Sentença de Julgado de Paz
Processo: 257/2013-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: CONDOMINIO- PAGAMENTO DE QUOTAS E OUTRAS DESPESAS
Data da sentença: 08/07/2013
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 3, intentou, em 26 de abril de 2013, contra B, melhor identificado, também a fls. 1 e 3, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 1.027,31 € (Dois mil e vinte e sete euros e trinta e um cêntimos), relativa às quotas de condomínio vencidas e não pagas no período compreendido entre os meses de maio de 2005 (parcial) e agosto de 2010; quotas suplementares anuais dos anos de 2005 a 2009; penalização de 50%, por atraso no pagamento; despesas e juros vencidos. Mais pediu a condenação do Demandado no pagamento de vincendos, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 8, que aqui se dá por reproduzido.
Juntou 9 documentos (fls. 9 a 48) que igualmente se dão por reproduzidos.
Tendo-se frustrado a citação pessoal do Demandado e não se tendo logrado descobrir o seu paradeiro, foi – por despacho de fls. 71 – declarado ausente, em parte incerta, e decidida a nomeação de Defensor Oficioso, tendo sido nomeada a Ilustre Advogada, Sra. Dra. Ana Marques de Oliveira, que, regularmente citada para, querendo, contestar, no prazo, em representação do ausente em parte incerta, nada disse.
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Cabe a este tribunal decidir sobre a responsabilidade do Demandado quanto ao pagamento da sua quota-parte nas despesas com as partes comuns do edifício; ao incumprimento dessa obrigação e às suas consequências face às deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos.
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Tendo o Demandante prescindido do recurso à Mediação para resolução do litígio (fls. 8), não obstante estar a decorrer o prazo para a apresentação da Contestação, e sem prejuízo do mesmo, foi designada a presente data para a realização da Audiência de Julgamento (fls. 84).
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Aberta a Audiência, e estando presentes o representante legal do Demandante – Sr. Dr. Jorge Martins de Sousa Rodrigues - e a Ilustre Defensora Nomeada ao Demandado – Sra. Dra. Ana Marques de Oliveira – foram estes ouvidos, não se tendo tentado a conciliação por tal não se encontrar na disponibilidade da Ilustre Defensora, pelo que se procedeu à audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança e se profere sentença.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos pelo Demandante.
Não foi dada relevância à ausência de contestação, em virtude de o Demandado não ter sido pessoalmente citado, observando-se o disposto no art.º 490.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. O Demandante é representado pelo seu administrador eleito – Dr. Jorge Martins de Sousa Rodrigues, na qualidade de representante da C– Administração de Condomínios, Lda. (Doc. n.º 1);
2. O Demandado foi, entre 6 de outubro de 1999 e 14 de setembro de 2010, proprietário da fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “B”, correspondente à cave direita, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, o condomínio Demandante, descrito na Conservatória do Registo Predial do Amora, sob o n.º xxxxx (Doc. n.º 2);
3. O Demandado tem em dívida as quotas ordinárias do período compreendido entre o mês de maio de 2005 (parcial) e o mês de agosto de 2010, no montante global de 978,00 € (Novecentos e setenta e oito euros);
4. A quota ordinária de 15,00 €, foi aprovada na Assembleia de Condóminos de 8 de fevereiro de 2005 (Doc. n.º 3), sendo o seu montante atualizado para 17,00 €, na Assembleia de Condóminos de 13 de março de 2009 (Doc. n.º 4);
5. Encontram-se ainda em dívida cinco comparticipações anuais suplementares de 25,00 € cada uma, referentes aos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, no total de 125,00 € (Cento e vinte e cinco euros);
6. Estas comparticipações suplementares, encontram-se em vigor há vários anos, sendo o seu valor sucessivamente renovado quando da aprovação das quotas anuais, conforme as atas de 8 de fevereiro de 2005 e de 13 de março de 2009 (Docs. n.ºs 3 e 4), sendo o prazo limite de pagamento em qualquer mês do ano, até ao final do mês de dezembro (Doc. n.º 5);
7. O Regulamento do Condomínio, aprovado na Assembleia de Condóminos de 15 de novembro de 1980, dispõe no artigo 19.º que as comparticipações mensais devem ser pagas até ao dia 8 (oito) do mês a que respeita (Doc. n.º 6);
8. O n.º 1, do art.º 8.º do referido Regulamento de Condomínio, autoriza o administrador a aplicar penas pecuniárias aos condóminos faltosos em conformidade com o art.º 1434.º do Código Civil, em caso de inobservância das disposições do referido Código ou das deliberações da Assembleia de Condóminos (Doc. n.º 6);
9. Na Assembleia Extraordinária de Condóminos, realizada em 18 de outubro de 2012, foi deliberada a aprovação de novo Regulamento, tendo sido transcrito para a respetiva ata (Doc. n.º 7);
10. Nos n.ºs 4 e 5, do Artigo 14.º do regulamento de Condomínio aprovado em 18 de outubro de 2012, ficou determinado que as comparticipações não pagas dentro dos respetivos prazos, ficam sujeitos ao pagamento da penalização de 50% do valor em dívida, aplicável às quotizações já vencidas (Doc. n.º 7);
11. Nos termos do Regulamento de Condomínio aprovado, a penalização de 50% ascende a 551,50 € (Quinhentos e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos);
12. O n.º 13 do artigo 14.º do Regulamento de Condomínio, estabelece que, “As despesas necessárias à cobrança de dívidas por via judicial, nomeadamente honorários de advocacia, honorários de solicitador de execução, taxas de justiça, deslocações, certidões, fotocópias, obtenção de documentação, ou quaisquer outras despesas judiciais ou extrajudiciais necessárias à boa cobrança dos valores em débito, e que tiverem de ser pagas antecipadamente pelos restantes condóminos, deverão ser imputadas ao condómino faltoso, que fica na obrigação de reembolsar o condomínio, e devidamente incluídas nos processos de cobrança por via judicial.” (Doc. n.º 7);
13. Para documentar a presente ação, o Demandante teve de suportar custos com fotocópias de diversos documentos, que totalizam o montante de 13,80 € (Treze euros e oitenta cêntimos) - Doc. n.º 8;
14. O condomínio também teve de efetuar o pagamento de serviços administrativos extraordinários no âmbito da organização do processo e reunião da respetiva documentação, no valor de 100,00 €, acrescido de I.V.A. (Imposto de Valor Acrescentado), o que totaliza a quantia de 123,00 € (Cento e Vinte e três euros) – Doc. n.º 9;
15. Os juros de mora vencidos ascendem ao montante de 236,01 € (Duzentos e trinta e seis euros e um cêntimos);
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se às relações condominiais e ao incumprimento por parte do Demandado, das suas obrigações de condómino, pela falta de pagamento da quota ordinária de condomínio, relativa à fração autónoma de que foi proprietário.
Ora, a posição de condómino, confere direitos e obrigações, assentando na dicotomia existente entre o direito de usufruir das partes comuns do edifício – decidindo tudo o que a elas respeite – e a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação.
Quanto à obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação do edifício, dispõe o Art.º 1424.º do C.C. que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comuns são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.”.
A administração das partes comuns do edifício cabe à Assembleia dos condóminos e a um administrador (cfr. Art.º 1430.º do C.C.).
É função do administrador, entre outras, cobrar as receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (als. d) e e) do Art.º 1436.º do C.C.), enquadrando-se nessa categoria as quotas ordinárias e extraordinárias de condomínio a pagar por cada condómino.
Resulta provado que o Demandado foi, no período supra referido, proprietário da fração autónoma objeto dos presentes autos e que, na qualidade de condómino, não pagou as quotas, ordinárias e extraordinárias, de condomínio supra referidas, no montante global de 1.103,00 (mil cento e três euros).
É inequívoca a responsabilidade do Demandado assistindo ao Demandante o direito de exigir o seu pagamento.
Mais do que um direito, diremos que o Demandante tem a obrigação de pedir o pagamento das quotas mensais aos faltosos, sob pena de, generalizando-se o incumprimento, deixar de poder fazer face, sequer, às despesas de básicas do edifício.
Sendo certo que o Demandado revela um total desinteresse pelo cumprimento das suas obrigações, já que não só não cumpriu a obrigação que sobre si impendia de pagar as quotas da sua responsabilidade, como transacionou a fração autónoma sem ter o cuidado de regularizar a sua situação.
Resulta igualmente provado que, por deliberações tomadas pela Assembleia de Condóminos, realizada em 15 de novembro de 1980, foi aprovado o Regulamento de Condomínio, no qual o administrador foi autorizado a aplicar penas pecuniárias aos faltoso, sem estabelecimento de valor, na Assembleia de Condóminos, realizada no dia 18 de outubro de 2012, foi aprovado novo Regulamento de Condomínio no qual foi estabelecida a penalização de 50% das quotas pagas após o dia 8 de cada mês; a responsabilização do condómino devedores por todas as despesas de cobrança e de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal. O Demandante pede pela penalização de 50% o montante de 551,50 €; de despesas a quantia de 136,80 € e de juros vencidos o total de 236,01 €, o que perfaz o montante global de 924,40 € (Novecentos e vinte e quatro euros e quarenta cêntimos). Vejamos se lhe assiste razão:
Em regra, a falta de pagamento de quantias a que o devedor esteja obrigado, dentro do prazo acordado, constitui o faltoso em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor, verificando-se que a mora se inicia com a interpelação, judicial ou extrajudicial, para cumprimento (artº 804º e 805º do Código Civil). Por seu turno, o artº. 806º do mesmo Código, dispõe que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Assim, por força dos citados preceitos, verifica-se que quando ocorre a falta de cumprimento de uma obrigação em dinheiro, o credor desse valor tem direito a receber uma indemnização, para compensar os prejuízos resultantes do atraso (mesmo que, na realidade, não tenha sofrido prejuízos) indemnização essa que é igual aos juros vencidos, calculados à taxa dos juros legais (artº. 559º do Código Civil), desde a constituição em mora até integral e efetivo pagamento.
Só assim não será se as partes tiverem convencionado o vencimento de juros a uma taxa diferente ou se tiverem estabelecido, por acordo entre ambas, uma penalidade diferente para o incumprimento ou atraso (cláusula penal).
No caso dos condomínios, rege o disposto no art.º 1434.º do Código Civil, dispondo no seu n.º 2 que o montante das penas aplicáveis em cada ano não pode exceder a quarta parte do rendimento coletável anual da fração do infrator.
Neste caso foi deliberada a aplicação da penalização de 50% do valor em dívida; das despesas e honorários e, ainda de juros de mora, à taxa legal, o que – bem vistas as coisas na conjuntura atual – é uma exorbitância.
Sobretudo quando o condomínio está 8 (oito!) anos à espera de exercer o seu direito de cobrar as comparticipações em dívida, aumentando, assim, exponencialmente, a pena pecuniária a aplicar.
Além do que, o pedido formulado pelo Demandante assenta nas deliberações tomadas em assembleia pelos condóminos, sendo certo que, por via delas, foi estabelecida a forma de indemnização que o devedor prestaria em caso de incumprimento, no âmbito da liberdade contratual.
Ora, em primeiro lugar, o exercício desta liberdade, apenas pode vincular aqueles que a ela aderiram quer expressa quer tacitamente, sendo certo que da prova carreada para os autos não resulta provado que o Demandado tomou conhecimento da referida deliberação uma vez que nela não participou, conhecimento que é imprescindível à sua vinculação.
Em segundo lugar, as penalizações aprovadas, repete-se, na conjuntura atual, são, a nosso ver, uma exorbitância e dificilmente se contêm nos limites legais.
Não foi, aliás alegado que tais penalizações se contêm no limite daquele dispositivo. Ora, o estabelecimento de penalizações pela Assembleia de Condóminos tem na sua génese uma função moralizadora e pedagógica, não servindo para justificar um enriquecimento, sem causa, à custa do património do faltoso. Daí que o legislador tivesse estabelecido um limite que não pode ser ultrapassado.
O que surpreende é que os condóminos, sobretudo nos dias de hoje em que a crise bate à porta de todos, aprovem penalizações deste calibre.
Na certa fazem-no na convicção de que nunca estarão em falta e que, por isso, podem estabelecer penalizações para serem aplicadas aos seus vizinhos num verdadeiro empurrão para o precipício.
De facto, se um condómino já não pode pagar a sua quota-parte nas despesas, como vai poder pagar acréscimos do dobro ou do triplo do valor em dívida?
Acresce que os condóminos que tomam tais deliberações laboram erro quando assumem que não vão estar na posição de devedores. É que, hoje em dia, é com a maior facilidade que qualquer cidadão fica na situação de não poder cumprir os seus compromissos, sem culpa sua, por força da conjuntura económica, desemprego e/ou doença prolongado, porque uma coisa, não raro, conduz à outra.
Acresce que o regulamento de Condomínio, aprovado em 1980, não fixa um quantitativo ou percentagem das penas, deixando ao livre arbítrio do administrador o montante das mesmas, o que não pode aceitar-se, e que, quando o segundo Regulamento foi aprovado já o Demandado não era proprietário da fração autónoma, sendo certo que as deliberações da Assembleia de Condóminos – tal como a lei – dispõem para o futuro.
Por conseguinte e no que ao direito concerne, o Demandante para ver a sua pretensão satisfeita teria de alegar e provar não só que o Regulamento de Condomínio, aprovado em 1980, foi notificado ao Demandado e que este não o impugnou, como também que as – repete-se, exorbitantes - penalizações que aprovou se continham nos limites do supramencionado dispositivo, o que não fez.
E, assim sendo, como é, tem o Demandante direito apenas aos juros de mora, à taxa de legal.
A taxa de juro legalmente fixada e aplicável ao caso sub judicie é de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
Resta averiguar a partir de quando são devidos juros de mora. Em regra o devedor constitui-se em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (Art.º 805.º, n.º 1, do Código Civil). Todavia, nos termos da al. a), do n.º 2 do mesmo dispositivo há mora do devedor, independentemente de interpelação se a obrigação tiver prazo certo. Que é o caso dos autos.
Os juros vencidos ascendem ao montante de 236,01 € (Duzentos e trinta e seis euros e um cêntimo), conforme peticionado, quantia que o Demandado terá de ser condenado a pagar.
Vencem-se também juros de mora, contados da citação a qual ocorreu, na pessoa da Ilustre Defensora nomeada ao Demandado, em 1 de julho de 2013, pelo que os juros de mora vincendos, são devidos a contar dessa data.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, decido condenar o Demandado a pagar ao Demandante a quantia de 1.339,01 € (Mil trezentos e trinta e nove euros e um cêntimo), relativa às quotas ordinárias de condomínio vencidas e não pagas até ao mês de agosto de 2010, inclusive e juros de mora vencidos.
Mais decido condenar o Demandado no pagamento de juros de mora, à taxa legal de 4%, que se vençam sobre o valor das quotas (1.103,00 €), desde o dia 1 de julho de 2013, até integral pagamento.
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As custas serão suportadas pelo Demandante e pelo Demandado, na proporção respetiva de 34% e 66%, em razão do decaímento (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro e art.º 446.º do C.P.C.).
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Registe.
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Seixal, 7 de agosto de 2013
(Juíza de Paz que redigiu e reviu pelos meios informáticos – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)

(Fernanda Carretas)