Sentença de Julgado de Paz
Processo: 752/2013-JP
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS
Data da sentença: 06/30/2014
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Proc. nº x
I. RELATÓRIO:
A e B, na qualidade de administradores do C, sito na cidade do Porto, com os demais sinais identificativos nos autos, intentaram a presente acção declarativa resultante de direitos e deveres de condóminos contra D e mulher E, melhor identificados a fls. 4, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 3.102,97 €, correspondente ao capital em dívida da sua quota-parte nas obras para substituição da cobertura do prédio; a pagarem os juros vencidos e vincendos, até ao integral cumprimento da obrigação legal a que estão vinculados e que à data da propositura da acção totalizavam 101,68 €; a indemnizarem o condomínio das despesas administrativas e judiciais até efectivo e integral pagamento e que na mesma data totalizavam 300,00 €; e a compensarem o condomínio pelo atraso no pagamento e consequente atraso nas obras, assim como pelo reiterado transtorno e recurso à via judicial para coercivamente obter o cumprimento das suas obrigações legais, em montante a ser calculado pelo livre arbítrio do julgador, mas nunca inferior ao valor simbólico de 500,00 €.
Para tanto, os demandantes alegaram os factos constantes do requerimento inicial de fls. 4 a 9, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo oito documentos.
Regularmente citados, os demandados apresentaram a contestação de fls. 39 a 49, que aqui se dá por reproduzida, pugnando pela improcedência da acção.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que os demandantes afastaram expressamente essa possibilidade.
Foi, então, marcada e realizada a audiência de julgamento, com observância das regras legais aplicáveis.
Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objecto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º, nº 1 c) e 11º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se fixa o valor da presente causa em 4.004,65 €.
Assim, cabe apreciar e decidir:
II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. Os demandantes foram nomeados administradores do C, sito na cidade do Porto, por deliberação unânime da assembleia de condóminos de 18/01/2013.
2. Em assembleia de condóminos de 24/05/2013, foi deliberado, por unanimidade dos votos, que se iria proceder à realização de obras na cobertura do prédio, estando todos os condóminos obrigados a fazer o pagamento da sua quota-parte até 01/07/2013, ficando os demandantes mandatados, findo esse prazo, para proceder judicialmente contra os condóminos devedores.
3. Os demandados são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra “X”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito freguesia de Ramalde, concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz sob o nº x e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº x.
4. Os demandados, enquanto condóminos, deviam ter procedido ao pagamento da quantia de 3.102,97 €, a favor do condomínio, até ao dia 1 de Julho de 2013, em conformidade com a deliberação acima aludida.
5. Até à data, os demandados ainda não procederam ao pagamento a que estavam obrigados, referente à sua quota-parte do custo da obra de substituição da cobertura do edifício.
6. Os demandados foram interpelados por carta registada com aviso de recepção em 30/05/2013 e 09/07/2013, para fazer o pagamento em falta.
7. Os demandados aceitam a necessidade da realização das obras acima aludidas.
8. Os demandantes recolheram vários orçamentos, mas só submeteram um a votação.
9. Não consta da acta da assembleia de condóminos de 24/05/2013 que a empresa escolhida para a realização das referidas obras tivesse o alvará necessário para as mesmas.
Os factos provados assentam, por um lado, no acordo das partes (n.os 1, 2, 3 e 5) e, por outro, nos documentos constantes dos autos, apresentados pelos demandantes com a petição inicial e no início da audiência de julgamento.
Não se provaram outros factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente que os demandados tivessem confessado a sua dívida e requerido um plano de pagamento a prestações nem que, em face dos esclarecimentos obtidos na audição das partes, a acta nº 44 não mencione todas as fracções autónomas que compõem o C, dividindo a despesa comum somente por 46 das 50 fracções existentes. Além disso, também não se provou a empreiteira a quem foi adjudicada a obra não tivesse o alvará necessário para o efeito nem que a obra realizada pelos demandantes estivesse sujeita a IVA à taxa reduzida, na parte respeitante à comparticipação dos demandados.
III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Os demandados são proprietários de uma fracção autónoma no prédio urbano acima identificado, constituído em propriedade horizontal. Nessa medida, os demandados são também comproprietários das partes comuns do mesmo imóvel, sendo ambos os direitos incindíveis (cfr. artigo 1420º do Código Civil). Por isso, os demandados estão obrigados a contribuir, na proporção da sua fracção, para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, sendo essa uma obrigação real ou propter rem, decorrente da sua condição de condóminos, tal como prescreve o n.º 1 do art.º 1424.º do Código Civil.
Por seu turno, a administradora do condomínio tem o dever funcional de proceder à cobrança das contribuições dos condóminos para as despesas comuns aprovadas e legitimidade processual própria para o fazer judicialmente (cfr. artigos 1436º e) e 1437º, nº 1 do Código Civil).
Neste caso, de acordo com a factualidade provada, os demandados não pagaram a sua quota-parte das despesas comuns oportunamente aprovadas, vencida em 01/07/2013, no montante global de 3.102,97 €.
De resto, a deliberação de que emerge o débito dos demandados é válida e eficaz, desde logo porque os demandados não requereram a sua anulação dentro do prazo legal, o qual começou a contar, o mais tardar, com a notificação da respectiva acta de assembleia de condóminos (cfr. artigos 1432º, nº 6 e 1433º, nº 4 do Código Civil).
Contudo, os demandados alegaram factos que impedem, modificam ou extinguem o direito invocado pelos demandantes. Vejamos, por isso, se os mesmos devem proceder: em primeiro lugar, é verdade que os demandantes submeteram apenas à votação da assembleia de condóminos um dos orçamentos recolhidos, apesar de terem obtido três. Em face disso, os demandados alegam que essa conduta indicia suspeição sobre a administração do condomínio no que concerne à escolha do orçamento votado. Porém, antes do mais, não se deve esquecer que o ónus da prova da matéria de excepção alegada cabia aos demandados (cfr. artigo 342º, nº 2 do Código Civil), sendo certo que os mesmos nada provaram quanto ao objecto dessa alegada suspeição. Ora, não basta lançar sobre outrem uma suspeição para se poder concluir pela ilicitude de uma dada prática, nomeadamente pelo favorecimento da pessoa a quem foi adjudicada a obra, em prejuízo do condomínio. E, por outro lado, os demandados não impugnaram tempestivamente a deliberação que aprovou o orçamento submetido à votação e nem sequer manifestaram a sua discordância em relação à mesma no prazo legal (cfr. artigo 1432º, nº 7 do Código Civil). Nessa medida, os condóminos ficaram vinculados pela referida deliberação, sendo co-responsáveis pela adjudicação da obra à empresa que havia apresentado o orçamento submetido a votação. Assim sendo, a excepção deduzida não pode ser julgada procedente.
Em segundo lugar, é verdade que não consta da acta da assembleia de condóminos de 24/05/2013 que a empreiteira a quem foi adjudicada a obra tivesse o alvará necessário para o tipo de obra. Contudo, também não se provou que a mesma não o tivesse. Ora, mais uma vez, o ónus da prova deste facto exceptivo competia aos demandados. Deste modo, à míngua de qualquer prova oferecida pelos demandados a este respeito, não se pode senão julgar improcedente mais esta excepção.
Por seu turno, considerando os esclarecimentos prestados pelos demandantes na audição das partes, bem como o teor da acta nº 44, é fácil verificar que o valor total a pagar foi dividido por cinquenta e não apenas por quarenta e seis fracções autónomas. Na verdade, por serem todas dos mesmos donos, os demandantes agruparam as fracções “Z” e “AA” a “AF”, incluindo, portanto, neste intervalo, as fracções “AB”, “AC”,“AD” e “AE”, para efeitos de divisão da despesa comum. É evidente que, desta forma, não é possível descortinar qual é o montante imputável a cada uma destas fracções, mas isso não afecta as contas globais e, sobretudo, não tem repercussão no montante a pagar pelos demandados com respeito à fracção “X”. Ora, é só esta fracção que está em causa na presente acção, pelo que não podem os demandados prevalecer-se da apontada falha para se furtarem ao pagamento da sua quota-parte da despesa comum, com referência à fracção “X”.
Finalmente, no que respeita à taxa do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável ao custo da obra de substituição da cobertura, é evidente que, tratando-se da prestação de um serviço e não estando a respectiva prestadora isenta de IVA, tinha a mesma que liquidar esse imposto. Assim, sendo o condomínio o consumidor final, o acréscimo resultante da aplicação do IVA não podia deixar de se reflectir no valor a dividir pelos condóminos, já que, em última instância, são estes quem têm de financiar a respectiva operação (cfr. artigo 1424º, nº 1 do Código Civil). Por outro lado, como decorre da citada acta nº 44, não foi toda a obra que esteve sujeita à taxa normal de IVA, mas apenas aquela que incidiu sobre a cobertura das fracções destinadas a comércio e a garagens. De facto, na parte respeitante às habitações, o preço da obra foi acrescido de IVA à taxa reduzida. Ora, os demandados não demonstraram que houvesse erro ou ilegalidade na liquidação do IVA na parte que a si dizia respeito. Aliás, os demandantes tiveram o cuidado de obter informação vinculativa da Administração Fiscal, que juntaram aos autos, que aponta no sentido de lhes dar razão. E, face ao exposto nessa informação, não vemos motivo para sustentar entendimento distinto. Deste modo, improcede igualmente esta excepção.
Em qualquer caso, os pedidos formulados pelos demandantes não podem todos proceder. Com efeito, muito embora sejam devidos juros de mora sobre o capital em dívida, em conformidade com o disposto nos artigos 804º a 806º do Código Civil, tanto mais que a obrigação tinha prazo certo, e apesar do artigo 40º, nº 3 do Regulamento do Condomínio dar amparo à pretensão dos demandantes quanto ao reembolso das despesas suportadas com a propositura da acção, a que voltaremos adiante, não é possível atender ao último pedido deduzido pelos demandantes, por falta de suporte legal do mesmo. Na verdade, os juros visam precisamente compensar o credor pelos prejuízos causados pela mora do devedor, no caso de obrigações pecuniárias. Aliás, neste caso, os demandantes não provaram ter sofrido danos superiores decorrentes da mora nem os mesmos se presumem. De resto, os meros transtornos não revestem gravidade suficiente para merecer a tutela do Direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil) e as despesas de contencioso já estão contempladas no pedido anterior. Assim sendo, este último pedido não pode ser julgado procedente.
Por contraponto, o artigo 1434º, nº 1 do Código Civil, em articulação com o citado artigo 40º, nº 3 do Regulamento do Condomínio, permite dar provimento ao pedido condenatório de 300,00 €. É verdade que os demandantes não ofereceram prova documental demonstrativa de ter efectivamente suportado esse montante de despesas de contencioso, mas, tendo constituído mandatário e sendo o mandato presuntivamente oneroso (cfr. artigo 1158º do Código Civil), o valor peticionado entra nos parâmetros estabelecidos pelo artigo 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados para cálculo dos honorários destes, considerando o tipo de acção aqui em causa. Pelo exposto, com recurso a uma presunção judicial (cfr. artigos 349º e 351º do Código Civil), é possível aceitar como provada essa matéria.
Por último, pese embora o requerido pelos demandantes nas alegações orais finais do seu mandatário, não há sinais de litigância de má fé por parte dos demandados, atendendo a que não se verificam os pressupostos estabelecidos no artigo 542º, nº 2 do Código Civil, apesar do decaimento dos mesmos.
IV. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e provada e, por via disso, condeno os demandados a pagarem aos demandantes, na qualidade em que estes aqui litigam, a quantia de 3.504,65 € (três mil quinhentos e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, sobre o capital de 3.102,97 €, desde a data da propositura da acção até ao integral e efectivo pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.
Custas por demandantes e demandados na proporção do respectivo vencimento, fixando as mesmas em 20% para os primeiros e 80% para os segundos (cfr. artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro e artigo 527º, n.os 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
Porto, 30 de Junho de 2014
O Juiz de Paz,
(Luís Filipe Guerra)