Sentença de Julgado de Paz
Processo: 2/2014-PJ
Relator: SANDRA MARQUES
Descritores: EMPREITADA - CONDOMINIO - DANO
Data da sentença: 10/23/2014
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(n.º 1, do artigo 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho,
na redação que lhe foi dada pela Lei N.º 54/2013, de 31 de Julho,
doravante designada abreviadamente LJP)


Processo N.º 2/2014-JPSXL
Matéria: Incumprimento contratual e responsabilidade civil (enquadrada nas alíneas i) e h), ambas do n.º 1, do art.º 9.º, da LJP).
Objeto do litígio: pedido de reparação em virtude de obra defeituosa, indemnização por pintura de placa publicitária colocada sem autorização, e retirada da mesma, acrescido de juros, custas e procuradoria condigna.
Demandantes (2):
1) Condomínio A do prédio , Seixal, representada pela sua administradora B;
Mandatária: C.
2) D.
Demandada: E , com sede na ...., representada pelo seu sócio-gerente F .
Mandatários: G e H .
Valor da ação: €322,20 (trezentos e vinte e dois euros e vinte cêntimos).
Do Requerimento Inicial:
Inicialmente, só o 1.º Demandante alegou, através da sua administradora, que celebrou com a Demandada no último trimestre do ano de 2009 um contrato de empreitada de reparação, restauração e impermeabilização do prédio, no qual se incluía a reparação do interior da fração correspondente ao terceiro andar direito. Mais disse que volvidos cerca de três anos após a entrega da obra, começaram a verificar-se fortes defeitos nas paredes do terceiro andar esquerdo, com infiltrações de água que chegam a atingir 1 metro de altura por 1 metro de largura, numa das paredes, e 80 cm de altura por 70 cm de largura, numa outra. Acrescentou ainda que a obra de reparação do aludido quarto não foi bem executada, encontrando-se aquela divisão em pior estado do que se encontrava antes da obra. Alegou ainda que os defeitos foram denunciados à Demandada telefonicamente primeiro, e depois por carta em 4 de Abril de 2013, tendo esta inicialmente, recusado a reparação, e posteriormente, em 8 de Outubro de 2013, reparado apenas a racha exterior do edifício, mantendo-se por reparar as paredes do quarto conforme exigido pela Demandante.
Disse ainda que após ter realizado a obra defeituosa, a Demandada teve a desfaçatez de colocar um azulejo na parte exterior do edifício da Demandante, exibindo o seu logotipo, sem autorização, pelo que despendeu €100 (cem euros) na pintura do mesmo, o qual ainda se encontra afixado.
Posteriormente, em sede de audiência de julgamento, convidado o 1.º Demandante, face ao pedido de reparação da fração terceiro direito, a, querendo, corrigir o seu requerimento inicial, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 39.º, e 43.º, n.º 5, todos da LJP, acedeu este ao convite, tendo requerido que passasse a constar também como Demandante na presente ação o 2.º Demandante supra identificado. Presente neste Julgado de Paz, este manifestou a sua vontade em acompanhar o Condomínio, como Demandante nos presentes autos, em virtude da sua qualidade de proprietário da fração correspondente ao terceiro andar direito, subscrevendo o que já fora alegado pelo outro Demandante.
Pedido:
Inicialmente, só o 1.º Demandante requereu a condenação da Demandada a reparar os defeitos detetados nas paredes do quarto do terceiro andar direito, bem como a retirar a placa de azulejo colocada na parte exterior do edifício, e ainda a indemnizá-lo na quantia de €100 (cem euros), correspondentes às despesas realizadas pelo 1.º Demandante para ocultação da mesma, quantia essa acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, custas e procuradoria condigna.
Posteriormente, o 2.º Demandante subscreveu tal pedido.
Da contestação:
Após regular citação em 27 de Janeiro de 2014, a Demandada apresentou contestação em 6 de Fevereiro de 2014, de fls. 86 a 93, na qual confessou o contrato celebrado, mas alegou ter realizado sem defeito as reparações, atribuindo ao salitre as manchas alegadamente aparecidas, em virtude de humidade devida à falta de drenagem eficaz das paredes. Mais disse que, ao contrário do alegado, se deslocou por diversas vezes ao prédio, não apurando a existência de água nas paredes do 3.º Direito. Acrescentou que o problema vai voltar sempre a surgir, não lhe sendo imputável, por ter origem no próprio telhado e algerozes, construção e obra que lhe é alheia.
Alegou ainda que obteve autorização do administrador do condomínio à altura para colocação da placa, que não é em azulejo, mas em acrílico, de fácil remoção, não tendo sido interpelada para a retirar, nada obstando a que o faça. Disse ainda que não entende que despesas de “ocultação” são as peticionadas, pois não fez a Demandante prova delas.
Requereu a absolvição dos pedidos formulados.
Tramitação:
O 1.º Demandante recusou a utilização dos erviço de mediação – cfr. fls. 9.
Após citação da Demandada, pessoa coletiva, em primeira tentativa de citação em 9 de Janeiro de 2014, como se em segunda tentativa fosse, nos termos do disposto no artigo 246.º, n.º 4 do Código de Processo Civil (cfr. fls. 56), foi marcada audiência de julgamento para o dia 31 de Janeiro de 2014 (cfr. fls. 58). Porém, apresentado requerimento pelo ilustre mandatário da Demandada em 22 de Janeiro de 2014, suscitando a questão do prazo mais dilatado que, erroneamente, tinha sido concedido em sede de contestação, foi proferido despacho, desmarcando a audiência agendada, e ordenando a expedição de nova citação à Demandada, nos termos regulares do disposto no artigo 47.º, n.º 1 da LJP, nos termos do disposto no artigo 191.º, n.º 3, 2.ª parte do Código de Processo Civil (cfr. fls. 71).
Regularmente citada a Demandada em 27 de Janeiro de 2014 (cfr. fls. 83), foi agendada audiência de julgamento para o dia 21 de Fevereiro de 2014 (cfr. fls. 85), posteriormente desmarcada por impossibilidade do ilustre mandatário da Demandada (cfr. fls. 112). Aguardaram os autos o regresso da Juíza de Paz titular do processo, ausente por doença, para remarcação da audiência de julgamento (cfr. fls. 113), após o qual foi agendada audiência para o dia 10 de Outubro de 2014 (cfr. fls. 115), a qual se realizou, com a presença da representante da 1.ª Demandante, sua ilustre mandatária, do representante da Demandada e da sua ilustre mandatária. Nessa audiência, as partes transigiram parcialmente, apenas no que quanto ao pedido de retirada da placa publicitária respeita (cfr. fls. 129), acordo esse parcial que foi de imediato homologado por sentença (cfr. fls. 165), mantendo-se a presente instância para apreciação dos outros pedidos formulados. Foi ainda convidado o 1.º Demandante a corrigir o seu requerimento inicial, o que este fez, nos termos supra expostos, sem oposição ou pronúncia da Demandada, pelo que foi a correção admitida, passando a figurar como Demandante nos presentes também o proprietário do 3.º Direito, com a vontade expressa deste último em assim ser. Corrigiu ainda o 1.º Demandante o seu requerimento inicial, onde constava 3.º esquerdo, passar a constar 3.º direito; e a Demandada, onde constava Demandada passar a ler-se Demandante – tudo cfr. fls. 165, e admitido nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 5 da LJP. Produziu-se ainda prova documental, após a qual, face ao adiantado da hora, foi agendada continuação da audiência com inspeção ao local para 16 de Outubro de 2014 – cfr. fls. 167. Em 16 de Outubro de 2014, foi realizada inspeção ao interior do quarto do 3.º direito, e ao exterior do edifício (cfr. auto de fls. 176 e 177), seguida de junção de fotocópia do registo predial pelo 2.º Demandante, exercício de contraditório de toda a documentação pela Demandada, e breves alegações orais, após o que, face à necessidade de ponderação de toda a prova nesse dia produzida, foi agendado o dia 20 de Outubro de 2014 para continuação da audiência com leitura de sentença – cfr. fls. 175. No entanto, por dificuldades de digitação informática da sentença, devido a avaria no computador, e acumulação de serviço, foi adiada a referida audiência para a presente data, à qual compareceram os Demandantes, tendo sido proferida a presente sentença – cfr. ata de fls. anteriores.
Factos provados:
Com base nas declarações das partes, confissão, acordo, e documentos juntos, dão-se como provados os seguintes factos:
1 – B, é administradora do condomínio do prédio em regime de propriedade horizontal, sito no, Seixal;
2 – D é proprietário da fração autónoma designada pela letra “J” correspondente ao terceiro andar direito do mesmo prédio;
3 – No último trimestre do ano de 2009, a 1.ª Demandante celebrou com a Demandada um contrato de empreitada de reparação, restauração e impermeabilização do prédio,
4 – o qual incluía a pintura de um quarto no 3.º andar direito,
5 – com reparação do estuque danificado do tecto e paredes do quarto que dá para as traseiras no apartamento 3.º andar direito,
6 – aplicação de um primário nas zonas reparadas, Pliolite da marca Barbot,
7 – pintura do tecto e paredes com tinta acrílica Barbocril ou Neucegold da marca Barbot ou Neuce respetivamente,
8 – trabalho esse a realizar só em conjunto com o exterior do edifício,
9 – pelo valor de €222 (duzentos e vinte e dois euros);
10 – A obra foi realizada entre final do ano de 2009 e início do ano de 2010,
11 – tendo sido emitido certificado de garantia da mesma em 15 de Fevereiro de 2010,
12 – o qual exclui aparecimento de salitre nas superfícies repintadas;
13 – O preço da obra já se encontra totalmente liquidado;
14 – Volvidos cerca de três anos após a entrega da obra, começaram a aparecer manchas e bolhas de humidade em duas paredes do quarto do terceiro andar direito;
15 – Os Demandantes comunicaram os defeitos à Demandada, primeiro telefonicamente, e posteriormente, por carta datada de 4 de Abril de 2013;
16 – Após a denúncia dos defeitos, a Demandada deslocou-se por quatro vezes à fração,
17 – Tendo reparado a parede exterior lateral do edifício, junto ao telhado, em 8 de Outubro de 2013;
18 – No quarto do 3.º direito são visíveis, na parede correspondente à traseira do edifício, junto à janela, e na parede lateral, com esta confinante, uma bolha com cerca de 10 cm de diâmetro em cada uma das paredes,
19 – bem como algumas marcas de humidade, tipo risco,
20 – escassas e dispersas por uma área localizada entre 86 cm de largura por 30 cm de altura, na parede traseira,
21 – e entre 90 cm de largura por 40 cm de altura, na parede lateral,
22 – sem manchas ou pontos pretos,
23 – encontrando-se a área que não a das bolhas e riscos referida seca, contrariamente ao que sucedia antes da reparação efetuada pela Demandada,
24 – em que as referidas paredes tinham infiltrações de água com manchas que chegavam a atingir 1 metro de altura por 1 metro de largura;
25 – O exterior do edifício encontra-se em bom estado de conservação,
26 – sem fissuras e com pintura em boas condições,
27 – com exceção de uma mancha descolorida na parte superior da parede lateral, junto ao telhado,
28 – zona onde foi realizada a reparação efetuada pela Demandada em 8 de Outubro de 2013;
29 – A Demandada colocou uma placa de acrílico publicitária na parede frontal do prédio Demandante, na zona da varanda exterior do 1.º andar,
30 - Placa essa retangular de cerca de 30 cm por 15 cm,
31 – que atualmente se encontra pintada de cinzento;
32 – A Demandada só foi interpelada para retirar a placa publicitária com a citação para a presente ação.
***
Alegaram as partes conforme requerimento inicial já dado como reproduzido e, em síntese, resumido acima.
A Demandada contestou, conforme peça processual também já dada como reproduzida e sintetizada acima.
Produzida a prova, deram-se como assentes os factos provados, constantes das rubricas acima com o mesmo nome.
O Tribunal não presenciou os factos constantes dos autos, pelo que assentou a sua convicção nas declarações das partes, na inspeção realizada ao local, bem como na observação dos documentos.
A grande questão em apreciação respeita à empreitada e seus eventuais defeitos. Alegaram os Demandantes que não têm conhecimentos técnicos, nem têm de ter, quanto ao que teria de ser efetuado para reparar as paredes do 3.º Direito, tendo contratado a Demandada exatamente para esse fim. Já a Demandada alegou que os defeitos existentes se devem a salitre, o qual não constitui defeito da reparação por si efetuada, pelo que não abrangido pela garantia dos seus serviços.
Sucede que, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil, à parte que alegar um facto, cabe prová-lo.
Assim, temos que aos Demandantes cabia o ónus de provar que os defeitos existiam, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil; à Demandada, o ónus de provar que estes não procediam de responsabilidade sua, nos termos do artigo 342.º, n.º 2 do mesmo preceito legal; tudo conjugado com as regras da legislação de consumo supra citada. Ora, apenas os primeiros lograram fazê-lo, não tendo a Demandada, apesar do alegado, efetuado prova que os defeitos existentes não são solúveis, nomeadamente, porque tal não consta do orçamento inicial por si apresentado, nem é expectável que um homem médio saiba qual a reparação técnica que deverá ser efetuada, sabendo e desejando apenas que o problema seja resolvido.
Em função da prova produzida, verifica-se que o Condomínio, através da sua administradora, e a Demandada, celebraram um contrato de prestação de serviços, no qual a Demandada se obrigava a prestar ao Demandante serviços na área da construção civil, recebendo em contrapartida, respetivamente, o preço, a título de material e mão-de-obra. Que em virtude de tal contrato o 1.º Demandante efetuou o pagamento total da obra, mas a obra encontra-se com defeitos.
A liberdade contratual é o apanágio do direito das obrigações, podendo assim as partes dentro dos limites da Lei, fixar livremente o conteúdo dos contrato, celebrar contratos diferentes dos previstos, e ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na Lei - conforme artigo 405.º do Código Civil.
O contrato de prestação de serviços encontra-se previsto no artigo 1154.º do Código Civil, definido como, “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. O artigo 1155.º especifica as modalidades do contrato de prestação de serviços, sendo que, dentro destes, dos factos dados como provados, retira-se que entre Demandante e Demandada foi celebrada uma das modalidades de prestação de serviços, concretamente, um contrato de empreitada, pois dispõe o artigo 1207.º do Código Civil que ”empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
No contrato de empreitada em apreço, as partes celebraram entre si um acordo no qual a Demandada (empreiteira) se obrigou a realizar uma obra (montagem de bens por si fornecidos no prédio 1.º Demandante e também no interior da fração do 2.º Demandante), mediante o pagamento pelo 1.º Demandante (dono da obra) do preço ajustado.
Foi ainda acordado entre as partes que os materiais e utensílios necessários à execução da obra deveriam ser fornecidos pelo empreiteiro – a Demandada – no cumprimento da regra geral estipulada no artigo 1210.º, n.º 1 do Código Civil.
Da relação jurídica emergente de uma empreitada, derivam obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço. Temos assim que, do lado do empreiteiro, a principal obrigação é a de obter um certo resultado material (conforme artigo 1207.º citado), que se traduz na execução da obra nas condições convencionadas, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (conforme artigo 1208.º do mesmo Código). Enquanto do lado do dono da obra, e em contrapartida, impende o dever principal de, caso aceite a obra, pagar o preço ajustado o que, na ausência de convenção ou uso em contrário, deve ser efetuado no ato daquela aceitação (conforme artigo 1211.º, n.º 2 do Código Civil). No caso em apreço, inclusive, foi dado como provado que o 1.º Demandante já liquidou a totalidade da obra concluída. Provado ficou, também, que a obra acordada e concluída apresenta defeitos.
Deste modo, ao proceder ao pagamento do preço acordado, a primeira Demandante cumpriu o contratado.
Após a aceitação da obra em, pelo menos, 15 de Fevereiro de 2010, sem vícios aparentes, cerca de Fevereiro de 2013, tomou a 1.ª Demandante conhecimento de defeitos da mesma, através de comunicações efetuadas pelo 2.º Demandante de que existiam infiltrações nas suas paredes. De pronto, a 1.ª Demandante denunciou tais defeitos à Demandada, primeiro telefonicamente, e, posteriormente, por carta registada remetida em 4 de Abril de 2013. Dispõe o artigo 1225.º, n.ºs 1 a 3 do Código Civil, que se a empreitada tiver por objeto a reparação de edifícios, e no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo convencionado, a obra, por vício da reparação, apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra, devendo a denúncia dos defeitos ser feita dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento pelo dono da obra dos mesmos, devendo ainda a indemnização ser pedida no ano seguinte à denúncia, sendo ainda tais prazos aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos nos termos do artigo 1221.º do mesmo Código, o qual, no seu n.º 1, confere o direito ao dono da obra de exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos. Ora, nos presentes autos, a obra foi concluída e entregue, no início do ano de 2010, mais concretamente cerca do dia 15 de Fevereiro de 2010, e no decurso do prazo de garantia, a obra apresentou defeitos, em Fevereiro de 2013, que foram prontamente comunicados à Demandada pelo menos em Abril desse mesmo ano, que ainda não os corrigiu, pelo que não cumpriu com o contrato, presumindo-se que o fez por culpa sua (conforme artigo 799.º do Código Civil) e, consequentemente, constituindo-se na obrigação de indemnizar os Demandantes pelos prejuízos causados (conforme artigo 798.º do Código Civil).
Isto é deveras importante, porquanto, estando-se perante um contrato bilateral, em que ambas as partes se obrigaram a prestações recíprocas, existem prazos diferentes para o cumprimento das prestações por cada uma das partes, resultando provado dos autos que a primeira Demandante cumpriu com o preço acordado, tendo já liquidado a totalidade do valor peticionado para a obra. Assim, não pode a Demandada recusar a sua prestação por a Demandante ainda não ter liquidado a totalidade do preço (artigo 428.º, n.º 1 do Código Civil, ad contrario).
Do exposto e no caso em apreço, conclui-se que da parte da Demandante foi cumprida a sua obrigação contratual, pois liquidou o preço ajustado, e da parte da Demandada não foi realizada a prestação a que se vinculou, uma vez que não cumpriu a sua obrigação de realização e conclusão da obra sem defeitos, com violação dos princípios da pontualidade e da boa fé, consagrados nos artigos 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
O 1.º Demandante denunciou os defeitos de que a obra padecia, nos termos dos artigos 1220.º e seguintes do Código Civil. Assim, a Demandante exigiu a eliminação dos defeitos (cfr. artigo 1221.º, n.º 1 do Código Civil).
O fornecimento de bens e prestação de serviços é ainda regulado pela Lei N.º 24/96 de 31 de Julho, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei N.º 67/2003 de 8 de Abril, bem como por este último diploma, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei N.º 84/2008 de 21 de Maio. Dispõe o artigo 2.º da citada Lei que “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços (…), destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”, tendo o consumidor direito à qualidade dos bens e serviços, e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais (conforme o disposto nas alíneas a) e f) do artigo 2.º da Lei citada), sendo que, os bens e serviços devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor (artigo 4.º da Lei N.º 24/96 de 31 de Julho), tendo o consumidor direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos (artigo 12.º, n.º 1 da Lei N.º 24/96 de 31 de Julho). Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que este seja reposto sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço, ou à resolução do contrato (artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei N.º 67/2003 de 8 de Abril), devendo a reparação ou substituição ser realizada num prazo razoável (n.º2 do artigo 4.º citado), gozando as coisas imóveis do prazo de garantia de cinco anos, e devendo o consumidor denunciar o defeito no prazo de um ano a contar da data em que o tenha detetado (conforme artigo 5.º, n.º 1 e artigo 5.º-A, n.º 3, ambos do Decreto-Lei citado).
Sucede que nos presentes autos, como acima comprovado, a 1.ª Demandante, consumidora, denunciou os defeitos dos bens imóveis de imediato, assim que destes tomou conhecimento, à Demandada, que exerce a atividade profissional de empreiteira, não tendo esta procedido à reparação integral dos mesmos. Como tal, a Demandante goza do direito à reparação dos defeitos, e a ser indemnizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento dos bens defeituosos.
Os Demandantes efetuaram apenas um pedido no que a tal respeita: a reparação pela Demandada dos defeitos da obra. Estando no poder dos Demandantes optar pela reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato, bem como a serem indemnizados pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, nos termos acima expostos, e tendo estes optado por peticionar, apenas, a reparação pela Demandada, é apenas esse o pedido atendível, nos termos supra expostos, até porque o Tribunal se encontra limitado ao peticionado – cfr. artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Assim, só o pedido de reparação formulado pelos Demandantes é conhecido e considerado.
Assim, por terem os Demandantes provado que o defeito existe, é a Demandada condenada a reparar as paredes do terceiro andar direito do prédio dos autos. Porém, porquanto resulta provado que inicialmente, o valor da reparação destas era de €222 (duzentos e vinte e dois euros), numa área que, confessado pelos Demandantes, era muito superior, sendo esse valor o único apresentado para prova do valor estimado de reparação, considero justo e adequado reduzir o montante da mesma, para o valor estimado de €122 (cento e vinte e dois euros), pois que os defeitos ora existentes são menores que as infiltrações que existiam na fração quando a Demandada foi contratada.
Relativamente ao segundo pedido, de indemnização por colocação sem autorização de placa publicitária, como acima resulta, não foi provado, nem que a 1.ª Demandante deu o seu assentimento (o que cabia à Demandada); nem que a Demandada foi interpelada para retirar a placa, resultando apenas provado que o foi com a citação para a presente ação, sendo que, assim que o foi, se prontificou a retirar a referida. Ora, se resulta provado que a citada placa se encontra ora pintada de cinzento, não resulta provado qual o valor despendido pela 1.ª Demandante para essa pintura, pois que nenhuma prova foi feita do valor por si despendido. A placa está lá, e está cinzenta; mas quem a pintou, e quanto custou, desconhecesse. Aliás, se não fosse a confissão da Demandada da colocação da placa, nem esse facto resultaria provado.
A obrigação de indemnizar tem por finalidade reparar um dano ou prejuízo, sendo que o obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – cfr. artigo 562.º do Código Civil. É a chamada reconstituição natural, fixada como regra na reparação. No entanto, caso a mesma se revele impossível, a indemnização pode ser fixada em dinheiro – cfr. artigo 566.º, n.º 1 do mesmo Código. Ou seja, a regra é a de que deveria ser a Demandada a proceder quer à retirada da placa, quer dos danos por esta causados.
Sucede, porém, que a reparação não abrange indiscriminadamente todos e quaisquer danos, mas tão somente os que se encontrem em determinada relação causal com o evento que fundamenta a obrigação de ressarcir – cfr. artigo 563.º do Código Civil.
Assim, dos danos alegados pela primeira Demandante, estes resultam provados mas não quantificados.
Ora, quanto ao cômputo da indemnização estabelecida pelo artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites do que tiver sido provado, temperado pelas regras da razoabilidade e experiência. Os Demandantes provaram que a reparação de todo o quarto do 3.º Direito orçou em €222 (duzentos e vinte e dois euros), com pintura incluída, pelo que, aplicando esse mesmo valor, à área da pintura da placa, entendo como bom e razoável fixar como valor para indemnização para pintura da mesma o montante de €10 (dez euros).
Não há lugar à aplicação e juros sobre esse valor, visto que a interpelação, como explanado, apenas se realizou com a citação para a presente ação, na qual a Demandada aceitou retirar a placa.
Quanto às custas e procuradoria condigna requeridas, solicitaram os Demandantes, apenas a sua condenação, sem quantificação. Tal pedido não pode proceder, desde logo por não ter sido incluindo nem nos factos, nem o seu montante acrescido ao valor do pedido. Por outro lado mesmo que se pretenda entender que tal verba não necessita de ser levada à factualidade e ao pedido porque inserida nas custas do processo, sempre o regime de custas dos Julgados de Paz (Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005, de 24 de Fevereiro) é diverso do estabelecido no Código de Custas e Código de Processo Civil, sendo este de aplicação nos Julgados de Paz apenas no que é compatível com as normas da Lei dos Julgados de Paz. Não é obrigatório o patrocínio nos Julgados de Paz (artigo 38.º, da LJP), pelo que também, mesmo entendido como um prejuízo, sempre este montante não estaria numa relação de causalidade adequada entre o facto e o dano.
Decisão:
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra apreciar ou conhecer, sendo o Julgado de Paz competente para apreciar a ação.
Em face do que antecede:
a) Condeno a Demandada a proceder à reparação dos defeitos da obra no terceiro andar direito do prédio Demandante, reparação essa fixada em €122 (cento e vinte e dois euros);
b) condeno a Demandada a indemnizar a primeira Demandante pelos prejuízos que lhe causou no montante de €10 (dez euros);
c) absolvo a Demandada do demais peticionado.
Custas:
Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, e do artigo 533.º, n.º 1 do Código de Processo Civil atual, face ao acordo de parte do peticionado, ao decaimento dos Demandantes, e respetiva proporção, as custas são suportadas pelos Demandantes e pela Demandada em partes iguais, as quais já se encontram liquidadas.
Esta sentença foi proferida oralmente e notificada aos presentes, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da LJP, os quais declararam ficar cientes do seu conteúdo.
Notifique a Demandada, sua ilustre mandatária e a ilustre mandatária da 1.ª Demandante.
Registe.
Seixal, Julgado de Paz, 23 de Outubro de 2014
(processado informaticamente pela signatária)
A Juíza de Paz

Sandra Marques