Sentença de Julgado de Paz
Processo: 495/2017-JPVNG
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONTABILIDADE - ENTREGA DE DOCUMENTOS
Data da sentença: 06/08/2018
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA

Proc.º 495/2017-JP

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES: ---
1.ª Demandante: A, contribuinte n.º -----------, residente na Avenida --------------, n.º 45, 5.º Dto, Setúbal;

2.º Demandante: B, contribuinte n.º , residente na Rua -----------, n.º 21, Lisboa

Demandado: C, com morada conhecida na -----------, n.º 93, Valadares, Vila Nova de Gaia.


*
OBJECTO DO LITÍGIO: ---
Os Demandantes intentaram contra o Demandado a presente acção enquadrável nas alíneas b) e h), do nº 1, do art.º 9º, da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação deste a entregar aos Demandantes todos os documentos contabilísticos (toda a escrita) que tiver em seu poder, relativos à sociedade “D Lda”, nomeadamente pastas com os documentos de apoio aos registos contabilísticos e extractos de contas bancárias; Balancetes analíticos após encerramento às datas de 31 de Dezembro de 2015 a 31 de Dezembro de 2016; Fichas de registo de Activos; Listagem de activos a 31 de Dezembro de 2016; Dossier fiscal dos anos de 2014, 2015 e 2016: Recibos de vencimento de funcionários de Junho de 2013 a Dezembro de 2013.
Mais requer a condenação do Demandado em Sanção Penal Compulsória não inferior a € 50,00 diários, por cada dia de atraso na entrega da documentação contabilística; Bem como no pagamento de uma indemnização relativa aos prejuízos resultantes da não entrega da documentação atempadamente, nomeadamente com coimas e demais despesas devidas à autoridade tributária, a liquidar em execução de sentença, nos termos plasmados no requerimento Inicial de fls 4 a 11. Alega, resumidamente que tendo terminado o contrato com o Demanadado (TOC), em Dezembro de 2016, desde então e apesar de diversas solicitações, o mesmo não procedeu à entrega da documentação respeitante à empresa “D, Lda”, de que são liquidatários, causando-lhe prejuízos com a sua omissão.

Juntou dez documentos com o Requerimento Inicial, de fls. 14 a 31, que se dão por reproduzidos.

Frustrada a citação do Demandado, procedeu-se à nomeação de Defensora Oficiosa para representação do Demandado, em 14-02-2018 cfr. a fls 47, nos termos do n.º 2 do art.º 38.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.

Determinou-se então o seguimento do regime processual civil referente aos ausentes, citando-se a defensora oficiosa nomeada, em representação do Demandado, uma vez que não há Ministério Público junto dos Julgados de Paz.

Esta não apresentou contestação nem juntou documentos.

No dia 21 de Maio de 2018 foi realizada a audiência de julgamento, na presença da Demandante, acompanhada pelo seu mandatário com substabelecimento, o Exmo. Sr. Dr. E, que igualmente representa o Demandante, com poderes para o acto, e a ilustre Defensora Oficiosa, nomeada ao Demandado ausente, a Exma. Sr.ª Dr.ª Maria João Barbosa, com observância do formalismo legal, como resulta da respectiva acta de fls. 55 e 56.
Os Demandantes requereram Declarações de Parte da Demandante, que foram tomadas de imediato.
*
O Julgado de Paz é competente em razão do objecto, da matéria, do território e do valor que se fixa em € 5.000,01- art.º 306º n.º 1, ambos do Código de Processo. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
*
FACTOS PROVADOS:
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1- Os demandantes são liquidatários da sociedade “D, Lda” que entrou em dissolução e liquidação em 6 de Junho de 2016;(cfr. Doc 1)
2- O Demandado exerceu o cardo de técnico oficial de contas da sociedade “ D, Lda” durante os últimos 10 anos;
3- O Demandado exerceu as suas funções mediante uma remuneração mensal.
4- No exercício das suas funções, o Demandado, representava a sociedade perante a Autoridade Tributária;
5- No dia 20 do mês de Dezembro, os Demandantes remeteram ao Demandado, via mail, uma carta prescindindo dos seus serviços como técnico oficial de contas, tendo este aceite e prontificado a entregar os documentos; ( cfr. Doc. 2)
6- No mesmo mail solicitaram que o Demandado indicasse dia, hora e local para entrega de todos os documentos ( escrita da sociedade); ( cfr. Doc. 2)
7- Em Dezembro de 2016 Contrataram a Dr.ª F para efectuar os serviços de contabilidade da empresa.
8- No dia 24 de Dezembro de 2016, o Demandado respondeu solicitando o prazo até final de janeiro de 2017 para proceder à entrega da documentação –(cfr. Doc. 3)
9- O Demandado não procedeu à entrega da documentação (até final de Janeiro de 2017);
10- Em 2 de fevereiro o Demandado mandou um email no qual alegou estar a preparar a documentação para entrega e que o faria logo q possível. (cfr.Doc. 4) ----------------------
11- No mesmo dia 2 de fevereiro, a Demandante solicitou a entrega de documentos específicos, designadamente a ficha de imobilizado e o balancete analítico, não tendo obtido resposta; (cfr. Doc. 5)
12- Em 2 de Março de 2017, a Demandante voltou a solicitar o envio dos documentos e senhas de acesso à Autoridade Tributária e Segurança Social; (cfr. Doc. 6)
13- O Demandado não respondeu.
14- Em 21 de Março de 2017 a Demandante solicitou ao Demandado que entrasse em contacto com a máxima urgência; (cfr. Doc. 7).
15- No dia 27 de Março a Demandante conseguiu falar com o Demandado, via telefone, solicitando o envio das senhas à Dr.ª F, tendo o Demandado entregue.
16- Acedendo ao portal das finanças, os Demandantes, verificaram que já havia dívidas fiscais.
17- O Demandado continuou sem enviar a documentação solicitada, apesar das solicitações de entrega de 05 de abrl e 3 de Maio de 2017; (Doc. 8 e 9).
18- A Demandante solicitou, reiteradamente ao longo de 2017, a entrega da documentação, igualmente via telefone.
19- No dia 2 de Outubro a Demandante informou o Demandado que iria receber a documentação, no dia 24 de Outubro de 2017, pelas 15.00 h, nas instalações da empresa, em Vila Nova de Gaia; (cfr. Doc. 10).
20- Em data anterior à fixada o demandado informou que não entregaria os documentos a 4 de Outubro, mas os enviaria até 10 de Outubro à Demandante.
21- O Demandado não entregou os documentos (escrita da sociedade) até à presente data.
22- Os documentos são essenciais para a nova técnica de contas realizar o trabalho e cumprir as obrigações fiscais da sociedade.
23- A falta de entrega dos documentos causou e causou prejuízos à sociedade.
24- Houve procedimentos que não foram efectuados por falta de elementos contabilísticos, nomeadamente a entrega da “IES” (informação empresarial simplificada).
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

*
FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA: ----
Os factos assentes resultaram dos documentos constantes dos autos, de fls 14 a 31, conjugados com as declarações de parte da Demandante. A Demandante confirmou a veracidade dos documentos juntos aos autos que foram por si enviados e recebidos, bem como esclareceu do desenrolar dos factos. A suas declarações foram claras e credíveis, tendo a mesma sempre afirmado que tentaram ao máximo a resolução da situação extra-judicialmente, tendo o Demandado inicialmente sido colaborante, porém veio a tornar-se incontactável.
*
O DIREITO:
In casu, verifica-se a inversão do ónus da prova, por não existir por parte do defensor oficioso o ónus de impugnação, nos termos dos artigos 21º e 574º, nº 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 63º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, cabendo à Demandante fazer prova da veracidade dos factos alegados no Requerimento Inicial.
Ora, resulta dos factos supra dados por provados que, entre Demandantes e Demandado, foi celebrado um contrato de prestação de serviços de contabilidade sendo o Demandado, na sua qualidade de TOC, responsável em termos técnicos, pela contabilidade da sociedade “ D, Lda”, da qual os Demandantes são liquidatários. Este contrato rege-se pelas normas do contrato de mandato, disciplinado nos artigos 1154.º e seguintes do Código Civil, e em especial pelas normas decorrentes da, Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro, que transformou a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados, e alterou o respetivo Estatuto, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 452/99, de 5 de novembro, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais.

Com particular interesse para o caso em apreço, dispõe o Código Deontológico da Ordem dos Contabilistas Certificados, no artigo 15.º sob a epígrafe “Devolução de documentos”, no seu n.º 1 – “ No caso de rescisão do contrato, o contabilista certificado entrega à entidade a quem prestou serviços, ou a quem aquela indicar por escrito, os livros e os documentos que tenha em seu poder, no prazo máximo de 60 dias, devendo ser emitido e assinado documento ou auto de receção, no qual se descriminem os livros e documentos entregues.”
Assim, de acordo com o referido art.º 15, n.º1, o Demandado deve entregar à entidade a quem presta serviços, ou a quem ela, por escrito indicar, os livros e documentos que tenha em seu poder. O conteúdo deste artigo até será do seu total conhecimento, já que ficou provado que o Demandado não se recusou a entregar a documentação que tem em seu poder. No entanto, a verdade é que, apesar de ter tido varias oportunidades, e de ter sido várias vezes interpelado para o fazer, até hoje ainda não o fez.
Tal facto evidencia que afinal não estará disposto a entregar a documentação que não é de sua propriedade, o que bem sabe. Ora perante o exposto conclui-se que a actuação do Demandado, além de imprópria, tem sido a causa de problemas fiscais da demandante, pois retém a documentação, impede que outro TOC possa regularizar as obrigações fiscais da demandante, entre outras.
Deste modo está, o Demandado, obrigado a proceder à entrega aos demandantes, de toda a documentação referente à empresa “D, Lda”, nomeadamente pastas com os documentos de apoio aos registos contabilísticos e extractos de contas bancárias; Balancetes analíticos após encerramento às datas de 31 de Dezembro de 2015 a 31 de Dezembro de 2016; Fichas de registo de Activos; Listagem de activos a 31 de Dezembro de 2016; Dossier fiscal dos anos de 2014, 2015 e 2016: Recibos de vencimento de funcionários de Junho de 2013 a Dezembro de 2013, procedendo o pedido nesta parte.

Quanto à Sanção Pecuniária Compulsórial:---
Vieram os Demandantes pedir a condenação do Demandado, numa sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 50,00 diários, por cada dia de atraso na entrega da documentação contabilística.
A Sanção pecuniária compulsória encontra-se prevista no Art.º 829º-A do Código Civil.
Ora, estabelece o citado preceito, no n.º 1, que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o Tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.” A inclusão de tal sanção, como medida coerciva de cumprimento, visou, fundamentalmente: frisar a importância que o cumprimento das obrigações assume, em particular para o credor; bem como, o respeito devido às decisões dos Tribunais, enquanto órgãos de soberania. Neste sentido, Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 112.O fim específico de tal previsão é o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência, constrangendo-o, pois, a obedecer à decisão condenatória, assim se gerando uma nova obrigação, todavia subsidiária. Não está só em jogo o natural interesse do credor na realização prática da prestação a que tem direito, mas ainda o interesse geral da credibilidade da decisão judiciária e da própria Justiça. Vide Calvão da Silva, BMJ 359, pág. 52.
Assim, no caso sub judice mostra-se claramente justificada a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, que, venha forçar o Demandado ao cumprimento da obrigação em que vai condenado: entregar os documentos contabilístico da empresa “D, Lda” que se encontram em seu poder.
Atendendo a critérios de razoabilidade, fixa-se a sanção pecuniária em € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de permissão de acesso ao seu prédio, a pagar desde o trânsito em julgado da presente sentença.

Quanto à Indemnização pelos prejuízos resultantes da não entrega dos documentos:
O Demandado, ao não entregar a documentação, como era seu dever, constitui-se na obrigação de reparar os prejuízos causados com o seu comportamento, omissivo, sendo que a sua culpa se presume (art.º 798º C.C.).
Nos termos do artigo 562.º e seguintes do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto gerador do dano e em relação aos danos que provavelmente o lesado não teria sofrido se a lesão não se tivesse verificado, abrangendo-se danos emergentes e lucros cessantes, podendo atender-se a danos futuros previsíveis que se não forem determináveis serão fixados em decisão ulterior, sendo possível a indemnização ser fixada em dinheiro, nos termos do art.º 566.º, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial atual do lesado e a que teria se não se tivessem verificado os danos.
No que diz respeito aos prejuízos alegados, os Demandantes provaram que houve procedimentos que não foram efectuados por falta de elementos contabilísticos, nomeadamente a entrega da “IES” (informação empresarial simplificada), o que dará origem a contra-ordenações fiscais e coimas, bem como existem dívidas fiscais, cuja quantia não se pode neste momento apurar ou contabilizar.
Assim sendo, estamos perante danos futuros cujo montante total, de momento, não se consegue contabilizar, pelo que se relega para apuramento em liquidação posterior, nos termos do art.º 609, n.º2 do Código de Processo Civil.

DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente acção procedente por provada e, consequentemente, condeno o Demandado:
a) A proceder à entrega aos Demandantes, na qualidade em que este litiga, de toda a documentação contabilística referente à empresa em liquidação “D, Lda”, e entre outros que se encontrem na sua posse, nomeadamente pastas com os documentos de apoio aos registos contabilísticos e extractos de contas bancárias; Balancetes analíticos após encerramento às datas de 31 de Dezembro de 2015 a 31 de Dezembro de 2016; Fichas de registo de Activos; Listagem de activos a 31 de Dezembro de 2016; Dossier fiscal dos anos de 2014, 2015 e 2016: Recibos de vencimento de funcionários de Junho de 2013 a Dezembro de 2013;
b) A pagar, a título de Sanção pecuniária compulsória, a partir do trânsito em julgado, a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na entrega da referida documentação;
c) A pagar a quantia que se vier a liquidar em posterior liquidação, a título de indemnização por danos futuros decorrentes da falta de entrega da documentação.

Custas a suportar pelo Demandado (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro). O Demandado deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 70,00 (setenta euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de Dezembro. Devolva-se o valor de € 35,00, aos Demandantes (art.º 9.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).

Registe, notifique.
*
Após trânsito, notifique a presente Sentença ao Ministério Público, nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 60º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com a alteração introduzida pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho.
Vila Nova de Gaia, 08 de Junho de 2018
A Juiz de Paz
(em Auxílio)
_______________________
(Luísa Ferreira Saraiva)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia