Sentença de Julgado de Paz
Processo: 300/2016-JPFNC
Relator: LUÍSA ALMEIDA SOARES
Descritores: MÚTUO
Data da sentença: 12/11/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I. RELATÓRIO--
A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, casado, portador do CC X e do NIF X, residente no X, Funchal.

Demandado: B, casado, portador do CC X, residente na rua X, Funchal.
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B) PEDIDO
O Demandante propôs contra o Demandado a presente ação declarativa enquadrada na alínea i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, peticionando a condenação deste no pagamento:
a) da quantia de €789,24 (setecentos e oitenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos) pelo incumprimento contratual, acrescida de juros de mora vencidos desde 04.12.2015, no valor de €25.86 (vinte e cinco euros e oitenta e seis cêntimos);
b) da quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais, correspondentes aos honorários de advogado, às custas e procuradoria condigna;
c) de juros de mora vincendos, desde 06.10.2016 até integral pagamento;

Juntou 4 (quatro) documentos.
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O Demandado B foi pessoal e regularmente citado em 14.10.2016, contestou, deduziu exceções que foram julgadas improcedentes e formulou pedido reconvencional que não foi admitido, tudo conforme se extrai dos despachos e ata de julgamento constantes dos presentes autos.
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II- SANEAMENTO
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância: o Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em €1.565,10 euros (mil quinhentos e sessenta e cinco euros e dez cêntimos) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho).
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IV – OBJETO DO LITÍGIO
O objeto do litígio entre as partes circunscreve-se a apurar da celebração de um contrato de mútuo entre as partes e das condições do mesmo.
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V – QUESTÕES A DECIDIR
Nos presentes autos importa apreciar da celebração de um contrato de mútuo, em caso afirmativo, se o Demandado cumpriu a obrigação de restituição do montante mutuado e, na negativa, quais as consequências daí resultantes.
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VI - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, de acordo com a prova documental carreada para os autos e as testemunhas ouvidas na 1.ª sessão da Audiência de Julgamento, resultaram os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS
1. O Demandante e o Demandado tiveram entre si relações de amizade.
2. O Demandante trabalha na C como agente de viagens.
3. Em diferentes datas, o Demandante pagou pelo Demandado o preço de viagens à C
4. Em 02.12.2015, o Demandado solicitou ao Demandante que lhe adiantasse o pagamento junto da C de uma viagem para a sua mulher, D, com saída de X e chegada ao Funchal, com escalas.
5. Inicialmente o valor da viagem referida em 4. seria de €829,24, sendo que com desconto comercial ficou pelo valor de €789,24.
6. Em 04.12.2015, o Demandante procedeu ao pagamento da viagem referida em 4., através do seu cartão de crédito pessoal do X n.º 000000.
7. Para garantia de pagamento da quantia referida em 5., em 04.12.2015, o Demandado entregou ao Demandante o cheque n.º 0000 da X.
8. O aludido cheque mostrava-se assinado pelo Demandado, mas sem o preenchimento dos demais campos.
9. No dia 27.05.2016, o Demandante procedeu ao depósito do cheque referido em 7., datado da mesma data e no valor de €789,24, tendo o mesmo sido devolvido em 31.05.2016, com a indicação de “cheque rev. jus. causa falta vício form. vontade”.
10. Pela devolução do cheque referido em 7., o Demandante pagou a quantia de €18,20.
11. Em 02.12.2015, a C emitiu a fatura n.º 00, no valor de €829,24, tendo sido anulada.
12. Em 04.12.2015 a C emitiu a fatura n.º 00 em nome do Demandante, no valor de €789,24.
13. Por diversas vezes, o Demandante solicitou ao Demandado a quantia referida em 5, recusando-se este a fazê-lo por entender ter havido um problema com a viagem da sua mulher.
14. Até à presente data, o Demandado não pagou a quantia referida em 5. ao Demandante.
15. O Demandado escreveu no livro de reclamações da C e apresentou reclamação junto do Serviço de Defesa do Consumidor.
16. O Serviço de Defesa do Consumidor procurou resolver o conflito extrajudicial entre o Demandado e a C em sessão de mediação de conflito de consumo no dia 30.09.2016, o que não foi possível.
17. Até data não concretamente apurada, a C, permitia que Demandado procedesse ao pagamento em prestações das viagens que este lhe comprava.
18. Em 04.12.2015, o Demandado não possuía crédito junto da C, tendo de liquidar as viagens a pronto.
19. O Demandado entregava ao Demandante cheques em branco, assinados por si, para pagamento de quantias que este lhe adiantava, referentes ao preço de viagens adquiridas pelo Demandado à C
20. O Demandado entregou ao Demandante as quantias de €250,00, em 02.12.2015 (por endosso do cheque emitido a favor do Demandado pelo E) €100,00 em numerário no dia 02.02.2016; €100,00 em numerário no dia 02.03.2016 e €100,00 em numerário no dia 20.04.2016.
21. As quantias referidas em 20. destinavam-se ao pagamento de viagens adquiridas pelo Demandado à C, adiantadas pelo Demandante.
22. Em Hong Kong no balcão da F foi comunicado à mulher do Demandado que não podia seguir viagem porque necessitava de viagem de ida e volta para viajar com visto de turista.
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FACTOS NÃO PROVADOS
23. O Demandante é gerente da C
24. O Demandante acordou com o Demandado que a viagem referida em 4 seria paga em três prestações.
25. O Demandado pagou pela viagem referida em 4., no dia 02.12.2015, a quantia de €250,00 (através de cheque emitido pelo X), em 02.02.2016 a quantia de €100,00 em numerário, em 02.03.206 a quantia de €100,00 em numerário e em 20.04.2016 a quantia de €100,00 em numerário, num total de €550,00.
26. O Demandado interrompeu o pagamento da viagem referida em 4. porque no portal das finanças foi comunicado que a C anulou a fatura e depois recebeu a carta da F a dizer que a viagem foi cancelada pela referida agência, sem autorização do Demandado.
27. O cheque referido em 7. foi entregue à C, assinado mas omisso em relação ao resto, como garantia.
28. O Demandado comprometeu-se a liquidar a quantia referida em 5. o mais rapidamente possível.
29. O Demandante despendeu com custas, condigna procuradoria e honorários de advogado, a quantia de €750,00.
30. A mulher do Demandado, ao embarcar em X, a 04.02.2016, foi informada, no ato do check in para o percurso X, que provavelmente teria problemas em continuar a viagem pois era apenas detentora de um bilhete de ida e com visto de turista e que necessitava de um bilhete de ida e volta.
31. As bagagens da mulher do Demandado foram despachadas para serem levantadas em X e embarcou com destino a X.
32. O Demandado dirigiu-se à agência de viagens C a comunicar os factos referidos em 22., tendo sido informado que a F não iria proceder ao reembolso e que teria de emitir novo bilhete.
33. A mulher do Demandado ficou 10 dias a pernoitar no aeroporto de X sem direito a alojamento e refeições, sem recursos, uma vez que não conseguia utilizar o cartão multibanco ou aceder à sua conta bancária.
34. A C cancelou a viagem referida em 4. sem autorização do Demandado.
35. O Demandado viu-se obrigado a comprar nova passagem aérea de ida e volta noutra companhia aérea G e H (sem necessidade de apresentação visto) no valor de €770,00 para a mulher regressar a Portugal.
36. A C preencheu o cheque referido em 7., sem ter em conta os valores já pagos pelo Demandado e sem a autorização deste.
37. O Demandado antes de adquirir a viagem referida em 4., entregou na C cópia do passaporte e do visto de turismo.
38. No ano de 2015 o Demandado vivenciou a morte do filho.
39. O Demandante adiantou ao Demandado o pagamento das deslocações da Dr.ª I, advogada do Demandado no processo que este intentou contra a J após a morte do filho.
40. Em dezembro de 2015, o Demandante já havia adiantado ao Demandado a) em 15.08.2015 o valor de €235,00 para abater ao valor remanescente das faturas n.º 00 e n.º 00, ambas de 22.06.2015 da C; b) em 16.09.2015 o valor de €243,00 para pagamento correspondente à reserva n.º X referente ao bilhete aéreo (ida e volta) na X; c) em 16.10.2015 o valor de €147,00 acrescido de €35,00 a título de despesas, para pagamento corresponde à reserva n.º X referente ao bilhete aéreo (ida e volta) na X; d) em 05.11.2015 o valor de €168,00 para pagamento correspondente à reserva n.º X referente ao bilhete aéreo (ida e volta) da X.
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A convicção do Tribunal para dar como provados os factos 1 a 22 resultou da apreciação dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas oferecidas pelo Demandante e pelo Demandado que depuseram de forma objetiva, sem contradições e que se revelaram credíveis aos olhos do Tribunal.
Ouvido nos termos do artigo 26.º n.º 1 da Lei 78/2001 de 13 de julho, o Demandante explicou que o cheque junto aos autos a fls. 6, como documento n.º 3, lhe foi entregue pelo Demandado para pagamento de uma viagem cujo pagamento lhe adiantou junto da C, no valor que o cheque titula, ou seja, €789,24.
Referiu que, pela amizade existente entre ambos, acedeu por várias vezes a adiantar pagamentos à agência de viagens, onde trabalhava e ainda trabalha, em nome do Demandado. Que posteriormente este lhe entregava em prestações os montantes que em seu nome eram pagos.
Explicou que no dia 04.12.2015, conforme consta do extrato bancário junto aos autos e fls. 5 e 5 verso, pagou com o seu cartão de crédito pessoal uma viagem para a mulher do Demandado, D, entre X e o X, tendo-lhe aquele entregue o cheque que se encontra junto aos autos a fls. 6. Referiu que como existiu um problema na referida viagem o Demandado entendeu não ter de lhe pagar e que, por essa razão, anulou o referido cheque, sendo que até ao momento, apesar de várias vezes lhe ter solicitado, nada lhe pagou. Reiterou o que vem expresso nos seus articulados.
O Demandado B, ouvido nos termos do artigo 26.º n.º 1 da Lei 78/2001 de 13 de julho, explicou que estabeleceu uma relação comercial com a C, tendo comprado algumas viagens, e que comprou um bilhete de avião para a sua mulher viajar entre X e o X, tendo esta ficado retida no percurso por questões que entende serem da responsabilidade da C. Referiu que alguém preencheu o cheque que deixou na agência de viagens e que se encontra junto aos autos a fls. 6., sendo que apenas o deixou assinado e os restantes campo em branco. Explicou que era amigo do Demandante mas que neste momento já não é. Reiterou o que vem expresso nos seus articulados.
Como é sabido, a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal (artigo 396.º do CC).
De acordo com o princípio da livre apreciação da prova e na lição sempre recordada de Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, página 382) o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a verdade formal.
A testemunha do Demandante K, funcionário da C disse conhecer o Demandado do futebol e por tê-lo visto na agência de viagens onde trabalha, tendo tomado café com ele e com o Demandante por ser seu colega de trabalho, que tal como ele, vende viagens ao público, não sendo gerente da C. Explicou que era o Demandante quem costumava vender as viagens ao Demandado. Que em 2015 a C exigia ao Demandado o pagamento a pronto uma vez que este anteriormente tinha falhado com alguns pagamentos, não cumprindo os prazos que estavam estipulados. Que o Demandante como conhecia o Demandado e eram bastante amigos há muitos anos dava-lhe a possibilidade de fracionar os pagamentos. Tendo-lhe sido exibida a fatura junta aos autos como documento n.º 1, reconheceu a mesma como dizendo respeito a uma viagem da mulher do Demandado desde X, que foi vendida pelo Demandante, pelo valor de €789,24, não estando em dívida para com a C porque o Demandante a pagou.
Explicou que a fatura inicial teve uma redução para €789,24 atendendo a que o Demandante era amigo do Demandado.
Asseverou que o Demandante, pelo menos duas ou três vezes, adiantou ao Demandado o pagamento de viagens junto da C uma vez que este tinha o crédito cancelado na agência por incumprimento, que o Demandado lhe entregava cheques em branco para pagar em prestações e que, posteriormente, o Demandante os depositava na sua própria conta para pagar o valor que tinha adiantado.
Confrontado com o documento n.º 2 junto com o requerimento inicial – extrato de cartão de crédito – reconheceu o valor da fatura como tendo sido pago com o referido cartão pessoal do Demandante.
Referiu saber que o Demandante tinha alguns cheques que lhe foram passados pelo Demandado e tentou receber o valor que lhe emprestou, mas um dos cheques foi devolvido, tendo o Demandante confrontado o Demandado e este dito que iria resolver. Mais explicou que chegou a assistir a discussões entre o Demandante e o Demandado motivadas por falta de pagamentos deste, sabendo que existiu um problema com a viagem comprada para a mulher do Demandado.
A testemunha D explicou que fez uma viagem entre Manila e Funchal e que no percurso, em X, teve um problema com o visto e ficou retida durante dez dias uma vez que só tinha viagem de turista.
Inicialmente referiu não conhecer o Demandante, nem o seu nome, mas posteriormente disse que esteve com o mesmo na agência de viagens C. Disse nada saber em concreto relativamente à compra da sua viagem ou o que poderá ter sido acordado entre o seu marido e o Demandante, uma vez que apenas recebia o bilhete para fazer a viagem.
Dos documentos juntos aos autos com o requerimento inicial, com a contestação e posteriormente aos articulados, resultam vários emails que traduzem desde logo um conflito entre o Demandado e a agência de viagens C, sendo que é o próprio quem no documento 9 junto com a contestação, no email de 04.10.2016, 12h21, afirma ao Serviço de Defesa ao Consumidor de forma expressa “(...) foi a C que me vendeu a passagem aérea e não senhor A ou a dona I(...)” (...) “(...) meu problema é com agencia C e não uma pessoa especifica (...).”
Da conjugação do depoimento da testemunha do Demandante K e do Demandado, o Tribunal ficou convencido de que existiu uma forte relação de amizade entre ambos, sendo certo que o próprio teor dos emails juntos aos autos o demonstra. A título de exemplo o documento 4 junto a fls. 24, de 23.11.2015 às 13h48, onde o Demandado se dirige ao Demandante como “amigo A” e o próprio tratamento na primeira pessoa revela intimidade e proximidade entre ambos e não apenas a relação de um agente de viagens com um cliente. Tal facto é também comprovado pelos documentos 8, 9 a 15 juntos com o requerimento inicial e pelo documento 11 de fls. 34 e 35 dos autos, onde se encontram as reclamações feitas pelo Demandado quer no livro de reclamações, quer junto do Serviço de Defesa do Consumidor, que após sessão de mediação de conflito de consumo em 30.09.2016 arquivou o processo.
Por outro lado, resultou provado que o Demandante trabalha no balcão da C, não sendo seu gerente, atendendo e vendendo ao público como qualquer outro funcionário.
Conforme explicou de forma clara e convincente quer o Demandante, quer a sua testemunha K, pela relação de amizade que existia entre ambos e uma vez que tinha sido cancelado pela agência de viagens o crédito ao Demandado, o Demandante pagava pelo Demandado junto da C viagens e este entregava-lhe cheques para que posteriormente os apresentasse a pagamento e fazer o encontro de contas.
Resultou provado que, em 02.12.2015, o Demandado solicitou ao Demandante que efectuasse, por si, o pagamento junto da C de uma viagem para a sua mulher, a testemunha D, poder viajar entre X e o X, ao que o Demandante acedeu, pagando com o seu cartão de crédito pessoal X o valor de €789,24, conforme resulta do extrato de conta do referido cartão, documentos 1 e 2 juntos com o requerimento inicial. O Demandado, como já era habitual, entregou ao Demandante o cheque n.º 000 da X, para que este, posteriormente, recuperasse o valor que adiantava pelo Demandado junto da C.
Conforme resulta dos documentos 4 junto com o requerimento inicial, 5 de fls. 25, 15 junto com a contestação e do original do cheque fls. 80, no dia 27.05.2016 o Demandante procedeu ao depósito do cheque n.º 000 da X, tendo este sido devolvido em 31.05.2016 com a indicação de “cheque rev. jus. causa falta vício form. vontade”, sendo que com a devolução do cheque como resulta do documento 4 de fls. 74, o Demandante pagou €18,20.
Resultou ainda provado através do depoimento da testemunha K, das declarações do Demandante e do documento 16 de fls. 40, que inicialmente o valor da viagem era de €829,24, tendo sido emitida a fatura n.º 00 de 02.12.2015, mas devido a desconto comercial passou a ser no montante de €789,24, sendo anulada a fatura 00 e emitida a fatura n.º 00, de 04.12.2015 no referido valor.
Conforme decorreu do depoimento da testemunha K, das declarações do Demandante e nomeadamente do email de 09.05.2016 às 22h01 junto como documento 3 a fls. 23, o Demandante interpelou o Demandado para pagar o valor da viagem, mas este, até à data, não o fez, atendendo a que houve um problema que este imputa à agência C onde aquele trabalha.
Os factos não provados em 23. a 40. assim foram considerados atendendo à falta de prova ou prova produzida em sentido contrário que os infirmaram.
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VII – ENQUADRAMENTO JURÍDICO LEGAL
Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
O Demandante peticiona a condenação do Demandado no pagamento da quantia de €789,24 (setecentos e oitenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos) pelo incumprimento contratual, acrescida de juros de mora vencidos desde 04.12.2015, no valor de €25.86 (vinte e cinco euros e oitenta e seis cêntimos); da quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais, correspondentes aos honorários de advogado, às custas e procuradoria condigna; de juros de mora vincendos, desde 06.10.2016 até integral pagamento;
A presente ação funda-se no incumprimento de uma obrigação por parte do Demandado, enquadrando-se, em termos de competência material deste Tribunal, na al. i), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
A qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes é linear e não suscita dificuldades.
Como decorre dos factos provados, o contrato em causa subsume-se a um contrato de mútuo.
Nos termos do disposto nos artigos 1142.º do Código Civil «Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade» e 1144.º «As coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega».
Conclui-se deste modo que o contrato de mútuo se configura como um contrato real quod constitutionem que se consuma a transferência da propriedade do bem com a sua entrega ao mutuário.
Assim, são seus elementos constitutivos a entrega a outrem de dinheiro ou coisa fungível, isto é, a que é possível determinar pelo seu género, qualidade e quantidade (artigo 207.º do Código Civil), a obrigação do mutuário de restituir tal coisa ao mutuante.
Conforme decorre, entre outros, do Acórdão do STJ, processo 220/10.0TBPNI.L1.S1, de 03.10.2013 (pesquisável em www.dgsi.pt) “o contrato de mútuo (art. 1142.º do CC) apresenta-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto da sua assunção nascem ou emergem obrigações recíprocas para ambos contraentes, e oneroso, porquanto dele resulta um benefício para ambas as partes; é um contrato típico e assume a natureza de um contrato real, quoad constitutio nem, porquanto só se perfectibiliza com a entrega da quantia ou da coisa para a esfera de propriedade do mutuário. O contrato de mútuo assume, relativamente à forma, as características de um contrato solene (art. 1143.º do CC), dado que, para que seja eficaz e válido, se torna necessário que as declarações de vontade expressas pelos contraentes sejam plasmadas em escritura pública, se a quantia mutuada for igual ou superior às quantias legalmente fixadas”.
Resulta dos factos provados que o Demandante, a pedido do Demandado, pagou, através do seu cartão de crédito, à C uma viagem para a mulher daquele, D, tendo o Demandado entregue ao Demandante o cheque n.º 000 da X, para ser posteriormente depositado pelo Demandante, ou seja, para restituição da quantia mutuada. Atenta a quantia em causa (€789,24), quanto à forma, o contrato de mútuo foi validamente celebrado (artigo 1143.º do Código Civil).
Conforme, entre outros, a jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 1463/07.9TBCNT.C1 de 24.09.2013, “celebrado o mútuo e entregue a coisa ao mutuário, este torna-se proprietário dela, ficando em contrapartida adstrito ao dever de pagar a retribuição – juros - quando a ela haja lugar, e a restituir o tantundem, isto é, a coisa do mesmo género, quantidade e qualidade”.
Pese embora não tenha existido uma entrega direta de dinheiro do Demandante ao Demandado, a quantia liquidada pelo Demandante junto da credora do Demandado, a C permitiu saldar a dívida da viagem entre Manila e o Funchal, adquirida pelo Demandado.
Tratou-se assim de um mútuo com vista à obtenção pelo Demandado de uma viagem, para a sua mulher, cuja quitação, pelo pagamento feito pelo Demandante, lhe foi dada.
Tendo-se provado que o Demandado não restituiu ao Demandante a quantia que este lhe emprestou, tem necessariamente de proceder o pedido de condenação do Demandado no pagamento ao Demandante da quantia de €789,24 (setecentos e oitenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos).
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Peticiona ainda o Demandante a condenação do Demandado nos juros de mora à taxa legal já vencidos, desde 4 de dezembro de 2015 até à data de entrada dos presentes autos, em 06.10.2016, assim como nos juros de mora desde 06.10.2016 até integral pagamento.
Conforme resulta do artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil, o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para pagar. Por outro lado o n.º 2, alínea a) do mesmo diploma estabelece que há mora do devedor independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo.
No presente caso resulta da matéria de facto provada que o Demandado, em 04.12.2015, entregou ao Demandante o cheque n.º 00 da X, para garantia de pagamento da viagem, no valor de €789,24. No entanto, não resultou provado qual a data convencionada entre as partes para pagamento da quantia mutuada.
Terá pois de se considerar que em 27.05.2016, data de apresentação do cheque a pagamento, o Demandado pagaria ao Demandante a quantia mutuada, pelo que será a partir desta data que o Demandado se encontra obrigado ao seu pagamento.
O artigo 806.º do Código Civil, dispõe que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Assim, por força dos citados preceitos, verifica-se que quando ocorre a falta de cumprimento de uma obrigação em dinheiro, o credor desse valor tem direito a receber uma indemnização, para compensar os prejuízos resultantes do atraso que é igual aos juros vencidos, calculados à taxa dos juros legais, desde a constituição em mora até integral e efetivo pagamento.
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil que “ Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano.”, sendo que a taxa de juros legalmente fixada e aplicável ao caso sub judice é de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril).
Pelo exposto, condena-se o Demandado no pagamento de juros sobre o capital em dívida, contabilizados desde o dia 28.05.2016 até efetivo e integral pagamento.
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Peticiona ainda o Demandante a condenação do Demandado da quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de danos patrimoniais, correspondentes às custas e procuradoria condigna, colhendo-se do seu requerimento inicial que tal valor corresponde a responsabilidade civil que invoca pelo facto de com a sua conduta, ao ter ordenado o cancelamento do cheque que entregou ao Demandante, ter determinado que este se visse obrigado a contratar serviços legais, bem como a despender verbas para intentar a presente ação, assim como custas/taxas de justiça e honorários.
Neste Tribunal o patrocínio por Advogado, Advogado Estagiário ou Solicitador não é obrigatório, salvo nos casos previstos (artigo 38.º da Lei 78/2001 de 13 de julho), porém as partes têm direito a esse patrocínio e a fazer-se representar em juízo, tendo com isso naturalmente gastos.
Atendendo a que por força do disposto no artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamente nos Julgados de Paz, poderia ponderar-se enquadrar os honorários peticionados no âmbito dos artigos 529.º n.º 4 e 533.º do Código de Processo Civil (aplicável subsidiariamente nos Julgados de Paz), onde se encontra previsto que as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, discriminando-se no n.º 2 deste último normativo as despesas que se integram nas custas de parte e na alínea d) prevendo-se em concreto os honorários do Mandatário e as despesas por ele efetuadas.
O mesmo se diga quanto ao disposto no artigo 25.º do Regulamento das Custas Processuais, que dispõe no “1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal e para a parte vencida a respectiva nota discriminativa e justificativa. 2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: (…) d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º; e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento.
Estaríamos assim no campo das custas de parte, que deveriam ser suportadas pelo Demandado, após o envio da respetiva nota discriminativa.
Sucede porém, que os Julgados de Paz têm uma lei própria quanto a custas, a Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro, onde as custas correspondem a uma taxa fixa de 70,00€ por cada processo tramitado, não prevendo outro valor, nem custas de parte.
E será nos termos da Portaria citada, que as custas serão fixadas na presente sentença, não tendo aplicação o Regulamento das Custas Processuais, sendo que em caso de vencimento o próprio serviço administrativo do Julgado de Paz procede ao reembolso da taxa de justiça liquidada com a entrada da ação.
Por fim, sempre se dirá que não foi junta aos autos prova da liquidação pelo Demandante dos honorários peticionados, nem tão pouco nota discriminativa do cálculo que lhe esteve subjacente, não havendo desse modo prova de que efetivamente a quantia peticionada seja aquela que o Demandante tenha suportado ou venha a suportar a título de honorários, prova que lhe competia fazer (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).
Pelo exposto, nesta parte, improcede, o pedido.
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VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:
As custas serão suportadas pelo Demandante e pelo Demandado, em razão do decaimento na proporção respetiva de 50% e 50% (Artigos 527.º, 537.º n.º 1 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho - e artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro), que já se mostram satisfeitas.
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IX- DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente, e em consequência decido:
1. Condenar o Demandado B no pagamento ao Demandante A da quantia de €789,24 (setecentos e oitenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos) a título da quantia mutuada.
2. Condenar o Demandado B no pagamento ao Demandante A de juros sobre o capital em dívida à taxa legal de 4%, contados desde o dia 28.05.2016 até efetivo e integral pagamento.
3. Absolver o Demandado B do demais peticionado.
4. Condenar o Demandante A e o Demandado B nas custas da presente ação na proporção do respetivo decaimento que se fixa, respetivamente em 50% e 50%.
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Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive.
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Funchal, 11 de dezembro de 2017


A Juíza de Paz

Luísa Almeida Soares
(Processei e revi. Art.º 31 n.º 5 CPC/Art.º 18 LJP)