Sentença de Julgado de Paz
Processo: 110/2014-JP
Relator: ANTÓNIO CARREIRO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - DEFESA DO CONSUMIDOR
Data da sentença: 06/23/2014
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Sentença
(N.º 1, do art.º 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho,
alterada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho)

Matéria: Incumprimento contratual, excepto contrato de trabalho e arrendamento rural
(Alínea i), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho).
Objecto do litígio: Pagamento de factura (fornecimento e montagem de cozinha).
Demandante: A- representada pela gerente B- Ana Maria Lopes Felizardo, residente na Rua de São Gonçalo, n.º 288, Brejos de Azeitão, 2925-244 Azeitão.
Demandada: C- Luzia João Carrilho Candeias Miranda, residente na Rua Aquilino Ribeiro, n.º 15, Brejos de Azeitão.
Valor da acção: 841,00€.
Dos articulados
A demandante alega que, Julho de 2013, acordou com a demandada o fornecimento de mobiliário de cozinha, sem lava-louças e electrodomésticos pelo valor de 1 841,00 €.
A demandada efectuou o pagamento de 1 000,00 € e iniciou a montagem dos móveis em 31-07-2013. Algumas portas apresentavam defeitos e foi pedida a substituição das mesmas à fábrica, tendo a demandada contactado a fábrica “negociando” a substituição de todas as portas. Em Dezembro a demandante considerou o trabalho finalizado.
Mais alega que teve a despesa de 86,10 € com a 1.ª substituição das portas.
Requer que a demandada seja condenada no pagamento do montante em falta, no valor de 841,00€.
Mais alegou, conforme requerimento de fls 3 e 4, que aqui se dá como reproduzido.
A demandada contestou, conforme contestação de fls 21 e 22, que aqui se dá como reproduzida. Admite o contrato e o seu montante. Especifica que as portas deviam ser em faia lisas e que as mesmas foram substituídas duas vezes, tendo ela própria entrado em contacto com a fábrica. Considera o montante devido (841,00€) excessivo “na medida em que o material que foi colocado não é em faia, apenas a cor é faia. Sendo que ficaram algumas portas por afinar e o lava loiça ficou mal colocado e sem estar isolado.”
Conclui referindo que “desta forma, não entende a demandada que sejam devidos os 841,00€ à demandante.”
Fundamentação
De facto
Com base no depoimento das partes e documentos, dão-se como provados os seguintes factos:
1 - A demandante, em Julho de 2013, acordou com a demandada o fornecimento de mobiliário de cozinha, sem lava-louças e electrodomésticos, pelo valor de 1 841,00 €.
2 - A demandada efectuou o pagamento de 1 000,00 €.
3 – A demandante iniciou a montagem dos móveis em 31-07-2013.
4 - Algumas portas apresentavam defeitos e foi pedida a substituição das mesmas à fábrica, tendo a demandada contactado a fábrica “negociando” a substituição de todas as portas, que foram substituídas duas vezes.
5 -Em Dezembro a demandante e demandada consideraram os trabalhos finalizados.
6 – Em 06-01-2014, a demandante emitiu a factura, junta a fls 6, no valor de 1 841,00€, não tendo a demandada efectuado o pagamento de 841,00 €.
7 – A demandada denunciou, nesta data, alguns defeitos, que ainda não foram eliminados.
8 – A demandante manifestou, na audiência de julgamento, disponibilidade para eliminar os defeitos, em data a estabelecer com o acordo da demandada.
De direito
Entre demandante e demandado foi celebrado um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, contrato pelo qual uma parte se compromete a realizar determinada obra mediante o pagamento de um preço (artigos 1154.º e 1207 e seguintes, do Código Civil).
No caso foi acordada a obra a realizar e o respectivo preço. A demandante realizou a obra mas a demandada apenas cumpriu parcialmente a sua obrigação de pagar o preço, cujo vencimento ocorreu com a finalização da obra, aceite também pela demandada, e entrega da factura em 06-01-2014.
O juiz de paz explicou que na contestação não é deduzido qualquer pedido reconvencional, que, aliás, dificilmente poderia ser admitido neste processo, face ao que se dispõe no artigo 48.º, da Lei dos julgados de Paz (Lei 78/2001, na redacção da lei n.º 54/2013) que só permite a reconvenção nos casos de compensação ou de pedido de benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida.
Deste modo e necessariamente, a questão a resolver neste processo, por esse facto, ficou limitada aos factos do requerimento inicial, sem prejuízo da demandada, caso o pretenda, instaurar acção para fazer valer os seus eventuais direitos de consumidor.
A esta relação jurídica, atenta a sua natureza e qualidade das partes de consumidor por parte da demandada, porquanto lhe é fornecido um bem destinado a uso não profissional e de vendedora por parte da demandante, que exerce com carácter profissional a actividade económica em causa e que com ela visa a obtenção de benefícios, é aplicável a legislação sobre defesa do consumidor, designadamente a Lei nº 24/96, de 31 de Julho, (Lei de Defesa do Consumidor - LDC), alterada pela Lei 85/98, de 16 de Dezembro, Lei 10/2013, de 28 de Janeiro e nos seus artigos 4.º e 12.º, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que transpôs a Directiva n.º 1999/44/CE, por sua vez alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio.
No artigo 4.º, da LDC prescreve-se que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
“Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.” (N.º 1, do artigo 4.º, do DL 67/2003).
O consumidor pode optar por qualquer destes direitos, no caso de se verificar desconformidade do bem, tendo como limites ao seu exercício a impossibilidade ou o abuso de direito, nos termos gerais (N.º 5, do artigo 4.º, do mesmo diploma)
O prazo de garantia quer para os bens móveis quer imóveis está estabelecitdo no art.º 5.º, sendo respectivamente de 2 e 5 anos. O art.º 5.º- A, refere o prazo para exercício de direitos, nos n.ºs 1, 2 e 3, sendo o prazo de denúncia de falta de conformidade (defeitos) de dois meses no caso de bem móvel e de um ano no caso de imóveis. O prazo para o exercício do direito de acção é de dois anos ou de três anos conforme se trate de bens móveis ou imóveis.
No caso de coisa móvel usada, o prazo de garantia pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.
O n.º 1, do art.º 2.º, estabelece que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, explicitando no seu nº 2, “que os bens de consumo presumem-se não conformes com o contrato, se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor, ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso especifico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.”
O diploma é também aplicável aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços bem como à locação de bens de consumo (art.º 1.º-A).
Em consequência, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega do bem, presumindo-se existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem no prazo de garantia, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (art.º 3.º do DL 67/2003).
A acção procede por provada, impendendo sobre a demandada a obrigação de pagar à demandante a quantia de 841,00 €, referente à parte do preço cujo pagamento se encontra em falta.
Decisão
Em face do exposto, condeno a demandada C a pagar à demandante a quantia de 841,00 € (oitocentos e quarenta e um euros), referente à parte do preço cujo pagamento se encontra em falta.
Custas
Nos termos do n.º 8.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, a demandada é declarada parte vencida para efeitos de custas, pelo que deve efectuar o pagamento de 35,00 €, relativos às custas, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00 € por cada dia de atraso.
Reembolse-se a demandante, nos termos do n.º 9.º, da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Julgado de Paz de Setúbal (Agrupamento de Concelhos), em 23-06-2014
O juiz de Paz
António Carreiro