Sentença de Julgado de Paz
Processo: 283/2014-JP
Relator: DANIELA COSTA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - ACIDENTE DE VIAÇÃO - DANOS
Data da sentença: 02/13/2015
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Proc.º n.º 283/2014-JPCBR
SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A.

2ª Demandada: COMPANHIA DE SEGUROS B.

A Demandante intentou contra o 1º Demandado e a 2ª Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea h) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia de € 204,00 (duzentos e quatro euros), a título de danos patrimoniais, bem como a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.

A 2ª Demandada apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 50 a 56, tendo impugnado os factos vertidos no requerimento inicial, além de ter arguido a exceção de ilegitimidade passiva do 1º Demandado, a qual veio a ser julgada procedente, sendo o 1º Demandado absolvido da instância, conforme despacho de fls. 107.

Valor da ação: € 704,00

FACTOS PROVADOS:
A. No dia 12 de Agosto de 2013, pelas 8h20, a Demandante circulava na Estrada da Ponte, Antanhol, no sentido Antanhol para Cernache, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Peugeot 307, com a matrícula UU, sua propriedade;
B. A Demandante acedeu a um largo, para estacionar o seu veículo no estacionamento em espinha localizado a 50 metros da Farmácia de Antanhol;
C. Esse largo caracteriza-se por ter uma via de trânsito em cada sentido e estacionamento em espinha quer do lado do aludido estabelecimento fitofarmacêutico, quer do lado de uma pastelaria/padaria (“Meada Gil”), ali existente;
D. No momento em que conduzia a sua viatura em direção ao parqueamento, a Demandante apercebe-se que C, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca Renault Laguna, com a matrícula VG, efectuava manobra de marcha atrás, saindo da parte dos estacionamentos em espinha;
E. O condutor do VG, durante a sua condução, prosseguiu a sua marcha não reparando no veículo da Demandante, acabando por vir embater na porta esquerda do seu veículo;
F. Como consequência directa e necessária do embate, a viatura da Demandante sofreu uma amolgadela e riscos na aludida porta esquerda;
G. Prontamente a Demandante saiu da viatura, tendo interpelado o Demandado acerca do sucedido;
H. O condutor do VG assumiu de forma imediata e integral as responsabilidades do sinistro, convencendo a Demandante que não era necessário preencher a declaração amigável de acidente automóvel (DAAD), nem tão pouco chamar ao local as autoridades, porquanto, face aos reduzidos estragos que tinha provocado na viatura da Demandante, assumiu os danos e sua reparação;
I. Tendo mediado alguns dias após o sucedido, e uma vez que o condutor do VG tardava em dar notícias, a Demandante resolveu estabelecer contacto telefónico com o mesmo questionando-o porque, motivo nunca mais lhe houvera dito nada;
J. Tendo este dito que iria falar com o seu mecânico para ver a disponibilidade do mesmo dando assim cumprimento ao compromisso assumido para reparação da porta do veículo da Demandante, atirando que “depois lhe diria algo”;
K. A Demandante transmitiu-lhe que estaria quase a ir de férias e que gostaria de ter, até lá, a carrinha reparada;
L. Dias passaram sem que condutor do VG dissesse algo à Demandante;
M. Vários foram os contactos telefónicos realizados pela Demandante, assim como propriamente pelo seu marido, sem que o condutor do VG se tivesse dignado atender o telemóvel;
N. A Demandante deslocou-se no dia 2 de Setembro de 2012 à sua companhia de seguros, D, a fim de apresentar participação do sinistro, tendo por esta companhia sido aberto um processo CIDS–Credor, com o número xxxx;
O. Para tanto, foi nomeada a empresa E, Gabinete Técnico de Peritagens, Lda, para averiguação do sinistro, tendo sido, por competente perito, lavrado relatório a aí devidamente avaliados os danos do veículo da Demandante e orçamentados custos de reparação;
P. No aludido relatório encontram-se documentados registos fotográficos que comprovam os danos sofridos pelo veículo propriedade da Demandante;
Q. Pese embora, viria à Demandante a ser comunicado, pela sua seguradora, que na sequência da participação do sinistro, não era possível dar continuidade à regularização do sinistro no âmbito da convenção complementar de indemnização directa ao segurado, uma vez que a 2ª Demandada declinou responsabilidades do seu segurado na produção do sinistro;
R. Tal facto motivou que a Demandante, junto da 2ª Demandada, apresentasse reclamação, tendo a mesma dado origem à ocorrência interna número xxxx
S. Para apreciação de responsabilidades do sinistro por parte da 2ª Demandada, forneceu a Demandante o relatório de peritagem, assim como indicou testemunha, Sr.ª E, que presenciou o evento do sinistro;
T. Em consequência de averiguações nomeou a 2ª Demandada perito credenciado, ao qual competiu examinar todos os circunstancialismos do acidente;
U. Para tanto, em relatório lavrado para o efeito, consignou o perito nomeado pela 2ª Demandada, em conclusões, que “ dado que não foi possível verificar o veículo terceiro (veículo propriedade da Demandante) não posso precisar que tipo de danos é que o mesmo sofreu na porta esquerda, bem como a sua altura, embora me pareça que os mesmos devem ser ligeiros”;
V. Referencia o Sr. Perito que não foi possível falar pessoalmente com a Demandante acerca do sucedido, porquanto a mesma se encontrava de férias, tendo contudo o cuidado de referir que esta “…se dirigia para os estacionamentos em espinha, na referida rua, quando se apercebe do veículo seguro a sair do estacionamento em manobra de marcha a trás, pelo que parou, mas o condutor do veículo seguro continuou a fazer marcha atrás de forma enviesada e acabou por embater com o canto direito traseiro do veículo, na porta esquerda do seu veículo”;
W. A Demandante, logrou reparar, às suas custas, os danos provocados pelo Demandado na sua viatura, tendo despendido a cifra de €204,00 (duzentos e quatro euros);
X. Atravessou a Demandante tristeza e sentimento de injustiça pelo facto do condutor do VG ter assumido e depois desmentido culpa no evento do sinistro; -
Y. C é proprietário do veículo Renault Laguna, matrícula VG, cuja responsabilidade por danos causados a terceiros foi transferida por seguro válido e eficaz à data do acidente para 2ª Demandada, titulado pela apólice xxxxxx.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 13 a 36 e 117 a 119 e dos depoimentos testemunhais prestado em sede de audiência final.
Quanto às declarações de F, de 25 anos, indicado pela Demandante e seu marido, foram tidas em consideração para a definição da matéria assente na medida em que, apesar de não ter presenciado o sinistro, acompanhou a Demandante nas conversações tidas com o outro condutor interveniente no sinistro e quais os danos que a Demandante veio a sofrer na sequência do mesmo.
Teve-se em conta, o depoimento da testemunha E, de 40 anos, indicada pela Demandante, que presenciou o acidente, pois encontrava-se a limpar o exterior da Farmácia sita nas imediações do parque de estacionamento onde ocorreu o sinistro, depoimento esse que se revelou seguro, isento e credível.
No que concerne ao depoimento de C, de 67 anos, indicado pela 2ª Demandada, foi relevante para apurar a dinâmica do acidente na medida em que era um dos condutores intervenientes e respondeu de forma espontânea e sincera ao que lhe foi questionado.
Por último, o depoimento de G, de 46 anos, indicado pela 2ª Demandada e perito averiguador, foi útil para a elucidação do teor do relatório de peritagem (Doc. 3 do requerimento inicial, a fls. 25 a 33), que é da sua autoria, embora não tivesse presenciado os factos, nem tivesse observado o veículo automóvel da Demandante, o que, dada tal insuficiência de análise, retira credibilidade ao seu testemunho.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Visa a Demandante, com a presente ação, a condenação da 2ª Demandada no pagamento de uma indemnização, por entender que o acidente em causa nos autos, e descrito no respectivo requerimento inicial, se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo VG.
Foi dado como provado que o embate se deu quando o condutor do VG, que se encontrava estacionado, iniciou a marcha atrás, sem, todavia, ter verificado se o podia fazer com segurança e se algum veículo estaria a aproximar-se, como foi o caso do veículo UU, da titularidade da ora Demandante, no qual acabou por vir a embater.
No domínio da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos, a regra é de que a obrigação de indemnizar só existe quando haja culpa do agente, sendo excepcionais os casos em que dela se prescinde – Art. 483º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil (adiante designado de C.C.).
Exige-se, para a imputação a título de culpa, por um lado, uma relação de desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, e a possibilidade de formulação de um juízo de censura na imputação do facto, impendendo sobre o lesado o ónus da prova desses requisitos, maxime da culpa, salvo havendo presunção legal – cfr. Art. 487º, n.º 1, do C. C..
O juízo de culpabilidade é apreciado pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, como estabelece o n.º 2 do mesmo Art. 487º.
Vale por isto dizer que se consagra o critério da culpa in abstracto, a aferir pelo grau de diligência exigível do homem médio perante os condicionalismos da concreta situação ajuizada - neste sentido, Ac. STJ, de 08.07.2003, in www.dgsi.pt.

Tendo em conta a vertente do regime legal da circulação automóvel nas vias públicas, previsto no Código da Estrada (CE), a regra geral é de que os condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e adoptarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente - Art. 12º, n.º 1.
No caso em apreço, a manobra do condutor do VG é uma manobra perigosa, tanto em termos abstractos como em concreto, já que constitui prova disso o acidente ocorrido. Na verdade, era dever seu assinalar com a necessária antecedência a sua intenção de efectuar a manobra atrás descrita e com as precauções necessárias para evitar qualquer acidente. Impunha-se, pois, que antes de dar início à marcha se certificasse que tinha espaço livre para o fazer e que nenhum veículo, em circulação, estaria a aproximar-se. Ao não ter agido dessa forma, desrespeitou o disposto no Artigo 12º, n.º1 do CE.
Da Obrigação de indemnizar:
Mais se provou que o proprietário do veículo VG havia transferido a sua responsabilidade civil, por danos emergentes da sua circulação, para a 2ª Demandada seguradora, pelo que é sobre esta que recai a obrigação de indemnizar a Demandante pelos danos provocados pelo acidente.
Os Danos:
Nos termos do previsto no Art. 562º do CC, a obrigação de indemnizar visa, desde logo, a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado, no caso de não se ter verificado o evento que obriga à reparação.
São, pois, indemnizáveis os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos nºs 1 e 2 do Art. 564º do CC) e os de carácter não patrimonial (caso apenas se mereceram a tutela do direito, de acordo com o n.º 1 do Art. 496º do CC).
A Demandante, in casu, peticionou danos patrimoniais - a reparação do UU, e danos morais derivados do declínio de responsabilidades pelo condutor do VG e pela 2ª Demandada.
Provou-se, em julgamento, que o veículo VG sofreu danos efectivos no montante de € 204,00, de acordo com o relatório de peritagem de fls. 14, por conseguinte, tem a Demandante direito a ser ressarcida dessa quantia.
No que alude aos alegados danos morais, provou-se a sua ocorrência na esfera jurídica da Demandante – item X dos Factos Provados.
Porém, dado revestirem a natureza de simples incómodos relativamente aos quais qualquer pessoa, colocada em idêntica situação, os viria igualmente a sofrer, entendemos não merecerem a tutela jurídica, conforme preceitua o n.º 1 do Art. 496º do CC. Nesta parte, deverá, pois, decair a pretensão da Demandante.
Os juros de mora:
Nos termos do Art. 804º e Art. 559º do CC, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. A ser assim e tendo em conta o regime descrito no n.º 3 do Art. 805º do citado Código, serão devidos juros de mora, no caso em apreço, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização, desde a data da citação até integral pagamento (Portaria n.º 291/2003, de 08.04).
Assim sendo, deverá a Demandante ser ressarcida pela 2ª Demandada, da quantia de € 204,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação, até integral pagamento.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a 2ª Demandada a pagar à Demandante a quantia de € 204,00 (duzentos e quatro Euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação, que ocorreu a 09.09.2014, até integral pagamento.
Em tudo o restante, absolvo a 2ª Demandada do pedido.

Custas na proporção do decaimento que se fixam em 70% para a Demandante e 30% para a 2ª Demandada.
Notifique e registe.

Coimbra, 13 de Fevereiro de 2015

A Juíza de Paz,

Daniela Santos Costa

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pela Signatária. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Coimbra