Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 24/2018-JPVNP |
Relator: | CRISTINA POCEIRO |
Descritores: | DIREITO DE PROPRIEDADE - USUCAPIÃO; |
Data da sentença: | 04/24/2018 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE PAIVA |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I – RELATÓRIO: Identificação das partes: Demandantes: A, portador do Cartão de Cidadão nº 0, válido até 05-03-2028, emitido pela República Portuguesa e do número de identificação fiscal 00, e esposa B, portadora do Cartão de Cidadão nº 0, válido até 28-01-2019, emitido pela República Portuguesa e do número de identificação fiscal 0, ambos residentes na Av. XXXX, Vila Nova de Paiva; Demandados: C, portadora do Cartão de Cidadão nº 00, válido até 31-07-2019, emitido pela República Portuguesa e do número de identificação fiscal 000, e marido D, portador do Cartão de Cidadão nº 0, válido até 31-03-2021, emitido pela República Portuguesa e do número de identificação fiscal 0, ambos residentes na Rua 0 Vila Real; Objeto do litígio: Os demandantes instauraram a presente ação declarativa de condenação, enquadrada na alínea e) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, pedindo, com base nos fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial, que aqui se reproduzem, que a mesma seja julgada procedente e, em consequência: a) Que seja declarado que, por o haverem adquirido por usucapião, os demandantes são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico, sito no Lugar X, com a área total de 5.312.25 m2, que confronta a Norte com corgo, do Sul com caminho, do Nascente com E e do Poente com C, composto por terra de cultura, no qual existem dois palhais de arrumos agrícolas, um com a área de 87m2 e o outro com a área de 115 m2, inscrito na respetiva matriz da Freguesia de Queiriga, sob o artigo 0º, e omisso na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Paiva; b) Que seja ordenado o registo do mesmo na Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Paiva a favor dos demandantes por o haverem adquirido por usucapião; c) Que sejam condenados os demandados a reconhecerem o peticionado nas anteriores alíneas a) e b). Para tanto, os demandantes alegam os factos constantes do respetivo requerimento inicial de fls. 1 a 5 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, segundo os quais, resumidamente, em 31 de maio de 1999 adquiriram, por doação dos pais do demandante, o imóvel dos autos e que, por força da divisão material posterior realizada entre o demandante e a demandada do prédio originário do qual o dos autos fazia parte, desde aquela data até ao presente, usam como seus únicos e exclusivos donos, invocando diversos atos de uso e fruição do mesmo e alegando diversos factos caracterizadores da respetiva posse que invocam, concluindo que o adquiriram por via da usucapião. Para o efeito, juntaram três documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Tramitação e Saneamento: Atenta a espécie e finalidade da presente ação, por não se vislumbrar adequada a resolução do litígio através do serviço de mediação existente neste julgado de paz, não foi marcada sessão de pré-mediação. Os demandados, pessoal e regularmente citados, não apresentaram contestação, mas compareceram à audiência de julgamento. A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos, tendo sido proferida sentença na mesma, conforme resulta da respetiva ata dos autos. Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, pois, o julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alínea e) e 11º, nº 1, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhes foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há outras exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Valor da ação: Fixa-se o valor da presente ação em € 1.000,00 (mil euros), em conformidade com a posição das partes e as disposições conjugadas dos artigos 296º, nº 1, 302º, nº 1, 305º e 306º, todos do Código Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 63º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho. Questão a decidir: verificação dos requisitos da aquisição originária do direito de propriedade pelos aqui demandantes, por via da usucapião, sob o prédio rústico identificado nos autos. Assim, cumpre apreciar e decidir: II - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: Discutida a causa, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma: 1. Está inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 0º, da freguesia de Queiriga, concelho de Vila Nova de Paiva, a favor do demandante, um prédio sito no lugar de X, composto por terra de cultura e dois palhais de arrumos agrícolas, um com a área de 87m2 e outro com a área de 115m2, com a área total de 5312,25m2, a confrontar a norte com corgo, a sul com caminho, a nascente com E e a poente com C, omisso na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Paiva;- 2. Os demandantes casaram, sem convenção antenupcial, no dia 30 de agosto de 1986; 3. Por escritura pública, outorgada no dia 31 de maio de 1999, no Cartório Notarial de Vila Nova de Paiva, os pais do demandante e da demandada, F e G, declararam doar uma metade indivisa do prédio originário do qual o prédio referido no parágrafo número um fazia parte a cada um deles, e que aqueles declararam aceitar; 4. Em data que não foi possível apurar, mas antes da realização da escritura pública referida no parágrafo anterior, o pai do demandante e da demandada, F, procedeu à divisão material e física do imóvel originário, do qual o prédio referido no parágrafo número um fazia parte, em duas partes iguais, que delimitou entre si através de marcos, um colocado na estrema Norte e o outro na estrema Sul; 5. A partir da realização da referida escritura pública, no ano de 1999, os demandantes e os demandados acordaram entre si que cada um dos casais passaria a usar, com exclusividade, a respetiva metade do imóvel originário do qual o prédio referido no parágrafo número um fazia parte; 6. No processo nº 43/2017, que correu seus termos neste julgado de paz, no qual os aqui demandantes eram demandados e os aqui demandados eram demandantes, foi proferida sentença, que transitou em julgado, na qual, julgando a ação procedente, foi determinado o seguinte: a) Declaro que o prédio rústico inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 0º, sito no lugar da X, da freguesia de Queiriga, concelho de Vila Nova de Paiva, omisso na Conservatória do Registo Predial, apresenta a área total de 10.624,50m2 e se encontra dividido em substância em dois prédios rústicos, distintos e autónomos entre si; b) Declaro que desse prédio se autonomizou uma parcela de terreno, sita no dito lugar da X, da freguesia de Queiriga, concelho de Vila Nova de Paiva, composta por terra de cultura e um palhal de arrumos agrícolas, com as áreas coberta de 153m2 e total de 5.312,25 m2, a confrontar do Norte com corgo, do Sul com caminho, do Nascente com A e do Poente com H, identificada com a letra “XXXXX” no levantamento topográfico de fls. 15 dos autos; c) Declaro que os Demandantes C e marido D são os donos e legítimos possuidores da parcela de terreno identificada na anterior alínea b), por a terem adquirido por usucapião, cessando a respetiva compropriedade no prédio rústico originário identificado na anterior alínea a); d) Condeno os Demandados a reconhecerem e respeitarem o direito de propriedade exclusivo dos Demandantes C e marido D sobre a parcela de terreno identificada na anterior alínea b); Por consequência, ordeno: A retificação da área total do prédio rústico identificado na anterior alínea a) na respetiva matriz predial rústica; a desanexação do prédio rústico identificado da anterior alínea b) do prédio rústico identificado na anterior alínea a), com a consequente criação de um artigo matricial rústico autónomo para respetiva inscrição fiscal, com a composição e confrontações aí indicadas e com titularidade a favor dos Demandantes C e marido D; e a descrição do prédio rústico mencionado da anterior alínea b) junto da Conservatória do Registo Predial e respetiva inscrição a favor dos referidos Demandantes.”; Factos não provados: Não há quaisquer factos não provados a especificar com relevância para a decisão dos autos. Motivação dos factos provados: Ponderou-se também a conduta processual das partes, particularmente dos demandados, que não deduziram qualquer oposição aos factos alegados pelos demandantes, aceitando-os tacitamente, não impugnaram os documentos juntos pelos mesmos, incluindo os que anteriormente se elencaram, nem produziram qualquer contraprova, o que no entender do tribunal reforça a convicção de que a posse do prédio rústico aqui em causa pelos demandantes tem sido exercida, desde o seu início e até ao presente, de boa fé e de forma contínua, pública e pacífica, nos exatos termos dados como provados, e não colide com direitos de terceiros, desde logo dos próprios demandados. Aliás, a conduta das partes mostra-se também conforme com a decisão proferida no âmbito dos autos do referido processo 43/2017, cuja sentença transitou em julgado em 14 de Setembro de 2017, conforme respetiva certidão junta aos autos. A demais factualidade, designadamente a vertida nos parágrafos números 4, 5, 7 a 12, foi dada como provada atendendo à conjugação dos anteriores meios de prova com a prova testemunhal apresentada pelos demandantes e as declarações de parte do demandante produzidas em audiência de julgamento, e que foram, criticamente, apreciados pelo tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova (artigo 396º do Código Civil e artigos 466º, nº 3, 1ª parte e 607º, nºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil) e à luz das regras de experiência comum (artigo 351º do Código Civil). Atendeu-se também às regras de repartição do ónus da prova (artigo 342º do Código Civil), bem como às presunções legais aplicáveis ao caso concreto dos autos (artigo 350º do Código Civil). Foram também considerados pelo tribunal, os factos adquiridos nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alíneas a) e b) do Código do Processo Civil, em relação aos quais os demandados tiveram oportunidade de se pronunciar em sede de audiência de julgamento, não lhes tendo deduzido qualquer oposição ou contraprova. A testemunha inquirida, I, com 48 anos de idade, mostrou ter conhecimento direto e pessoal do imóvel dos autos, pois, como é irmão do demandante e da demandada e vive em Vila Nova de Paiva, onde se situa o imóvel dos autos, conhece bem o uso exclusivo que, desde a referida escritura e divisão material do imóvel originário, é feito do prédio aqui em causa pelos demandantes e também pelos antepossuidores, os seus pais. Prestou depoimento de forma clara, tranquila e isenta, afigurando-se o respetivo depoimento credível, também pelo facto de não ter qualquer interesse no desfecho desta causa, e permitiu ao tribunal formar a convicção quanto à duração e caraterísticas da posse dos demandantes em causa nos presentes autos, pois, confirmou os factos alegados pelos mesmos. Assim, a referida testemunha, J, esclareceu designadamente que foi o seu próprio pai a fazer a divisão do imóvel originário, do qual o prédio dos autos fazia parte, em duas partes iguais, antes da realização da escritura de doações aos filhos, colocando os marcos nas estremas Norte e Sul, uma vez que, atenta a respetiva área total, o mesmo não poderia ser doado apenas a um dos filhos (uma vez que os pais quiseram fazer “partilhas em vida”); que os palhais existentes no prédio aqui em causa já têm muitos anos e sempre se destinaram a arrumação de lenhas, feno e produtos e máquinas agrícolas, o que se mantém no presente, nunca lhes tendo sido dada qualquer outra finalidade; que a atribuição das duas partes a cada uma dos filhos foi feita pelo respetivo pai, através de sorteio e, por isso, a parte correspondente ao prédio dos autos ficou para os demandantes na qual, desde então e até ao presente, por si ou por terceiros, semeiam erva, colhem feno, fazem a limpeza de mato, usam os palhais para arrumos agrícolas, o que sempre fizeram e fazem à vista de toda a gente daquele lugar e que nunca ninguém apresentou qualquer queixa, incluindo os demandados; que o prédio dos autos do lado Nascente tem um muro ao longo de toda a estrema, que ainda foi construído pelo pai; que o vizinho nunca apresentou qualquer reclamação; que se alguém quisesse comprar o prédio dos autos, qualquer pessoa do lugar da situação do mesmo indicaria que se teria que dirigir aos demandantes, pois, todos os reputam como únicos donos do imóvel e os demandantes comportam-se como tal à vista de todos. Atendeu-se também às declarações de parte do demandante, particularmente quanto às caraterísticas da respetiva posse sobre o prédio dos autos, ficando o tribunal convencido de que a mesma vem sendo exercida pelo casal publicamente, sem qualquer interrupção, sem violência ou oposição de terceiros, sem lesar interesses de terceiros, com carácter de exclusividade, respeitando a delimitação do prédio e sem qualquer reclamação dos vizinhos confinantes, incluindo os aqui demandados; esclareceu que a descrição do prédio dos autos que agora consta da matriz se encontra em conformidade com a realidade material do imóvel, pois foi atualizada na sequência da sentença proferida no referido processo 43/2017. A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil). No caso concreto, trata-se da posse do direito de propriedade, que mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, por via da usucapião (artigo 1287º do Código Civil). A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má-fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta (artigo 1258º do Código Civil). A posse dos demandantes sobre o prédio rústico dos autos considera-se não titulada, uma vez que, atenta a divisão informal do prédio originário do qual fazia parte, não se encontra fundada num modo legítimo de adquirir (artigo 1259º do Código Civil), mas de boa-fé, já que os demandantes provaram que ignoravam, ao adquiri-la, que lesavam o direito de outrem (artigo 1260º, nº 1 do Código Civil), pacífica porque foi adquirida sem violência (artigo 1261º, nº 1 do Código Civil) e pública porque foi exercida de modo a poder ser conhecida por quaisquer interessados, desde logo os aqui demandados (artigo 1262º do Código Civil). Os demandantes, enquanto possuidores, gozam da presunção da titularidade do direito de propriedade que invocam sobre o dito prédio rústico, desde o início da sua posse, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1252º, 1254º, nº 1, 1268º, nº 1 e 1288º, todos do Código Civil. Sendo certo que os demandantes estão na posse do aludido prédio rústico há mais de quinze anos. O prédio rústico dos autos encontra-se omisso na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Paiva, conforme respetiva certidão negativa junta aos autos. Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa-fé, e de vinte anos, se for de má fé (artigo 1296º do Código Civil). Ora, no caso dos autos, ficaram provados atos materiais e exclusivos de posse dos demandantes sobre o prédio rústico dos autos, desde 1999 até ao presente e sem qualquer interrupção. A posse dos demandantes como é não titulada, presumir-se-ia de má-fé. Contudo, foi convicção do tribunal, e por isso tal factualidade foi considerada provada, que a posse aqui em causa foi, desde tal data e até ao presente, adquirida e exercida pelos demandantes com o conhecimento e anuência dos próprios demandados e outros terceiros, que nunca dela reclamaram, logo convencidos de que não lesavam nem lesam direitos de outrem e, sem qualquer violência, à vista de toda a gente daquele lugar de X, freguesia de Queiriga, na convicção de exercerem um direito próprio e exclusivo. Motivo pelo qual, se considerou provada a boa-fé dos demandantes e ilidida a presunção de má-fé plasmada no artigo 1260º, nº 2 do Código Civil. Por outro lado, presume-se que quem pratica atos materiais de posse (o corpus), atua, igualmente, por forma correspondente ao exercício, no caso, do direito de propriedade (o animus possidendi), presunção que não foi ilidida nos autos (neste sentido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-1996, publicado no Diário da República, II Série, de 24-06-1996), pelo que, mostram-se preenchidos todos os requisitos legais para verificação da aquisição do direito de propriedade por via da usucapião, já que, para tal efeito, aqui foi invocada pelos demandantes. Como a posse também pode adquirir-se pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade (artigo 1263º, alínea a) do Código Civil), o que se verifica no caso dos autos, conclui-se que os demandantes têm direito a invocar o referido instituto jurídico como forma de aquisição originária do direito de propriedade pleno e exclusivo sobre o prédio rústico dos autos, que aqui reclamam como, unicamente, seu. Com efeito, a coisa em causa nos autos é um prédio rústico, já que é uma terra apta para cultura e, pese embora a existência dos palhais para arrumos agrícolas, a parcela de terreno mantém a natureza de prédio rústico, uma vez que a construção aí existente não tem autonomia económica (artigo 204º, nº 2 do Código Civil). Sendo que, em conformidade com o referido critério legal, não devem considerar-se prédios urbanos, mas antes partes componentes dos prédios rústicos as construções como as adegas, os celeiros ou as edificações destinadas a alfaias e produtos agrícolas, como ocorre no caso dos autos (neste sentido, vide Código Civil Anotado, Vol. I, Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª edição, Coimbra Editora). IV- Decisão: Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada e, em consequência: |