Sentença de Julgado de Paz
Processo: 115/2017-JPBMT
Relator: JOSÉ BRUM
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO COM VISTA A APURAR A IMPUTAÇÃO DE RESPONSABILIDADES AOS SEUS INTERVENIENTES
Data da sentença: 02/27/2019
Julgado de Paz de : BELMONTE
Decisão Texto Integral: OBJETO DO LITÍGIO
O Demandante veio intentar a presente ação ao abrigo do art. 9º, n.º 1 al. h) da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, fundamentado em responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação.

Em síntese, o Demandante alega que no dia 17/07/16, pelas 16h00, a sua esposa, D, circulava na Rua O, na localidade do Q-------- concelho do Sabugal, no sentido Casteleiro/Sabugal, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros da marca -------, modelo ------, com a matrícula E, tendo sido este embatido na parte lateral esquerda pelo veículo com a matrícula F. A condutora do veículo, propriedade do Demandante, iniciou uma mudança de direção à esquerda tendo assinalado previamente a mesma, através de sinal luminoso de pisca. Ao já ter transposto o eixo da via o veículo do Demandante já obliquado foi embatido pelo veículo com a matrícula F. Deste sinistro alega o Demandante que resultaram danos patrimoniais no valor de €9 640,33 (nove mil seiscentos e quarenta euros e trinta e três cêntimos) e não patrimoniais que calculou no valor de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) pelos transtornos causados.
À data do acidente o proprietário do veículo, com a matrícula F, havia transferido para a Enterprise G, -- ----, sediada em Gibraltar e cuja área de intervenção se situava no Reino Unido, França, Grécia, Irlanda e Itália a sua responsabilidade civil. Sucede que esta companhia entrou em insolvência, pelo que as operações de seguro da dita companhia em França passaram a funcionar debaixo da alçada do Gabinete francês da Carta Verde, tendo o Gabinete da Certa Verde Português sido nomeado, por ser a entidade correspondente territorialmente a esta entidade, em matéria de seguro obrigatório de um veículo automóvel francês sinistrado.

Juntou Procuração Forense a fls. 41 e dezoito (30) documentos a fls. 13 a 40, 83 a 87 e 119 a 129 dos autos.

A Segunda Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação a fls. 92 e segs., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. Em resumo, invocou a exceção de Ilegitimidade Passiva por entender que a entidade responsável no caso do acidente em causa nestes autos é do Gabinete Francês de Carta Verde e não o Gabinete Português.
Impugnou as circunstâncias de tempo, modo e lugar respeitantes uma vez que o mesmo não lhe foi reportado pelos intervenientes, nem pela Seguradora francesa do veículo com a matrícula F, bem como os documentos juntos pelo Demandante por desconhecimento, sem obrigação de conhecer.

Refere a Segunda Demandada que apenas se limita a organizar para o Gabinete Português de Carta Verde a averiguação e demais elementos do sinistro em causa.
Quanto à dinâmica do acidente entende que a mudança de direção do veículo do Demandante não observou os ditames do Código da Estrada, tendo cortado a trajetória do veículo francês de forma precipitada e repentina sem sinalização prévia.
Salienta, para efeitos de definição de responsabilidade, que o veículo francês era conduzido pelo seu proprietário, o mesmo não sucedendo com o veículo do Demandante que era conduzido por um terceiro.
Impugnou, também, por desconhecimento o alegado nos artigos 20º a 26º e 27 a 38º do Requerimento Inicial. Considera que os valores peticionados pelo Demandante são proibitivos, desajustados à realidade, uma vez que as Companhias de Seguros apenas devem compensar os prejuízos sofridos que de acordo com o Relatório de Peritagem se cingiam ao montante de €998,00 (novecentos e noventa e oito euros).
No que respeita aos danos não patrimoniais não compreende que um motorista profissional ficasse numa situação de revolta, frustração e nervosismo como se de uma indefesa e inexperiente pessoa se tratasse.
Por último, impugna especificadamente os documentos juntos pelo Demandante pois deles não tem conhecimento prévio, muito em especial as faturas de táxi que nada provam por não constituírem nem vendas a dinheiro nem recibos.
Juntou: Procuração Forense a fls. 97 dos autos e Substabelecimento a fls. 167 e três (3) documentos a fls. 98, 99 e 169 dos autos.

Veio o Demandante, em 14/06/18, apresentar Requerimento de Ampliação do Pedido junto a fls. 79 e segs. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Alegou que o Demandante, após a entrada da ação, despendeu com o aluguer de táxi um montante adicional de €2 160,00 (dois mil cento e sessenta euros), bem como €80,00 (oitenta euros) com aquisição de nova bateria atendendo ao tempo de paragem do seu veículo.
Indicou como valor da ação após a ampliação do pedido €14 380,98 (catorze mil trezentos e oitenta euros e noventa e oito cêntimos).
Foi concedido o Contraditório à Segunda Demandada a qual se pronunciou através de requerimento junto a fls. 108 e segs., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

A Demandante, através de Requerimento, pronunciou-se a fls. 114 a 117 dos autos, ao abrigo do Contraditório que lhe foi concedido sobre a exceção de Ilegitimidade Passiva invocada na Contestação apresentada pela Segunda Demandada, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos tendo pugnado pela improcedência da exceção e formulado um pedido de condenação por Litigância de Má Fé da Segunda Demandada.

Tendo-se frustrado a citação, por via postal do Primeiro Demandado B, e realizadas as diligências adicionais previstas no art. 236º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06, aplicável por remissão do art. 63º da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, que se revelaram infrutíferas no sentido de obter a citação do Demandado procedeu-se à nomeação de Defensora Oficiosa que, citada, em representação do ausente, apresentou Contestação a fls. 145 e segs. dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde impugnou, por mera cautela de patrocínio, as circunstâncias do acidente relatadas pelo Demandante no Requerimento Inicial. Impugnou, também, os danos associados ao sinistro, bem como os documentos apresentados pelo Demandante. Em síntese, assinala que do croqui do acidente junto aos autos se conclui que foi a condutora do veículo do Demandante que efetuou uma mudança de direção sem se certificar que poderia concluir a manobra em segurança. Dá nota que foi o Primeiro Demandado surpreendido pelo atravessamento da viatura do Demandante o que não permitiu ao Demandado evitar o embate, pelo que não terá tido culpa no acidente.

No que toca aos danos patrimoniais peticionados considera o valor exagerado pois foi gasto um valor consideravelmente superior ao de uma reparação com um serviço de táxi, o que a Ilustre Defensora não compreende.
Assinala, também, incongruência no alegado no Requerimento Inicial quanto à necessidade diária de um veículo pelo facto de na data do acidente este se encontrar a ser conduzido por um terceiro.
Refere, também, que não foi apresentado o registo de dias trabalhados por parte do Demandante certificado pela entidade patronal o que também não permite concluir pela necessidade diária do veículo.
Acrescenta que do Relatório de Peritagem se verifica que o veículo do Demandante sofreu principalmente danos estéticos o que reforça a ideia de que a opção acertada deveria ter sido a da reparação da viatura e nunca pela contratação de serviços de táxi.
No que respeita aos danos patrimoniais pensa que não se coadunam com a condição de motorista profissional do Demandante.

Tendo em conta a situação de ausência do Primeiro Demandado não se realizou Sessão de Pré-Mediação.

Foram realizadas duas Sessões de Julgamento nos dias 09/01/19 e 14/02/19, de acordo com a disponibilidade de agenda dos Ilustres Mandatários do Demandante e Segunda Demandada e Defensora nomeada ao Primeiro Demandado, nos termos do art.º 151º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 63º da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07.

Na primeira Sessão de Julgamento foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Segunda Demandada na sua Contestação apenas em termos de pressuposto processual atento o disposto no art.º 30º, n.º 3 do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06, conforme da respetiva ata se infere.
Na segunda Sessão de Julgamento foi, nos termos dos artigos 490º e seguintes, realizada uma Inspeção ao Local, requerida pelo Demandante, conforme da respetiva ata se infere.
Produzida a prova e concedida a palavra para alegações profere-se a seguinte sentença na presente data agendada para o efeito.

Questão Prévia
Do Valor da Ação
Atendendo a que o Demandante ampliou o seu pedido em €2 240,00 (dois mil duzentos e quarenta euros), com base em custos por ele suportados com serviços de táxi num total de €2 160,00 (dois mil cento e sessenta euros) e com a aquisição de uma bateria nova para o veículo sinistrado no montante de €80,00 (oitenta euros) atribuindo o valor de €14 380,98 (catorze mil trezentos e oitenta euros e noventa e oito cêntimos) à causa.
Dispõe o art.º 265º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 63º da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, que na falta de acordo entre as Partes pode o autor em qualquer altura até ao encerramento da Audiência de Discussão e Julgamento em primeira instância ampliar o pedido, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo

Atento o pedido de indemnização a título de danos patrimoniais formulado no Requerimento Inicial onde se encontram contempladas as deslocações de táxi até maio de 2017, verifica-se que a ampliação do pedido da requerida provem de desconhecimento aquando da propositura da ação, mas que sem margem para dúvidas se enquadram e são consequência do pedido indemnizatório primitivo.
Nestes termos ao abrigo do art.º 306º do Código de Processo Civil fixa-se o valor à causa em €14 380,98 (catorze mil trezentos e oitenta euros e noventa e oito cêntimos).

O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados:

Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes factos:
1 – No dia 17/07/16, pelas 16h00, a esposa do Demandante, D, circulava na Rua da Estrada, na localidade do Q---------, concelho do Sabugal, no sentido Casteleiro/Sabugal conduzindo o veículo ligeiro de passageiros da marca -----, modelo -------, com a matrícula E.
2 - A condutora do veículo, propriedade do Demandante, iniciou uma mudança de direção à esquerda tendo assinalado previamente a mesma, através de sinal luminoso de pisca.
3 - Ao já ter transposto o eixo da via, o veículo do Demandante já obliquado, foi embatido pelo veículo com a matrícula F que realizava a sua ultrapassagem.
4 - O veículo ligeiro de passageiros da marca -------, modelo ------- com a matrícula E, propriedade do Demandante foi embatido na parte lateral dianteira esquerda, junto à roda pelo veículo com a matrícula F.
5 – Foi subscrita pelos proprietários dos veículos Declaração Amigável de Acidente Automóvel onde ficou a constar a seguinte descrição do sinistro: “Quando me encontrava a mudar de direção para a esquerda, assinalando a mudança de direção e tendo já transposto o eixo da via e a meio da outra faixa de rodagem, um veículo que circulava no mesmo sentido veio embater no meu veículo, apanhando a parte lateral esquerda porque ainda se tentou desviar.”
6 – Não foi levantado auto pelas autoridades policiais.
7 – Os intervenientes do acidente não foram submetidos ao teste antialcoólico.
8 – No local do acidente a largura da estrada é de 5,60m, tendo cada hemi-faixa 2,80m.
9 – A curva que desemboca na rua onde ocorreu o acidente é apertada.
10 – Após a curva do lado direito existe um sinal que permite a ultrapassagem.
11 – Da curva até ao local do acidente há uma distância de 41,40m.
12 – O veículo do Demandante tem de largura 1,90m e de comprimento 4,50m.
13 – À data do acidente o proprietário do veículo, com a matrícula F, havia transferido para a G, -- ----, sediada em Gibraltar, e cuja área de intervenção se situava no Reino Unido, França, Grécia, Irlanda e Itália a sua responsabilidade civil que era representada pela H Portugal e que entrou em insolvência.
14 – As operações de seguro da dita companhia em França passaram a funcionar debaixo da alçada do Gabinete Francês da Carta Verde, tendo o Gabinete da Certa Verde Português sido nomeado, por ser a entidade correspondente territorialmente a esta entidade, em matéria de seguro obrigatório de um veículo automóvel francês sinistrado.
15 – O Gabinete de Carta Verde Português encarregou a Segunda Demandada de gerir o sinistro.
16 – O veículo, propriedade do Demandante, sofreu danos do lado esquerdo no guarda lamas, friso proteção, proteção de plástico interior, friso de proteção, amortecedor, pisca lateral e jante.
17 – Foi estimado um período de reparação do veículo do Demandante de três dias pela oficina I, sita no ---------- ---------, Lote --, ---- - --- Belmonte --------.
18 – O veículo com a matrícula E foi sujeito, no dia 26/07/16, a peritagem efetuada pela J, Portugal SA, a pedido da Sociedade H (Portugal) – Sociedade Reguladora de Sinistros, SA tendo sido apresentado o valor de €998,35 (novecentos e noventa e oito euros e trinta e cinco cêntimos) para a reparação do veículo propriedade do Demandante.
19 – O Demandante efetuou o pagamento do valor da reparação no dia 07/04/18.
20 – O Demandante é motorista de autocarro na Sociedade K.
21 – O Demandante reside no Q -------------.
22 – O Demandante acordou com o Senhor L, proprietário de um táxi, a prestação de um serviço de transporte, nos dias úteis, entre a sua residência pelas 07h00 da manhã e o local onde fica estacionado o autocarro, mais concretamente, na freguesia M, com retorno ao final do dia pelas 20h00, num percurso total de 40km, tendo sido emitidas as faturas n.º ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, --- e --- pelo taxista supra mencionado, nos valores de €880,00 (oitocentos e oitenta euros) €880,00 (oitocentos e oitenta euros), €840 (oitocentos e quarenta euros), €840,00 (oitocentos e quarenta euros), €800,00 (oitocentos euros), €880,00 (oitocentos e oitenta euros), €760,00 (setecentos e sessenta euros) e €920,00 (novecentos e vinte euros), €840,00 (oitocentos e quarenta euros), €440,00 (quatrocentos e quarenta euros) e €880,00 (oitocentos e oitenta euros), respetivamente.
23 – A esposa do Demandante no período de paralisação do veículo teve de transportar o filho menor com três anos à escola no Sabugal.
24 – A zona onde o Demandante habita não possui transportes públicos que dessem resposta às suas necessidades pessoais e familiares.
25 – O Demandante declinou uma proposta apresentada em 23/11/16 através e-mail pela Demandada de regularização do sinistro mediante a divisão de responsabilidades em partes iguais de acordo com o art.º 506º, n.º 2 do Código Civil.
Motivação dos factos provados
Os factos resultaram assentes com base nos documentos juntos aos autos a fls. 13 a 40, 83 a 87 e 119 a 129 dos autos pelo Demandante e a fls. 98, 99 e 169 juntos pela Segunda Demandada, bem como no depoimento das testemunhas, D, N e L apresentadas pelo Demandante.
A Inspeção realizada ao Local, conforme auto a fls. 172, conforme da respetiva ata se infere cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Facto Não Provado
O condutor do veículo de matrícula E ao mudar de direção à esquerda certificou-se de que o fazia em segurança, (…) aproximando-se do eixo da via e certificando-se que a faixa de rodagem onde circulava e a oposta se encontravam desimpedidas.
Motivação do facto não provado
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido.

DO DIREITO
Nos presentes autos aprecia-se a factualidade decorrente de um acidente de viação com vista a apurar a imputação de responsabilidades aos seus intervenientes, tendo o Demandante peticionado a condenação solidária dos Demandados no valor de em €14 380,98 (catorze mil trezentos e oitenta euros e noventa e oito cêntimos) da seguinte forma:
- Danos patrimoniais - €10 640,00 (dez mil e seiscentos e quarenta euros), com deslocações de táxi;
- €80,00 (oitenta euros) com a necessidade de aquisição de uma bateria para o veículo sinistrado devido ao tempo de imobilização da viatura;
- €161,98 juros de mora.
- Danos não patrimoniais - €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros).
A Segunda Demandada na sua Contestação a fls. 92 e segs., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, invocou ser parte ilegítima nesta ação, exceção que foi julgada improcedente apenas em termos de pressuposto processual. Cabe, portanto, apreciar se a Demandada deve intervir nestes autos sendo podendo ser responsabilizada pelo valor peticionado pelo Demandante. A este propósito resultou provado que à data do acidente o proprietário do veículo, com a matrícula F, havia transferido para a Interprise G, -- ----, sediada em Gibraltar e cuja área de intervenção se situava no Reino Unido, França, Grécia, Irlanda e Itália a sua responsabilidade civil que era representada pela H de Portugal tendo esta sociedade entrado em insolvência. Neste contexto, as operações de seguro da dita companhia em França passaram a funcionar debaixo da alçada do Gabinete Francês da Carta Verde, tendo o Gabinete da Certa Verde Português sido nomeado, por ser a entidade correspondente territorialmente a esta entidade, em matéria de seguro obrigatório de um veículo automóvel francês sinistrado. Por sua vez, o Gabinete de Carta Verde Português encarregou a Segunda Demandada de gerir o sinistro, o que resulta do documento junto a fls. 169 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. Sobre caso semelhante debruçou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães no Processo n.º 2156/14.6TBBRG datado de 17/11/16, passível de consulta no site www.dgsi.pt. Nessa decisão no seu Sumário lê-se: “1. O acórdão do Tribunal de Justiça da EU, de 10.10.2013, na resolução duma questão prejudicial colocada por um tribunal da Alemanha no âmbito de um processo intentado contra a seguradora responsável, considerou que «o artigo 21.°, n.°5, da Diretiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos atos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente».
2. Basta que se prove ter havido a indicação do representante para se concluir pela existência do mandato, devendo presumir-se juris tantum que ele abrange a regularização e gestão dos sinistros, extrajudicialmente e nos tribunais.
3. Pelo que assiste a faculdade de accionar directamente uma das seguintes entidades: o G.C.V., a seguradora estrangeira, a correspondente “E.” ou a gestora de sinistros C., e esta por ter poderes bastantes para o efeito mesmo nos termos do aludido contrato de prestação de serviços (cláusula 7ª), buscando em apoio desse entendimento o regime do Dec-Lei 94-B/98 (máxime artº 66º) e do Decreto-Lei 291/07, a Directiva 2009/103/CE, e o artigo 4º do Estatuto do Gabinete da Carta Verde.”
Neste enquadramento jurisprudencial atento o documento junto a fls. 169 dos autos, o qual confirma que a Segunda Demandada foi designada Representante do Gabinete da Carta Verde Português e o disposto no art.º 66º do Decreto-Lei n.º 94-B/98 de 17/04 que confere no âmbito do regime de livre prestação de serviços nos riscos cuja cobertura seja obrigatória poderes para representá-lo perante tribunais e autoridades portuguesas no que respeita a pedidos de indemnização que é a matéria discutida nos autos, existindo, portanto legitimidade substantiva quanto à intervenção da Segunda Demandada.
Há que apurar a responsabilidade dos condutores na ocorrência do sinistro que teve lugar no dia 17/07/16, pelas 16h00, na Rua O, na localidade do Q---------. Quanto à dinâmica do acidente resultou provado que a condutora do veículo, propriedade do Demandante, iniciou uma mudança de direção à esquerda tendo assinalado previamente a mesma, através de sinal luminoso de pisca. Ao já ter transposto o eixo da via, o veículo do Demandante já obliquado foi embatido pelo veículo com a matrícula F que realizava a sua ultrapassagem. Foi subscrita pelos proprietários dos veículos “Declaração Amigável de Acidente Automóvel” onde ficou a constar a seguinte descrição do sinistro: “Quando me encontrava a mudar de direção para a esquerda, assinalando a mudança de direção e tendo já transposto o eixo da via e a meio da outra faixa de rodagem, um veículo que circulava no mesmo sentido veio embater no meu veículo, apanhando a parte lateral esquerda porque ainda se tentou desviar.”
Foi constatado na Inspeção ao local realizada, conforme Auto lavrado da diligência junto a fls. 172 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, que existe um sinal que permite a ultrapassagem antes do ponto de embate dos veículos, pelo que a manobra do veículo com a matrícula F era permitida. No entanto, de acordo com a versão relatada na Declaração Amigável a fls. 13 e 14 dos autos, verifica-se que a condutora do veículo, propriedade do Demandante, assinalou a mudança de direção, facto que foi aceite pelo outro condutor.
Considerando o local do embate na viatura E, propriedade do Demandante, mais concretamente, na parte lateral dianteira esquerda, junto à roda de acordo com as regras da experiência permitem concluir que a manobra de ultrapassagem já se havia iniciado quando a condutora entendeu mudar de direção pretendendo aceder a uma rua perpendicular à Rua -- O, no Q----------------.
Do depoimento das Testemunhas apresentadas pelo Demandante, D, condutora do veículo do qual é proprietário, N e P que se encontravam no local foi possível formar a convicção que o Primeiro Demandado pretendendo ultrapassar o veículo do Demandante iniciou a manobra passando a circular pela faixa esquerda. A condutora do veículo pretendendo virar à esquerda assinalou a mudança de direção e a meio da outra faixa de rodagem de sentido contrário foi embatida na lateral esquerda junto à roda pela viatura do Demandado.
Neste cenário é forçoso concluir que ambos os condutores contribuíram para a produção do acidente, no que respeita à condutora do veículo do Demandante não teve o cuidado necessário de observar que o outro veículo já se encontrava a ultrapassá-la, atendendo ao local do embate no seu veículo na lateral esquerda junto à roda dianteira, o que indicia claramente que a mudança de direção foi efetuada já no decurso da ultrapassagem do veículo pelo Demandado.
O artigo 44º, n.º 1 do Código da Estrada refere: “o condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta”. Acontece que foi ultrapassado o eixo da via, tendo existido portanto violação desta norma por parte da condutora do veículo do Demandante.
A condutora do veículo do Demandante tinha o dever de ceder a passagem abrandando a marcha, se necessário até parando, o que não sucedeu, conforme se encontra no croqui desenhado na Declaração amigável subscrita pelos condutores, junto a fls. 13 dos autos.
Por seu turno, o veículo conduzido pelo Demandado devia ter respeitado o limite de velocidade que dentro das localidades é de 50km/h o que não sucedeu de acordo com o depoimento das testemunhas apresentadas pelo Demandante, pelo que praticou ato ilícito violador dos artigos 24º, n.º 1, 27º do Código da Estrada os quais dispõem:
“O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo às caraterísticas e estado da via e do veículo,…e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, art. 24º, n.º 1.” Já o art. 27º do mesmo Código estatui ainda: …, os condutores não podem exceder as seguintes velocidades instantânea (em quilómetros/hora):” no caso concreto a velocidade máxima seria de 50km/h por tratar-se de um automóvel ligeiro de passageiros sem reboque a circular dentro de uma localidade. O Demandado não respeitou o limite de velocidade dentro da localidade atendendo ao depoimento das testemunhas apresentadas pelo Demandante que relataram uma travagem de 15m a 20m, não conseguindo evitar o embate.
O Demandado praticou ainda outro ato ilícito ao desrespeitar o disposto no art.º 38º do Código da Estrada. Este preceito refere que a manobra de ultrapassagem não deve ser iniciada sem que o condutor se certifique de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido, o que no caso concreto não sucedeu.
Assim, a condutora do veículo do Demandante e o Demandado concorreram com os seus comportamentos para a ocorrência do acidente. Ambos os condutores praticaram infracções de gravidade similar e ambos poderiam ter evitado o acidente se tivessem observado as pertinentes regras estradais encontrando-se reunidos os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual. Aqui chegados é forçoso dar nota que a responsabilidade civil do Primeiro Demandado se encontrava transferida através da apólice n. ---------- da Companhia G ---- -- ---, representada pela Sociedade H de Portugal, tendo a Segunda Demandada sido chamada pelo Gabinete Português da Carta Verde a intervir no processo de regularização do sinistro.
Relativamente ao quantum indemnizatório o Demandante peticiona o valor de € 10 640,00 a título de danos patrimoniais com deslocações de táxi. Para tanto juntou as faturas n.º---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, --- e --- emitidas pelo Senhor taxista, L, nos valores de €880,00 (oitocentos e oitenta euros) €880,00 (oitocentos e oitenta euros), €840 (oitocentos e quarenta euros), €840,00 (oitocentos e quarenta euros), €800,00 (oitocentos euros), €880,00 (oitocentos e oitenta euros), €760,00 (setecentos e sessenta euros) e €920,00 (novecentos e vinte euros), €840,00 (oitocentos e quarenta euros), €440,00 (quatrocentos e quarenta euros) e €880,00 (oitocentos e oitenta euros), respetivamente, juntas a fls. 37 a 40 e 84, 85 e 87, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Da prova produzida, resultou provado que o veículo do Demandante esteve parado desde o acidente ocorrido em 17/07/16, conforme documento junto a fls. 13 e 14, até ao dia 07/04/18, data da reparação da sua viatura paga pelo Demandante, conforme documento junto a fls. 86 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Apurou-se, ainda, que o Demandante acordou com o proprietário do táxi, o senhor L, a prestação de um serviço de transporte, nos dias úteis, entre a sua residência pelas 07h00 da manhã e o local de trabalho na M, com retorno ao final do dia pelas 20h00, num percurso total de 40km, conforme depoimento prestado pelo próprio senhor taxista. A necessidade da utilização deste transporte resultou da inexistência de transportes públicos na zona que satisfizessem as necessidades pessoais e familiares do Demandante. A Segunda Demandada ao não disponibilizar um meio de transporte que permitisse ao Demandante deslocar-se quando entendesse não reconstituiu a situação que existiria se não tivesse existido o acidente. O facto da importância em causa devida pela utilização de táxi ser superior à reparação do veículo não significa que o Demandante tivesse dinheiro para fazer face à reparação após o sinistro. Até porque resultou provado que o proprietário do táxi, o senhor L, possibilitou que o Demandante usufruísse do serviço com pagamento a prazo. O Demandante no momento atual em virtude do comportamento da Segunda Demandada possui uma dívida que é da responsabilidade desta atenta a factualidade provada.
O dano sofrido pelo Demandante encontra-se sustentado pelas faturas n.º ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, ---, --- e --- emitidas pelo Senhor taxista L.
Relativamente ao dano patrimonial de substituição da bateria do veículo nenhuma prova foi produzida em Sede de Audiência quanto a esse dano. Dispõe o art.º 342º, n.º 1 que compete ao Demandante a prova dos factos constitutivos do direito que alega, pelo que se conclui que o pedido terá de improceder nesta parte.
No que concerne aos danos não patrimoniais contabilizados pelo Demandante num valor de €2 500,00 (dois mil e quinhentos euros) este alegou que desde a data do acidente o seu estado de espírito tem sido de revolta, frustração e nervosismo, vive incomodado e apreensivo considerando que por se ver privado do seu meio de transporte ficou dependente de outrem sofreu e teve transtornos. Cumpre referir que estes têm de ser justificados e a sua intensidade terá de ser obrigatoriamente relevante, i.e., traduzir-se-ão com certeza em situações de sofrimento ou desconforto real que afetem verdadeiramente a pessoa titular do direito à indemnização.
A este propósito citamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 1721/08.5TBAVR.C1 datado de 28/05/13, passível de consulta no site: www.dgsi.pt: “Os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser selecionados com extremo rigor, devendo apenas atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.
Por escassez de mobilização probatória em Sede de Audiência de Julgamento não resultaram provados factos que assumam a gravidade que mereça a tutela do direito a título de danos não patrimoniais, pelo que improcede também nesta parte o pedido formulado pelo Demandante.
Por último, no que toca à quantia de €161,98 (cento e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos) peticionada pelo Demandante a título de juros moratórios verifica-se que as faturas emitidas apenas chegaram ao conhecimento dos Demandados com a citação, pelo que apenas serão devidos a partir de 25/09/17 até efetivo e integral pagamento.

Face ao supra exposto, atenta a dinâmica do acidente que resultou provada conclui-se pela concorrência de culpas na proporção de 50% na produção do acidente.
Considerando que a Segunda Demandada nos presentes autos assumiu a posição de representante da companhia de seguros seguradora do veículo com a matrícula francesa F e que a responsabilidade civil do condutor desse veículo se encontrava transferida através de contrato de seguro com a apólice n.º ---------- terá de ser condenada, atendendo ao grau de culpa provado do Primeiro Demandado no pagamento ao Demandante do valor correspondente a metade do peticionado, ou seja €5 320,00 (cinco mil trezentos e vinte euros) pois não é, um mero intermediário ou auxiliar do segurador, mas sim verdadeiro responsável no pagamento da indemnização aos lesados, no caso concreto ao Demandante, sem prejuízo do direito a subsequente reembolso do que pagar.


Da Litigância de Má-fé
O Demandante requereu a condenação da Segunda Demandada no pagamento de multa e indemnização a arbitrar de acordo com juízos de equidade por litigância de má fé.

Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;


c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;


d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.


Se a parte agiu de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é lícita, suportando o encargo das custas, consequência do risco inerente, no caso de a sua pretensão não vingar.
Ao invés, se agiu de má-fé ou com culpa, se tinha consciência de que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta é ilícita, impondo o art. 456º CPC, que seja condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta o pedir.

Ora, dos factos assentes, com interesse para a decisão sobre litigância de má-fé, mais concretamente, o comportamento adotado pela Segunda Demandada não permite considerar que exista má fé, sendo de salientar a este propósito a intenção demonstrada de regularizar o sinistro mediante a divisão de responsabilidades em partes iguais, de acordo com o art.º 506º do Código Civil, conforme documento junto a fls. 124 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, pelo que improcede o pedido de condenação formulado.


DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) Condeno a Segunda Demandada enquanto Representante da Companhia Seguradora do veículo com a matrícula francesa F, no pagamento de €5 320,00 (cinco mil trezentos e vinte euros) a título de indemnização por dano de privação do veículo ao Demandante de acordo com a proporção de culpas apuradas nos presentes autos, sem prejuízo do direito a subsequente reembolso da Segunda Demandada do que pagar.
b) Condeno ainda a Segunda Demandada no pagamento de juros legais à taxa legal de 4% ao Demandante desde a data da citação, a saber 25/09/17 até efetivo e integral pagamento.
c) Absolvo o Primeiro Demandado dos pedidos formulados porquanto a sua responsabilidade civil se encontrava transferida através da apólice n.º ---------- da Companhia G --- -- ---, representada pela Sociedade H de Portugal.
d) Absolvo a Segunda Demandada dos restantes pedidos de condenação formulados pelo Demandante.

Custas:
No valor de €70,00 (setenta euros). Na proporção do decaimento que se fixa em 50% a cargo da Demandante, 50% a cargo da Segunda Demandada, as quais se encontram pagas através dos pagamentos de taxa de justiça realizados pelo Demandante com o Requerimento Inicial, pela Segunda Demandada com a sua Contestação.
Registe e Notifique.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os presentes autos.

Belmonte, Julgado de Paz, 27 de fevereiro de 2019


O Juiz de Paz,

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(José João Brum)