Sentença de Julgado de Paz
Processo: 384/2017-JPPRT
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: CASO JULGADO - PRESCRIÇÃO - EFICÁCIA DAS DELIBERAÇÕES
Data da sentença: 03/28/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


I. RELATÓRIO:

A, na qualidade de administradora do condomínio do prédio urbano denominado Z, sito Z, Z, Matosinhos, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente ação declarativa resultante de direitos e deveres de condóminos contra B, melhor identificado a fls. 3, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de 1.065,42 €, acrescida dos respetivos juros vincendos até integral e efetivo pagamento.
Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 3 e 4, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo sete documentos.
Regularmente citado, o demandado apresentou a contestação de fls. 71, que aqui se dá por reproduzida, invocando as exceções de litispendência ou caso julgado e da prescrição e pugnando pela improcedência da ação, além de requerer a quantia de 35,00 € paga aquando da apresentação da contestação no processo nº 844/2015, acrescida dos juros de mora até ao seu integral pagamento.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que as partes faltaram à mesma, afastando tacitamente essa possibilidade.
Foi, por isso, marcada e realizada a audiência de julgamento, segundo as regras legais.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º, nº 1 a) e c) e 12º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, exceções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, salvo no que respeita ao caso julgado invocado pelo demandado e ao requerimento formulado pelo mesmo na sua contestação.
Ora, quer a litispendência quer o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa e esta só existe se houver identidade das partes, do pedido e da causa de pedir (cfr. artigos 580º, nº 1 e 581º do CPC). Neste caso, não existe identidade das partes, uma vez que o demandado é uma pessoa jurídica distinta da sociedade comercial C., demandada no Proc. nº 844/2015. Além disso, neste processo a demandada veio a ser absolvida da instância, por motivo de não ter personalidade judiciária, pelo que o tribunal não chegou a conhecer do mérito da causa. Nessa medida, nunca estaria em risco a contradição de julgados, que justifica a exceção de caso julgado (cfr. 580º, nº 2 do CPC). Deste modo, julgo a referida exceção improcedente e não provada.
Por outro lado, admitindo que o pedido de devolução da entrega inicial e de pagamento de juros de mora sobre a mesma possa configurar um pedido reconvencional, é evidente que o mesmo extravasa do legalmente admissível (cfr. artigo 48º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho). Aliás, nem sequer há identidade das partes demandadas neste e no Proc. nº 844/2015, pelo que não poderia essa pretensão ser atendida nestes autos. Nessa medida, indefere-se liminarmente o referido pedido reconvencional.
Isto posto, fixa-se o valor da presente ação em 1.065,42 €.
Assim, cabe apreciar e decidir:

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. A demandante é uma sociedade comercial cuja atividade compreende a administração de propriedades, bens e direitos imobiliários, de propriedade, de compropriedade, de propriedade horizontal e de usufruto.
2. Mediante deliberação da assembleia de condóminos do Edifício Z – Bloco IV, sito na Rua Z, n.os 163 a 227, Z, Matosinhos, realizada em 11/01/2017, a demandante foi reeleita administradora do respetivo condomínio.
3. O demandado é proprietário da fração autónoma designada pelas letras “CL”, correspondente a uma loja, do prédio urbano acima identificado.
4. O demandado não pagou a sua quota-parte das despesas do condomínio, com os valores abaixo discriminados, nos seguintes períodos de tempo:
- 1º a 4º trimestres de 2011, no valor global de 111,16 €;
- 1º a 4º trimestres de 2012, no valor global de 97,18 €;
- 1º a 4º trimestres de 2013, no valor global de 89,84 €;
- 1º a 4º trimestres de 2014, no valor global de 89,13 €;
- 1º a 4º trimestres de 2015, no valor global de 92,81 €;
- 1º a 4º trimestres de 2016, no valor global de 93,19 €; e
- 1º a 3º trimestres de 2017, no valor global de 69,76 €, tudo no total de 643,07 €.
5. As quantias em débito venciam-se no prazo de cinco dias após o início de cada trimestre.
6. Nas assembleias de condóminos de 21/01/2013, 20/01/2014, 19/02/2015, 13/01/2016 e 11/01/2017, foi deliberada a aplicação de uma penalidade de 400,00 € aos condóminos que dessem origem a processos judiciais, por não pagarem atempadamente as suas comparticipações nas despesas comuns.
7. A demandante encetou vários contactos com o demandado para obter a liquidação da dívida, nomeadamente através do envio das respetivas atas de assembleias de condóminos.
8. Correu termos neste julgado de paz, sob o nº 844/2015, um processo entre a demandante e a sociedade comercial C., como demandada, em que eram peticionadas as mesmas contribuições para as despesas do condomínio respeitantes ao período de tempo compreendido entre o 1º trimestre de 2011 e o 4º trimestre de 2015, o qual veio a terminar com a absolvição da instância da demandada.
Os factos provados assentam no acordo das partes (n.os 1, 2, 3 e 4), nos documentos constantes dos autos, nomeadamente atas das assembleias de condóminos acima mencionadas e ainda de 19/01/2011 e 18/01/2012, incluindo respetivos anexos, bem como comprovativos de envios das convocatórias e atas das assembleias de condóminos dos anos de 2015, 2016 e 2017 (n.os 2, 4, 5, 6 e 7), cujo conteúdo foi corroborado pela testemunha D, funcionário administrativo da demandante, o qual explicou ainda que as comunicações da demandante referentes à fração “CL” eram expedidas em nome de C., para o endereço correspondente à referida fração, dado que era esta quem pagava as despesas do condomínio até 2011, tendo passado a ser enviadas para a morada do demandado, em nome deste, somente em 2017, na sequência do desenvolvimento do Proc. nº 844/2015. Mais esclareceu esta testemunha que tanto as convocatórias como as atas das assembleias de condóminos foram sempre enviadas por correio registado simples.
Por último, o facto nº 8 adveio ao conhecimento do juiz em virtude do exercício das suas funções, sendo verificável pela consulta da aplicação informática deste julgado de paz (cfr. artigo 412º, nº 2 do CPC).
Não se provaram outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, além daqueles acima enunciados, considerando a falta de prova dos mesmos.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
O demandado é proprietário de uma fração autónoma no prédio urbano acima identificado, constituído em propriedade horizontal. Nessa medida, o demandado é também comproprietário das partes comuns do mesmo imóvel, sendo ambos os direitos incindíveis (cfr. artigo 1420º do Código Civil). Por isso, o demandado está obrigado a contribuir, proporcionalmente ao valor da sua fração, para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, sendo essa uma obrigação real ou propter rem, decorrente da sua condição de condómino, tal como prescreve o artigo 1424º, nº 1 do Código Civil.
Por sua vez, a demandante, enquanto administradora do condomínio, tem o dever funcional de proceder à cobrança das contribuições dos condóminos para as despesas comuns e legitimidade processual própria para o fazer judicialmente (cfr. artigos 1436º e) e 1437º, nº 1 do Código Civil).
Neste caso, o demandado, apesar de constituído na obrigação, enquanto condómino, de pagar a sua quota-parte das despesas comuns aprovadas, faltou ao pagamento da mesma, tal como resulta dos factos provados, entre o 1º trimestre de 2011 e o 3º trimestre de 2017, ambos inclusive, acumulando um débito de 643,07 €.
Ora, não há nos autos evidência de que as deliberações condominiais de que emergem os débitos do demandado enfermem de qualquer invalidade, até porque este não as impugnou tempestivamente (cfr. artigo 1433º, n.os 1 e 4 do Código Civil), designadamente após a sua citação. Na verdade, o demandado veio apenas alegar que não foi notificado nem do valor nem da forma de pagamento das suas comparticipações nas despesas do condomínio. E essa alegação contende com a eficácia relativa das deliberações, mas não com a sua validade. De facto, as deliberações só produzem os seus efeitos relativamente aos condóminos ausentes das assembleias que as tomaram, depois de lhes serem comunicadas por carta registada com aviso de receção. (cfr. artigo 1432º, nº 6 do Código Civil). É certo que este entendimento é discutível, mormente quando os condóminos foram regularmente convocados, havendo quem defenda que, nesse caso, cabe a estes procurarem informar-se do conteúdo das deliberações tomadas. Porém, não partilhamos dessa opinião, dado que o zelo exigido aos condóminos nessas situações não supera nem branqueia a diligência que se pode e deve exigir ao administrador na comunicação das deliberações. Assim sendo, teria sido necessário que a demandante tivesse enviado ao demandado as atas das assembleias de condóminos por carta registada com aviso de receção, o que não aconteceu. Com efeito, por um lado, as atas foram sempre remetidas por correio com registo simples (o que é válido para o envio da convocatória, nos termos do artigo 1432º, nº 1 do Código Civil, mas não é suficiente para o envio das atas) e, por outro, as atas foram sempre remetidas para C., com exceção da última, a qual não era condómino e foi entretanto dissolvida. Deste modo, é evidente que as deliberações em que assentam os débitos do demandado só produziram efeitos em relação a este com a citação do mesmo para os termos desta ação.
Por outro lado, os artigos 804º e 806º, n.os 1 e 2 (1ª parte) do Código Civil determinam que o devedor incorre no pagamento de juros moratórios, à taxa legal anual de 4%, quando não cumpra pontualmente a sua obrigação, como forma de ressarcir o credor dos prejuízos sofridos com a mora daquele. Nos termos do artigo 805º, n.os 1 e 2 a) do Código Civil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, ou ainda quando a obrigação tiver prazo certo (as restantes hipóteses legais não têm aqui aplicação). Neste caso, as obrigações tinham prazo certo, vencendo-se trimestralmente, como resulta das referidas atas de assembleias de condóminos. Porém, na medida em que as referidas deliberações só produziram os seus efeitos com a citação do demandado, a sua mora só se iniciou nessa mesma data (12/09/2017), pelo que os juros terão de ser computados a partir daí.
Finalmente, a demandante pretende a sujeição do demandado a suportar o valor das despesas de contencioso, amparado em cláusula penal sucessivamente aprovada nas assembleias de condóminos de 21/01/2013, 20/01/2014, 19/02/2015, 13/01/2016 e 11/01/2017. Esta cláusula penal tem o seu suporte legal no disposto nos artigos 811º e 1434º, nº 1 do Código Civil. Porém, a aplicação da mesma pressupõe que o demandado tivesse dado causa à ação, por efeito de mora no pagamento da sua quota-parte das despesas do condomínio. Ora, como já se viu, até à citação do demandado, as deliberações que aprovaram os sucessivos orçamentos anuais não lhe tinham sido eficazmente comunicadas, pelo que não podiam produzir os seus efeitos em relação ao mesmo. Deste modo, não se verifica um dos pressupostos de aplicação da referida pena pecuniária ao demandado.
Por último, o demandado invocou a prescrição das contribuições vencidas há mais de cinco anos, se bem que nas suas alegações orais finais tenha sustentado que a mesma era de dois anos apenas. Ora, desde logo, a prescrição invocada pelo demandado deve ter-se por interrompida na data da propositura da ação (cfr. artigo 43º, nº 8 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho). Nessa medida, por aplicação do artigo 310º g) do Código Civil, as contribuições anteriores ao 4º trimestre de 2012 já não são efetivamente exigíveis (cfr. artigo 304º, nº 1 do Código Civil). Assim sendo, o demandado tem apenas que pagar o montante de 457,86 €. De resto, não lhe assiste razão quando sustenta que a prescrição é de dois anos, uma vez que as comparticipações nas despesas do condomínio, por se tratarem de obrigações reais periodicamente renováveis, não se enquadram nas hipóteses enunciadas no artigo 317º do Código Civil, mas sim na alínea g) do artigo 310º do mesmo código.

V. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno o demandado a pagar à demandante, na qualidade em que esta litiga, a quantia de 457,86 € (quatrocentos e cinquenta e sete euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal anual de 4%, computados desde a data da citação até ao efetivo e integral pagamento, absolvendo o mesmo do demais peticionado.
Custas por demandante e demandado na proporção do respetivo decaimento, fixando as mesmas em 55% para a primeira e 45% para o segundo (cfr. artigos 607º, nº 2 do CPC e 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 28 de Março de 2018

O Juiz de Paz,

(Luís Filipe Guerra)