Sentença de Julgado de Paz
Processo: 19/2016-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO-INDEMNIZAÇÃO DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS
Data da sentença: 05/30/2016
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, identificado a fls. 1 e 3, intentou, em 28 de janeiro de 2016, contra B- AUTO ------ ---------- ---- ------------, LDA., melhor identificada a fls. 2 e 3, a presente acção declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe: - uma indemnização por danos morais no montante de 5.000,00 €, acrescida dos juros que se vencerem desde a condenação e até ao efetivo pagamento: - uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de 154,08, acrescida dos juros que se vencerem desde a condenação e até ao efetivo pagamento e – uma indemnização no montante de 713,40 €, para o ressarcir dos honorários que suportou.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu requerimento inicial de fls. 1 a 11, que se dá por reproduzido, dizendo, em síntese, que adquiriu à Demandada um veículo automóvel, da marca C, com benefícios fiscais, por ser deficiente; logo no dia seguinte acendeu-se no quadrante do veículo o aviso de “defeito do motor, solicite a reparação do veículo”; assustado com tal mensagem contactou logo o vendedor telefonicamente, tendo sido acordado levar o veículo às instalações da Demandada para que o problema fosse analisado; entretanto, ao deslocar o veículo para o estacionar, o aviso desapareceu, mas contactado novamente o vendedor, este disse que, ainda assim, convinha ir à oficina; o veículo foi submetido a teste electrónico, tendo o Demandante sido informado que se tratava de um erro (U11134), que teria sido corrigido; a situação voltou a verificar-se por várias vezes, bem como uma outra, levando sempre o veículo à oficina da Demandada onde ficava pelo tempo que consideravam necessário para a verificação e reparação do defeito, ficando o Demandante privado do uso do veículo, por vezes bastante demoradas; o que lhe causou evidente e permanente insegurança e angústia por nunca saber se o veículo estava em adequadas condições de circulação, mas também justificada revolta relativamente a atitudes de representantes da Demandada; o veículo foi também assistido na oficina da C em Sacavém, persistindo a avaria; decorridos 13 meses sobre a compra, em fevereiro de 2015, o Demandante deslocou-se ao Algarve, não só a avaria se voltou a manifestar, como o veículo começou aos soluços, tendo sido novamente entregue nas instalações da Demandada; o veículo foi levantado em 20 de abril de 2015 e logo aos 18279 Kms a avaria voltou a manifestar-se; desesperado, o Demandante levou o veículo ao concessionário mais próximo, a D, a qual acerta no diagnóstico; levantado o veículo, logo se manifestam outras mensagens, que não param e se manifestaram até cerca dos 25.000 quilómetros percorridos pela viatura; o Demandante sofre de doença do foro neurológico e adquiriu o veículo para as suas deslocações, doença que se continuou a agravar na sequência destas desesperante ocorrências; o Demandante viu-se forçado a deslocar-se inúmeras vezes à oficina da Demandada que dista 5 quilómetros da sua residência, percorrendo cerca de 300 Kms, o que se traduz num gasto de 108,00 € 0,36 e por quilómetro, previsto na lei); em total desespero, o Demandante levou o veículo à D, em Porto Salvo, em 11 de agosto de 2015, foi logo informado que a avaria era reparável, e em outubro de 2015, a referida empresa procedeu à substituição do dispositivo de tensão centralizado, nunca, desde então, se tendo acendido a luz avisadora; com estas deslocações a Porto Salvo, percorreu o demandante cerca de 128 quilómetros, que ascendem ao total de 46,08 €; também em consequência da ineficácia das reparações levadas a efeito pela Demandada, o Demandante recorreu aos serviços de advogado para se aconselhar sobre os seus direitos, tendo pago a quantia de 713,40 e de honorários, quantia que a Demandada deverá também suportar, uma vez que se ficou a dever exclusivamente ao facto ilícito praticado por ela.
Juntou 35 documentos (fls. 12 a 54 que, igualmente, se dão por reproduzidos.
A Demandada foi, pessoal e regularmente, citada para contestar, no prazo, querendo, tendo apresentado a douta contestação de fls. 76 a 87, na qual, defendendo-se por impugnação, diz, em síntese que a viatura se encontra devidamente reparada e a circular; a viatura foi reparada pela D, empresa tem sócios e gerências em comum com a Demandada, embora entre elas não exista uma relação de grupo; aliás, só devido a essa relação se explica que o Demandante não tenha pago qualquer quantia pela referida reparação; os prejuízos não patrimoniais, alegados pelo não se revestem daquela gravidade nem são suficientemente relevantes, não se mostrando ressarcíveis no âmbito do disposto no artigo 496.º, n.º 1 do CC; deste modo inexistindo dano que mereça a tutela legal, não ocorre a obrigação de indemnização com base na responsabilidade civil a imputar à Demandada, pela falta de um dos pressupostos dessa responsabilidade; a Demandada é mera concessionária da Automóveis C, S.A.; não fabrica automóveis nem as respetivas peças; todas as intervenções que a Demandada possa fazer ao abrigo da garantia, têm de estar previamente autorizadas pela representante da marca em Portugal, ou seja, a Automóveis C, S.A.; a Demandada efetuou todas as operações que lhe foram indicadas pelos serviços da representante da marca; o Demandante foi sempre acompanhado pelos serviços técnicos da Demandada, que sempre transmitiu à Automóveis C a insatisfação daquele; sempre que o demandante levava a viatura às instalações da Demandada, esta prontamente ligava a viatura à máquina electrónica e tudo aparentava estar normal; a Demandada testou a viatura em autoestrada e em trânsito citadino, tendo ligado a viatura novamente à máquina electrónica e tudo aparentava estar normal; o comportamento da Demandada jamais pode ser merecedor de qualquer censura, a título de culpa; o Demandante limita-se a afirmar que efetuou “numerosas” deslocações, o que não passa de mera conclusão, não tendo a Demandada a obrigação de saber se o Demandante efetuou “dezenas de deslocações” e que foram cerca de “300 Km”, pelo que impugna o alegado nos artigos 58.º a 61.º, da PI; o mesmo se diga quanto às deslocações a Porto Salvo, à D, empresa que, como já se disse, tem gerência e sócios comuns à Demandada; Relativamente ao pedido de indemnização a título de honorários que o demandante suportou com o seu advogado, diga-se, desde já, que os honorários de mandatário forense não podem qualificar-se como um prejuízo patrimonial, direta e necessariamente decorrente do eventual ilícito praticado pelo lesante, não podendo enquadrar-se no âmbito da obrigação de indemnizar a cargo deste, expendendo profusa e douta argumentação contra a pretensão do Demandante. Finalmente, requer a intervenção acessória provocada da Automóveis C, S.A., por ser sua concessionária e, nos termos da legislação citada, terá direito de regresso.
Juntou 3 documentos (fls. 88 a 91) que, igualmente, se dão por reproduzidos.
O Demandante foi notificado para se pronunciar, querendo, no prazo que lhe foi concedido, sobre o requerimento de intervenção acessória provocada, tendo-o feito nos termos consignados no douto requerimento de fls. 112 a 113, pugnando pelo seu indeferimento.
Foi proferida decisão no sentido do indeferimento da pretensão da Demandada, com os fundamentos constantes do despacho de fls. 114 e 115, que se dá por reproduzido, e o qual foi, em tempo, notificado às partes, não tendo merecido qualquer oposição.
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Cabe a este tribunal decidir se o Demandante tem o direito de ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados e, na afirmativa, qual a quantia indemnizatória.
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Tendo o Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 24 de fevereiro de 2016 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual não se realizou, por falta, injustificada, por parte da Demandada, pelo que, decidida a questão da intervenção acessória provocada, foi designado o dia 3 de maio de 2016 para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, devido à ausência da signatária em exercício de funções, em acumulação, também no Julgado de Paz de Óbidos (Agrupamento) – fls. 114 e 115.
(fls. 34).
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Aberta a Audiência, e estando presentes o Demandante – Sr. A -, acompanhado do seu Ilustre mandatário – Sr. Dr. E – e o representante legal da Demandada – Sr. F -, acompanhado do seu Ilustre mandatário – Sr. Dr. G - foram todos ouvidos nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (doravante designada por LJP), tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 26.º, do mesmo diploma legal, o que não se revelou possível, pelo que se procedeu à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
Devido à necessidade de ponderação da prova produzida, a audiência foi suspensa, tendo-se designado, desde logo, a presente data para a sua continuação, com prolação de sentença, e não antes, às supracitadas razões e bem assim à ausência da signatária, em gozo de férias, entre o dia 23 e o dia 27 do corrente.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual selecciona a matéria dada como provada ou não provada, ficou a dever-se aos documentos juntos aos autos por ambas as partes; à falta de impugnação especificada; às regras da experiência e do senso comum e bem assim, às declarações das partes na audiência de julgamento.
Foram, ainda ponderados os depoimentos das testemunhas apresentadas, também por ambas as partes, os quais se revelaram credíveis e assentes no conhecimento direto dos factos. Assim:
1.ª F, que, aos costumes, declarou ser companheira do Demandante, há cerca de um ano. A sua especial qualidade não retirou credibilidade ao seu depoimento, sendo certo que, dos factos que interessavam à decisão, pouco sabia.
2.ª G, que, aos costumes, declarou ser trabalhador da Demandada, há trinta e nove anos e conhecer o Demandante, devido à compra da viatura em apreço nos presentes autos. A sua especial qualidade não retirou credibilidade ao seu depoimento e, sendo testemunha comum a ambas as partes, manteve a equidistância suficiente para credibilizar o seu depoimento.
3.ª H, que, aos costumes, declarou ser amigo do Demandante há cerca de quarenta anos. Conquanto a testemunha pouco soubesse dos pormenores da situação, a verdade é que o seu depoimento vinha claramente “alinhavado”, no que a factos concretos, constantes do Requerimento Inicial dizia respeito, chegando mesmo a falar daquilo que não lhe era perguntado. Tal facto, porém, não inquinou o seu depoimento, uma vez que, genericamente, foi credível e de pouca relevância para a decisão.
4.ª I, que, aos costumes, declarou ser amigo do Demandante há três ou quatro anos. A testemunha terá acompanhado a situação do veículo, mas evidenciou o mesmo problema da testemunha anterior, sendo certo que, no que à decisão interessa, o seu depoimento revelou-se, genericamente, credível.
5.ª J, que, aos costumes, declarou ser Diretor Geral da Demandada, filho do seu representante legal. A testemunha explanou os procedimentos instituídos na Demandada e efetuou a experiência com a viatura, tendo, por isso, tido conhecimento da situação. A sua especial qualidade não retirou credibilidade ao seu depoimento, embora este tivesse recaído mais sobre os procedimentos em geral, do que sobre este em particular.
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Com interesse para a decisão, ficaram provados os seguintes factos:
1. Em 27 de dezembro de 2013, o Demandante adquiriu à Demandada o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, nova, da marca C, modelo ---, com caixa de velocidades automática, com a matrícula ---O-8-- (Doc. n.º 1);
2. Atenta a sua situação de deficiente, adquiriu o veículo com benefícios fiscais, pelo preço de 25.076,55 € (Vinte e cinco mil e setenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos) – idem;
3. Logo no dia 28 de dezembro (um Sábado) quando se preparava para ir de viagem, acendeu-se no quadrante do veículo o aviso “defeito do motor, solicite a reparação do veículo”;
4. Face ao inesperado aviso, o Demandante contactou o vendedor que o aconselhou a deslocar-se, na segunda-feira, às instalações da Demandada para que aí fosse analisado o problema;
5. Entretanto, ao estacionar a viatura, o aviso desapareceu;
6. Novamente contactado o vendedor este manteve o seu conselho de observação do veículo pelos serviços técnicos da Demandada;
7. O veículo foi recebido pelo responsável dos Serviços Técnicos, Sr. L, registando à data de 30 de dezembro de 2013, 228 Kms (Doc. n.º 2);
8. Foi efetuado teste electrónico, evidenciando o erro na Rede LIN, com o n.º U1134 (idem);
9. O veículo foi entregue ao Demandante e, logo no mês de janeiro de 2014, com 2.158 Kms, o Demandante teve de o voltar a entregar nas instalações da Demandada por se ter, de novo, manifestado a mesma mensagem de bordo (Doc. n.º 4);
10. Foi efetuado novo teste, tendo sido emitido relatório com a mesma indicação de erro na Rede LIN, com o n.º U1134 (Doc. n.º 4);
11. Recebido, dias depois, o veículo, logo com apenas mais cerca de 400 Kms percorridos, portanto com 2.583 kms, voltou a acender-se a luz com a referida mensagem (Doc. n.º 5);
12. E, a partir daí, aparecia periodicamente o mesmo aviso, apagando-se por vezes e mantendo-se acesa a luz avisadora de “service”;
13. O veículo era, de imediato levado para a oficina da Demandada e sempre ao cuidado do responsável pelos serviços Técnicos, Sr. L;
14. Em agosto de 2014, ao verificar que o problema (decorridos 8 meses) não era resolvido, apesar das idas constantes à oficina, o Demandante enviou à Demandada, com cópia para a representante da marca em Portugal, a comunicação electrónica de fls. 18, na qual relata os problemas surgidos e declara que não tendo o veículo arranjo, a única solução é a substituição do veículo por um novo ou a devolução do valor pago, acrescido dos danos morais e dos respetivos juros a que tem direito (Doc. n.º 6);
15. A demandada optou pela reparação, voltando a mensagem de “service” a manifestar-se aos 7452 Kms, aos 10.255 Kms, aos 10.915 Kms; aos 10.972 Kms e aos 11.061 Kms (Doc. n.º 7);
16. Tendo o Demandante sempre informado o Sr. L;
17. Aos 16.402 Kms, apareceu também a mensagem “defeito sistema ESP/ASR: Solicite a reparação do veículo”, bem como a informação de “Avaria na Caixa Automática: Solicite a reparação do veículo” (Doc. n.º 8); 18. Estas deficiências, foram determinando outras sucessivas entregas do veículo na s instalações da Demandada, não podendo o Demandante utilizar o veículo;
19. Algumas das vezes em que o veículo foi para a oficina ficou por lá bastante tempo, tendo, em 21 de julho de 2014 sido entregue e ali permanecido por quatro semanas (Doc. n.º 9);
20. O Demandante, conforme relata ao Sr. L – sempre com cópia para a Demandada e para a representante da marca – não sentia segurança, estabilidade no veículo e insiste na sua substituição (idem);
21. Em 21 de janeiro de 2015, o Demandante vê-se forçado a entregar novamente a viatura para reparação na Demandada, com 16.609 Kms (Doc. n.º 10);
22. A Demandada decidiu, então, mandar o veículo para a oficina da C, em Sacavém, no dia 27 de janeiro de 2015, com 16.653 Kms (Doc. n.º 11);
23. Em 11 de fevereiro – duas semanas depois – o Sr. L informou o Demandante que teria de se deslocar a Sacavém, a cerca de 40 Kms da sua residência e que teria de pagar 20,00 € de combustível (Doc. n.º 12);
24. Como o Demandante protestou, tais condições foram retiradas (Doc. n.º 13);
25. Com o veículo supostamente reparado, o Demandante deslocou-se ao Algarve, mas aos 17.360 Kms volta a aparecer a mensagem de “defeito no motor, solicite a reparação do veículo”, o que foi agravado com o facto de o veículo começar aos soluços, não passando da terceira velocidade (Doc. n.º 8);
26. O veículo foi novamente entregue nas instalações da Demandada, com 17.951 Kms (Doc. n.º 14), assinalando o Demandante tal facto no Livro de Reclamações (Doc. n.º 15);
27. O veículo foi levantado, com 18.083 Kms, no dia 20 de abril de 2015, mas logo aos 18.279 kms volta a acender-se a mesma luz avisadora, com a mesma mensagem (Doc. n.º 16);
28. O Demandante entregou o veículo na oficina da D, concessionário mais próximo, em 3 de junho de 2015, sendo-lhe entregue o Relatório de Avaria, que regista o mesmo erro na rede LIN U1134 (Doc. n.º 17);
29. Logo a seguir, aos 18.342 Kms, o Demandante assusta-se de novo pois que aparece no quadrante a mensagem “Manutenção ultrapassa 5.400 kms”, sobretudo quando a D lhe certificava que esta seria apenas aos 40.297 Kms ou em junho de 2016 (idem);
30. E os avisos não param, surgindo aos 18.754 kms; aos 22.485 kms; aos 22580 kms; aos 22.695 kms; aos 22.723 kms; aos 23.337 kms; aos 23.369 kms e aos 23.988 kms (Docs. n.ºs 10 a 23);
31. As várias reparações nada solucionam dado que volta a verificar-se nova indicação de defeito aos 24.451 kms; aos 24.621 kms; aos 24.624 kms, mantendo-se a luz de “service” acesa aos 24.625 kms e aos 24.626 Kms (Docs. 24 a 28);
32. O Demandante vê-se desesperado e angustiado pelos repetidos episódios do longo historial do veículo;
33. O Demandante sofre de doença do foro neurológico que, em 4 de março e em 14 de dezembro de 2015, regista agravamento relativamente ao exame anterior (Docs. n.ºs 29 e 30);
34. O Demandante viu-se forçado a efetuar várias deslocações às instalações da Demandada que distam cerca de 5 kms da sua residência, em número não inferior a trinta deslocações, o que ascende ao montante de 108,00 € (30x10kmsx0,36);
35. Em total desespero com a ineficácia da Demandada em resolver o problema, o Demandante decidiu levar o veículo à D, em Porto Salvo, a qual, após inspeção ao veículo, procedeu à substituição do dispositivo de tensão centralizado, em outubro de 2015 (Doc. n.º 32);
36. Nunca se tendo, desde então, voltado a acender a luz avisadora;
37. As duas deslocações à D (Seixal a Porto Salvo e regresso), localizadas a 32 Kms, totalizam 128 kms, o que ascende ao montante de 46,08 €;
38. O Demandante procurou aconselhar-se com o seu advogado, com o que despendeu a quantia total de 713,40 € (Setecentos e treze euros e quarenta cêntimos) – Docs. 33 a 35;
39. A Demandada é concessionária da Automóveis C, S.A.;
40. A Demandada sempre efetuou as operações mecânicas que foram indicadas pelos serviços técnicos da representante da marca (Doc. n.º 1 junto e 2 e 3, juntos à contestação);
41. O Demandante foi sempre acompanhado pelos serviços técnicos da Demandada (idem);
42. Sempre que o Demandante levava a viatura à oficina da Demandada, a mesma era ligada à máquina electrónica;
43. A demandada testou e efetuou com a viatura mais de 120 kms em autoestrada e em trânsito citadino, tendo ligado novamente a viatura à máquina electrónica;
44. A Demandada enviou ao Demandante as cartas de fls. 88 a 91, datadas de 29 de janeiro de 2015, 9 de março de 2015 e 14 de abril de 2015, que se dão por reproduzidas, garantindo que a viatura estava em perfeito estado de funcionamento;
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
Entre a Demandante e a Demandada foi celebrado um contrato de compra e venda do veículo suprarreferido [Art.ºs 874.º e 879.º do Código Civil (CC)].
Neste caso estamos perante uma relação de consumo, como ela é definida na al. a), do art.º 1.º-B, da Lei da defesa do Consumidor (LDC), que dispõe que “Considera-se consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.” (Lei n.º 24/96, de 31 de Junho, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril e pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio).
Com o pedido formulado, o Demandante move-se no âmbito da venda de coisa defeituosa (Art.º 913.º e seguintes do CC).
De facto, a coisa entregue pelo vendedor, na execução do contrato de compra e venda, deve estar isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pelo comprador.
No mesmo sentido vai a LDC, resultando da referida Lei os direitos gerais dos consumidores, sendo que, além de outros, o consumidor tem o direito à qualidade dos bens ou dos serviços e o direito à prevenção e à reparação dos prejuízos, quando o bem ou o serviço não respeite aquele outro direito.
Face às profusas disposições legais que disciplinam a matéria, incluindo o Código Civil, tem-se como defeito “…o vício que (…) desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim …” (art.º 913.º do Cód. Civil) e assim, se o objeto da venda puder ser consubstanciado em tal norma, estamos seguramente perante a venda de um bem defeituoso.
Nos termos do disposto nas disposições suprarreferidas, resulta que o consumidor, em caso de desconformidade do bem, tem direito à reparação ou à substituição do bem; redução adequada do preço ou à resolução do contrato (n.º 1, do art.º 4.º, da LDC).
Nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 4.º da LDC tratando-se de um bem móvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas no prazo máximo de 30 dias e sem grave inconveniente para o consumidor.
O Demandante âncora a sua pretensão no facto de considerar que a Demandada foi negligente na resolução das anomalias de que o veículo padecia, uma vez que durante mais de um ano não logrou eliminar as mensagens de avaria que o veículo apresentava.
A Demandada, por seu turno, alega que tudo fez para resolver os problemas e que o Demandante sempre foi acompanhado pelos seus serviços técnicos, sendo certo que é uma mera concessionária da representante da marca em Portugal e que, por isso, sempre seguiu as instruções desta e lhe deu a conhecer a insatisfação do Demandante.
Cumpre aqui esclarecer que, como é medianamente claro, a Demandada não pode excluir a sua responsabilidade na resolução dos problemas que lhe são colocados pelos seus clientes, pelo facto de como diz “ser uma mera concessionária da representante da marca em Portugal”.
Efetivamente, na qualidade de vendedora – porque o é – assume perante o comprador todas as obrigações que, eventualmente, viessem a caber ao representante ou, até, ao fabricante.
Tanto que tem oficinas; que tem acesso às instruções de fábrica e os seus técnicos recebem formação específica da marca.
E a verdade é que a Demandada, apesar das inúmeras tentativas de resolver o problema, nunca teve sucesso, acabando por ser uma outra concessionária, ao fim de mais de ano de idas à oficina, quem o resolveu.
Bem sabemos que, quando se lida com componentes electrónicos as dificuldades aumentam, mas não é aceitável que a Demandada não fosse capaz (como não o foi a própria representante da marca em Portugal) de anular as sucessivas mensagens de avaria que o veículo transmitia ao seu condutor no painel de controlo.
Por conseguinte, a Demandada tendo cumprido, cumpriu defeituosamente e, por isso, constitui-se na obrigação de indemnizar o Demandante pelos prejuízos sofridos por este.
De facto, a consequência mais importante do cumprimento defeituoso é a obrigação de ressarcimento dos danos causados ao credor (art.º 798.º, do CC).
O art.º 799.º, do CC, estabelece uma presunção de culpa que incumbe ao devedor ilidir, o que, neste caso, não aconteceu, sendo certo que a culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.
Ora resulta provado que o Demandante adquiriu um veículo, de gama média, novo e que, logo no dia seguinte à entrega, com escassos duzentos quilómetros percorridos, se iniciou o seu “calvário” de sustos, insegurança e deslocações à oficina da Demandada que, apesar das tentativas que, alegadamente, levou a efeito, nunca conseguiu resolver as anomalias que o veículo evidenciava.
Tratar-se-ia, como em audiência de julgamento foi dito de um “defeito fugitivo”, ou seja, que não se tratando de defeito, acaba por transmitir mensagens erradas, mas a verdade é que não é normal que tal defeito não tenha sido corrigido, em tempo útil e definitivamente, pelos serviços técnicos da Demandada.
Não é expectável que um veículo novo transmita tantas vezes mensagens de avaria, quando não existe qualquer avaria, não sendo, igualmente, aceitável que quem tem a obrigação de pôr fim a tal situação se mostre incapaz de o fazer.
A atitude correta seria a de não voltar a entregar o veículo ao seu proprietário sem que o problema estivesse definitivamente erradicado ou, como o Demandante pediu, substituir a viatura por outra de iguais características e preço.
A Demandada nunca aceitou a substituição da viatura e nunca foi capaz de resolver o problema.
Todavia, considera que nenhum dano causou ao Demandante porque, em seu entender, os sustos, os incómodos, as evidentes e permanentes angústias; a justificada revolta e indignação, o enorme enervamento; o indizível desespero e a persistente angústia, não merecem a tutela do direito como indemnizáveis.
Adiantamos, desde já, que não acompanhamos este entendimento da Demandada, conforme a seguir se verá.
Antes, porém, importa referir, na questão de Direito, embora de modo sintético, que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de que provenha (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana – Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil; responsabilidade pelo risco ou objetiva - Art.ºs 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss.) radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico (cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, 1986 – reimpressão, AAFDL, 283).
Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos.
Nos termos do disposto no art.º 496.º, do CC, são indemnizáveis os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal.
Neste caso, resulta provado que, durante mais de um ano, o Demandante deixou o seu veículo por mais de 30 vezes na oficina para reparações que ou não ocorreram ou foram deficientemente efetuadas; circulou com um veículo novo que, constantemente, lhe apresentava mensagens que poderiam pôr em causa o seu funcionamento e a segurança dos seus ocupantes; cumpriu a sua obrigação de entregar o veículo para reparação aos serviços técnicos da Demandada, sem que, contudo, estes resolvessem o problema; foi-lhe pedido que se deslocasse a Sacavém para levantar o veículo que a própria Demandada para ali enviara e que pagasse 20,00 € de combustível.
É caso para dizer que não é necessário sofrer de doença do foro neurológico para, além da privação de uso do veículo de sua propriedade, o homem comum, nesta dada situação, perder significativa qualidade de vida e prazer de conduzir um veículo novo, que se esperaria não ter problemas.
O dano, a nosso ver e ressalvado o devido respeito, é indemnizável porque a insegurança na condução; a frustração de não ver o problema resolvido; a perda de confiança nos serviços da Demandada e – sim - o enervamento de cada vez que pegava no veículo, sem saber o que iria acontecer, são questões que afetam (e muito!) o bem-estar e a tranquilidade de qualquer pessoa, não se tratando, obviamente, de meros incómodos ou contrariedades.
O Demandante a este propósito, pede a condenação da Demandada no pagamento da quantia de 5.000,00 € (Cinco mil euros). Atingirão os danos sofridos uma gravidade tal que justifique a atribuição desta indemnização?
A nosso ver, assim não é. Efetivamente, resulta da correspondência enviada à Demandada, com conhecimento à representante da marca, que o Demandante, embora desgastado com a situação, a aceitou durante algum tempo.
Resulta provado que se verificou um agravamento da sua situação clinica relativamente ao exame anterior, mas não se sabe de quando era o exame anterior e que tipo de agravamento se verificou.
As testemunhas que apresentou foram bastante vagas na caracterização dos danos que sofreu.
Tudo visto e considerando - como consideramos - que a Demandada deveria ter tratado da situação de modo diferente, sendo certo que situações como a que resulta provada diminuem drasticamente a qualidade de vida de qualquer um, temos por adequada a indemnização de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros), que a Demandada deverá pagar ao Demandante.
Procede, assim, parcialmente o pedido quanto a esta parte.
Relativamente aos danos patrimoniais invocados, cumpre aqui dizer que estes poderiam ser muito superiores, caso o Demandante tivesse optado pela indemnização relativa à privação de uso do veículo, que sempre representaria uma diminuição do seu direito de fruir do veículo de sua propriedade; pela perda de tempo, etc..
Neste caso, o Demandante apenas pede a condenação da Demandada no pagamento da quantia de 154,08 € (Cento e cinquenta e quatro euros e oito cêntimos) relativa aos quilómetros que percorreu com as deslocações à oficina da Demandada e da D em Porto Salvo.
Valor que nos parece bastante aceitável, se tivermos em consideração os bens envolvidos, pelo que procede também o pedido quanto a esta parte.
O Demandante vem pedir também a condenação da Demandada no pagamento dos honorários pagos ao seu Ilustre mandatário, no montante de 713,40 € (Setecentos e treze euros e quarenta cêntimos).
Escusamo-nos de repetir a excelente argumentação expendida e invocada contra esta pretensão do Demandante, pela Demandada, argumentação que acompanhamos integralmente e que damos por reproduzida.
Além disso, sempre se dirá que nos Julgados de Paz não tem aplicação o Código das Custas Processuais, regendo – quanto a custas – as Portarias n.ºs 1456/2001, de 28 de dezembro e 209/2005, de 24 de fevereiro, sendo certo que as disposições do Código de Processo Civil se aplicam subsidiariamente, no que não for incompatível com a Lei n.º 78/2001, de 13 de julho.
Acresce que, nos julgados de paz, como em inúmeros processos judiciais, não é obrigatória a constituição de mandatário, sendo, no entanto e na nossa opinião, sempre útil que as partes o façam. É, porém, uma escolha das partes, que aceitamos e incentivamos, e que, obviamente, terá reflexos nas despesas necessárias à defesa dos seus direitos e interesses.
Ora havendo regulamento específico e especial quanto a custas nos julgados de paz, não tem aplicação o disposto no art.º 533.º, do Código de Processo Civil, por, a nosso ver, ser incompatível com aquelas portarias.
E, assim sendo, como é, sem maiores indagações, porque desnecessárias, improcede o pedido formulado pelo Demandante, quanto a esta parte.
Quanto ao pedido de condenação da Demandada no pagamento de juros de mora, contados desde a presente data, até efetivo e integral pagamento, vejamos se lhe assiste razão para formular este pedido:
Nos termos do n.º 1 do art.º 804.º do Código Civil “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.” e dispõe o Art.º 806.º, n.º 1 que “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do Art.º 559.º do Cód. Civil que “ Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano.”.
A taxa de juros legalmente fixada e aplicável ao caso sub judicie é de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
Procede, assim, o pedido quanto a esta parte.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, decido condenar a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de 1.654,08 € (Mil, seiscentos e cinquenta e quatro euros e oito cêntimos), relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por este.
Mais decido condenar a Demandada no pagamento de juros de mora, à supracitada taxa legal, contados desde a presente data, até integral e efetivo pagamento.
Mais decido, ainda, absolver a Demandada do pedido de pagamento da quantia relativa aos honorários pagos ao mandatário.
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Custas a suportar pelo Demandante e pela Demandada, em razão do decaimento e na proporção respetiva de 72 % e 28 % (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
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Registe.
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Seixal, 30 de maio de 2016
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)

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(Fernanda Carretas)