Sentença de Julgado de Paz
Processo: 70/2016-JPBBR
Relator: CARLA ALVES TEIXEIRA
Descritores: MÚTUO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Data da sentença: 01/12/2018
Julgado de Paz de : BOMBARRAL-OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Relatório:

A intentou contra B a presente acção declarativa, pedindo a declaração de nulidade do contrato de mútuo que alega ter celebrado com o mesmo, e a condenação do Demandado no pagamento da quantia de € 10.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da interpelação até integral pagamento.
Alega, para tanto, que em 27 de Abril de 2004 emprestou ao Demandado a quantia de € 10.000,00, através do cheque cuja cópia junta a fls. 12 e 13, que o Demandado depositou na sua conta e que, até à data, não obstante as interpelações para o efeito, o Demandado não lhe devolveu a referida quantia.
Juntou 2 documentos.
O Demandado foi regular e pessoalmente citado, tendo apresentado contestação onde se defendeu por impugnação motivada, alegando, em suma, que não pediu qualquer empréstimo ao Demandante e que a referida quantia lhe foi entregue para pagamento do seu trabalho e comparticipação nas despesas que teve com a legalização de um terreno para construção que ambos detinham em compropriedade, e com a procura de um comprador para o mesmo e negociação das respectivas condições de venda. Alega, ainda, que a presente acção se trata de uma “vingança pessoal” do Demandante por o Demandado ter prestado depoimento como testemunha num processo judicial intentado pelo promitente-comprador do referido terreno contra o Demandante, em virtude de o mesmo não ter outorgado a escritura pública de compra e venda na data agendada.
Pede, ainda, a condenação do Demandante como litigante de má-fé, em multa e numa indemnização correspondente aos custos que o Demandado venha a despender com os honorários da sua Mandatária, por o mesmo ter intentado acção cuja falta de fundamento não podia ignorar.
Juntou 4 documentos.
O Demandante apresentou Resposta ao pedido de condenação como litigante de má-fé, negando os factos relatados na Contestação e reiterando a versão apresentada no Requerimento Inicial, concluindo não se verificar a litigância de má-fé peticionada.
O Demandante prescindiu da fase da mediação, pelo que se procedeu à marcação da audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do formalismo legal.

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Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância e não há excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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Fixa-se à causa o valor de € 10.000,00 (dez mil euros) - cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex viart. 63.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante abreviadamente designada LJP).

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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A) FACTOS PROVADOS:

Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1 – Em 27 de Abril de 2004 o Demandante emitiu e subscreveu o cheque n.º 6320518128, sacado sobre o C, no valor de € 10.000,00 à ordem do Demandado.
2 – O referido cheque foi entregue pessoalmente pelo Demandante ao Demandado.
3 – Em 29 de Abril de 2004 o cheque foi apresentado pelo Demandado junto do Banco BPI, tendo o valor respectivo (€ 10.000,00) sido depositado na sua conta bancária.
4 – O Demandante, o Demandado e D Contente eram, à data dos factos, comproprietários do prédio urbano sito em X ou X, freguesia de São Martinho do Porto, concelho de Alcobaça, composto por uma parcela de terreno para construção com a área de 8.483 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça com o número 00.
5 – Em 04 de Abril de 2003, o Demandante, o Demandado e D celebraram com E o contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto o referido prédio, nos termos das cláusulas constantes do contrato que se encontra junto a fls. 49 a 51.
6 – A quantia de € 10.000,00 entregue pelo Demandante ao Demandado destinou-se a ressarci-lo pelas diligências desenvolvidas por este, bem como pelas despesas incorridas, com a procura de um comprador interessado no prédio, com a negociação do contrato-promessa e com a aprovação dos projectos e licenciamento do terreno com vista à outorga da escritura pública prometida.
7 - Em 12 de Maio de 2005 o Demandado outorgou escritura pública de compra e venda através da qual declarou vender 1/3 do prédio supra identificado a E, que aceitou comprar, nos termos plasmados na escritura pública junta a fls. 51 a 55.
8 – Em 27 de Julho de 2006 D outorgou escritura pública de compra e venda através da qual declarou vender 1/3 do prédio supra identificado a E, que aceitou comprar, nos termos plasmados na escritura pública junta a fls. 56 a 59.
9 – Em 12 de Outubro de 2006 o Demandante não compareceu à escritura pública de compra e venda do seu 1/3 do prédio a E, conforme certificado junto a fls. 60 a 65-A.
10 – E intentou acção judicial contra o Demandante pedindo a sua condenação na restituição do sinal em dobro, tendo obtido vencimento.
11 – O Demandado foi arrolado como testemunha na referida acção judicial, pela E.
12 - Em 25 de Fevereiro de 2013 o Ilustre Mandatário do Demandante endereçou a comunicação que consta de fls. 28 e 29 ao Demandado, solicitando o pagamento da quantia de € 10.000,00 sob pena de requerer a insolvência do Demandado.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS:
1 – Em 27.04.2004 foi acordado entre as Partes que o Demandante emprestaria ao Demandado a quantia de € 10.000,00, com a obrigação de a restituir.
2 - O cheque identificado no Facto provado n.º 1 foi entregue pelo Demandante ao Demandado, para cumprimento do acordo referido no facto anterior.
3 – O contrato foi celebrado oralmente entre as Partes com base numa relação de confiança motivada pelo relacionamento entre ambos.
4 – O Demandante tentou contactar o Demandado, por várias vezes, com vista a obter a restituição do montante emprestado, sem sucesso.
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C) MOTIVAÇÃO:

A convicção do Tribunal, relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos documentos, das declarações das partes e dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência final.
Concretizando:
- Factos provados n.º 1 a 3: resultam da admissão por acordo do Demandado, quer na sua contestação, quer nas declarações que prestou em audiência, sendo certo que o mesmo também resulta do documento de fls. 12 e 13.
- Facto provado n.º 4: resulta das escrituras públicas juntas a fls. 51 a 59 e do certificado de fls. 60 a 65-A, onde o Notário declara que confirmou tal facto através da certidão do Registo Predial do imóvel em causa.
- Facto provado n.º 5: resulta do documento de fls. 49 a 51, junto pelo Demandado e aceite pelo Demandante como correspondendo ao contrato-promessa que celebraram.
- Facto provado n.º 6 e Factos não provados n.º 1 a 3: Estes factos dizem todos respeito ao negócio que deu causa à entrega dos € 10.000,00 ao Demandado, sendo que a convicção do Tribunal relativa aos mesmos resultou da análise das mesmas provas, pelo que se analisam em conjunto.
Assim,
i) O Demandante não logrou provar que a quantia foi entregue ao Demandado, a título de empréstimo, com a obrigação de a restituir, que era a causa de pedir desta acção. Com efeito, as declarações do Demandante não lograram convencer o Tribunal, pela sua incoerência e ausência de confirmação por outros meios de prova, sendo, outrossim, contraditórias com a prova produzida sobre os mesmos factos.
Assim, declarou o Demandante que o valor lhe tinha sido pedido a título de empréstimo, porém, afirmou veementemente que nunca foi amigo do Demandado e que as relações que mantinham eram estritamente profissionais, não sabendo explicar o motivo pelo qual o Demandante, se carecia de dinheiro, se dirigia a alguém com quem não mantinha relações pessoais para o pedir emprestado. Não esclareceu, também, para que necessitava o Demandado do dinheiro, atendendo a que tinha recebido o sinal no valor de € 99.759,58, um ano antes. Também não soube explicar o motivo pelo qual, sendo o Demandante um homem de negócios, habituado a celebrar contratos, e sendo as relações com o Demandado meramente profissionais, não reduziu o contrato a escrito, nem tão pouco o motivo pelo qual se manteve em silêncio durante 9 anos (até à comunicação constante do facto provado n.º 12 remetida por Advogado) só nessa altura pedindo, pela primeira vez, a restituição do valor ao Demandado. Questionado sobre as condições do negócio, nomeadamente o prazo de restituição acordado, após alguma hesitação, acabou por dizer que o Demandado devolveria quando pudesse. Assumiu, e de resto foi notório, a inimizade com o Demandado decorrente do negócio celebrado com a promitente compradora e do processo judicial de que foi alvo por parte desta, e que teve o Demandado como testemunha.
De resto, as declarações do Demandante centraram-se mais na versão apresentada pelo Demandado do que na sua própria, sendo que a este respeito se limitou a desvalorizar o trabalho desenvolvido por este, procurando demonstrar que o pagamento não lhe era devido.
Por outro lado, a testemunha F, que declarou ter participado em negócios com o Demandante, declarou que à data dos factos (27.04.2004) era bancário e que recebeu um telefonema do Demandante perguntando o saldo da conta pois precisava de “desenrascar um amigo”. Declarou que se lembrava que se tratava de € 10.000,00 e que se destinavam ao Demandado para quem apontou sem, porém, saber o nome deste, pelo que não soube explicar como sabia, então, quem era o destinatário de tal quantia. Referiu, ainda, que era muito frequente receber telefonemas do Demandante a perguntar pelo saldo da conta, por motivos diversos, pelo que não soube explicar porque se lembrava tão bem deste telefonema em particular, e do exacto montante envolvido, 13 anos e meio depois. Pelas razões expostas, a referida testemunha não mereceu a credibilidade do Tribunal, sendo certo que, ainda que tivesse merecido, as declarações que prestou apenas permitiriam concluir que o valor foi entregue e não a causa que estava subjacente a tal entrega.
Por seu lado, a testemunha G declarou ter assistido a uma conversa entre as Partes em que o Demandante pedia a restituição de um montante ao Demandado. Começou por declarar que não se lembrava do montante, para a seguir afirmar, com muita hesitação e nervosismo, que eram € 10.000,00. Nada mais se lembrava sobre a conversa, não sabendo dizer sequer que resposta dava o Demandado a tal pedido, ou como é que a mesma terminou. A referida testemunha também não mereceu credibilidade por parte do Tribunal, sendo certo que ainda que tivesse merecido, as suas declarações nada provariam quanto à causa do pagamento.

ii) Por seu lado, o Demandado logrou fazer prova suficiente, credível e coerente dos factos que invocou na sua contestação quanto à causa da entrega dos € 10.000,00 por parte do Demandante.
Desde logo, as suas declarações foram prestadas com clareza, coerência, espontaneidade e ricas em pormenores sobre cada um dos factos que descreveu.
Expôs, de forma pormenorizada, as diligências que levou a cabo para promover a venda do terreno até encontrar um comprador interessado na aquisição, as dificuldades que teve na negociação do contrato-promessa com o promitente-comprador, que demoraram meses e que levou a cabo sozinho, até conseguir a assinatura do contrato-promessa. Relatou, ainda, as inúmeras diligências que levou a cabo junto da Câmara Municipal para obter a aprovação de todos os projectos e junto dos proprietários confinantes, relatando as várias peripécias sofridas durante tal processo, que punham em causa o negócio e o risco de terem de devolver o sinal recebido em dobro, e ainda junto do promitente-comprador com quem reunia com muita frequência.
Declarou que não obstante o Demandante ser comproprietário, nada fez nesse âmbito, limitando-se a beneficiar do trabalho desenvolvido pelo Demandado e pelo outro comproprietário, que era Arquitecto, e único que consigo ia colaborando pontualmente para desbloquear todas as situações que iam surgindo. Que o Arquitecto, apesar de ter colaborado pontualmente, o ressarciu pelo seu trabalho e despesas, abdicando de 50% do valor dos honorários pelo projecto que elaborou. Referiu que se dirigiu, por diversas vezes, ao Demandante relatando todas as diligências que ia desenvolvendo e as despesas que ia suportando, exigindo que o mesmo o ressarcisse e colaborasse, pelo menos financeiramente. Que, após muitas insistências, o Demandante acabou por lhe passar o cheque em causa nestes autos dizendo: “Toma lá e já não ficas mal!”. Que o valor não chegou para pagar tudo, mas que não quis aborrecer-se mais com o assunto, pelo que deixou ficar assim. Que esta acção surgiu depois de ter sido ouvido como testemunha no processo judicial que o promitente-comprador moveu ao Demandante por o mesmo não ter comparecido na escritura pública prometida, e que mais não é do que uma vingança do Demandante.
As duas testemunhas apresentadas pelo Demandado prestaram um depoimento claro, e espontâneo, e demonstrando perfeito conhecimento dos factos que relataram, que serviu para corroborar a versão apresentada pelo Demandado.
Assim, a testemunha H, colaborador da Sociedade que adquiriu o imóvel confirmou que foi o Demandado quem encetou as negociações com o gerente, Sr. Pereira, e quem tratou de tudo o que dizia respeito ao imóvel junto do mesmo. Que o via no escritório com muita frequência, nunca tendo visto lá o Demandante. Confirmou que, quer a negociação do contrato, quer depois o licenciamento, foram muito morosos, sabendo de algumas das peripécias e problemas que surgiram durante o processo, quer junto da Câmara, quer junto dos confiantes, e que confirmaram grande parte do relatado pelo Demandado, tendo afirmado que era o Demandado quem tratava de tudo por parte dos promitentes-vendedores.
Por seu lado, a testemunha I, na altura genro do promitente-comprador, e que com ele colaborava, confirmou que o Demandado era presença constante no escritório do sogro para tratar do negócio relativo ao terreno, nunca tendo lá visto o Demandante. Que colaborou pessoalmente no negócio para desbloquear um problema que havia surgido com uma extrema e que foi ao terreno com o Demandado e com o Arquitecto também comproprietário, sendo que o Demandante foi o único a não comparecer. Confirmou que o negócio esteve muito “embrulhado” com várias vicissitudes que foi relatando e que coincidiam com o relatado pelo Demandado, afirmando que era sempre o Demandado quem tratava do assunto junto da Câmara e junto do sogro e ia resolvendo as situações. Confirmou que o sogro é uma pessoa muito difícil nos negócios e que foi preciso muito trabalho do Demandado para conseguir negociar o contrato-promessa e, depois disso, para conseguir reunir as condições necessárias à outorga da escritura pública. Que sempre esteve convencido de que os outros comproprietários pagassem ao Demandado para tratar de tudo, pois sempre foi ele o interlocutor, sabendo que pelo menos o Arquitecto o fez, através de conversas mantidas na altura.

Os depoimentos prestados, conjugados com as declarações das Partes e os documentos juntos, analisados à luz das máximas de experiência de vida, permitiram a prova de que o negócio em causa envolveu muitas diligências e sofreu diversas vicissitudes, quer na fase de negociação, quer na fase de execução das condições constantes no contrato-promessa, relacionadas com o licenciamento e a aprovação dos projectos, e que foi o Demandado quem as levou a cabo sozinho, tendo tido, pontualmente, a participação do outro comproprietário (Arquitecto), que lhe pagou o trabalho através de um desconto nos seus honorários, o que permite, assim, extrair a presunção judicial de que a quantia paga pelo Demandante, após muitas insistências do Demandado, se destinou a compensá-lo, também, pelo trabalho que este teve e pelas despesas em que incorreu com o negócio. Resultou, também, claro para o Tribunal que o Demandante procedeu a tal pagamento, apesar de pouco convencido de que o mesmo fosse devido ou justo, pois mostrou desvalorizar todas as diligências que o mesmo levou a cabo e a frase que proferiu ao entregar a quantia “Toma lá e já não ficas mal!” permite intuir tal convicção. Afigura-se ao Tribunal que, após ter sido condenado a devolver o sinal em dobro no processo judicial que lhe foi movido e tendo em conta que o Demandado terá colaborado para esse desfecho, ao prestar o seu depoimento, se arrependeu de lhe ter feito tal pagamento e quis recuperá-lo através da presente acção.

- Factos provados n.º 7 a 9: resultam dos documentos de fls. 51 a 65-A, que foram confirmados por ambas as Partes, em declarações prestadas na audiência.
- Factos provados n.º 10 e 11: resultam da conjugação das declarações de ambas as Partes, bem como do depoimento das testemunhas H e I, não tendo sido produzida qualquer prova em contrário.
- Facto provado n.º 12: Resulta da análise do documento de fls. 28 e 29, e ainda do aviso de recepção de fls. 30, assinado por J, que consta no documento de fls. 51 a 55 como sendo a cônjuge do Demandado, o que atesta a recepção de tal missiva.
- Facto não provado n.º 4: Resultou da total ausência de prova produzida sobre o mesmo.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Pretende-se nos presentes autos obter a declaração de nulidade do contrato de mútuo, que teria sido celebrado entre as Partes, bem como a devolução da quantia mutuada, acrescida de juros de mora à taxa legal.
Contrato de mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade – cfr. artigo 1142º do CC.
Ora, não resultou provado que a quantia de € 10.000,00 tenha sido entregue ao Demandado, como empréstimo, com a obrigação de a devolver.
Por conseguinte, não se provou a existência de qualquer contrato de mútuo, sendo que essa era a única causa de pedir em que assentava o pedido formulado, pelo que, sem necessidade de mais considerandos, improcede, na totalidade a presente acção, concluindo-se pela absolvição do Demandado dos pedidos formulados.

Da condenação do Demandante como litigante de má-fé:

Veio o Demandado pedir a condenação do Demandante como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa e do valor dos honorários da sua Ilustre Mandatária. Invoca, para o efeito, que o mesmo deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Cumpre apreciar:
Dispõe a alínea a) do artigo 542º n.º 2 do CPC o seguinte: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”.
Com a referida redacção, introduzida na reforma do processo civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, pretendeu-se sancionar, a par da litigância dolosa, também a litigância temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave, com o intuito, como se lê no preâmbulo do diploma, de atingir uma maior responsabilização das partes.
Assim, estão incluídos nesta disposição legal quer os casos em que se resulte dos autos que o litigante tinha consciência de não ter razão, como também os casos de lide temerária, em que basta que fosse exigível ao litigante ter essa consciencialização.
Ora, como é entendimento dominante da jurisprudência, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
A má-fé psicológica, o propósito de fraude, exige, no mínimo, uma actuação com conhecimento ou consciência do possível prejuízo do acto; tal conhecimento ou consciência pode corresponder quer a dolo eventual quer a negligência consciente e, neste último quadro, aquela consciência pode reportar-se a uma simples previsão do prejuízo resultante do acto, nada se fazendo para o evitar, isto é, mesmo assim pratica-se o acto que se tem como potencialmente lesante”. - Ac. STJ de 06/01/2000, no Proc. 1034/00 da 7ª secção.
Ora, se estivéssemos perante um caso em que, simplesmente, o Demandante não logrou fazer prova da versão dos factos que apresentou, tal poderia dever-se à deficiência da prova apresentada e não, necessariamente, à inexistência de fundamento para a acção, pelo que não haveria fundamento para a sua condenação como litigante de má-fé, sob pena de ter que se julgar como litigante de má-fé toda e qualquer parte vencida, o que violaria o direito de acesso aos Tribunais.
Porém, analisada a factualidade provada, verifica-se que não só não se provou a versão dos factos apresentada pelo Demandante, como se provou a versão dos factos apresentada pelo Demandado, tendo sido possível apurar a causa que esteve subjacente à entrega da quantia em discussão.
Ora, o Demandante, que foi quem fez tal entrega, não podia ignorar a causa de tal entrega, pelo que bem sabia que o valor se destinava a compensar o Demandado pelo trabalho e despesas em que este incorreu com o negócio que era de ambos. Por conseguinte, tinha plena consciência da inexistência do contrato de mútuo que invocou nestes autos. De resto, resultou claro para o Tribunal, como se referiu em sede de motivação de facto, para onde se remete, que o Demandante se arrependeu, mais tarde, de ter pago tal quantia, na sequência de ter sido condenado a devolver o sinal em dobro, em acção judicial na qual o Demandado foi ouvido como testemunha pela parte contrária e, movido por tal arrependimento, intentou a presente acção invocando uma causa de pedir que bem sabia não existir.
Não resultam, pois, dúvidas sobre a actuação dolosa do Demandante, actuação essa que causou prejuízos ao Demandado que se traduziram nas despesas em que o mesmo incorreu com este processo, nomeadamente com o pagamento dos honorários devidos à sua Ilustre Mandatária pelo seu patrocínio.
Face ao exposto, há que declarar o Demandante como litigante de má-fé.
Dispõe o artigo 542º n.º 1 do CPC que, tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir, como foi o caso. Tal indemnização pode consistir no pagamento dos honorários da mandatária, conforme peticionado, devendo tal quantia ser fixada em quantia certa – cfr. artigo 543º n.º 1 a) e n.º 2 do CPC.
Uma vez que não há elementos para fixar a importância da indemnização, há que ouvir as Partes quanto a esta questão, ao abrigo do disposto no n.º 3 do mesmo artigo, com vista a decidir sobre tal montante.

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Responsabilidade tributária:

Atento o disposto no artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi do artigo 63º da LJP, e porque o Demandante é parte vencida nos presentes autos, vai o mesmo condenado nas custas da acção.
Assim, nos termos dos artigos 1º, 2º, 8º, 9º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005 de 24.02, deverá proceder ao pagamento da quantia de € 35,00, no prazo de 3 dias úteis a contar do conhecimento da presente decisão, sob pena de a tal quantia acrescer uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, com o limite de € 140,00, devendo ser restituída a quantia de € 35,00 ao Demandado.
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Dispositivo:

1) Julgo a presente acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência disso, absolvo o Demandado dos pedidos formulados pelo Demandante.
2) Julgo verificada a litigância de má-fé por parte do Demandante e, em consequência disso, condeno-o no pagamento de uma multa que se fixa em montante igual ao da taxa de justiça devida (€ 70,00) e de uma indemnização ao Demandado correspondente aos honorários da sua Mandatária, no montante a fixar posteriormente nos termos do disposto no artigo 543º n.º 3 do CPC.
3) Condeno o Demandante a pagar as custas da acção.

Mais decido conceder às Partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre o montante da indemnização devida pelo Demandante, como litigante de má-fé, ao abrigo do disposto no artigo 543º n.º 3 do CPC.
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Registe e notifique.
Bombarral, 12.01.2018

A Juíza de Paz

Carla Alves Teixeira
(que redigiu e reviu em computador – artigo 131º n.º 5 do CPC)