Sentença de Julgado de Paz
Processo: 451/2017-JPVNG
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: DIREITO DO CONSUMO - RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data da sentença: 06/26/2018
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA

Proc.º 451/2017-JP

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES: ---
Demandante: A, residente na Rua ------ n.º -----, Vila Nova de Gaia

Demandada: ”B S.A.”, com sede na Rua ------, n.º ---.º, Lisboa


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OBJECTO DO LITÍGIO: ---
O Demandante veio propor contra a Demandada, a presente acção declarativa enquadrada na alínea h) do nº 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo que fosse esta condenada no pagamento do valor de € 632,98, sendo € 132,98 correspondente ao reembolso do valor pago pela aquisição do telemóvel, e a quantia de € 500,00, pelo transtorno que a empresa lhe causou e despesas insusceptíveis de serem contabilizadas.
Alegou, para tanto e em síntese, que, em 20 de Janeiro de 2017, celebrou com a Demandada, numa das lojas desta ( C de Esmoriz), um contrato de compra e venda de um telemóvel, marca Smartphone Elephone S1 – Preto, pelo preço de € 132,98, com a garantia de 24 meses; no dia 1 de Junho de 2017, surgiram defeitos no telemóvel, tendo o Demandante entregue o mesmo na loja da Demandada para reparação, nesse dia; menos de 30 dias depois o telemóvel é lhe entregue com as avarias aparentemente reparadas; no dia 14 de Agosto de 2017, o Demandante voltou a detector avarias técnicas a nível de software, tendo deslocado-se à loja da Demandada, para trocar por um telemóvel, o que lhe foi negado, pelo que o submeteu a nova reparação. Em 8 de Setembro de 2017,recebeu uma mensagem da Demandada com a informação que o telemóvel se encontrava pronto para entrega e que o devia levantar na loja. No dia seguinte deslocou-se à loja onde foi informado que o equipamento não tinha sido reparado por o hardware estar danificado e por isso fora da garantia, no entanto o pedido era de reparação do software, o que foi referido várias vezes. Durante mês e meio deslocou-se à loja, quase diariamente, para ver se estava reparado, mas sem resultados. Reclamou no livro de reclamações (16 folhas), nos termos do seu requerimento inicial de fls. 2 a 4 dos autos que se dá por reproduzido.

Juntou três documentos com o Requerimento Inicial, de fls. 5 a 25, que se dão por reproduzidos.

Regularmente citada, a Demandada não compareceu à mediação, não contestou e tendo faltado à audiência de julgamento não justificou a falta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor que se fixa em € 632,98 (seiscentos e trinta e dois euros e noventa e oito cêntimos) – artºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.Civil.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – artº 25º do C.P.Civil) e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.

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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ---
Dispõe o art. 58º n.º 2 da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, que «Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.» Ora Regularmente citado, o demandado, não apresentou contestação nem compareceu à audiência de julgamento para a qual foi devidamente notificado, nem justificou a respectiva falta, pelo que julgo confessados os factos alegados pelo Demandante.
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O DIREITO:
Com a presente acção pretende, o Demandante, efectivar os seus direitos de consumidor perante a vendedora Demandada relativamente ao telemóvel “S Smartphone Elephone S1 – Preto”, que, em 20, de Janeiro, de 2017, lhe comprou no estado de novo pelo preço de € 132,98, e que em 01 de Junho, de 2017, revelou uma desconformidade /avaria que de imediato denunciou à Demandada.

Os factos a apreciar e dados como provados por força da revelia operante da Demandada são os trazidos aos autos pelo Demandante (já que a Demandada directamente nada disse), compreendendo não apenas os expressamente articulados mas igualmente os resultantes dos documentos apresentados pelo Demandante, que não estejam em oposição directa com o articulado. Os mesmos destinam-se a confirmar, explicar ou complementar os factos alegados.
A Demandada, regularmente citada, não contestou a presente acção nem compareceu na audiência de julgamento para a qual foi devidamente notificada, pelo que, por via da cominação semiplena da revelia operante, os factos alegados dão-se como provados por confissão/admissão. Porém, não se pode confundir os factos (provados) com a sua qualificação jurídica (enquadramento legal), que não se encontra abrangida pelos efeitos da revelia, sendo esta tarefa da competência jurisdicional do juiz e que se consiste na aplicação da lei ao caso concreto.
No caso, estamos perante um contrato (de compra e venda – art.ºs. 874.º, segs. do CC) de consumo ao qual é aplicável, designadamente, a Lei n.º 24/96, de 31-07 (Lei de Defesa dos Consumidores - LDC), e o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04 (alterado pelo DL n.º 84/2008, de 21-05), que a alterou e complementou certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.
Nos termos do art.º 2.º, n.º 1 da LDC, o Demandante é considerado “consumidor”, porquanto lhe foi vendido um bem destinado a uso não profissional, por pessoa que exerce com carácter profissional uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios, como é o caso da Demandada. Ora, os bens destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor (art.º 4.º da LDC, na redacção dada pelo art.º 13.º do Dec.-Lei n.º 67/2003).

Por seu turno, os bens entregues pelo vendedor ao consumidor devem estar conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se que o não estão, nos termos do art.º 2.º, n.ºs 1 e 2, alíneas. a), c) e d) do Dec.-Lei 67/2003 e designadamente se não forem conformes com a descrição deles feita pelo vendedor, se não forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, ou se não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem.
Em caso de qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem é entregue ao consumidor, o vendedor responde perante este, presumindo-se, em princípio, existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (prazo da garantia legal) a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea, como é o caso de um telemóvel. Por seu lado, verificando-se falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem o direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição (uma ou outra dentro de um prazo razoável máximo de 30 dias, no caso de bens móveis), à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (art.s. 3.º, 4.º e 5.º do DL 67/2003).

São estes os quatro direitos principais do consumidor, e não obstante poder inicialmente parecer que a letra da lei sugestiona o consumidor a indistintamente escolher o exercício de qualquer deles em qualquer situação, o certo é que depois, ao estabelecer como requisitos objectivos de exercício a não impossibilidade e o não abuso de direito nos termos gerais (art.º 4.º, n.º 5 do DL 67/2003) acaba na prática por subordinar inequivocamente os referidos quatro direitos a uma hierarquia entre eles. Nestes termos, o consumidor pode exigir do vendedor: (1) a reparação ou, quando esta não se mostre adequada ou não se tenha revelado eficaz, (2) a substituição do bem, salvo se esta for impossível ou desproporcionada (para o vendedor, em relação à reparação); e, por outro lado, o consumidor pode exigir: (3) a redução adequada do preço, ou (4) a resolução do contrato quando não tiver lugar a reparação, nem a substituição, ou o vendedor não tiver encontrado uma solução eficaz num prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor. Temos assim de um lado, a reparação /substituição, que tende a eliminar a desconformidade sem afectar o contrato, que obtém a preferência legal; de outro lado, a redução/resolução, que afecta e destrói o contrato. E tudo no âmbito do princípio geral de que os contratos devem ser conservados.
Assim, o consumidor deve seguir preferencialmente a via da reposição da conformidade devida (pela reparação ou pela substituição da coisa) sempre que possível, adequada e proporcionada, conservando o negócio jurídico; e só quando tal possibilidade e/ou proporcionalidade não forem viáveis, deve subsidiariamente o consumidor enveredar pela redução do preço ou, por último, pela resolução do contrato. Por isso, o consumidor não tem direito à redução do preço ou à resolução do contrato se a falta de conformidade for possível de repor por reparação ou por substituição. Também não tem direito à resolução se a falta de conformidade for de escassa importância, caso em que caberá, por exemplo, a redução do preço. Com efeito, é regra geral do direito à resolução que o incumprimento seja significativo, de não escassa importância no contexto do bem (cfr. art.ºs 793º e 802.º do CC). Por outro lado, no reembolso ao consumidor do preço por força da resolução do contrato, a possível utilização do bem pelo consumidor pode justificar uma eventual redução do valor a restituir (cfr. o sentido do art.º 434.º do CC).
É manifesto que, no momento em que pondera sobre qual dos direitos vai exercer, o consumidor não tem plena liberdade de escolha: tem antes de aferir, pelo tipo de desconformidade em causa, qual dessas providências ao seu dispor é objetivamente a mais adequada e proporcionada para eliminar aquela, ponderando, designadamente, se a menos gravosa (a reparação) não é claramente suficiente para eliminar objetivamente o vício. E, ao fazer tal ponderação está, também ele e dentro daqueles critérios, a hierarquizar os quatro direitos.
No caso concreto o Demandante detectou o mau funcionamento/anomalia do equipamento comprado, nomeadamente, por o ecrã tremer, desligar-se, o cartão de memória desconectar-se e o carregador não funcionar ( doc. de fls 6) e denunciou-a ao vendedor, tendo-se deslocado a uma loja da Demandada e solicitado a sua reparação, o que foi acedido pela Demandada, tendo procedido à reparação do mesmo, dentro do prazo de garantia de 2 anos.
. Ao denunciar a avaria à Demandada, esta procedeu à reparação em menos de 30 dias.
Porém, a avaria persistiu e, passadas cerca de duas semanas, o Demandante voltou à loja da Demandada e solicitou a troca do equipamento, o que foi recusado, pelo que acedeu a que a Demandada procedesse a nova reparação. A Demandada interpelou o Demandante para levantar o telemóvel na loja por estar pronto para entrega. No entanto informou o Demandante que não tinha procedido à reparação por o hardware estar danificado e fora da garantia, no entanto o pedido era de reparação do software, o que foi referido várias vezes. Durante mês e meio deslocou-se à loja, quase diariamente, para ver se estava reparado, mas sem resultados, tendo-lhe sido proposto o pagamento de € 55,00, pela reparação, o que não concordou, encontrando-se privado do mesmo . Reclamou no livro de reclamações (16 folhas), nos termos do seu requerimento inicial de fls. 2 a 4 dos autos que se dá por reproduzido.
O Demandante vem solicitar a devolução do valor pago pelo equipamento, sendo claro que, face aos factos dados como provados verifica-se que o que claramente pretende é a resolução do contrato e a consequente devolução da quantia paga correspondente a parte do preço. Atendendo ao exposto, conclui-se que o Demandante solicitou a reparação do equipamento, que foi reparado uma primeira vez e sendo que a avaria persistiu solicitou a substituição do mesmo, o que foi negado, tendo recorrido ao pedido de nova reparação do software, sempre dentro do prazo de garantia. Mediante a recusa de reparação por parte da Demandada, solicita agora a devolução do valor pago, ou seja a resolução do contrato. O Demandante efectivamente esgotou as hipóteses menos gravosas, não tendo obtido a colaboração da Demandada. A redução do preço mostra-se igualmente impraticável dado que a gravidade da avaria não o permite.
A Demandada nem reparou, nem procedeu á substituição do equipamento, sendo manifesta a perda de interesse do demandante na manutenção do contrato e perfeitamente legitima a resolução pretendida pelo demandante. Assiste, deste modo, o direito do Demandante à resolução do contrato, nos termos do art.º 436º, do Código Civil.
A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte, o que se verificou pelo menos com a citação da demandada – prescreve o artº 436º do Cód. Civil., tendo efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução – nº1 do artº 434º do citado código, prescrevendo ainda o artº 433º do citado código que: “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico…”, o que vai de encontro ao já referido artº 436º. Assim sendo, a resolução do contrato, implica a restituição do que tiver sido prestado - artº 433º do Cód. Civil, isto é, in casu, para a Demandada implica a devolução do respectivo preço pago.
Veio, ainda, o Demandante pedir a condenação da demandada numa indemnização de € 500,00, pelo transtorno que a empresa lhe causou e despesas que teve.

Assiste ao consumidor, o direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos (art. 12.º, n.º 1 da LDC, já referido). Contudo, no que concerne aos danos morais, apenas serão indemnizáveis aqueles que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do artº 496º do citado código, o que não é o caso de transtornos e incómodos invocados, não tendo apresentado factos que corroborem danos morais com gravidade que mereçam a tutela do direito. Quanto às despesas apenas foram alegados factos concretos que comprovam a despesas que teve com a compra de um novo telemóvel, que necessitava para uso pessoal, pois não lhe foi reparado, nem substituído o previamente adquirido, nem o mesmo lhe foi entregue, permanecendo na posse da Demandada por mais de 30 dias. Nestes termos é devida uma indemnização no valor de € 125,90 (cento e vinte e cinco euros e noventa cêntimos).
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DECISÃO: ---
Em face do exposto, considero a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência:
1 - Declara-se resolvido o contrato compra e venda correspondente à fatura n. PF--------, junta aos autos como doc 1, a fls.5, e condeno a Demandada a devolver ao demandante a quantia de € 132,98;
2 - Condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia de €125,90 a título de despesas.
3 – Absolve-se a Demandada do demais peticionado.

Custas: a suportar pelo Demandante e pela Demandada, em razão do decaimento e na proporção respetiva de 60% pela Demandante e 40% pela Demandada (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).

Demandante e Demandada deverão efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de Dezembro.

Registe, notifique e arquive após trânsito em julgado.

Vila Nova de Gaia, 26 de Junho de 2018
A Juiz de Paz
(em Auxílio)
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(Luísa Ferreira Saraiva)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia