Sentença de Julgado de Paz
Processo: 10/2018-JPBBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - EQUIDADE
Data da sentença: 05/11/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 3 propôs em 23 de janeiro de 2018, contra B, melhor identificado, também, a fls. 1 e 3 a presente ação declarativa de condenação, pedindo a devolução de um veículo que vendeu ao demandado e que este não pagou o remanescente do preço acordado ou em alternativa que este proceda ao pagamento da quantia de 1000,00€.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 3 e 4 que se se dá por reproduzido
Juntou 14 documentos (fls.5 a 20) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
Regularmente citado, veio o demandado apresentar a sua douta contestação a fls. 37 e 38, alegando em suma que adquiriu ao demandante um ultraligeiro pendular pelo preço de 1500,00€, mas que apenas pagou 700,00€ porquanto o mesmo não se encontrava completo - não tinha asa – e não se encontrava legalizado.
Mais alega que se viu forçado a adquirir uma asa pelo valor de 1000,00€ para poder legalizar e usar o veículo que adquiriu.
Juntou 19 documentos de fls. 39 a 59 que aqui se dão por reproduzidos.
Tendo-se frustrada a mediação a que ambas as partes aderiram, foi agendada audiência de julgamento para o dia 24 de Abril de 2018.
No início da Audiência de Julgamento, demandante e demandado juntaram os documentos de fls.95 a 104 e 105 e 106 respectivamente. Não apresentaram testemunhas.
Na sequência da tentativa de conciliação foram exploradas diversas possibilidades de entendimento entre as partes que, pese embora manifestassem essa vontade, não conseguiram encontrar um valor que fosse satisfatório para ambos. As partes foram ouvidas nos termos do disposto na 1ª parte do n.º 1 do art. 57º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º54/2013 de 31 de Julho – doravante LJP - tendo acordado submeter o seu litigio a juízos de equidade nos termos do disposto no art. 26º n.º 2 da LJP, explicado que foi o seu sentido e conteúdo, conforme se alcança da acta de audiência de discussão e julgamento.
Porquanto o valor da acção não excede metade do valor da alçada do julgado de paz (1250,00€) é o que passaremos a fazer, socorrendo-nos para tanto quer das declarações das partes, quer dos documentos que carrearam aos autos.
Assim, cumpre apreciar e decidir:

MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:

1. Em Setembro de 2013 o demandante vendeu ao demandado um aparelho aéreo, vulgo Asa Delta – ----------, marca --- ------, modelo ------- --------.N/S8-91---2 equipado com motor da marca -------- Modelo 503 e N/S 3-----635
2. O preço acordado foi de 1500,00€ a ser pago em duas prestações iguais de 750,00€ em final de Outubro de 2013 e final de Novembro de 2013.
3. O demandado pagou a quantia de 700,00€ ao demandante, em data não concretamente apurada.
4. O demandado tinha conhecimento que a aeronave se encontrava registada a favor de C, sendo o demandante possuidor de declaração de venda.
5. O demandado procedeu ás necessárias diligências para regularização do registo da aeronave, nomeadamente tendo de fazer prova de que preenchia os requisitos de aeronavegabilidade, porquanto no ano de 2010 o anterior proprietário havia requerido a emissão de certificado de abate da aeronave.(cfr. doc. a fls 105).
6. Em 23 de Abril de 2014, o demandado recebeu a documentação do Instituto Nacional de Aviação Civil IP, com a regularização do registo.
7. Na data referida em 7, o demandado enviou email ao demandante referindo que, dado que já havia recebido a documentação necessária, se propunha fazer o pagamento de 750,00€ para o que pediu o NIB ao demandante (cfr. doc. A fls 6).
8. Em 24 de Abril de 2014, o demandante remeteu por email o NIB e IBAN da conta bancária para a qual o demandado deveria transferir a quantia de 750,00€.
9. O demandado não procedeu á transferência do montante, por si referido, na comunicação referida em 8.
10. O demandado procedeu a arranjos e reparações no triciclo e adquiriu uma nova vela.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
Todas as culturas têm seus próprios valores e princípios. Já a ideia de Justiça tem interpretações diferentes, porquanto enquanto indivíduos temos a nossa própria percepção do “justo”.
As partes confiaram a este tribunal a difícil tarefa de decidir segundo a equidade, um ideal de justiça difícil de alcançar.
Como bem refere o Prof. Doutor Manuel Carneiro da Frada: “A resolução segundo a equidade não é infra legem, nem a equidade se apresenta nela tão--só complementar do sistema: corresponde a um “justo diferente”, distinto do “justo legal” ” in A equidade ou a justiça com coração.
No entanto, acrescentamos nós, também não é alheia á lei, enquanto expressão do sentido de justiça de uma sociedade.
Podemos dizer que uma decisão é equitativa quando estabelece uma valorização que não beneficia aleatoriamente qualquer das partes envolvidas, e que repõe o equilíbrio que não conseguiram encontrar.
Dúvidas não restam que, entre o Demandante e o Demandado, foi celebrado um contrato de compra e venda.
São efeitos essenciais do contrato de compra e venda: a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa e c) A obrigação de pagar o preço.
Os contratos são fonte de obrigações e devem ser cumpridos pontualmente e com observância dos ditames da boa-fé contratual. Em caso de incumprimento imputável a uma das partes, confere á outra a faculdade de exigir o cumprimento em mora ou a resolver o contrato, se tal incumprimento se tornar definitivo.
No presente caso, independentemente de ter ocorrido, ou não, incumprimento definitivo, a resolução do contrato, a nosso ver, traria maior prejuízo para ambas as partes. Por um lado, porquanto o demandado já investiu tempo e dinheiro para reparar, beneficiar e legalizar o ultraleve e por outro o demandado ao receber de volta o objecto vendido haveria de despender outro tanto para reverter o status quo ante.
Assim, e atendendo a que em Abril de 2014, após regularização da situação junto do INAC o demandado demonstrou a vontade de pagar o restante preço, sem levantar qualquer questão, - quer quanto ás condições físicas do equipamento quer quanto ás diligências que realizou, não referindo sequer a questão da falta da asa - , é nosso entendimento que deverá proceder ao prometido pagamento, honrando o seu compromisso.
A questão que se pode colocar será a de saber, que quantia deverá pagar, hoje, atendendo ao tempo decorrido.
Ora, resulta provado que o preço global do ultraleve era de 1500,00€ e que o demandado já liquidou 700,00€, encontrando-se em falta na quantia de 800,00€. No entanto, em resposta ao demandado o demandante aceitou que a quantia em falta seria de 750,00€, tacitamente reduzindo o preço.
Assim, encontra-se em dívida a quantia de 750,00€ desde 24 de Abril de 2014,
procedendo parcialmente o pedido.
A presente acção, no entanto, deu entrada neste julgado de Paz em 23 de janeiro de 2018, após algumas tentativas de resolução extrajudicial no ano de 2017.Nesta medida, consideramos ter existido alguma inação do demandante, na defesa dos seus direitos, porquanto após todas as vicissitudes do negócio a dívida acabou por se fixar em Abril de 2014.
Tendo tal facto em consideração, entendemos fixar os juros de mora vencidos na quantia 60,74€ ou seja na proporção de metade, - (750,00€x4%x48meses e 17 dias /12):2. Assim se responsabilizando ambas as partes pela mora no cumprimento do contrato, equilibrando as suas posições. (por um lado a falta de cumprimento atempado do demandado e por outro a falta de diligência do demandante em fazer valer o seu direito a receber o preço estabelecido).
A partir da prolação da presente sentença, os juros vincendos serão calculados á taxa legal de 4% até integral pagamento da quantia em débito.

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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, decido condenar o Demandado a pagar ao Demandante a quantia de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros), relativa ao remanescente do preço acordado no contrato de compra e venda.
Mais decido condenar o Demandado no pagamento de juros de mora, vencidos no valor de 60,74€ e vincendos, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento.
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As custas serão suportadas na proporção do respectivo decaimento sendo de 25 % para o demandante e 75 % para o demandado

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Bombarral, 11 de Maio de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu pelos meios informáticos – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)

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(Cristina Eusébio)