Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 45/2015-JP |
Relator: | MARGARIDA SIMPLÍCIO |
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO - RESPONSABILIDADE PELO SINISTRO E PEDIDO DE PRIVAÇÃO DO USO DA VIATURA PROPRIEDADE DA DEMANDANTE. |
Data da sentença: | 06/30/2015 |
Julgado de Paz de : | FUNCHAL |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 45/2015-J.P. RELATÓRIO: A demandada regularmente citada, contesta. Alega que efetivamente o veiculo CO encontra-se segurado pela apólice n.º -------------. No que respeita ao acidente aceita a localização, o dia e hora, bem como os intervenientes, mas não a forma como sucedeu. Esclarece que o local onde ocorreu é a via de acesso ao Jardim da Ajuda, sendo um arruamento sem saída, de acesso as garagens dos edifícios circundantes, nesse local tem o sinal C 2, o que foi verificado pelo perito averiguador. De facto no local não existe qualquer linha a separar os sentidos de marcha, sendo a via no sentido ascendente ladeada por passeio á esquerda, e do lado direito faz-se o acesso às garagens, sendo usual estacionar-se junto ao lado direito e em cima do passeio. O local onde ocorreu o embate, tem uma curva de visibilidade reduzida, para ambos os sentidos, o piso é asfaltado e em bom estado de conservação. No dia em que ocorreram os factos o piso estava molhado devido às condições atmosféricas. O veículo CO circulava no sentido descendente, pela hemi faixa destinada ao seu sentido de marcha quando, devido á ocupação por uma fila de carros estacionados, certificou-se que não circulava nenhum veículo em sentido oposto, acionou o pisca e ultrapassou as viaturas estacionadas. Nesse instante o veiculo PD, seguia no sentido ascendente da mesma via, mas com velocidade desadequada face ao local, tendo o condutor do CO imobilizado de imediato a viatura, já que nem tinha espaço para se desviar, acabando aquela por provocar a colisão. No referido local, com veículos estacionados é impossível haver cruzamento de veículos, o que exige cautela aos condutores que ali passem, facto que a condutora do veículo PD não teve em consideração, provocando assim o sinistro. Quanto aos danos reclamados, efetivamente foram avaliados em 1.100,29€, acrescido do IVA, mas no caso concreto não foi junta qualquer fatura que comprove ter sido realizado, e se não suportou tal valor não o pode vir pedir. Desconhece-se o critério que terá utilizado para requerer 35€/dia por paralisação do veículo, sendo que a mera privação sem repercussões no património do lesado, não é suscetível de ser indemnizável. Conclui pela improcedência da ação. Juntou 3 documentos e requereu a realização de inspeção ao local. TRAMITAÇÃO: -FUNDAMENTAÇÃO- O piso é alcatroado e está em bom estado de conservação. O local onde se terá dado o sinistro, é junto a uma curva, mais propriamente no fim da mesma, na zona de acesso a uma garagem, sita do lado direito, atendendo ao sentido de trânsito ascendente. No fim da curva, existe uma recta com bastante inclinada. No local, é usual encontrar-se veículos estacionados, junto ao passeio do lado direito da via, atendendo ao sentido descendente, facto que se constatou, e que as fotografias junto aos autos, bem como as testemunhas oculares confirmaram. Devido á morfologia urbana, existindo um parque no jardim, com árvores altas, e aos veículos que se encontram estacionados, é difícil visualizar veículos que circulem na faixa de rodagem, para ambos os sentidos de trânsito, facto que o Tribunal constatou. As únicas testemunhas oculares do sinistro foram os condutores dos veículos intervenientes, que prestaram o respetivo depoimento. Fizeram descrições um pouco diferentes do sucedido, nomeadamente em relação á dinâmica do mesmo, o que no fundo traduz as peças processuais juntas pelas partes. Por ausência de provas que corroborem a posição de cada um dos condutores, apenas se considerou as similitudes, e as descrições que são conforme os factos constatados pela inspeção ao local e que vão ao encontro das regras da experiencia comum. A testemunha, F foi o perito averiguador da demandada. O seu relato foi isento. Explicou que o relatório que se encontra junto aos autos, declarando que foi realizado já em janeiro, tendo por base as participações efetuadas às companhias de seguro e pelas declarações das partes, não tendo efectuado a reconstituição do sinistro na presença dos condutores e com os veículos. Por estes motivos o relatório foi desconsiderado. Foi, igualmente, relevante os documentos juntos pelas partes, os quais relevaram, tendo em consideração os dados da experiencia comum e os depoimentos das testemunhas, com os quais foram conjugados. Não se provou mais factos por ausência de prova condigna, nomeadamente a velocidade que cada condutor imprimia ao respetivo veículo, nem se os condutores travaram ou não os veículos quando se avistarem. III-DO DIREITO: O princípio geral que rege a matéria da responsabilidade civil é o consignado no artigo 483° do C.C. segundo o qual “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, incumbindo ao lesado provar a culpa do autor da lesão, de acordo com o disposto no art.º 487, nº1, do C.C. Constituem pressupostos do dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um facto natural causador de danos; a ilicitude desse facto; a existência de um nexo de imputação do facto ao lesante; que da violação do direito subjectivo ou da lei resulte um dano; que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima de forma a poder concluir-se que este resulta daquela, in Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I Vol., 1986, 477/478. No caso dos autos o sinistro ocorreu numa zona habitacional, vedada ao trânsito em geral, facto que o Tribunal observou ao deslocar-se ao local, verificando existir um portão, acionado á distância por comando, dando acesso a vários condomínios. Trata-se, assim, de uma via do domínio privado, por onde circulam os residentes e visitas daquele espaço, não obstante e por força do art.º 2, n.º2, é igualmente aplicável as normas do C. E., já que os moradores da zona circulam em veículos e na qual existe, também, um parque infantil. De acordo com o art.º 13 n.º1 e 2 do C.E. a circulação de veículos deve ser realizado pelo lado direito da faixa de rodagem, podendo ser utilizado o lado esquerdo para ultrapassar, e mudar de direcção. E, acrescenta-se no art.º 38 do C.C. que o condutor, antes de efetuar a manobra, deve certificar-se que não põem em perigo os veículos que transitem no mesmo sentido ou em sentido contrario. O art.º 19 do C.E. define o que se entende por visibilidade reduzida ou insuficiente, o que sucede sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem, em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos a 50mt. Quanto a velocidade o art.º 24, n.º1 do C.E. estabelece o princípio geral, que deve ser regulada, atendendo às caraterísticas da via, às condições meteorológicas, e outras circunstâncias relevante, acrescentando-se que deve ser especialmente moderada nos seguintes locais: descidas de inclinação acentuada, curvas e locais de visibilidade reduzida (art.º26, n.º1 alíneas g, h). No caso concreto apurou-se que o condutor do veículo CO circulava pela hemi faixa de rodagem, do lado direito da via, atendendo ao sentido ascendente, mas circulava no sentido descendente, o que significa que circulava na hemi faixa de rodagem oposta àquela por onde deveria circular. Mas circulava dessa forma, pois é usual encontrarem-se veículos estacionados do lado esquerdo, o que impossibilita que a circulação se faça pela hemi faixa do lado esquerdo, facto que sucedeu no dia em que ocorreu o sinistro, conforme os condutores dos veículos envolvidos confirmaram. Mais se apurou que, o condutor do veículo CO pretendia entrar na garagem, que se situa no lado direito, atendendo ao sentido ascendente, situando-se a dita garagem no fim da curva e início da recta. Acrescenta-se, ainda, que o condutor do veículo CO reside naquele complexo habitacional, sendo por isso pessoa conhecedora dos costumes dos residentes, assim como das carateristicas do local. Por sua vez, a condutora do veículo PD vinha da zona do arruamento sem saída, a qual tem uma curva á direita, atendendo ao sentido ascendente. A curva é acentuada, á qual se segue uma recta com bastante inclinação. A condutora do veículo PD circulava pela hemi faixa do lado direito, atendendo ao sentido ascendente, e pretendia aceder, um pouco mais acima, á via pública, subindo por aquela hemi faixa. Sucede que no local onde os veículos se encontravam, antes de ocorrer o sinistro, eram impossível avistarem-se, pois como ambos os condutores afirmaram estavam vários veículos estacionados no lado esquerdo da faixa de rodagem, e atendendo às caraterísticas especificas do local, com árvores de grande porte, zona de grande inclinação e com imóveis do lado direito da faixa de rodagem, tornavam a visibilidade nula. Tal facto, só por si, era determinante para que qualquer um dos condutores dos veículos envolvidos no sinistro circulasse com cuidados redobrados. Para além disso, apurou-se ainda que o piso estava escorregadio, devido às condições climatéricas, o que aumenta o cuidado que os condutores devem observar ao circularem. E, foi neste contexto que os dois veículos em circulação embateram frontalmente, em especial na parte esquerda de ambos os veículos, atendendo ao sentido de trânsito ascendente. Contrariamente ao alegado pelo condutor do CO, nenhum dos condutores conseguia avistar o outro, o que se apurou com a inspeção ao local, pois os veículos estacionados do lado esquerdo da via pelas suas dimensões, retiram a possibilidade de visão mesmo para quem circula no sentido descendente, o que era o caso do veículo CO, mas tal nem obstava a que previamente alertasse para a sua presença fazendo uso da buzina- sinais sonoros- (art.º 22, n.º2 alínea a) do C.E.), facto que ninguém referiu, e só este poderia ter evitado o embate. Encontrando-se o veículo CO próximo da garagem e procurando aceder á mesma é natural que a velocidade que imprimisse fosse diminuta, de modo a efetuar a manobra de entrada no portão. Por sua vez, a condutora do PD, que circulava dentro da hemi faixa da direita atendendo ao sentido ascendente, foi surpreendida ao terminar a curva para a direita com o outro veículo, na sua faixa de rodagem, acabando ambos por embaterem frontalmente, o que resulta dos danos materiais que ambos sofreram e da declaração que ambos assinaram, mais propriamente a folha de rosto, a fls. 59. Quanto á questão de saber se algum dos veículos deve ceder a passagem ao outro, quando se cruzam, nem se põe, pois nenhum parou, embateram frontalmente, ora essa questão fazia sentido se, pelo menos um deles tivesse parado, esperando que o outro passa-se, facto de que não existe provas. Por outro lado, não há dúvida que o veículo CO circulava na hemi faixa de rodagem do veículo PD, e fazia-o sem ter alertado para a sua presença, pelo que não era expectável que a condutora do veículo PD, tivesse outra reacção, acabando ambos por embaterem. Posto isto, entende-se que como a circulação de veículos é uma actividade que comporta riscos para todos os condutores, havia a obrigação da parte do condutor do veículo CO, antes de iniciar a manobra de contornar os veículos estacionados, alertar os restantes condutores para a sua presença, de modo a que lhes pudesse ser exigido outro tipo de comportamento, que não fosse manter-se em circulação. Como tal não sucedeu, e estando o veículo CO na hemi faixa de rodagem do veículo PD no momento em que se dá o embate, entendo ser da responsabilidade dele a ocorrência do sinistro, o que se deve á omissão do dever de alertar para a sua presença. Mais se apurou que o veículo CO era propriedade de uma sociedade comercial, e que o condutor era funcionário daquela tendo-lhe sido atribuído o veículo para o exercício da atividade de transitário, conforme o condutor assim o admitiu. De facto, o termo comissão pressupõe uma relação de dependência, que se traduz numa relação de subordinação e autoridade face ao comitente, e que o facto seja praticado, pelo comissario, no exercício da função que lhe foi confiada. Acerca do assunto defendem os autores Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 507, que: ”A comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este. Só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo”. No mesmo sentido se decidiu que a comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar instruções ou ordens a este (AC. S.T.J. de 20-12-94, Bol. 439-538). Deste modo, não basta que o veículo seja conduzido por pessoa diferente da do seu dono, embora com o consentimento deste e sob a sua direcção efectiva (como acontece no caso presente), para que o condutor possa ser qualificado como comissário. A condução por conta de outrem: nos termos do art.º 503, nº3, 1ª parte, do C.C., aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelo dano que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte. Por força do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. de 30-4-96, (B.M.J. 456-19), o dono do veículo só é responsável, solidariamente, pelos danos causados pelo respectivo condutor, quando se alegue e prove factos que tipifiquem uma relação de comissão, nos termos do art.º 500, nº1, do C.C., entre o dono do veículo e o condutor do mesmo. O termo comissão tem aqui um sentido, amplo de serviço ou actividade desempenhada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual. Assim, não há dúvida que, o condutor do veículo CO conduzia-o no âmbito do serviço de funções, na medida em que se tratava de um veículo de serviço que lhe foi atribuído e que ele usa habitualmente, e não tendo ilidido a presunção que sobre ele recaía, o dono do veículo é responsável solidário pelos danos que o condutor cause. Por sua vez, como transferiu a responsabilidade mediante apólice de seguro para a demandada, vai assim condenada nos prejuízos causados á lesada, nomeadamente no pagamento da reparação do veículo orçado na quantia de 1.342,35€. Quanto ao pedido de privação pelo uso do veículo, tem vindo a ser considerado pela doutrina nacional que não basta o proprietário do veículo lesado, alegar que o mesmo esteve paralisado durante algum tempo para que lhe seja atribuída uma determinada quantia em função do tempo em que não circulou com o mesmo. De facto a fruição do veículo e sua privação constituiu uma restrição ao direito de propriedade á luz do disposto no art.º 1305 do C.C., e por si só o uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período de privação. No entanto, é preciso não esquecer que a privação representa um dano, o qual é consequência direta do acidente, e como tal a prova do prejuízo sofrido recai sobre o lesado (art.º 342, n.º1 do C.C.). No caso concreto apurou-se que o veículo em causa, apesar dos danos materiais sofridos continuava a circular, saindo do local onde ocorreu o sinistro da mesma forma como entrou, circulando. Por outro lado, é evidente que para ser reparado necessita de estar algum tempo imobilizado. No entanto, apurou-se que a proprietária, às suas expensas já procedeu a uma pequena reparação, se bem que, ainda, não represente a totalidade dos estragos. Ora sendo assim, os 3 dias que pede pela reparação e peritagem podem não corresponder á realidade. Isto porque, na realização da peritagem nem 1 dia esteve paralisado, quanto á reparação não foi provado o tempo de imobilização para o efeito. E, para além disso, a demandante não provou que tal facto lhe cause ou tenha causado algum prejuízo. Pelos motivos explanados entende-se declinar esta parte do pedido. DECISÃO: A sentença foi notificada pessoalmente às partes (art.º 60, n.º2 L.J.P.). Funchal, 30 de junho de 2015 A Juíza de Paz (Margarida Simplício) (redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.) |