria n.º 291/03 de 08/04.
**
Responsabilidade tributária:
Atento o disposto no artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do artigo 63º da LJP, e porque ambas as partes se declaram partes vencidas serão as custas repartidas na proporção do respectivo decaimento, que é de 1% para a Demandante e de 99% para a Demandada.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24.02, atendendo aos pagamentos já efectuados nestes autos, deverá a Demandada efectuar o pagamento da quantia de € 34,30, no prazo de 3 dias úteis a contar do conhecimento da presente decisão, sob pena de a tal quantia acrescer uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, com o limite de € 140,00, devendo ser devolvido igual quantia à Demandante.
**
Dispositivo:

Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência disso, condeno a Demandada a pagar à Demandante:

a) a quantia de € 8.763,01 (oito mil, setecentos e sessenta e três euros e um cêntimo);
b) juros de mora vencidos e vincendos, sobre a quantia supra referida, à taxa legal para juros civis, desde a data de citação e até integral pagamento.

Custas na proporção de 1% para a Demandante e de 99% para a Demandada.

**
Registe e notifique.
Bombarral, 06.04.2018
A Juíza de Paz

Carla Alves Teixeira
(que redigiu e reviu em computador – artigo 131º n.º 5 do CPC)