Sentença de Julgado de Paz
Processo: 13/2018-JPSXL
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - INFILTRAÇÕES - CONDOMÍNIO - MORA DO CREDOR - AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Data da sentença: 04/12/2018
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificada a fls. 1, intentou, em 18 de janeiro de 2018, contra B, melhor identificado, também, a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este fosse condenado a:
no prazo de trinta dias a contar da data de proferimento de douta sentença que ponha termo aos autos, realizar através de técnico credenciado e da credível da demandante, a reparação dos danos no teto e parede lateral da cozinha da Demandante, de molde a suprimir todos os danos provenientes da infiltração advinda da propriedade do Demandado; caso o Demandado não proceda à reparação dos danos suprarreferidos ou não o faça no prazo supra requerido, pretende a Demandante que seja o mesmo condenado, no pagamento do valor em que importar a reparação dos citados danos, no valor a apurar em execução de sentença; sem prejuízo do supra peticionado, pretende a Demandante que seja ainda o Demandado condenado a ressarcir a mesma pelos montantes em que esta se viu obrigada a incorrer, em face da posição por este assumida de não reparação dos danos provocados pela infiltração provinda da sua fração, designadamente no pagamento das despesas relativas às duas vistorias de salubridade, no valor total de €46,35 (quarenta e seis euros e trinta e cinco cêntimos) (cfr. Doc. n.º4 e Doc. n.º6); bem como das despesas relativas à consulta jurídica e elaboração de carta por advogado, montante de 43,05€ (quarenta e três euros e cinco cêntimos) e do valor de expedição postal da citada missiva €3,10 (três euros e dez cêntimos) (Cfr. Doc. n.º13 e 14); e ainda do montante total de €22,46 (vinte e dois euros e quarenta e seis cêntimos), relativos montantes despendidos com a obtenção dos registos prediais juntos como Docs. nºs 1 e 2 (Cfr. Docs nºs 17 a 20); cópia do auto de vistoria junto como documento n.º4 (cfr. Doc. n.º21); fotografias juntas como documentos nºs 10 a 12 (cfr. Doc. n.º22).
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 6, que se dá por reproduzido dizendo que: é proprietária da fração autónoma que identificou, correspondente ao quarto andar do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta XX, n.º 3, na Arrentela, Seixal, sendo o Demandado proprietário da fração autónoma, correspondente ao quinto andar direito, do mesmo prédio; no ano de 2010, a Demandante detetou a existência de marcas de infiltração no teto da cozinha da sua fração, tendo dado conhecimento ao Demandado, tendo este afirmado que a infiltração não provinha da sua casa; as manchas de infiltração alastraram, caindo água dos locais afetados, tendo a Demandante de constantemente despejar a água que aparava com alguidares; com vista à determinação da efetiva proveniência da infiltração, pediu Vistoria de salubridade à sua fração autónoma, à Câmara Municipal do Seixal, pela qual pagou a quantia de 21,11 €; foi emitido auto que declara a existência de infiltrações no teto da cozinha, provenientes das canalizações de esgoto do lava-loiça do andar superior, que causaram a deterioração dos revestimentos do teto do andar vistoriado; foi recomendada a reparação das canalizações de esgoto do lava-loiças do quinto andar direito e a reparação e pintura dos estuques do teto da cozinha do quarto andar direito; na sequência da notificação do Auto de Vistoria aos intervenientes, algum tempo depois, a água deixou de cair dos locais afetados, ao que presume a Demandante por intervenção do Demandado, através de obras que este terá feito na sua fração, tendo a Demandante deixado de ter a necessidade e preocupação constante de colocar alguidares para aparar a água que até então constantemente caía dos locais afetados pelas infiltrações; contudo, os danos existentes na fração da Demandante, provocados pela infiltração, provinda da fração do Demandado, não foram reparados por este, tendo mesmo até referido à Demandante que era necessário deixar secar o teto para depois reparar; reparação que nunca efetuou; a Demandante, por motivos pessoais, viu-se obrigada a deslocar-se da sua residência para o Alentejo, não residindo na fração durante algum tempo, sendo que quando se deslocava à sua casa, tentou falar com o Demandado para que este efetuasse a reparação dos citados danos; com vista a determinar se tais danos eram ainda, apenas e só decorrentes da infiltração ocorrida em 2010, a Demandante solicitou a realização de nova Vistoria à Câmara Municipal do Seixal, tendo pago a quantia de 25,24 €; do Auto de Vistoria, consta que os estuques de uma das paredes e do teto da cozinha da sua fração apresentavam sinais de degradação, devido a atual ou anterior deficiência nas canalizações da cozinha do andar superior, que provocam ou provocaram infiltrações que causaram a degradação dos estuques; do mesmo auto consta que foi medido o grau de humidade nos estuques afetados que era muito baixo, não indicando a existência de uma rotura nas canalizações do andar superior; recomenda o Auto de Vistoria a reparação e pintura dos estuques do teto e da s paredes da cozinha da fração, deterioradas por infiltrações provenientes do andar superior; o demandado participou o sinistro à sua seguradora, tendo a mesma declinado a responsabilidade pelo sinistro, por não ter descortinado qualquer rotura, defeito ou entupimento com origem na fração segurada; perante a postura do demandado, a Demandante viu-se forçada a contratar os serviços de mandatária, a qual endereçou àquele carta, registada com Aviso de Receção, datada de 11 de dezembro de 2017, com vista à resolução da situação, marcando data para a realização de uma reunião; pelo envio da carta, a Demandante despendeu a quantia de 3,10 €; a referida carta foi devolvida por não reclamada; pela consulta jurídica e elaboração da missiva a Demandante despendeu o montante de 43,05 €; com vista à determinação do valor em que orçam as obras de reparação do teto e parede da cozinha, a Demandante solicitou orçamento que situa a despesa em 510,55 €; a ausência de reparação dos danos da fração e a postura assumida pelo Demandado causou à Demandante grave perturbação e nervosismo e a Demandante, m face da posição assumida pelo Demandado de não reparação dos danos, vê-se forçada a apresentar a presente ação, sendo que, com vista a documentar a mesma, designadamente para obtenção de registos prediais juntos; cópia do Auto de Vistoria e fotografias despendeu o montante total de 22,46 e (Vinte e dois euros e quarenta e seis cêntimos).
Juntou 27 documentos (fls. 7 a 40 e 68 a 87) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
O Demandado foi, pessoal e regularmente citado, para contestar no prazo, querendo, tendo apresentado a contestação de fls. 49 a 52, que se dá por reproduzida e na qual impugna a versão dos factos, trazida aos autos pela Demandante, dizendo que: embora consciente de que a infiltração não provém da sua habitação porque nunca fez obras, mantendo todo o sistema de canalizações e esgotos originais (sendo por isso impossível que a infiltração aconteça e pare por si só) testou também o sistema em 1997 e recentemente, utilizando corante durante vários dias, corante esse que tingia a água de azul e que teria manchado de azul o teto da Demandante; como se sabe nos prédios, a parede divisória entre inquilinos é uma parede simples de tijolo de 30X20X22 e a prumada de esgotos é um tubo único que serve todos os inquilinos, sendo que neste caso as entradas no tubo são partilhadas, emparelhando os inquilinos esquerdo e direito; nunca fez obras, mas o vizinho, condómino do 5.º esquerdo, teve problemas com uma rotura de água neste hiato de tempo (meados de 2010), fez obras urgentes, utilizando um martelo demolidor para reparar a tubagem e a água proveniente da perda de água atravessou a parede simples e destruiu o rodapé de madeira no móvel da cozinha da fração do Demandado; nada intentou contra este vizinho porque achou que já lhe bastava o azar, mas nunca mais substituiu o rodapé; as referidas obras poderão ser confirmadas por vistoria, embora o Demandado só entrasse na casa do referido vizinho porque eram 22,00 horas e ele continuava a fazer barulho com o martelo demolidor; deu uma vista de olhos rápida e concordou que as obras eram urgentes, não tendo mais entrado na casa do referido vizinho; a Demandante fez obras em casa; demoliu paredes que separavam a zona de estar com a marquise exterior, paredes essas que suportavam as vigas estruturais exteriores; como consequência as paredes da fração do Demandado fissuraram (e ainda continuam a fissurar, supondo este que a placa, ao ser-lhe retirado apoio, terá também fissurado; nunca referiu esse facto à Demandante, mas as fissuras são ainda bem visíveis em certas zonas da habitação, embora pinte regularmente. Mais uma vez achou que não merecia a pena intentar nada contra a inquilina (Demandante) por considerar não estar em perigo maior que umas fissuras e em nome de uma cordial vizinhança; no entanto a placa que divide ambas as frações, por certo fissurou, o que criou canais que permitem que as águas, provenientes quer do quinto andar direito quer do vizinho (5.º andar esquerdo), “encontrem caminho” e saiam por esses canais; mesmo com todos esses pressupostos, em setembro de 2013 foi contactado pela Demandante a queixar-se da dita infiltração, que, nessa data, lhe facultou o seu número de telefone; a Demandante disse que tinha reparado e pintado o teto da cozinha, mas que este tinha, no intervalo entre os anos de 2010/2013, “ficado na mesma”; embora consciente que nada tinha a ver com o assunto, o Demandado, numa relação de boa vizinhança, decidiu fazer participação ao seu seguro; a Demandante teve um inquilino a morar no seu apartamento, mas os contactos foram sempre com a Demandante; participou o sinistro e comunicou à Demandante que o tinha feito; a companhia de seguros pediu orçamentos e fotos; comunicou à Demandante telefonicamente, pedindo-lhe a entrega de orçamentos e fotos; nesse mesmo mês, no início de outubro encontrou a Demandante à entrada do prédio e rogou-lhe celeridade; nada aconteceu durante outubro; em novembro a seguradora contactou o Demandado de novo a referir que, se não obtivesse os documentos pedidos, iria dar o processo por encerrado; comunicou tal facto à Demandante, uma vez que, para pequenos montantes, a companhia não exigia a realização de peritagem, mas teríamos de concluir o processo para ser efetuada a reparação; por mensagem, facultou à Demandante o endereço eletrónico para apressar o processo; a Demandante enviou-lhe um e-mail em 14 de novembro, nada mais tendo acontecido; voltou a insistir, mas nunca recebeu a documentação, não a podendo, assim, enviar à seguradora; perto do final do ano foi de novo contactado telefonicamente pela seguradora que comunicou que iria encerrar o processo por falta da documentação requerida, mantendo a seguradora o processo pendente por um certo tempo; comunicou à Demandante, mas esta disse que a obra era de pouca monta e que o namorado a realizaria; recentemente foi de novo confrontado pela Demandante. De novo lhe referiu que a dita infiltração tinha tido origem nas obras do 5.º esquerdo, mas de novo se mostrou disponível para colaborar e entrou, de novo, em contacto com a seguradora, a qual, desta vez, enviou um perito ao local, o qual constatou não existirem indícios de que a infiltração fosse proveniente da fração do Demandado; posto isto, apesar de tudo ter feito em nome de uma cordial coexistência entre vizinhos, o Demandado não se considera responsável pela atual situação; a Demandante devia ter pedido uma vistoria ao inquilino do 5.º esquerdo, para observarem qual a intervenção realizada e, assim, teriam constatado que as obras foram ao nível de água e esgotos; que a parede onde foi efetuada a intervenção é a mesma que a do Demandado; deveria também ter solicitado uma vistoria especializada à placa que separa as frações para avaliar danos estruturais causados pelas obras que a Demandante realizou em sua casa, com a eliminação dos suportes físicos originais; deveria finalmente, em 2013, ter facultado a documentação requerida pela companhia de seguros; resta acrescentar que, em 1997, o Demandado pintou a cozinha à Demandante, porque esta se queixou de uma infiltração que nunca o Demandado detetou; e, embora fizesse testes com corante que em nada resultaram, por precaução, nessa data, o Demandado retirou os tubos de escoamento do lavatório da parede e, desde essa mesma data que o lava loiça esgota diretamente para uma pia existente em todos os inquilinos, cuja entrada na prumada de esgoto se situa a um nível mais baixo que o teto da habitação do piso inferior e os técnicos da Câmara nuca foram à fração do Demandado, nem com ele falaram.
Juntou 4 documentos (fls. 53 a 59), que se dão por reproduzidos.
Na audiência de Julgamento a Demandante veio requerer a ampliação do pedido, requerendo o pagamento das despesas que agora havia efetuado com a obtenção de certidões dos processos de Vistoria, no montante de 34,49 € (Trinta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos).
Notificado o Demandado, por este foi dito que nada tinha a dizer uma vez que se a Demandante achava que devia formular tal pedido, ela é que sabia.
A decisão foi relegada para a sentença.
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Cabe a este tribunal decidir se o Demandado deve ser responsabilizado pelo pagamento da quantia necessária para a reparação dos alegados danos causados na fração autónoma propriedade da Demandante; na afirmativa, se não o fizer, se deve ser condenado no pagamento da quantia necessária para o efeito e se deve ser condenado no pagamento das despesas efetuadas com a instrução do processo.
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Tendo a Demandante afastado o recurso à Mediação para resolução do litígio (fls. 6) e tendo sido apresentada contestação, foi designado o dia 23 de março de 2017 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, por absoluta indisponibilidade de agenda (fls. 61).
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Aberta a Audiência e estando todos presentes, foram estes ouvidos nos termos do disposto no art.º 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, que não se revelou possível, pelo que se procedeu à realização da audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
Havendo necessidade de observar o direito ao contraditório por parte do Demandado quanto aos documentos juntos aos autos pela Demandante, foi a audiência suspensa, designando-se, desde logo, a presente data para a sua continuação, com prolação de sentença.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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No que à ampliação do pedido concerne, dispõe o art.º 262.º, do Código de Processo Civil (CPC) que, havendo acordo, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, salvo as exceções ali referidas que não se aplicam ao presente caso.
O Demandado não se opôs formalmente à requerida ampliação, resultando, contudo, da posição que tomou, que não o aceita, como não aceita os restantes pedidos formulados, uma vez que o que disse tem de ser interpretado à luz do seu desconhecimento das formalidades processuais, por não ser jurista.
Ora, na falta de acordo, temos de chamar, neste caso, à colação o disposto no n.º 2, do art.º 265.º, do CPC, nos termos do qual, na falta de acordo o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
E, assim, sendo, como é, teremos de considerar que a ampliação do pedido requerido pela Demandante se enquadra na referida previsão normativa, por se tratar de ampliação que é o desenvolvimento do pedido primitivo de pedido de pagamento de despesas com a instrução do processo.
Decisão:
Nos termos e com os fundamentos que antecedem, admito a requerida ampliação do pedido.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do Tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomadas em consideração as declarações das partes em audiência de Julgamento; a ausência de impugnação e os documentos juntos por ambas as partes.
A Demandante apresentou uma testemunha – C – que, aos costumes declarou ser proprietário da fração autónoma, correspondente ao quinto andar esquerdo há 3/4 anos, sendo certo que já a conhecia há cerca de 10 anos.
A testemunha foi dispensada no início do seu depoimento, em virtude de, ao ser perguntado sobre o que sabia do que se estava a discutir, declarou conhecer o que está nos autos, tendo ainda declarado que havia tomado contacto com as peças processuais.
Explicando-se a situação a ambas as partes, pela Demandante foi declarado que tinha de pôr a testemunha ao corrente do que estava nos autos para que pudesse testemunhar, tendo-lhe sido explicado que a testemunha teria de depor sobre os factos de que tinha conhecimento diretamente e que, na circunstância, o seu depoimento seria sempre inquinado pelo que conhecia dos autos.
O tribunal não responde aos artigos que contenham meras conclusões.
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Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. A Demandante é proprietária da fração autónoma, designada pela letra “XXXXXXXXX”, correspondente ao quarto andar direito, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Praceta XXXX, n.º3, Arrentela, concelho do Seixal (Doc. n.º1);
2. O Demandado é proprietário da fração autónoma designada pela letra “XXXXXXXX”, correspondente ao quinto andar direito do referido prédio (Doc. n.º2);
3. No ano de 2010, a Demandante detetou a existência de umas marcas de infiltração no teto da cozinha da fração autónoma de sua propriedade; --
4. Falou com o Demandado que negou que as infiltrações fossem provenientes da sua fração autónoma;
5. Com vista à determinação efetiva da proveniência da infiltração, a Demandante solicitou à Câmara Municipal do Seixal, vistoria de salubridade da sua fração;
6. A referida Vistoria foi efetivada em 17 de agosto de 2010, tendo o Demandado sido notificado da data e hora e convidado a nomear perito para acompanhar a mesma (Doc. n.º 5);
7. Consta do Auto de Vistoria que “Existem infiltrações no tecto da cozinha, provenientes das canalizações de esgoto do lava-loiça do andar superior (5.º Dto.), que causaram a deterioração dos revestimentos do tecto do andar vistoriado.” (idem);
8. Recomendando os técnicos, no referido Auto de Vistoria a execução de: “a)- Reparação das canalizações de esgoto do lava-loiças do 5.º Dto e b)- Reparação e pintura dos estuques do tecto da cozinha do 4.º Dto.” (idem);
9. O referido Auto de Vistoria foi notificado à Demandante e ao Demandado;
10. Algum tempo depois, as infiltrações deixaram de se verificar;
11. Os danos existentes na fração da Demandante, não foram reparados pelo Demandado;
12. A Demandante, por motivos pessoais, deslocou a sua residência para o Alentejo, em data que não foi possível apurar, deslocando-se à fração autónoma de vez em quando;
13. Em data que não foi possível apurar, mas que se situa no ano de 2013, a Demandante voltou a contactar o Demandado com vista à resolução do problema;
14. Mais uma vez, com vista a determinar se tais danos eram ainda, apenas e só decorrentes da infiltração ocorrida no ano de 2010, a Demandante solicitou nova vistoria de salubridade ao Município do Seixal;
15. Vistoria que foi realizada no dia 5 de setembro de 2017 (Doc. n.º 7);
16. Do Auto de Vistoria consta que “os estuques de uma das paredes e os estuques do tecto da cozinha da habitação vistoriada (4.º Dto.), apresentam sinais de degradação, devido a uma actual ou anterior deficiência nas canalizações da cozinha do andar superior (5.º Dto.) que provocam ou provocaram infiltrações que causaram, a degradação dos estuques” (idem);
17. Preconiza o referido Auto de Vistoria a realização das seguintes operações “1) a pesquisa de uma eventual deficiência nas canalizações da cozinha do andar superior (5.º Dt.º), com a ajuda de equipamento próprio para deteção de fugas, na rede de águas limpas, e de ensaios de despejos com corantes na rede interior das águas residuais e 2) reparação e pintura dos estuques e teto dos estuques de uma das paredes da cozinha da habitação vistoriada (4.º Dto.), deteriorados por infiltrações provenientes do andar superior (5.º Dto.)” – idem;
18. Consta ainda do citado Auto de Vistoria que, tendo sido medido o grau de humidade nos estuques do teto e parede, com aparelho próprio para o efeito, os valores eram muito baixos, não indiciando, existência de uma rotura nas canalizações do andar superior (idem);
19. O Demandado voltou a acionar o seu seguro, tendo a seguradora declinado a sua responsabilidade por “Concluída que foi a análise da CED aos danos reclamados, constatamos não ter sido descortinada qualquer rotura, defeito ou entupimento com origem na fração por nós segura e que provoque os danos reclamados na fração lesada, pelo que vamos encerrar o nosso processo de sinistro, sem prejuízo da sua reabertura caso novos elementos nos venham a ser enviados.” (Docs. n.ºs 8 e 9);
20. O teto e a lateral da parede da cozinha da Demandante encontram-se danificados, conforme se pode visualizar pelas fotografias juntas (Docs. nºs 10 a 12);
21. Na tentativa de resolver o problema, a Demandante contratou os serviços de uma mandatária, a qual endereçou ao Demandado, carta registada, com aviso de receção, datada de 11 de dezembro de 2017, marcando reunião com o mesmo no dia 15 de dezembro de 2017, pelas 11 horas (Docs. nºs. 13 e 14);
22. Carta que foi devolvida à procedência, por não reclamada (Doc. n.º 15);
23. A Demandante pediu orçamento para a execução das reparações necessárias, no qual é indicado o montante de 350,00 € (Trezentos e cinquenta euros), a que acrescerá o Imposto de Valor Acrescentado (IVA) – Doc. n.º 16;
24. Para instruir a presenta ação, a Demandante despendeu a quantia total de 149,45 € (Cento e quarenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) com a realização de duas vistorias; consulta jurídica e elaboração de carta por advogado; com correio; com as cópias das Certidões de registo Predial e com o pedido de Certidão de algumas folhas dos processos de vistoria;
25. Quando, em setembro de 2013, o Demandado foi contactado pela Demandante para que reparasse os danos da sua fração, aquele participou o sinistro à sua seguradora, embora tivesse a convicção de que as infiltrações não advinham da sua fração autónoma;
26. Nessa altura a Demandante facultou ao Demandado o seu número de telefone;
27. A companhia de seguros contactou o Demandado para que lhe fossem enviadas fotos dos danos e orçamentos de reparação, informando-o que, em casos de pequenos danos, não efetua peritagem;
28. De imediato, o Demandado solicitou, esses documentos à Demandante, os quais eram imprescindíveis para o ressarcimento dos danos;
29. Em 8 de outubro de 2013, o Departamento de Regularização de Sinistros da seguradora enviou comunicação eletrónica de fls. 56 e 57, na qual insistia pelo envio de orçamento de reparação, dizendo que o envio de tais elementos era fundamental para a análise e possível conclusão imediata do processo;
30. O Demandado insistiu com a Demandante;
31. Em 14 de novembro de 2013, a Demandante comunicou ao Demandado, após insistência da seguradora e daquele, que já tinha fotografado os danos e que só conseguiria orçamento, quando viesse ao Seixal, dizendo que “Logo que possível, entro em contacto com a informação em falta” (Doc. fls. 54;
32. A Demandante nunca enviou a documentação necessária à conclusão do sinistro, pelo que o processo foi encerrado;
33. A Demandante só voltou a contactar o Demandado sobre a reparação dos danos, em meados de setembro de 2017, altura em que este, apesar de continuar convicto de que não lhe assistia qualquer responsabilidade, voltou a participar à seguradora (Doc. Fls. 58 e 59);
34. Os Técnicos da Câmara Municipal nunca vistoriam a fração autónoma do Demandado;
35. O Demandado tentou sempre reservar as boas relações de vizinhança;
36. Foi elaborado, a pedido da Demandante, em 1 de março de 2018, pelo Engenheiro D, um pequeno relatório resultante da Vistoria efetuada à fração autónoma da Demandante, no qual se diz que “Da vistoria visual realizada, constata-se que a degradação do teto e parede teve como possível causa uma posterior rotura das canalizações do andar superior (5.º Dt.º) dado, à data não apresentar humidade superficial ou qualquer escorrimento.”.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, relevantes para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida envolve danos causados na fração autónoma de que a Demandante é proprietária, alegadamente causados por infiltrações provenientes da rotura das canalizações da cozinha da fração autónoma, propriedade do Demandado.
A Demandante formulam pedidos que teremos de apreciar à luz do disposto no art.º 483.º e seguintes do Código Civil e bem assim das normas relativas à propriedade horizontal, essa figura jurídica que tantas dores de cabeça dá aos condóminos, quando estes não assumem as suas responsabilidades recíprocas. ---
Ora, dispõe o art.º 483.º, do Código Civil (CC) que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”.
Assim, são requisitos da responsabilidade civil e, por consequência, da obrigação de indemnizar, além do dano, o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjetivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante (antes) e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efetivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578). ---
Estes requisitos, estabelecidos no n.º 1 do art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar, são cumulativos.
Por outro lado, dispõe o n.º 1, do art.º 1422.º do CC que “Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.”. É especialmente vedado aos condóminos “Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício.” (n.º 2, al. a) do mesmo dispositivo legal).
Neste caso, teria sido violado o disposto no art.º 1422.º do CC, uma vez que o Demandado não teria procedido à conservação e manutenção das canalizações da sua fração autónoma.
Efetivamente, a Demandante, imputando a responsabilidade da infiltração às canalizações da cozinha do Demandado, vem formular vários pedidos como supra se referiu, sendo principal o pedido de reparação dos danos causados.
Teremos, portanto, de averiguar se se verificam os requisitos da obrigação de indemnizar.
E, nesse particular, verifica- se a ocorrência do dano, mas não se verificam os restantes requisitos, nomeadamente a imputação do facto ao agente.
De facto, sendo obrigação processual da Demandante, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do CC, provar inequivocamente que a fração autónoma do Demandado teve (em 2010!) deficiências nas canalizações da cozinha e que os danos sofridos pela sua fração autónoma foram causados por infiltrações provenientes da fração autónoma do Demandado, tal prova não foi produzida.
É certo que a Demandante juntou dois Autos de Vistoria, elaborados pelos Técnicos da Câmara Municipal, os quais, através de observação visual e sem efetuarem vistoria à fração autónoma do andar superior afirmam que tais infiltrações são provenientes do andar superior, mas não é menos certo que quer a seguradora quer o engenheiro que a Demandante contratou para vistoriar a sua fração autónoma relatam que não se vislumbrou qualquer deficiência nas canalizações da fração autónoma do Demandado, a primeira, e que os danos foram causados por possível rotura das canalizações do andar superior, o segundo.
Além disso, embora não resultem provadas, as causas elencadas pelo Demandado para a infiltração, elas são plausíveis, não podendo ser excluídas, o que agiganta as dúvidas do tribunal.
Acresce o facto de os Autos de Vistoria não serem efetuados com o recurso a aparelhos e técnicas, próprios, o que reduz a sua validade quando impugnados, como foi aqui o caso.
Aliás, não seria a primeira vez que tais Relatórios eram postos em causa por peritagem efetuada, com o recurso aos meios adequados.
Por conseguinte, não tendo a Demandante logrado provar todos os requisitos da obrigação de indemnizar cabendo-lhe esse encargo, como se viu, a ação não pode proceder, ficando, assim, prejudicada a análise dos restantes pedidos indemnizatórios.
Mas, diga-se, em abono da verdade, que, ainda que tais requisitos resultassem provados, sempre a ação improcederia por causa imputável à Demandante, ou seja, por mora do credor da obrigação (a Demandante).
De facto, conforme resulta provado, as infiltrações começaram a verificar-se em meados do ano de 2010; o Demandado, na altura, negou qualquer deficiência das canalizações da sua fração autónoma; a Demandante, por razões pessoais, ausentou-se da fração autónoma, e, durante três anos, não exerceu o seu alegado direito.
Só em setembro de 2013, voltou a Demandante a interpelar o Demandado para cumprir a sua alegada obrigação de reparar os danos da fração da Demandante, sendo certo que o Demandado, apesar de manter a sua convicção de que não era responsável, participou o sinistro à sua seguradora.
A seguradora pediu, como é habitual, que lhe fossem enviados orçamentos de reparação e fotos, o que o Demandado transmitiu à Demandante, sendo certo que esta nunca entregou o orçamento de reparação, o que motivou o encerramento do processo de regularização do sinistro, por exclusiva culpa sua, uma vez que a seguradora reputou de essenciais os documentos pedidos, como se prova que eram.
Depois, só passados mais quatro anos, voltou a Demandante “à carga”, pedindo que o Demandado procedesse à reparação dos danos.
O Demandado, apesar de considerar que as infiltrações tiveram outra causa, ou seja, apesar de continuar convicto de que não tinha qualquer responsabilidade no evento, voltou a participar à sua seguradora, a qual, após peritagem que mandou realizar, declinou a sua responsabilidade no sinistro por não vislumbrar qualquer rotura ou entupimento com origem na fração autónoma segurada.
O tribunal pode compreender que a Demandante - porque as infiltrações cessaram após a realização da primeira Vistoria pelos serviços camarários (em 2010!) – tenha interiorizado que as infiltrações só podiam vir da fração autónoma imediatamente superior, propriedade do Demandado, mas já não compreende que não tenha diligenciado no sentido do apuramento de outras causas possíveis para as infiltrações e para que o assunto fosse resolvido ainda naquele ano de 2010 ou nos seguintes.
Tal postura não pode ser justificada com a mudança de residência, em primeiro lugar porque, hoje em dia percorre-se a distância entre o Alentejo e o Seixal em pouco mais de uma, duas horas e, em segundo lugar, porque, ao que resultou apurado, a fração autónoma estaria ocupada por inquilino ou familiar que poderia tratar do assunto, em representação da Demandante.
Ao que acresce que, conforme resulta provado, em 2013 a seguradora do Demandado pediu documentos para regularização do sinistro. Documentos que o Demandado pediu à Demandante. E o que fez a Demandante? A Demandante nunca enviou a totalidade dos documentos solicitados e que, conforme resulta provado, eram essenciais à regularização do sinistro, motivando com a sua recusa o encerramento do processo de regularização de sinistro.
Ora, dispõe o art.º 813.º, do CC que “o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”.
Provada que está a essencialidade da entrega de documentos para regularização do sinistro, em 2013, dúvidas não restam de que a Demandante (credora) entrou em mora.
Ora é medianamente claro que, tendo a Demandante inviabilizado o cumprimento da obrigação que imputa ao Demandado e que este transferiu para a sua seguradora, não pode, quatro anos depois, quando já é difícil, senão impossível, apurar a causa do sinistro, querer responsabilizar o Demandado pela sua inércia e recusa em cumprir a sua obrigação.
Como é bom de ver, não pode o Demandado ser pessoalmente prejudicado pela inércia da Demandante, uma vez que, caso esta tivesse cumprido a sua obrigação em 2013, estaria, há muito, com o seu problema resolvido.
Neste sentido vai precisamente o art.º 815.º, do CC, quando dispõe que “A mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor.”.
Ou seja, a Demandante apenas poderia responsabilizar o Demandado se este tivesse agido com dolo, o que não resulta – nem de perto, nem de longe – provado.
O tribunal sabe que estes casos não são fáceis de resolver nos condomínios e, por isso, tentou – como sempre tenta - que as partes chegassem a acordo, encontrando o caminho da justiça partilhada, o que, apesar dos esforços, não foi possível, pelo que não resta outra solução que aplicar o direito à matéria de facto dada como provada.
E, fazendo-o, não pode deixar de absolver o Demandado dos pedidos contra si formulados pela Demandante.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação totalmente improcedente, porque não provada, decido absolver o Demandado dos pedidos contra si formulados pela Demandante.
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Custas a suportar pela Demandante (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
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Registe.
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Seixal, 12 de abril de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)

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(Fernanda Carretas)