Sentença de Julgado de Paz
Processo: 842/2013-JP
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
Data da sentença: 06/26/2014
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc. nº x
I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente acção declarativa respeitante ao arrendamento urbano contra B, melhor identificado a fls. 2, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 2.925,00 €, acrescida dos respectivos juros moratórios vencidos às taxas legais anuais, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento.
Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 2 a 5, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo quatro documentos.
Regularmente citado, o demandado não apresentou contestação.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que o demandado faltou à mesma, afastando tacitamente essa possibilidade.
Foi, então, marcada e realizada a audiência de julgamento, segundo as regras legais.
Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objecto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 g) e 12º nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer.
Assim, cabe apreciar e decidir:
II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. A demandante é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente a uma habitação tipo T2, no 3º andar esquerdo, com entrada pelo nº 52, do prédio urbano sito na freguesia de Valbom, concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar e inscrito na respectiva matriz sob o artigo x.
2. Por contrato de .../.../..., com início em .../.../..., e pela renda mensal de 350,00 €, a demandante deu de arrendamento ao demandado, para habitação, o bem imóvel acima identificado.
3. O demandado não pagou as rendas dos meses de Março, Julho e Setembro de 2012, no valor de 350,00 € cada, vencidas no dia 1 de cada um dos meses anteriores, respectivamente.
4. O demandado pagou as rendas dos meses de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio e Junho de 2012 após o dia 8 do mês anterior correspondente, concretamente em 13/12/2011, 10/01/2012, 18/03/2012, 18/04/2012 e 17/05/2012, respectivamente.
5. O demandado entregou o locado à demandante no final de Fevereiro de 2013.
6. O demandado retirou do locado uma placa de fogão no valor de 150,00 € e um forno no valor de 150,00 €, que se encontravam no mesmo e pertenciam à demandante.
Os factos provados assentam na conjugação do acordo das partes, face à ausência de contestação por parte do demandado, com os documentos constantes dos autos e o depoimento das testemunhas C, D e E, o primeiro, empregado da demandante que esteve no locado antes da entrada no mesmo do demandado e após a saída deste, tendo confirmado a falta dos electrodomésticos aludidos no requerimento inicial; a segunda, mediadora imobiliária que agenciou o arrendamento do imóvel da demandante, para o que visitou o mesmo, tendo confirmado que tinha a cozinha equipada; e o terceiro, ao tempo mediador imobiliário, que fechou o negócio com o demandado e referiu ter recebido dois meses de renda do mesmo, tal como consta do contrato de arrendamento.
Não se provaram outros factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente que o demandado não tivesse pago metade do valor da renda do mês de caução.
III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
A demandante e o demandado celebraram entre si um contrato de arrendamento urbano, mediante o qual aquela se obrigou a proporcionar a este o gozo temporário da fracção autónoma acima identificada, mediante a renda mensal de 350,00 € (cfr. artigo 1022º do Código Civil).
Do contrato de arrendamento desprendem-se para as partes um conjunto de obrigações, de entre as quais se destaca, no caso do arrendatário, a obrigação de pagar pontualmente a renda e a obrigação de conservação e restituição da coisa locada (cfr. artigos 1038º a) e i), 1039º, nº 1 e 1043º do Código Civil).
Por outro lado, se o arrendatário se constituir em mora, o senhorio tem o direito de exigir, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, mas cessa este direito se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.
Deste modo, é evidente, por um lado, que o demandado estava obrigado a pagar as rendas dos meses de Março, Julho e Setembro, no dia 1 de cada um dos meses anteriores a estes, respectivamente, podendo fazer cessar a sua mora até ao oitavo dia posterior a este. Note-se que a lei não estabelece que o prazo para a cessação da mora termina no dia 8 de cada mês, mas sim oito dias após o seu começo. Ora, admitindo que o dia 1 não seja um dia útil, a data de vencimento da renda transfere-se para o primeiro dia útil posterior, pelo que o prazo para a cessação da mora só começa a contar no dia seguinte a esse, terminando apenas no primeiro dia útil após o oitavo dia posterior, quando este não o seja. Neste caso, porém, o demandado não fez prova de ter pago pontualmente nem posteriormente estas rendas, pelo que não pode o mesmo deixar de ser condenado no pagamento destas, acrescidas da indemnização moratória de 50% do seu valor.
Todavia, no que respeita às rendas dos meses de Janeiro, Fevereiro, Abril, Maio e Junho de 2012, a demandante não tem direito à referida indemnização moratória, por aplicação do artigo 1041º, n.os 3 e 4 do Código Civil. Com efeito, pese embora o demandado tenha pago estas rendas com atraso, a verdade é que a demandante recebeu as mesmas. Ora, o citado preceito legal dava-lhe a possibilidade de recusar o seu recebimento, se essas rendas fossem pagas em singelo, isto é, sem o acréscimo indemnizatório, ficando as mesmas em dívida. Além disso, a recepção de novas rendas não privava a demandante do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora. Donde, a contrario sensu, o recebimento das prestações em mora privou a demandante da indemnização moratória, bem como do direito de resolução. Nessa conformidade, se a demandante pretendia manter intacto o seu direito à indemnização moratória, devia ter recusado o recebimento das rendas em atraso ou feito a sua oportuna devolução, se as mesmas lhe foram pagas por depósito ou transferência bancária. Aliás, de outro modo, parece que haveria abuso de direito (cfr. artigo 334º do Código Civil), dado trair-se a confiança criada na contraparte com o recebimento das rendas em singelo.
Por seu turno, apesar de ter alegado que o demandado não lhe pagou metade do valor da renda do mês de caução, a verdade é que a prova produzida, nomeadamente o próprio contrato de arrendamento e o depoimento da testemunha E, a desmentiu. Com efeito, o demandado entregou à demandante, com a celebração do contrato de arrendamento, dois meses de renda, tal como estava obrigado. Assim sendo, não tendo a demandante reclamado o pagamento da renda do mês de cessação do contrato de arrendamento, neste caso, Fevereiro de 2013, não se vê que o demandado lhe tenha ficado a dever mais do que o reconhecido nesta sentença.
Quanto aos bens móveis existentes no locado, como pertenças do mesmo, os mesmos não estavam abrangidos pelo contrato de arrendamento, uma vez que este não lhes faz referência (cfr. artigos 210º e 1065º do Código Civil). Assim sendo, o demandado não estava contratualmente obrigado a restituir a placa de fogão e o forno existentes no locado.
Porém, como é evidente, a retirada desses bens móveis do locado, sem o consentimento da demandante, viola o direito de propriedade desta (cfr. artigo 1305º do Código Civil), lesando a mesma (cfr. artigo 483º do Código Civil). Deste modo, o demandado incorre em responsabilidade civil extracontratual no que respeita ao desvio ou dissipação destes bens, ficando obrigado a indemnizar a demandante do prejuízo que lhe causou (cfr. artigos 562º a 564º do Código Civil). Neste caso, o dano da demandante está avaliado em 300,00 €, pelo que é por esse valor que a mesma deve ser ressarcida.
Por último, quanto aos juros moratórios peticionados, é evidente que a demandante não pode receber os mesmos em relação às rendas não pagas, atendendo a que pediu e lhe foi concedida a respectiva indemnização moratória, que funciona como uma cláusula penal legal. Ora, esta cláusula penal não pode ser cumulada com os juros, uma vez que uma e outros cumprem a mesma função, concretamente a de ressarcir o credor dos prejuízos causados pela mora do devedor. Contudo, por contraste, nada obsta a que a indemnização derivada da responsabilidade extracontratual do demandado vença juros moratórios a partir da citação deste, com data de 07/11/2013, até ao efectivo e integral pagamento.
IV. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e provada e, por via disso, condeno o demandado a pagar à demandante a quantia global de 1.875,00 € (mil oitocentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4%, sobre o capital de 300,00 € desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Custas por demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento, fixando-se as mesmas em 35% para a primeira e 65% para o segundo (cfr. artigos 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro e 527º, n.os 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
Porto, 26 de Junho de 2014
O Juiz de Paz,
(Luís Filipe Guerra)