Sentença de Julgado de Paz
Processo: 91/2016-JPBBR
Relator: CARLA ALVES TEIXEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO
SUBROGAÇÃO DO CREDOR
Data da sentença: 02/02/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Relatório:

A, representado pela sua Administradora B, intentou contra C a presente acção declarativa, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 774,90.
Alega, para tanto, que se verificaram infiltrações na fracção autónoma correspondente ao 4º andar esquerdo do seu prédio, que resultaram da falta de manutenção do prédio contíguo, onde se situa o Condomínio Demandado, e que suportou o custo da respectiva reparação no valor de € 774,90.
Juntou 5 documentos.
O Condomínio Demandado foi regular e pessoalmente citado e apresentou contestação, onde alegou que apenas foi interpelado para pagar o referido valor sem que antes tivesse sido interpelado para reparar os danos e que, de qualquer modo, os danos não resultavam de defeitos de manutenção do seu edifício.
Não juntou documentos.
Foi agendada sessão de pré-mediação, à qual o Demandado faltou, pelo que se procedeu à marcação da audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal, não tendo o Demandado comparecido à mesma.
O Demandado não apresentou qualquer justificação para a sua falta à audiência de julgamento.
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Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância e não há excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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Fixa-se à causa o valor de € 774,90 (setecentos e setenta e quatro euros e noventa cêntimos) - cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex viart. 63.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante abreviadamente designada LJP).

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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A) FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
A) 1 – O Condomínio Demandante é administrado por B, por sua vez representada por D.
2 – Os prédios onde se situam os Condomínios Demandante e Demandado são contíguos.
3 - Na fracção autónoma correspondente ao 4º esquerdo do prédio onde se situa o Condomínio Demandante surgiram infiltrações, nos tectos e paredes.
4 – O Condomínio Demandante contratou o construtor E para que verificasse a causa das infiltrações e procedesse às reparações necessárias.
5 – O referido construtor verificou que as infiltrações provinham do algeroz do prédio onde se situa o Condomínio Demandado, que apresentava fissuras.
6 – O referido construtor tapou as fissuras com borracha líquida vermelha e procedeu à pintura dos tectos e paredes onde se verificavam as infiltrações.
7 – A obra referida no ponto anterior teve um custo de € 774,90 que foi suportado pelo Condomínio Demandante.
8 – Em 04.03.2015 o Condomínio Demandante enviou uma comunicação ao Condomínio Demandado nos termos que constam de fls. 7 e que se dá por reproduzido, solicitando o reembolso da quantia referida no ponto anterior.
9 – O Condomínio Demandado não apresentou qualquer resposta nem procedeu ao pagamento da referida quantia.
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B) Não existem factos não provados.

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C) MOTIVAÇÃO:
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos factos admitidos por acordo, dos documentos juntos a fls. 3 a 13, que não foram impugnados, e das declarações da Administradora do Condomínio Demandante prestadas na audiência final, que revelou conhecimento dos factos e mereceu a credibilidade do Tribunal, não tendo sido produzida qualquer prova em contrário.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Pretende-se nos presentes autos obter a condenação do Condomínio Demandado no pagamento da quantia de € 774,90, correspondente ao preço da reparação dos danos causados pelas infiltrações provenientes do seu prédio numa fracção autónoma do prédio vizinho e que foi suportada pelo respectivo Condomínio, ora Demandante.
Resulta da matéria de facto provada que os danos se verificaram na fracção autónoma, correspondente ao 4º andar esquerdo do prédio onde se situa o Condomínio Demandante.
Ora, dúvidas não restam de que a fracção autónoma onde se verificaram os danos não é uma parte comum do prédio (cfr. artigo 1421º do CC a contrario), pelo que só o seu proprietário – cuja identidade se desconhece nestes autos – tem poderes para reclamar os danos sofridos na sua fracção.
Neste caso, alega o Condomínio Demandante que, não obstante não ser o responsável, uma vez que as infiltrações não provinham das partes comuns do seu prédio, procedeu, a expensas suas, à reparação dos danos causados na fracção autónoma em causa, e que é nessa qualidade que vem requerer o reembolso do valor ao Condomínio Demandado.
Estamos aqui perante a figura da subrogação do credor que consiste na “substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” (cfr. A. Varela – Das Obrigações em Geral – vol. II – 4ª ed. – 324).
A subrogação do credor pode ser voluntária, quando decorre de manifestação expressa da vontade deste, ou legal, quando opera por determinação da lei, independentemente de declaração do credor - cfr. artigos 589º e 592º do CC.
Ora, no caso, não consta dos autos qualquer declaração expressa, por parte do credor – que seria o proprietário do 4º andar esquerdo – no sentido de subrogar o Condomínio Demandante no seu direito contra o Condomínio Demandado, pelo que não se verifica qualquer sub-rogação voluntária.
Resta, assim, analisar se se tratará de uma subrogação legal, prevista no artigo 592º n.º 1 do CC, que dispõe o seguinte:
Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpra a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.
Como resulta do referido artigo, são razões especiais que justificam o regime legal que coloca o terceiro na mesma posição jurídica do primitivo credor, transferindo-se o crédito para aquele.
Assim, fica sub-rogado nos direitos do credor, o terceiro que cumpra a obrigação alheia, quando “por outra causa estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.
Exige-se um interesse directo, que a doutrina vem entendendo como sendo um interesse patrimonial e próprio, excluindo-se “os casos em que o cumprimento se realize no exclusivo interesse do devedor ou por mero interesse “moral” ou “afectivo” do “solvens”, no dizer do A. Varela (ob. cit.).
Como ensina o Ilustre Professor esse interesse directo do próprio terceiro, verificar-se-á sempre que, com o cumprimento, o terceiro pretenda “evitar a perda ou limitação de um direito que lhe pertence”, podendo, de um modo geral dizer-se que tem interesse directo “quem é ou pode ser atingido na sua posição jurídica pelo não cumprimento e pretenda, precisamente evitar essas consequências”.
Entendemos que este é o caso dos autos.
Com efeito, a não reparação dos danos causados pela infiltração no 4º andar esquerdo poderia vir a alastrar-se para as partes comuns do prédio, nomeadamente para as paredes exteriores, o que prejudicaria o Condomínio Demandante. Por esse motivo, tinha este um interesse patrimonial e próprio no cumprimento desta obrigação, pelo que estava directamente interessado na satisfação do crédito.
Conclui-se, assim, que o Condomínio Demandante se encontra sub-rogado no direito do primitivo credor, que é o proprietário da fracção correspondente ao 4º andar esquerdo.
Analisemos, então, se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito quanto ao Condomínio Demandado.
Provou-se que o algeroz do prédio onde se situa o Condomínio Demandado apresentava fissuras, tendo sido essa a causa das infiltrações verificadas.
Dispõe o artigo 493º do CC o seguinte: “Quem tiver em seu poder coisa (…) imóvel, com o dever de a vigiar (…) responde pelos danos que a coisa (…) causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
Ora, o algeroz do prédio é uma parte comum deste, pelo que a sua manutenção incumbe ao Condomínio Demandado, mais concretamente ao seu Administrador - cfr. artigos 1421º n.º 1 e 1436º f) do CC.
A falta de manutenção corresponde, assim, à prática de um acto ilícito, porque contrário à Lei e, neste caso, também culposo, uma vez que a culpa se presume nos termos do disposto no citado artigo 493º do CC, presunção que o Condomínio Demandado não ilidiu.
Quanto aos danos, provou-se a existência de infiltrações na fracção autónoma correspondente ao 4º andar esquerdo, cuja reparação ascendeu a € 774,90.
Provou-se, também, que as fissuras no algeroz do prédio onde se situa o Condomínio Demandado foram conditio sine qua non das infiltrações ocorridas, sendo tais fissuras, em abastracto, causa idónea a provoca-las, pelo que se encontra, também, verificado o nexo de causalidade entre o facto ilícito (falta de manutenção do algeroz) e os danos causados (infiltrações) – cfr. artigo 563º do CC.
Por conseguinte, e verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil, conclui-se pela obrigação de indemnização por parte do Condomínio Demandado, ao Condomínio Demandante, no valor de € 774,90, procedendo a presente acção na totalidade.
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Responsabilidade tributária:

Atento o disposto no artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do artigo 63º da LJP, e porque o Demandado é parte vencida nos presentes autos, vai o mesmo condenado nas custas da acção.
Assim, nos termos dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24.02, deverá proceder ao pagamento da quantia de € 35,00, no prazo de 3 dias úteis a contar do conhecimento da presente decisão, sob pena de a tal quantia acrescer uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, com o limite de € 140,00, devendo ser restituída a quantia de € 35,00 ao Demandante.
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Dispositivo:

Julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência disso, condeno o Condomínio Demandado a pagar ao Condomínio Demandante a quantia de € 774,90 (setecentos e setenta e quatro euros e noventa cêntimos).

Custas pelo Demandado.

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Registe e notifique.
Bombarral, 02.02.2018

A Juíza de Paz

Carla Alves Teixeira
(que redigiu e reviu em computador – artigo 131º n.º 5 do CPC)