Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 1447/2017-JPLSB |
Relator: | JOÃO CHUMBINHO |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL |
Data da sentença: | 04/24/2018 |
Julgado de Paz de : | LISBOA |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A., Pessoa Colectiva n.º 0, com sede na Rua X Lisboa; Demandados: 1) B, contribuinte fiscal n.º 0, residente na Travessa X Nazaré; e 2) C, contribuinte fiscal n.º 0, residente na Rua X, Portela de Sacavém. II - OBJECTO DO LITÍGIO A Demandante intentou contra os Demandados uma acção declarativa de condenação, enquadrada na alínea h), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, respeitante a responsabilidade civil contratual, pedindo que este Tribunal condene o primeiro Demandado na quantia de €: 4526,73 e o segundo Demandado na quantia de €: 6486,69, acrescidas de juros legais vincendos. Alegou em síntese que os Demandados constituíram a Sociedade Demandante como mandatária judicial tendo as partes acordado que os Demandados pagariam a quantia de €: 1000,00, na celebração do contrato e 10% do resultado obtido com o processo. Alegou ainda que, apesar do resultado obtido e da condenação da outra parte numa indemnização, os Demandados não pagaram à Demandante as quantias correspondentes a 10% do resultado, apesar de terem sido interpelados para tal efeito. Os Demandados, regularmente citados, contestaram, alegando em síntese que o Julgado de Paz é incompetente para julgar a presente acção, dado que nos termos do artigo 73.º, n.º 1, do Código Civil é competente o tribunal onde foi prestado o Serviço, correndo aquela acção por apenso a esta, além de que a cláusula que estabelece a obrigação de pagar a quantia de 10% do resultado obtido é nula dado que se traduz na chamada “Quota Litis” proibida à luz do artigo 106.º do EOA. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, como da acta se alcança. Cumpre apreciar e decidir. Da Incompetência Territorial A Demandante apresentou requerimento na sequência do despacho deste Tribunal que se considerou, por erro manifesto, incompetente em razão do território, alegando que Tribunais de Trabalho, enquanto Tribunais de competência especializada apenas o têm competência em razão da matéria prevista 126.º da LOSJ, não constando as acções relativas a honorários, o que não pode deixar de se deferir, tendo presente que o artigo 73.º, n.º 1 do Código de Processo Civil é uma norma em razão do território, que pressupõe que a competência em razão da matéria já está definida, o que não é o caso, dado que os Tribunais de Trabalho não têm competência material para estas acções. A este respeito o Professor Alberto dos Reis referia que “é manifesto que o art. 76º (leia-se73.º) nada tem a ver com o problema da competência em razão da matéria; tem unicamente por fim resolver o problema da competência territorial, supondo, por isso, já resolvidos os problemas que logicamente estão antes deste, e consequentemente, o problema da competência em razão da matéria”(in lição de Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1º, p. 204). Em face do lapso manifesto, nos termos do artigo 613.º e 616.º, n.º 2, do Código de Processo Civil revoga-se o despacho deste Tribunal que se declarou incompetente e remeteu este processo para o Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, em face dos fundamentos expostos, e nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, o Julgado de Paz de Lisboa declara-se competente para julgar os presentes autos e, portanto, a excepção não poderá proceder. Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. III - FUNDAMENTAÇÃO Os factos provados decorrem dos documentos apresentados pelas partes a fls. 11 a 54, 75 a 79, 90 a 109 do processo, bem como das declarações das partes e do depoimento das testemunhas. O n.º 1, do artigo 60.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, refere que da sentença deve constar uma sucinta fundamentação. Factos relevantes e que se consideram provados: Na corroboração dos vários pontos factuais do requerimento inicial, antes de ouvir od depoimentos das testemunhas, procedeu-se ao saneamento do processo e a uma análise conjunta pelas partes e, por acordo, resultaram provados os seguintes factos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42 (1ª parte), 46, 47, 49, 56, 57, 58. Ficou também assente por acordo entre as partes que ficaram por provar os pontos 8, 9, 13, 27, 41, 42 (2ª parte), 43, 44, 45, 48, 50, 51, 52, 53, 54. 8) Posteriormente, houve ainda uma outra reunião celebrada numas instalações indicadas pelos Requeridos (ou por Colegas dos mesmos), em Loures, num centro de formação, com a presença do sócio da Requerente, Dr. D e também da Dr.ª E, onde uma vez mais, foi efectuada a mesma apresentação e prestados os esclarecimentos que os presentes entenderam colocar (provado pelas declarações das partes); 9) E, uma vez mais, apresentado o valor dos honorários já propostos (provado pelas declarações das partes); 13) Foram entregues à Requerente milhares de documentos que foram analisados e utilizados os que se consideraram ser úteis para as pretensões dos Requeridos e dos Colegas (provado pelas declarações das partes); 27) Da sentença não houve recurso, tendo o sócio da Demandante estado em contacto constante com os serviços do Demandante para obter o pagamento sem necessidade da liquidação (provado pelas declarações das partes). 41) Foi prestada a informação possível de acordo com os elementos que haviam sido fornecidos pelos exequentes, entre os quais os Demandados (declarações da Demandante); 42) Foram remetidos para todos, incluindo os Demandados, um email com o ponto de Situação e a questionar o pagamento dos honorários, conforme cópia que se junta (provado por doc. 6 folhas 4 e 5). 43) Do mesmo documento constam vários emails trocados entre o sócio da Requerente – A Tomar e todos os AA., incluindo os Demandados, entre o dia 27 de Março de 2014 e 22 Setembro de 2015, onde era efectuado o ponto de situação e respondido a questões que eram colocadas (provado por doc. 6); 44) Perante o eminente pagamento final por parte do Estado, a reclamante foi informando todos os interessados, incluindo os Demandados, das diligências que estavam a ser efectuadas, bem como do pagamento dos honorários que seriam devidos (provado por doc. 7 junto com o Requerimento Inicial); 45) Surpreendentemente, em carta datada de 30 de Setembro de 2015, que se junta, alguns dos interesados, entre os quais o segundo Demandado, solicitaram a emissão de Nota de Honorários relativa ao processo (provado por doc. 8, junto com o R.I.:). 48) Mais, 6 dos subscritores da carta procederam ao pagamento dos honorários nos termos acordados (provado pelas declarações da Demandante); 50)Todos os representados sabiam o valor dos honorários a pagar, conforme o demonstra o teor do email da Dr.ª F, ou do Dr. G (subscritor da carta) (provado por doc. 11 e 12 e o depoimento do Senhor Dr. H); 51) Qualquer um dos Demandados bem sabia e sabe do valor dos honorários a pagar (provado por doc. 11 e 12); 52) Sendo que a Demandante continua a prestar os respectivos serviços no processo executivo (provado pelas declarações da Demandante); 53) Assim, os Honorários que são devidos por B são de € 4.526,73 (já incluídos IVA), de que se encontra devedor. 54) Enquanto os honorários de C são de € 6.486,69 (já incluídos IVA), de que se encontra devedor. Factos relevantes que se consideram não provados: 1) Não ficou provado que, com excepção do montante fixo de €: 1000,00, as partes acordaram que o pagamento de parte dos honorários estaria dependente de outra variável diferente do resultado obtido com o processo. Da prova produzida decorre que os Demandados constituíram a Sociedade Demandante como mandatária judicial tendo as partes acordado que os Demandados pagariam a quantia de €: 1000,00, na celebração do contrato e 10% do resultado obtido com o processo. Resultou ainda provado que, apesar do resultado obtido e da condenação da outra parte numa indemnização, os Demandados não pagaram à Demandante as quantias correspondentes a 10% do resultado, apesar de terem sido interpelados para tal efeito. O contrato de mandato vem previsto no artigo 1157.º do Código Civil onde se refere que “mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.” Da prova produzida face à legislação vigente, constata-se que o Acordo Prévio de Honorários apresentado pela Demandante aos Demandados não padece de vício de nulidade. No que diz respeito à componente fixa inicial de €1.000,00, esta legitima-se pelo n.º1 do artigo 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, que nos diz que “Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.” Abordando, por sua vez, a componente variável de uma majoração pelo resultado correspondente a 10% do valor que viesse a ser reclamado, esta não se constitui como um pacto de quota litis, dado o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 106º do Estatuto da Ordem dos Advogados. No n.º 2, entende-se por pacto de “quota litis” o acordo cujo “direito a honorários fique exclusivamente dependente do resultado obtido na questão (…)”. Desta forma, tendo o Acordo Prévio de Honorários uma componente inicial de índole fixa, tal requisito de exclusividade não se verifica. No n.º 3, completa-se o raciocínio legal com a letra da lei: “Não constitui pacto de quota litis o acordo que consista na fixação prévia do montante dos honorários, ainda que em percentagem, em função do valor do assunto confiado ao advogado ou pelo qual, além de honorários calculados em função de outros critérios, se acorde numa majoração em função do resultado obtido”. Sendo, desta forma, a base de cálculo dos honorários conhecida e livremente convencionada por ambas as partes à data da celebração do mandato; e sendo ainda conhecidos os valores mínimos e máximos dessa mesma majoração também por ambas as partes (com base no conhecimento mútuo do próprio valor da acção ao qual, plenamente ganha, teria como valores máximos 10% do ganho total da causa), ao terem sido prestados os serviços jurídicos por parte da Demandante, cabe à parte Demandada cumprir as obrigações provenientes da onerosidade do mandato, nos termos do n.º 2 do artigo 1158.º do Código Civil e da alínea b) do artigo 1167.º do Código Civil. (neste sentido cf. Acórdão do STJ 6458/04.1TVLSB.S1 de 29-09-2009): O que se verificou nos presentes autos foi que a Demandante executou e cumpriu, nos termos do artigo 1161.º do Código Civil, as obrigações decorrentes da celebração do contrato de mandato e que os Demandados se encontram em mora relativamente às obrigações previstas nas alíneas b) do artigo 1167.º do Código Civil, pois não pagaram a retribuição no que se refere ao valor acordado dos 10% do resultado obtido. Não resultou provado que o pagamento dos honorários estaria dependente de outras variáveis, como sejam o reconhecimento do vínculo laboral e a questão da segurança social, que eram apenas finalidades a obter no exercício do mandato mas não variáveis que permitissem determinar o valor dos honorários a pagar pelos Demandados (o que resultou provado do depoimento do Senhor Dr. H). Assim, os honorários que são devidos por B são de € 4.526,73 (já incluídos IVA, enquanto os honorários de C são de € 6.486,69 (já incluídos IVA). Importa referir que os valores cobrados em face do valor de €: 100,00/hora cobrado pela Demandante aos seus clientes (como resultou do depoimento da testemunha Senhora I) o número de horas necessárias, a complexidade do processo e tendo ainda presente os valores praticados, a experiência da vida e a natureza das coisas, são valores razoáveis e proporcionais ao volume, complexidade e duração dos serviços prestados pela Demandante. Além disso, por um lado, a alegação dos Demandados em sede de contestação e a prova no processo de que os Demandados conheciam previamente a fórmula de calculo para determinar a parte variável do valor dos honorários, permite concluir que os Demandados actuaram abusivamente à luz do artigo 334.º, do Código Civil, ao alegarem esse desconhecimento, e, por outro lado, sendo pessoas esclarecidas ao virem invocarem a invalidade do acordo quanto a honorários depois do conhecimento do desfecho dos processos criando a confiança na contraparte de que não invocariam tal invalidade, actuaram abusivamente na modalidade de abuso de direito de “venire contra factum proprium”, condutas que quase se enquadraram na litigância de má-fé. IV- DECISÃO Em face da factualidade provada esta acção é julgada procedente e em consequência, o Demandado, B, é condenado na obrigação de pagar à Demandante a quantia de € 4.526,73 (quatro mil quinhentos e vinte seis euros e setenta e três cêntimos) e o Demandado, C, condenado na obrigação de pagar à Demandante a quantia de €: 6.486,69 (seis mil quatrocentos e oitenta e seis euros e sessenta e nove cêntimos) a título de honorários, acrescidas do pagamento dos juros legais vincendos. Custas a pagar pelos Demandados e já liquidadas, restituindo-se a quantia de €: 35,00 à Demandante, nos termos dos artigos 8.º e 9.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro. Registe e notifique. Arquive, após trânsito em julgado. Lisboa, 24 de Abril de 2018 Processado por meios informáticos Revisto pelo signatário. Verso em branco O Juiz de Paz (João Chumbinho)_________________ |