Sentença de Julgado de Paz
Processo: 16/2017-JPBBR
Relator: CARLA ALVES TEIXEIRA
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO
VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE CUIDADO
Data da sentença: 03/16/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Relatório:

A e B, intentaram contra C, D, E e F, a presente acção declarativa, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 10.000,00.
Alegam, para tanto, que adquiriram um prédio rústico aos Terceiro e Quarta Demandados, representados pelo Segundo Demandado, cujo negócio foi intermediado pela Primeira Demandada e que, após a celebração do negócio tomaram conhecimento de que os limites do terreno em causa eram inferiores àqueles que lhe foram transmitidos pela Primeira Demandada e que constavam da planta topográfica entregue a esta pelos vendedores, o que não lhes permite levar a cabo a construção que tinham idealizado para aquele prédio. Alegam, assim, que foram induzidos em erro pelos Demandados, sendo que jamais teriam adquirido o prédio se soubessem qual era o verdadeiro limite do mesmo.
Juntaram 9 documentos.
Os Demandados foram regular e pessoalmente citados, tendo comparecido às sessões de pré-mediação e mediação sem que tivesse sido obtido acordo.
A Primeira Demandada apresentou contestação, alegando que se limitou a disponibilizar aos Demandantes toda a documentação que lhe foi enviada pelo Segundo Demandado e que desde o início alertou os Demandantes para a divergência de áreas constante do levantamento topográfico e da matriz, sendo que os Demandantes se deslocaram à Câmara Municipal com vista a obter informação sobre o índice de construção permitido no prédio, e que foi após tal informação que tomaram a decisão de o adquirir, pelo que não houve, da sua parte, a prática de qualquer acto tendente a induzir em erro os Demandantes.
Os Segundo, Terceiro e Quarta Demandados apresentaram contestação onde alegam que os Terceiro e Quarta nunca contactaram com os Demandantes, sendo que o Segundo apenas contactou com os mesmos no dia da assinatura do contrato-promessa e no dia da outorga da escritura pública, pelo que nada transmitiram aos Demandantes que os pudesse ter induzido em erro. Mais alegam que o Segundo Demandado explicou à Primeira Demandada que a discrepância de área se devia ao facto de o cadastro não ter tido em consideração uma parcela do terreno que foi cortado por uma estrada, nada tendo que ver com a parcela concreta do terreno que os Demandantes julgavam estar incluída no prédio, e que não tiveram qualquer intervenção na informação que estes obtiveram junto da Câmara Municipal de X sobre o índice de construção.
Foi agendada audiência de julgamento que se realizou com observância do formalismo legal, tendo os Demandantes sido convidados a aperfeiçoar o seu Requerimento Inicial, especificando qual o valor que atribuem a cada um dos danos que invocam. No seguimento de tal convite, os Demandantes declararam que € 300,00 correspondem ao valor que despenderam com a limpeza do terreno, € 500,00 ao valor que despenderam em honorários de Advogados, € 7.000,00 ao dano sofrido pela redução da área do terreno e € 2.200,00 aos danos não patrimoniais sofridos. Foi exercido o contraditório pelos Demandados que, mais uma vez, impugnaram todos os danos alegados.
Após a produção da prova, o Tribunal ordenou a inquirição oficiosa da testemunha G, pelo que se agendou uma segunda sessão para esse efeito.
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Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância e não há excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.

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Fixa-se à causa o valor de € 10.000,00 (dez mil euros) - cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex vi art. 63.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante abreviadamente designada LJP).

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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A) FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
A)
1 – A Primeira Demandada foi contratada pelo Segundo Demandado, em representação dos Terceiro e Quarta Demandados, para promover a venda do prédio rústico, sito em X, descrito na Conservatória do Registo Predial de X, com o número 00 da freguesia de Santa Maria e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 0 da secção X, de que estes eram proprietários (doravante, prédio X).
2 – O Segundo Demandado entregou à Primeira Demandada a caderneta predial bem como a planta topográfica, contendo o levantamento topográfico do prédio, junta a fls. 15.
3 - O prédio em causa tem a área inscrita na matriz e no registo predial de 4.560 m2.
4 - Na planta topográfica de fls. 15, vem indicado que o prédio tem a área de 5.032 m2.
5 – O Segundo Demandado informou a Primeira Demandada, na pessoa da sua colaboradora G, encarregue desta venda, de que a discrepância de áreas resultaria do facto de na matriz não ter sido considerada a parcela do prédio sobrante após o corte da estrada, área que se considerou no levantamento topográfico.
6 – Na planta topográfica do prédio X estão incluídos outros prédios urbanos assinalados a cor diferente (azul), e ainda o prédio inscrito na matriz sob o artigo 0 (melhor identificado no mapa cadastral de fls. 31 e na fotografia de fls. 134), doravante, prédio XX, sem que se encontre assinalado que se trata de prédio diferente.
7 - O Segundo Demandado informou a Primeira Demandada, na pessoa da sua colaboradora G, em visita ao local, de quais eram os limites exactos do prédio X, tendo referido expressamente que a parte do terreno junto às casas (e que corresponde ao prédio XX, identificado no mapa cadastral de fls. 31 e na fotografia aérea de fls. 134) não fazia parte do mesmo.
8 – No início do ano de 2016, os Demandantes contactaram a Primeira Demandada com vista a agendar uma visita ao prédio.
9 – A visita foi realizada com a colaboradora da Primeira Demandada G que exibiu aos Demandantes, no local, a planta topográfica do prédio X.
10 - A Primeira Demandada não alertou os Demandantes para o facto de a planta topográfica incluir a parte do terreno que constitui o prédio XX sem que o mesmo se encontrasse assinalado, nem tão-pouco, lhes indicou, no local, a demarcação entre os prédios X e XX.
11 – Após a visita, a Primeira Demandada entregou aos Demandantes cópia da caderneta predial e da planta topográfica do prédio junta a fls. 15.
12 - Os Demandantes constataram que a área do prédio constante da caderneta predial era inferior à que constava da planta topográfica e questionaram a Primeira Demandada sobre o motivo.
13 - A Primeira Demandada informou os Demandantes de que a área correcta era a que constava da planta topográfica, e de que a matriz estava incorrecta, mas não podia ser alterada.
14 - No momento da visita, o terreno encontrava-se coberto de mato, não sendo visíveis marcos que o delimitassem.
15 - Os Demandantes solicitaram informação na Câmara Municipal de X sobre a área permitida para construção, tendo instruído o pedido com a planta topográfica fornecida pela Primeira Demandada.
16 - Os Demandados não tiveram qualquer participação no pedido que os Demandantes apresentaram à Câmara Municipal.
17 - A informação obtida pela Câmara Municipal de X foi a que se encontra a fls. 16, e inclui a parcela de terreno que constitui o prédio XX, na parte em que é possível construir.
18 – A área de construção indicada pela Câmara Municipal de Óbidos foi relevante para formar a vontade dos Demandantes de adquirir o prédio.
19 - Após obter tal informação os Demandantes apresentaram uma proposta de aquisição do prédio por € 30.000,00, que foi aceite pelos Terceiro e Quarta Demandados.
20 - Em 05 de Maio de 2016, os Demandantes e os Terceiro e Quarta Demandados, representados pelo Segundo Demandado, celebraram o contrato-promessa junto a fls. 17 a 20.
21 - Em 20 de Maio de 2016, os Demandantes e os Terceiro e Quarta Demandados, representados pelo Segundo Demandado, celebraram aditamento ao contrato-promessa de compra e venda, constante de fls. 21 e 22.
22 - Na mesma data, os Demandantes e os Terceiro e Quarta Demandados, representados pelo Segundo Demandado, celebraram contrato de compra e venda do referido prédio nos termos das cláusulas constantes de fls. 23 a 30 para onde se remete.
23 - Após a aquisição, os Demandantes procederam à limpeza do terreno, tendo contratado terceiros para o efeito.
24 - No momento em que procediam à limpeza do terreno, os Demandantes foram informados por terceiros de que a parcela do terreno identificada no mapa cadastral de fls. 31 com o artigo 00 não fazia parte do prédio X, que haviam adquirido, constituindo um outro prédio, autónomo.
25 - Os Demandantes contactaram a Primeira Demandada, pedindo explicações sobre a existência de tal prédio XX, mas esta disse nada saber.
26 - Os Demandantes dirigiram-se ao Serviço de Finanças e confirmaram a informação que lhes havia sido prestada por terceiros, sobre a existência do prédio XX no terreno que julgavam ter adquirido.
27 - Os Demandantes estavam convencidos de que o prédio que adquiriram abrangia toda a parte rústica constante da planta topográfica, onde se incluía o prédio XX, facto de que a Primeira Demandada tinha conhecimento.
28 – A referida área era um elemento relevante para a decisão de contratar dos Demandantes, facto de que a Primeira Demandada tinha conhecimento.
29 - Os Terceiro e Quarta Demandados não tiveram qualquer contacto com os Demandantes.
30 - O Segundo Demandado apenas contactou os Demandantes no dia da assinatura do contrato-promessa e no dia da assinatura do contrato de compra e venda do prédio.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1 – Os Segundo, Terceiro e Quarta Demandados sabiam que os Demandantes estavam convencidos de que o prédio que adquiriram incluía a parte do terreno correspondente ao prédio XX.
2 – E que a referida parcela de terreno era um elemento essencial do negócio que celebraram.
3 – Sem o levantamento topográfico os Demandantes não teriam adquirido o prédio.
4 – Os Demandantes despenderam a quantia de € 300,00 com a limpeza do terreno.
5 – Os Demandantes despenderam a quantia de € 500,00 em honorários de Advogado com vista à resolução deste litígio.
6 – A diferença de áreas apurada causou grandes transtornos psicológicos aos Demandantes.
7 – A diferença de áreas entre a matriz e a planta topográfica deve-se ao facto de na matriz não ter sido considerada a parcela do prédio sobrante após o corte da estrada, área que se considerou no levantamento topográfico.
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C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos factos admitidos por acordo, dos documentos juntos, das declarações de todas as Partes, e dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência final.
Concretizando:
- factos provados n.º 1 a 7: resultam da conjugação das declarações de parte da Primeira e do Segundo Demandado com o depoimento da testemunha G e dos documentos de fls. 12 a 15, constituídos pela caderneta predial, certidão do registo predial do prédio, planta topográfica, mapa cadastral e fotografia aérea do terreno identificando a área sub judice, e correspondente ao prédio XX. Os factos 5 e 7 não foram confirmados pela Primeira Demandada, nas declarações prestadas pela sua legal representante, que declarou desconhecer o motivo pelo qual as áreas eram discrepantes, bem como desconhecer os limites do terreno, o que considerou normal, pois na imobiliária limitam-se a transmitir a informação que lhes é prestada pelos vendedores e nada mais. Porém, tais factos foram confirmados pela testemunha G, colaboradora da Primeira Demandada, à data, e responsável por esta venda, a quem o Segundo Demandado disse ter transmitido tais informações, o que a mesma corroborou.
- factos provados n.º 8, 9, 11, 12, 13 e 14: resulta da conjugação das declarações dos Demandantes com as declarações da Primeira Demandada e, ainda, com o depoimento da testemunha G que não as contrariou.
- factos provados n.º 10, 25, 27 e 28: resultam da conjugação das declarações dos Demandantes com o depoimento da testemunha G, tendo sido feita acareação entre esta e a Demandante. A testemunha em causa não logrou convencer o Tribunal por ter prestado um depoimento pouco credível, com respostas prontas, que denotavam preparação prévia, e claramente contraditórias com as apresentadas pelos Demandantes que se revelaram credíveis, verdadeiras, espontâneas e enquadráveis nas regras da experiência comum. Concretizando, afirmaram os Demandantes que a testemunha em momento algum os informou de que a planta topográfica continha o prédio inscrito sob o artigo XX, sem qualquer sinal que permitisse identificá-lo como sendo um outro prédio autónomo daquele que era objecto do negócio, tendo antes afirmado que o que constava da planta estava correcto; que na visita ao local até estacionaram o carro na parte do terreno que constitui esse prédio XX (bem visível na fotografia aérea de fls. 134), tendo a testemunha referido que ficavam com duas entradas para o prédio: aquela onde se encontravam estacionados (o prédio XX) e a outra no meio das casas visíveis na referida fotografia; que confiaram nas informações prestadas, por se tratar de uma imobiliária, pelo que com a planta topográfica se dirigiram à Câmara Municipal para saber se era possível construir naquele local; que previamente à concretização do negócio mostraram à referida testemunha a resposta da Câmara onde era bem visível que na área de construção indicada se encontrava incluído o prédio XX, sendo que a testemunha nada disse sobre tal facto; que a testemunha sabia que o terreno se destinava à construção de uma moradia, precisamente na área indicada pela Câmara como sendo passível de construção e que era esse o objectivo dos Demandantes com a aquisição do terreno; que quando foram confrontados com o facto de aquela parte do terreno ser afinal um outro prédio, já em data posterior ao negócio, contactaram a referida testemunha que se mostrou surpreendida e que nada soube explicar sobre o assunto, dizendo apenas que ia contactar os vendedores.
Por seu lado, a referida testemunha confirmou ter dito aos Demandantes, aquando da visita ao local, que ficavam com duas entradas mas que não estava a referir-se àquela onde se encontravam (prédio XX) mas ao outro lado da estrada, tendo sido claro que já havia sido alertada para o facto de os Demandantes terem feito tal afirmação na sessão anterior, pois apresentou a resposta prontamente, mesmo antes de a pergunta terminar, e sem mostrar qualquer surpresa ou recurso à memória sobre tal afirmação; confessou, ainda, que não os informou sobre os limites exactos do prédio, nem sobre a existência do prédio XX, porque assumiu “que eles soubessem ver pelo levantamento topográfico”; confirmou que viu a resposta da Câmara Municipal e que reparou que a mesma abrangia o prédio XX, e por isso que alertou os Demandantes de que se tratava de outro prédio, mas que estes não deram importância e quiseram concretizar o negócio mesmo assim. Pelas razões já expostas, a versão relatada pela testemunha não logrou convencer o Tribunal, não sendo sequer verosímil que os Demandantes tivessem sido alertados para o facto de a zona do terreno onde pretendiam construir ser, afinal, outro prédio, de terceiros, e pretenderem, ainda assim prosseguir com o negócio, para a seguir, fingindo total surpresa irem confrontar os Demandados, acabando por intentar a presente acção, tanto mais que as declarações dos Demandantes se revelaram genuínas, espontâneas e credíveis, como se disse, e coerentes com a restante prova produzida.
- factos provados n.º 15, 16, 17 e 18: resultam da conjugação (i) das declarações dos Demandantes que esclareceram que a resposta demorou alguns meses porque a Câmara Municipal pediu o levantamento topográfico em suporte digital, não tendo sido suficiente o documento em papel (ii) do documento de fls. 16, (iii) das declarações dos Demandados no sentido de não terem participado em tal pedido, sendo que todos reconheceram que a resposta da Câmara foi essencial para os Demandantes decidirem avançar com a proposta; (iv) do confronto entre os documentos de fls. 16 e 31; (v) do depoimento da testemunha G que disse saber do pedido do documento em suporte digital e que tal era a causa para a demora na resposta.
- Factos provados n.º 19 a 22: admitidos por acordo de todas as Partes e resultantes, também, dos documentos de fls. 17 a 30.
- Factos provados n.º 23 e 24: resulta das declarações dos Demandantes e da testemunha H que confirmou o facto n.º 22 por ter sido o próprio a proceder à limpeza do terreno.
- Facto provado n.º 26: resulta das declarações dos Demandantes e do depoimento da testemunha I que afirmou ser o Solicitador que autenticou o contrato de compra e venda e confirmou que, em data posterior a tal contrato, encontrou os Demandantes que lhe relataram ter sido informados de que parte do terreno que julgavam pertencer ao prédio adquirido pertencia, afinal, a outro prédio e que estavam apreensivos com isso e sem saber o que fazer, pelo que se deslocou com os mesmos ao Serviço de Finanças e os ajudou a obter o mapa cadastral através do qual puderam confirmar tal facto.
- Factos provados n.º 29 e 30: resultam da admissão dos Demandantes nas suas declarações.

- Factos não provados n.º 1 a 6: resultam da ausência de prova produzida sobre os mesmos.
- Facto não provado n.º 7: tal facto apenas poderia ter sido confirmado pelo depoimento de quem procedeu ao levantamento topográfico, tendo ficado por esclarecer se a diferença se deve ao motivo indicado pelo Segundo Demandado, ou ao facto de ter sido indevidamente incluída, no levantamento topográfico, a área do prédio XX, ou a ambas as razões em conjunto.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Pretende-se nos presentes autos obter a condenação dos Demandados no pagamento da quantia de € 10.000,00, correspondente à indemnização devida a título de responsabilidade civil em que estes teriam incorrido por terem induzido em erro os Demandantes fazendo-os crer que o prédio que adquiriram abrangia a parte do terreno que, na verdade, corresponde ao prédio XX.
Analisemos, então, se se encontram verificados os pressupostos da responsabilidade civil em relação a cada um dos Demandados.

1 – Da responsabilidade civil dos Segundo, Terceiro e Quarta Demandados:

Relativamente a estes Demandados, está em causa apurar a sua responsabilidade por culpa in contrahendo, decorrente da violação dos deveres de boa-fé na celebração dos contratos, onde se incluem os deveres de informação e de lealdade – cfr. artigo 227º do CC.
Ora, resulta dos factos provados que o Terceiro e Quarta Demandados nunca sequer contactaram com os Demandantes, nem sequer assinaram, por si, os contratos celebrados com os mesmos, pelo que não resultou provado qualquer facto praticado pelos mesmos de onde pudesse decorrer a sua responsabilidade civil.
Quanto ao Segundo Demandado, provou-se que foi o mesmo quem forneceu à Primeira Demandada a planta topográfica que esteve na base do erro dos Demandantes. Porém, provou-se que o mesmo alertou a Primeira Demandada para o facto de tal planta conter uma área diferente da que estava registada, tendo explicado o motivo, e que mostrou, no local, os limites exactos do prédio objecto da venda, chamando a atenção para o facto de a parcela de terreno que constitui o prédio XX não pertencer ao prédio em causa.
Também se provou que desconhecia, no momento da celebração do negócio, que as Demandantes estavam convencidos de que o prédio a adquirir incluía a parte do terreno pertencente ao prédio XX.
Como se provou, também, nenhum contacto manteve com os Demandantes para além da assinatura do contrato promessa e do contrato definitivo.
Por conseguinte, verifica-se que não praticou, nem por si, nem em representação dos Terceiro e Quarta Demandados, qualquer facto ilícito passível de originar responsabilidade civil e consequente obrigação de indemnizar os Demandantes.
Face ao exposto, improcede, na totalidade, o pedido contra os Segundo, Terceiro e Quarta Demandados.

2 – Da responsabilidade civil da Primeira Demandada:
Resulta dos factos provados que entre a Primeira e os Terceiro e Quarta Demandados, estes representados pelo Segundo Demandado, foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, que se pode definir como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição.” – Carlos Lacerda Barata, Contrato de Mediação, em Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, 192.
Trata-se de uma sub-espécie do contrato de prestação de serviços, especialmente tipificado na Lei e regulado em diploma próprio - a Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro.
Da celebração deste contrato, decorrem deveres legais impostos à mediadora que têm como destinatários não apenas o comitente, ou solicitante, com quem celebrou o contrato de mediação, mas também os terceiros interessados no negócio.
Com efeito, dispõe o artigo 17º da referida Lei, sob a epígrafe “deveres para com os clientes e destinatários”, o seguinte:
1 – A empresa de mediação é obrigada a:
(…)
b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objecto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;
c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exactidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro;
d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.” (sublinhado nosso).
Dúvidas não restam de que a violação culposa destes deveres que impendem sobre o mediador imobiliário, no âmbito da sua actividade de mediação, perante terceiros interessados no negócio, é fonte de obrigação de indemnizar pelos danos causados a esse terceiro.
Discute-se, na doutrina e na jurisprudência, qual a natureza da responsabilidade civil decorrente da violação destes deveres: se é contratual ou se é extra-contratual.
Não obstante se reconhecer a validade dos argumentos a favor da responsabilidade contratual, nomeadamente por a natureza jurídica da mediação ser contratual, sendo da celebração do contrato de mediação que decorrem os deveres de cuidado e de informação a que está vinculada perante os interessados no negócio, entendemos que a fonte da obrigação de indemnizar não é contratual – uma vez que não existe vínculo contratual entre a mediadora e o interessado no negócio - antes derivando da violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, conforme previsto no artigo 483º n.º 1 in fine do CC.
Sendo que, no caso, a mediadora responderá não só pelos factos ilícitos e culposos praticados por si mas, ainda, independentemente de culpa, pelos praticados pelos seus colaboradores no exercício das funções que lhes confiou, enquanto comitente – cfr. artigos 500º, n.º 1 e 2 do CC.
Feito o enquadramento legal, analisemos se, à luz dos factos provados, se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, por parte da Primeira Demandada.
Desde logo, há que verificar se a Demandada (por si ou através de comissário) praticou um facto ilícito que, no caso, consistirá na violação das regras supra transcritas, previstas no artigo 17º n.º 1 b), c) e d) da Lei 15/2013, que se destinam a proteger interesses alheios, por acção ou por omissão.
Está provado que a Primeira Demandada informou os Demandantes de que a área correcta do prédio X era a que constava da planta topográfica, não tendo explicado a razão da discrepância da área em relação à que constava da matriz e do registo predial, sendo certo que se provou que a mesma sabia qual era a razão (pelo menos a razão dada pelos vendedores).
Está provado, também, que não os alertou para o facto de a planta topográfica, incluir a parte do terreno que constitui o prédio XX (ainda que nos 5.032 m2 constantes da mesma, pudesse não estar contabilizada a área do prédio XX, o que não se apurou) sem que o mesmo se encontrasse assinalado, não existindo qualquer delimitação, naquela planta, entre os dois prédios.
E que, tão-pouco, no local lhes mostrou a demarcação entre o prédio X e o prédio XX, informando-os, com clareza, de que a parte do terreno junto às casas (assinalado na fotografia de fls. 134), que constitui o prédio XX, não se incluía no terreno cuja venda estava a mediar.
Mais: provou-se que sabia que os Demandantes estavam convencidos de que o prédio que adquiriram incluía toda a parte rústica constante da planta topográfica, onde se incluía o prédio XX, e que tal era um elemento relevante para a decisão dos mesmos de contratar.
Está, também, provado, que a delimitação exacta do prédio lhe havia sido transmitida pelo Segundo Demandado, pelo que a Primeira Demandada tinha perfeito conhecimento da mesma.
Provou-se, também, que foi com a planta topográfica, cuja veracidade lhes foi assegurada pela Primeira Demandada, que os Demandantes se dirigiram à Câmara Municipal, com vista a apurar a área de construção no local.
E, ainda, que a informação assim obtida foi relevante para os Demandantes assentarem a sua vontade de adquirir o prédio em causa.
Dos factos provados resulta à saciedade a violação, por parte da Primeira Demandada dos deveres de informação que sobre si impendiam perante os Demandantes.
Como se viu, a actividade de uma mediadora imobiliária não é, apenas, limitar-se a transmitir aos interessados a informação, e a entregar-lhes a documentação, tal qual esta é prestada pelos vendedores – como parece ser a convicção da Primeira Demandada, atentas as declarações neste sentido que prestou em audiência.
A Lei impõe-lhe outros deveres, nomeadamente os constantes do citado artigo 17º da Lei 15/2013.
E, em cumprimento de tais deveres, neste caso concreto, a Primeira Demandada tinha a obrigação de se ter certificado da correspondência entre as características do imóvel objecto do contrato de mediação e as que lhe foram fornecidas pelo Segundo Demandado.
Desde logo, atendendo a que a área constante da planta topográfica não coincidia com a que se encontrava registada, em cerca de 10%, devia a mediadora ter previamente diligenciado pela averiguação dos reais limites do prédio, o que poderia ter feito através da obtenção do mapa cadastral, que poderia ter solicitado aos Demandados com vista a confirmar a veracidade, clareza e exactidão das informações que iria prestar aos interessados na compra.
Como questiona o Exmo. Juiz Desembargador Fernando Baptista de Oliveira inO contrato de mediação imobiliária na prática judicial – Conceito e abordagens jurisprudenciais, Lisboa, Cej, 2016, a propósito de um caso semelhante: “Não estaria isso dentro do âmbito dos seus deveres (cfr. artº 17º, n.º 2, al. b) da Lei 15/2013), até ponderando a natural experiência e preparação que é suposto ter nestas matérias (contactos com entidades licenciadoras, áreas dos prédios, projectos, etc…) a impor-lhe um especial cuidado antes de informar os promitentes compradores das dimensões do terreno e da casa? Se sim, então, talvez lhe pudesse ser assacada responsabilidade pelos danos que por via dessas (incorrectas) informações veio a causar.
Entendemos que a resposta a essa questão é afirmativa, pois tal como entende o autor supra citado, “deve a mediadora, no mínimo, visitar o imóvel e conferir se o mesmo coincide com a descrição do imóvel no registo predial, ou, não estando descrito, com a que consta da matriz predial”, ou, no caso, com a planta topográfica que lhe foi entregue e que, não obstante a discrepância de áreas, nem questionou.
Não parece haver dúvidas na jurisprudência de que “as mediadoras estão obrigadas a, além do mais, certificar-se, antes da celebração do contrato de mediação, por todos os meios ao seu alcance, se as características do imóvel objecto do contrato de mediação correspondem às fornecidas pelos interessados contratantes (…)” – Ac. RL de 23.04.2009 em www.dgsi.pt.
No caso, não só a Primeira Demandada não procurou confirmar a veracidade da explicação que lhe foi dada para a diferença de áreas através do mapa cadastral, como nem sequer transmitiu aos Demandantes qual era a explicação avançada pelos vendedores para tal discrepância, limitando-se a entregar a planta cadastral e a assegurar que o contava era o que estava em tal planta.
Mas, mais grave ainda: a Primeira Demandada nem sequer indicou, quer no local, quer na planta topográfica, quais os limites do prédio aos Demandantes, nada dizendo sobre a existência do prédio XX no terreno, fazendo-os crer que o prédio objecto do negócio incluía toda a parte rústica constante da planta topográfica.
O facto de nem sequer os limites do prédio que estava a mediar ter indicado, com exactidão e clareza de modo a não induzir em erro os interessados, constitui uma violação gravíssima dos deveres que lhe são impostos no âmbito da sua actividade.
É o mínimo dos mínimos, que a mediadora imobiliária saiba transmitir correctamente aos interessados, qual é o prédio cuja venda está a mediar que, no caso dos prédios rústicos passa por saber indicar onde começa e onde acaba o mesmo. E, se dúvidas tivesse sobre os limites, deveria tê-las esclarecido, por todos os meios ao seu alcance para poder transmiti-las, com exactidão e clareza aos interessados, de modo a não os induzir em erro.
Conclui-se, assim, que a Primeira Demandada incumpriu os deveres legais de informação e de esclarecimento, estando preenchido o pressuposto da ilicitude necessário à sua responsabilização pelos danos causados.
O terceiro pressuposto da responsabilidade civil é a culpa, isto é, a censurabilidade da conduta do agente pela ordem jurídica, que se pode traduzir em dolo ou negligência. Pode definir-se como juízo de censura ou reprovação que o Direito faz ao lesante por ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido com observância formal e material do preceituado na norma. A culpa deve ser apreciada em abstracto, no sentido em que o padrão normativo (art. 487º nº 1 do C.C.) não é a diligência habitual do agente lesante, mas antes a do bom pai de família, ou seja, a conduta de uma pessoa diligente, colocada nas circunstâncias precisas em que actuou o lesante.
E, mais uma vez, dúvidas não restam de que a actuação da Primeira Demandada merece a censura da Ordem Jurídica, pois uma mediadora diligente, nas circunstâncias do caso, podia e devia ter agido de outra forma, cumprindo os deveres de informação e cuidado que a lei lhe impõe, de forma a não induzir os interessados em erro, como fez, tanto mais que os limites exactos do prédio lhe haviam sido transmitidos pelo Segundo Demandado, não podendo, pois, a Primeira Demandada ignorá-los.
Quanto aos danos alegados, verifica-se que não resultaram provados nem os danos não patrimoniais, nem os danos decorrentes de honorários pagos a Advogados, que vinham peticionados.
Provou-se que os Demandantes procederam à limpeza do mato, não se tendo, porém, apurado o valor.
Provou-se, também, que os Demandantes adquiriram o prédio X convencidos de que o mesmo incluía a parte do terreno que constitui o prédio XX, pelo que sofreram um dano decorrente da redução dos limites do prédio que julgaram ter adquirido, sendo que tal redução se operou, precisamente, na área em que era possível a construção.
Os Demandantes computaram tal dano em € 7.000,00, que peticionam. Porém, nas declarações que prestaram referiram que se tivessem sabido que o prédio não incluía aquela parte do terreno, correspondente ao prédio XX, teriam proposto a aquisição do mesmo por menos € 5.000,00. Será, pois, esse, o montante do dano, sendo que tal quantia se afigura razoável, à luz dos critérios de equidade, tendo em conta o valor total do negócio (€ 30.000,00) e atendendo ao facto de a parte do terreno em causa ser a mais valiosa por se tratar de área passível de construção.
Resta, agora, analisar o nexo de causalidade entre os factos ilícitos praticados pela Demandada (ou pela sua comissária) e os danos dos Demandantes, apelando-se à teoria da causalidade adequada, segundo a qual o facto há-de ser em concreto causa necessária do evento danoso (conditio sine qua non) e, ao mesmo tempo, terá de ser, em abstracto, adequado a causar tais danos. Isto é, o evento danoso deve ser constituído, simultaneamente, por uma causa necessária e uma causa potencialmente idónea da produção daqueles danos – cfr. artigo 563º do CC.
Neste caso, “a medida da indemnização deverá traduzir o dano/prejuízo causado pela dita actuação da mediadora imobiliária, causalmente ligado ao incumprimento dos deveres que sobre si recaíam enquanto mediadora imobiliária – Ac. RP de 01.07.2013 in dgsi.pt
Resulta da matéria provada que a omissão da informação por parte da Demandada sobre os verdadeiros limites do prédio e a omissão de informação sobre a existência de um outro prédio naquele terreno foi relevante para a decisão de contratar dos Demandantes, por aquele valor.
Com efeito, estes celebraram o contrato na convicção de que o prédio que estavam a adquirir abrangia a parte do terreno correspondente ao prédio XX, conforme constava da planta topográfica que a Demandada assegurou conter a informação correcta, e que usaram para solicitar informações junto da Câmara Municipal sobre o índice de construção.
Assim, a omissão dos deveres de cuidado e de informação por parte da Demandada foi, no caso, conditio sine qua non do erro em que lavraram os Demandantes, e que os levou a adquirir o prédio por aquele valor, sendo em abstracto causa idónea a produzi-los, pelo que se verifica o nexo de causalidade quanto a este dano.
Já quanto ao dano decorrente da limpeza do terreno, não se verifica qualquer nexo de causalidade entre o mesmo e a omissão dos deveres de cuidado e de informação por parte da Demandada. Com efeito, não foi a omissão de tais deveres por parte da Demandada, em concreto, que causou tal dano, uma vez que mesmo que esta não tivesse omitido tais deveres, a limpeza seria feita de qualquer forma, sendo que tal omissão não é, em abstracto, sequer, causa adequada a produzir tal dano.
Conclui-se, assim, pela responsabilidade civil da Primeira Demandada, por facto ilícito e culposo, praticado por si e através de comissário, de onde decorre a sua obrigação de indemnizar os Demandantes pelo dano sofrido por estes em consequência de tais factos, no referido valor de € 5.000,00, ao abrigo do disposto nos artigos 483º n.º 1 e 2 e 500º n.º 1 e 2 do CC.
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Responsabilidade tributária:
Atento o disposto no artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do artigo 63º da LJP, e porque os Demandantes e a Primeira Demandada se declaram partes vencidas serão as custas repartidas na proporção do respectivo decaimento, que é de 50% para cada uma.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24.02, atendendo aos pagamentos já efectuados nestes autos, deverá ser devolvida a quantia de € 35,00, em conjunto, aos Segundo, Terceira e Quarta Demandados.
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Dispositivo:
Julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência disso:
a) Condeno a Primeira Demandada no pagamento aos Demandantes de uma indemnização no valor de € 5.000,00;
b) Absolvo os Segundo, Terceiro e Quarta Demandados do pedido.

Custas, na proporção de 50%, a cargo dos Demandantes e da Primeira Demandada.
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Registe e notifique.
Bombarral, 16.03.2018

A Juíza de Paz

Carla Alves Teixeira
(que redigiu e reviu em computador – artigo 131º n.º 5 do CPC)