Sentença de Julgado de Paz
Processo: 34/2016-JP
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL - DIREITO DE PROPRIEDADE - EXCEÇÃO INCOMPETÊNCIA MATERIAL; EMBARGOS DE TERCEIRO
Data da sentença: 12/23/2016
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral:
Questão prévia: Da incompetência material

Em sede de contestação, a Demandada alegou que este Julgado de Paz é incompetente, em razão de matéria, para dirimir o presente litígio porquanto os possíveis meios de reação contra a penhora alegadamente ilegal são os Embargos de Terceiro ou a Ação de Reivindicação, o que não sucede no presente pleito em virtude de os embargos de terceiro constituírem o meio legal de oposição à penhora e a ação de reivindicação ter por fundamento a ofensa da posse, o que no caso do Demandante não ocorre uma vez que continua na posse da fracção, dela dispondo.
Notificado para responder, o Demandante pugnou, a fls. 61 e 62, pela improcedência da exceção invocada.

Cumpre apreciar e decidir:
A ação proposta pelo Demandante tem por fim o reconhecimento pelo Tribunal de que é o legítimo proprietário e possuidor de uma fração e que contra ela deve ser levantada a penhora que foi constituída a favor da Demandada.
A Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (LJP), regula a organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz e bem assim a tramitação dos processos da sua competência.
O Artigo 9º da supra citada Lei define a competência, em razão da matéria, dos Julgados de Paz.
De tal normativo resulta expressamente que os Julgados de Paz são competentes para ações de reivindicação – vide al. e) do n.º 1.
Estatui o Art. 1311º do Código Civil que o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
Uma das características fundamentais do direito de propriedade é a sequela, que consiste na “possibilidade de o direito real ser exercido sobre a coisa que constitui seu objeto, mesmo quando na posse ou detenção de outrem, acompanhando-a nas suas vicissitudes, onde quer que se encontre” - Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 5ª Edição, Quid Iuris, 2007, pág. 66. Segundo este autor, uma das primeiras e imediatas manifestações da sequela é a ação de reivindicação de tal modo que o titular do direito pode obter, em juízo, o seu reconhecimento e vindicar a coisa, pedindo a sua entrega, onde quer que esta se encontre – Ibidem, pág. 67.
Para esse efeito, compete ao Autor, ou seja, àquele que propõe a sobredita ação de reivindicação, provar os factos constitutivos do direito que alega, tal como dispõe o n.º1 do Art. 342º do CC. Logo, é sobre ele que recai o ónus de alegar (além de provar) que é o proprietário do bem e que se encontra afastado da sua posse e gozo.
In casu, o Demandante descreve um conjunto de factos no seu requerimento inicial que conduzem o Tribunal à conclusão de que não estão reunidos os pressupostos imanentes a uma acção desse relevo: desde logo, no Art. 16º, o Demandante alega que já trocou a fração pelo usufruto vitalicío de um andar no lugar onde, hoje, reside, pelo que quer celebrar escritura publica e não o pode fazer porque o permutante A não aceita a troca com penhora pendente.
Ou seja, o Demandante não está arredado da posse do imóvel em análise porquanto não foi esbulhado do mesmo, nem invoca no seu petitório factos dessa natureza, tais como que a Demandada ocupa a sua fracção e que não lhe permite aceder à mesma e dela usufruir.
Logo, não havendo um esbulho, não pode ser configurada a presente ação como uma ação de reivindicação pois o pedido a formular neste tipo de ação pressupõe sempre a restituição de um bem em relação ao qual o proprietário perdeu a sua posse, gozo e fruição, o que não sucede nos presentes autos.
Logo, apenas restará ao Demandante reagir contra a penhora que incide sobre o seu imóvel.
Determina o n.º 1 do Art. 342º do Código de Processo Civil que se a penhora ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
Mais preceitua o n.º 1 do Art. 344º do mesmo Código que os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante.
Perante tais normativos, o Demandante deveria ter deduzido os competentes embargos de terceiro no âmbito da ação executiva nos termos da qual foi efetuada a penhora.
Não será, pois, este o meio próprio para o levantamento da penhora do imóvel de que o Demandante se arroga ser titular, por conseguinte, a presente lide, proposta no Julgado de Paz, é inútil, dela não retirando o Demandante qualquer efeito útil porquanto só aquele procedimento – os embargos de terceiro, a serem tramitados, por apenso, no processo executivo, são aptos para o fim a que o mesmo se propõe.
Tudo ponderado, é de proceder a exceção dilatória invocada, sendo, pois, materialmente incompetente o Julgado de Paz, de acordo com o Art. 9º da LJP, Art. 576º, n.º 2, Art. 577º, al. a) e Art. 278º, n.º 1 al. a), todos do CPC, ex vi Art. 63º da LJP.
Aguardem os autos o trânsito em julgado do presente despacho (30 dias).
Custas pelo Demandante.
Registe e notifique.
Tarouca, 23 de Novembro de 2016
A Juíza de Paz,
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Daniela Santos Costa