Sentença de Julgado de Paz
Processo: 216/2011-JP
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Data da sentença: 08/12/2013
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc. nº x
I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente acção declarativa destinada a efectivar o cumprimento de obrigações contra B, melhor identificada a fls. 16, pedindo a condenação desta a restituir-lhe a quantia de 3.500,00 €, acrescida de juros de mora desde 07/01/2009 até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 e 2, que se dá aqui por reproduzido, tendo juntado ao mesmo cinco documentos.
Face à ausência em parte incerta da demandada, foi-lhe nomeada defensora oficiosa, a qual, uma vez citada, não apresentou contestação.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado o paradeiro desconhecido da demandada.
Foi, então, marcada e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.
Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objecto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º, nº 1 a) e 12º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se fixa o valor da causa em 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros).
Assim, cabe apreciar e decidir:
II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. Em meados de 2009, a demandante e a demandada tinham a intenção de constituir uma sociedade comercial para organização de eventos.
2. Para esse efeito, a demandante transferiu para a conta bancária da demandada a quantia total de 3.500,00 €, em 07/01/2009 e 01/03/2009.
3. Em Maio de 2010, como a demandante não obtinha resposta da demandada quanto à constituição da referida sociedade, comunicou a esta que já não queria fazer parte da mesma.
4. Nessa oportunidade, a demandante informou ainda a demandada de que queria reaver a quantia de 3.500,00 €, que tinha transferido para a conta desta.
5. Apesar de interpelada, a demandada não efectuou qualquer pagamento à demandante até à presente data nem contactou com esta.
Os factos provados assentam basicamente no depoimento da testemunha C, marido da demandante, que acompanhou de perto toda a situação, desde o nascimento do projecto comum de constituir a sociedade até à desistência do mesmo por parte da demandante, tendo o mesmo explicado que fez ele próprio uma primeira transferência bancária de 1.500,00 € e outra de 2.000,00 €, com vista a realizar a entrada de capital da sua esposa para a sociedade, tendo sido também ele quem falou com a demandada para pedir o respectivo reembolso, ao que ela acedeu, após reticências iniciais, sem que isso tivesse acontecido até hoje. Explicou ainda que a demandante se desinteressou do negócio porque a demandada não só não fez os passos necessários para constituir a sociedade, apesar de ter recebido a sua parte para o efeito, como ainda veio pedir um reforço de capital, fazendo esta perder a confiança na mesma.
Foram ainda valorados os documentos apresentados pela demandante, nomeadamente os comprovativos das transferências bancárias realizadas, bem como as mensagens de correio electrónico trocadas.
III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
A demandante e a demandada acordaram entre si constituir uma sociedade comercial, a qual, contudo, nunca se chegou a concretizar.
Como se sabe, o contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade (cfr. artigos 980º do Código Civil e 2º do Código das Sociedades Comerciais).
As sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (cfr. artigo 5º do CSC).
Todo o sócio é obrigado a entrar para a sociedade com bens susceptíveis de penhora ou, nos tipos de sociedade em que tal seja permitido, com indústria (cfr. artigo 20º a) do CSC). Por outro lado, as entradas dos sócios devem ser realizadas no momento da outorga do contrato de sociedade ou posteriormente, caso haja estipulação contratual nesse sentido (cfr. artigo 26º do CSC). Acresce que “se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração da escritura pública, os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles as disposições sobre as sociedades civis” (cfr. artigo 36º, nº 2 do CSC). Finalmente, no caso de anulação do contrato de sociedade, por vício da vontade ou incapacidade, aquele que a tiver obtido tem o direito de reaver o que prestou (cfr. artigo 47º do CSC) e, em caso de dissolução e liquidação, o activo é destinado em primeiro lugar ao reembolso das entradas efectivamente realizadas, uma vez extintas as dívidas sociais (cfr. artigo 156º, nº 2 do CSC).
Neste caso, porém, não há sequer evidência de que a demandante e a demandada tenham iniciado actividade, nomeadamente antes da celebração do contrato de sociedade, pelo que não se aplicam, ressalvado o recurso à analogia, as disposições legais acima invocadas.
Com efeito, a demandante fez a entrega da sua entrada com a convicção de estar a cumprir uma obrigação, em vista do resultado projectado: a constituição de uma sociedade comercial. Contudo, no momento da prestação, esta obrigação não existia e a verdade é que não chegou a nascer, dado que a referida sociedade comercial nunca veio a ser constituída, nomeadamente por inércia da demandada.
Assim sendo, a demandante tem o direito de repetir o indevido, nos termos do disposto no artigo 476º do Código Civil. Ora, tendo sido a demandada a beneficiária da prestação indevida da demandante, tem a mesma que restituir a esta o valor daquela.
Contudo, a mora da demandada só existe a partir da sua interpelação extrajudicial ou na data do seu vencimento, na hipótese da obrigação ter prazo certo (cfr. artigo 805º, nº 1 e 2 a) do Código Civil). De facto, muito embora a demandante, como credora, tenha direito a receber juros sobre o capital devido como forma de se ressarcir dos prejuízos sofridos com a mora da demandada (cfr. artigo 804º do Código Civil), não há dúvida que esta só se iniciou no final de Abril de 2011, por ter sido este o prazo de reembolso que a demandante lhe estipulou, por meio da mensagem de correio electrónico que lhe enviou em 14/03/2011.
Deste modo, sendo a taxa de juro legal de 4%, os juros moratórios já vencidos nesta data liquidam-se em 338,33 €, a que acrescerão os juros vincendos até ao efectivo e integral pagamento.
IV. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e provada e, por via disso, condeno a demandada a pagar à demandante a quantia de 3.838,33 €, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4%, sobre o capital de 3.500,00 € desde a presente data até efectivo e integral pagamento.
Custas pela demandada, que declaro parte vencida (cfr. artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 12 de Agosto de 2013
O Juiz de Paz,
(Luís Filipe Guerra)