Sentença de Julgado de Paz
Processo: 361/2013-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
Data da sentença: 08/26/2013
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1, intentou, em 30 de maio de 2013, contra B, melhor identificada também a fls. 1, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 4.000,00 € (Quatro mil euros), relativa à quantia que lhe entregou para a aquisição dos materiais para início da obra contratada, acrescida de juros de mora, à taxa legal que forem devidos.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 5, que se dá por reproduzido, dizendo, em síntese e no que à presente decisão importa que: O A sito em Santa Marta de Corroios, Seixal, Pessoa Coletiva Equiparada n.º x (Cfr. Doc. n.º 1), tem como administradores C e D (Doc. n.º 2); o Demandante solicitou orçamento à Demandada, no sentido de realização de obras de pintura da parte exterior do prédio, tendo esta entregue orçamento n.º236/12 que se junta como (doc. n.º3); orçamento a que foi efetuado aditamento (doc. n.º 4); nos termos do orçamento e aditamento supra referidos, o demandante deveria proceder à entrega inicial de 4.000,00€ (Quatro Mil Euros), para aquisição dos materiais, através de transferência bancária para o NIB x do Banco x (Docs. nºs 3 e 4); o Demandante aceitou o orçamento com aditamento supra referidos, tendo procedido ao pagamento dos 4.000,00€ (Quatro Mil Euros) solicitados para aquisição de materiais, em 30 de Janeiro de 2013 (cfr. Doc. n.º5 e 6); sucede que, pese embora pagamento efetuado, o sócio gerente da Demandada, E, não colocou os materiais no prédio; o demandante, visando aferir do motivo da falta de colocação dos materiais para realização da obra por parte da Demandada, solicitou explicações ao seu sócio gerente (Cfr. Doc. n.º8); visando acautelar os termos da execução da obra, demandante e demandada, celebraram contrato de empreitada em 4 de Março de 2013 (Doc. n.º6); no supra referido contrato foi convencionado que os trabalhos de execução da obra deveriam ter início em maio de 2013, sendo que o prazo de conclusão de 65 dias úteis a contar da data do referido início (Doc. n.º 6); foi acordado entre demandante e demandada que a verificação por parte do primeiro de incumprimento das condições apresentadas pela segunda e/ou da discriminação dos trabalhos a serem realizados, nos termos do orçamento n.º236/12 e seu aditamento, o contrato ficaria anulado e quaisquer pagamentos efetuados seriam devolvidos por esta (Doc. n.º6); a Demandada à data da celebração do contrato supra referido, entregou ao Demandante recibo relativo ao pagamento de 4.000,00 € efetuado (Doc. n.º 9); em 5 de Março de 2013, a demandada, através do seu sócio gerente tratou da licença camarária de ocupação do espaço público, a qual depositou na caixa de correio da administração (Doc. n.º 10); na licença supra referida a demandada indica como sendo sua morada, a anterior sede, sendo que a metragem indicada também não corresponde à metragem efetiva do prédio que iria ser intervencionada (Doc. n.º10); em 7 de Março de 2013, o sócio gerente da demandada solicitou telefonicamente ao administrador do demandante o pagamento da taxa da licença supra referida, no valor de 1.905,00€; a administração do ora demandante, estranhando a celeridade na solicitação do pagamento, contactou os Serviços do Urbanismo da Câmara Municipal, tendo sido informado de que a guia para pagamento da licença apenas era emitida quinze dias após emissão da mesma; acresce que, o demandante tomou ainda conhecimento de que a demandada não tinha o seu alvará atualizado; em face da toda a informação obtida, o demandante não procedeu ao pagamento solicitado, tendo pedido à demandada uma reunião; reunião que se realizou cerca de uma semana depois, tendo o sócio gerente declarado que iria atualizar o alvará, sendo que o mesmo terá dito que já não fazia a obra, tendo-lhe sido solicitado a devolução do valor já pago; o sócio gerente da demandada reconsiderou, tendo comunicado telefonicamente ao administrador do demandante que realizaria a obra, bem como de que iria atualizar o alvará que deixaria na caixa do correio; o que não fez, sendo que o demandante não conseguiu chegar à fala com o sócio gerente da demandada, deixando sempre recado a terceiros, designadamente a sogra e a filha do mesmo; às referidas senhoras foi solicitado o número de contacto móvel do sócio gerente da demandada, sendo que ambas afirmaram que o mesmo não o tinha; a administração do demandante tomou conhecimento de que o sócio gerente da demandada tinha deixado novamente o país, encontrando-se em Angola; mais tarde, o sócio gerente da demandada, informou o demandante de que a obra seria realizada pela demandada, sendo assegurada pelo seu mestre-de-obras, o qual refira-se tendo contacto pelo demandante, afirmou desconhecer dos termos do contrato celebrado entre demandante e demandada; em face da ausência do sócio gerente da demandada, bem como do facto de não ter o mesmo procedido à entrega do alvará atualizado e dos materiais, o demandante endereçou-lhe correio eletrónico (Cfr. Doc. n.º8)) e carta registada, com aviso de receção, expedida em 4 de Abril de 2013, conferindo prazo até 9 de Abril de 2013 à demandada, no sentido de o mesmo proceder à entrega do referido alvará e materiais; a supra referida carta foi devolvida por não reclamada (Doc. n.º 11); perante o incumprimento da demandada, que apenas se limitava a afirmar que os administradores eram desconfiados, o advogado da demandante endereçou carta interpelando a demandada para proceder ao cumprimento do contrato ou, alternativamente, devolver os 4000,00€ (Quatro Mil Euros) que lhe foram entregues inicialmente e o sócio gerente da demandada nada fez, tendo-se remitido ao silêncio.
Juntou 11 documentos (fls. 6 a 52) que igualmente se dão por reproduzidos.
Após algumas vicissitudes com a citação, veio a representante legal da Demandada comunicar ao tribunal (em consequência da receção do aviso para comparência, com vista à citação) que se encontrava no estrangeiro a exercer a sua profissão e que em 15 de julho estaria em Portugal, dirigindo-se nessa altura ao julgado de Paz, estando disponível para prestar qualquer tipo de declarações. Foi ordenada a repetição da citação para a sede da Demandada, sem prejuízo de se aguardar, até à data supra referida, a comparência da representante legal da Demandada.
A representante legal não compareceu neste tribunal, tendo a Demandada sido regularmente citada, para contestar, no prazo, querendo, nada tendo dito.
Cabe a este tribunal qualificar o contrato celebrado entre as partes e decidir se, nos termos do contrato celebrado, face ao incumprimento da Demandada, o Demandante tem direito à devolução da quantia que lhe entregou para a aquisição dos materiais necessários à realização da obra.
Tendo o Demandante afastado o recurso à Mediação para resolução do litígio (fls. 5), não obstante estar a decorrer o prazo para a apresentação da contestação, sem prejuízo do mesmo, foi designado o dia 14 de agosto de 2013 para a realização da Audiência de Julgamento (77).
Aberta a Audiência e estando presentes apenas os representantes legais do Demandante – C e D foi esta suspensa, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo para a justificação de falta, por parte da Demandada, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do Art.º 58.º da LJP, designando-se a presente data para a sua continuação. Não tendo sido justificada a falta à primeira data, profere-se sentença.
Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomada em consideração a confissão por parte da Demandada, operada pela ausência de Contestação escrita e falta, injustificada, à Audiência de Julgamento, considerando-se provados todos os factos alegados pelo Demandante.
FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Dispõe o Art.º 58.º, n.º 2 da LJP que, se o Demandado, tendo sido regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo Demandante.
Neste caso, a Demandada encontra-se regularmente citada, não apresentou contestação escrita, não compareceu à Audiência de Julgamento e não justificou a sua falta.
Opera, assim, a cominação prevista no supra mencionado normativo, pelo que se consideram confessados os factos articulados pelo Demandante.
A relação material controvertida circunscreve-se ao contrato celebrado entre as partes e às obrigações daí decorrentes.
O contrato celebrado entre o Demandante e a Demandada é uma modalidade do Contrato de Prestação de Serviços, na forma de Empreitada, previsto no Art.º 1207.º do C.C., o qual dispõe que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”.
Neste caso, as partes contrataram a execução de uma obra no edifício do Demandante, tendo acordado o preço; as condições de pagamento e demais condições do contrato.
Para a aquisição dos materiais, com vista ao início da obra, deveria o Demandante adiantar à Demandada a quantia de 4.000,00 € (Quatro mil euros).
O Demandante entregou a referida quantia à Demandada, em 30 de janeiro de 2013, tendo esta emitido o respetivo recibo em 4 de março de 2013, nele inscrevendo o montante de 3.999,96 (Três mil novecentos e noventa e nove euros e noventa e seis cêntimos (quiçá para acertar o valor do I.V.A. – Imposto de Valor Acrescentado).
Por seu turno a Demandada, comprometia-se a iniciar as obras no mês de maio de 2013.
O certo é que a Demandada, tendo recebido a quantia acordada, não obstante os vários contactos do Demandante nesse sentido, nunca apresentou o seu Alvará atualizado nem adquiriu os materiais necessários ao início da obra, conforme se comprometera.
Por isso, o Demandante, através de correio eletrónico e de carta, registada com Aviso de Receção, em 4 de abril de 2013, concedeu prazo à Demandada, até 9 de abril de 2013, para entregar o Alvará atualizado (condição que sempre declarara ser determinante para a realização da obra) e os materiais que se comprometera a adquirir e a depositar no condomínio.
A Demandada nada fez, estando, até à presente data na posse da quantia que o Demandante lhe adiantou, sem que a devolva, tendo a carta que, sob registo, com Aviso de Receção, lhe foi enviada pelo Demandante, foi devolvida à precedência por “Não Reclamada”.
O Demandante radica a sua pretensão no facto de, face ao incumprimento por parte da Demandada, ter perdido o interesse no negócio e ter resolvido o contrato, uma vez que a Demandada não só não cumpriu a obrigação a que se vinculara como nada fez ou disse perante o prazo que lhe foi concedido pelo Demandante.
Isso mesmo, aliás, foi consignado no contrato celebrado entre ambas as partes.
Vejamos se lhe assiste razão:
Já se viu que, ao celebrar o contrato, a Demandada estava obrigada a iniciar a obra em maio de 2013.
Como também estava obrigada a entregar ao Demandante o Alvará atualizado e os materiais que iria adquirir para dar início à obra.
O certo é que, tendo recebido o montante acordado para o efeito de 4.000,00 € (Quatro mil euros), a Demandada até à presente data nada fez, mantendo em seu poder aquela quantia.
Uma vez que a Demandada não dava qualquer explicação nem cumpria as obrigações a que se tinha vinculado, o Demandante concedeu-lhe um prazo para o fazer, sob pena de considerar o contrato incumprido.
Ora, os contratos são fonte de obrigações e devem ser pontualmente cumpridos (art.ºs 405.º e seguintes do Código Civil).
A Demandada, nada fez ou disse, constituindo-se em mora nos termos previstos no Art.º 805.º, do Cód. Civil.
Dispõe o Art.º 808.º, n.º 1, do Art.º 808.º, do Cód. Civil que “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação (…), considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.”.
Neste caso, a falta de entrega do Alvará atualizado – que a Demandada sabia ser determinante para a celebração do contrato – e de aquisição dos materiais para dar início à obra, bem como à falta de início da mesma na data acordada, estar-se-á perante uma situação de incumprimento e importa determinar se é imputável à Demandada, sendo certo que rege aqui a regra da presunção de culpa, nos termos do disposto no Art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil.
Neste caso é inequívoca a culpa da Demandada, uma vez que, tendo recebido a parte do preço acordado, não cumpriu as obrigações a que se vinculara, o que a colocou numa situação de mora, causa directa da perda de interesse do Demandante no cumprimento da prestação, facto que lhe foi comunicado e ao qual não reagiu.
Aliás, a Demandada não só não cumpriu as obrigações que sobre si, contratualmente, impendiam, como não se dignou vir aos autos participar civicamente na justa composição do litígio.
A perda de interesse tem de ser apreciada objectivamente nos termos do disposto no n.º 2, do Art.º 808.º, do mesmo diploma legal, sendo certo que, neste caso, estão reunidos todos os pressupostos, conforme supra se referiu.
Na verdade, devendo a Demandada entregar o seu Alvará atualizado e adquirir os materiais que colocaria nas instalações do Demandante, bem como iniciar a obra em maio de 2013, o certo é que a Demandada se remeteu ao silêncio, não obstante o prazo que lhe foi concedido pelo Demandante para cumprir as obrigações a que se vinculara.
E, no entretanto, tem em seu poder a quantia que o Demandante lhe adiantou.
Assim sendo, como é, operou a resolução do contrato por perda de interesse, nos termos do disposto no Art.º 801.º do supra citado diploma legal, sendo certo que a doutrina está de acordo em que o Art.º 808.º remete implicitamente para o referido dispositivo legal (cfr. Castro Mendes, Teoria Geral, 1979, 3.º-496, nota 2).
A resolução do contrato é feita mediante comunicação à outra parte, nos termos do disposto no n.º 1, do Art.º 436.º, do Código Civil, o que, in casu, aconteceu no dia 4 de Abril, tendo sido aceite pela Demandada, a qual – repete-se – nenhuma resposta deu às missivas que o Demandante, lhe enviou.
A resolução do contrato é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio e tem como consequência imediata a restituição de tudo quanto tiver sido prestado (cfr. Art.º 433.º e 289.º, n.º 1, do Cód. Civil).
Pelo que a Demandada terá de devolver ao Demandante a quantia que este lhe entregou, ou seja a quantia de 4.000,00 € (Quatro mil euros).
Assim:
Nos termos do disposto no art.º 804.º, do Código Civil “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.”.
O Demandante peticiona, também, a condenação da Demandada no pagamento de juros de mora, à taxa legal, que lhe forem devidos. Vejamos se lhe assiste razão nesse pedido:
Dispõe o Art.º 806.º, n.º 1 que “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do Art.º 559.º do Cód. Civil que “ Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano.”.
A taxa de juros legalmente fixada e aplicável ao caso sub judicie é de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
Resta averiguar a partir de quando são devidos juros de mora. Em regra o devedor constitui-se em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (Art.º 805.º, n.º 1, do Código Civil). No caso dos autos a Demandada foi interpelada, em 4 de abril de 2013, para cumprir as suas obrigações até ao dia 9 de abril de 2013, o que não fez.
Assim, os juros são devidos desde o dia seguinte ao dia em que a Demandada deveria cumprir a sua obrigação, o dia 10 de abril de 2013, até efetiva e integral devolução da referida quantia.
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente acção totalmente procedente, porque provada, decido condenar a Demandada a devolver ao Demandante a quantia de 4.000,00 € (Quatro mil euros), relativa ao valor que este lhe entregou com a adjudicação da obra, para a aquisição de materiais.
Mais decido condenar a Demandada no pagamento de juros à taxa legal de 4%, sobre a referida quantia, a contar do dia 10 de abril de 2013 até efetiva e integral devolução da referida quantia.
As custas serão suportadas pela Demandada (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe.
Seixal, 26 de agosto de 2013
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)
(Fernanda Carretas)