Sentença de Julgado de Paz
Processo: 199/2014-JP
Relator: JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PROVOCADOS EM VEÍCULO
Data da sentença: 12/02/2014
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença
Processo n.º 199/2014-JP.
Matéria: Responsabilidade Civil.
(alínea c) do n.º 1, do art.º 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho).
Objeto: Indemnização por danos provocados em veículo.
Valor da ação: €9.693,00 (Nove mil seiscentos e noventa e três euros).
Demandante: A , residente na Rua --------- Povoa de Santa Iria. Mandatário: Dr. B e Dra. B1, com escritório na Rua ------------- Lisboa.
Demandado: C, residente na Rua ---------------------Povoa de Santa Iria.
Mandatário: Dr. D, advogado, com escritório na Av.ª ---------------- Algés.

Do requerimento inicial: de fls. 1 a fls. 27.
Pedido: a fls.25 e 26.
Junta: 15 documentos e comprovativo de Apoio Judiciário.
Contestação: a fls. 74 a 83.
Tramitação:
A demandante não aderiu à mediação, pelo que foi marcada audiência de julgamento para o dia 06 de junho às 12h, que continuou em 29 de outubro de 2014, pelas 15h e 30m.

Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 109 e 110 e fls. 118 a 123.
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Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – A demandante é proprietária do veículo da marca E de matrícula TP, doravante TP (cfr. doc 1, fls. 28 e 29);
2 – A demandada adquiriu o TP à empresa F, Ld.ª, em 06 de janeiro de 2004, pelo preço de €10. 750,00, com 170 mil quilómetros, equipado com airbags e ar condicionado, incluído IVA (cfr. doc de fls. 117, confirmado pela testemunha G );
3 – Em 11 de março de 2013 a demandante emprestou o TP ao demandado, no interesse deste (admitido);
4 – Pelas 07:10h do dia 11 de março de 2013, o demandado circulava com o TP no sentido Norte/Sul do IC17, tendo-se despistado ao descer o Túnel do Grilo (doc 8, fls. 36 e segs., cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido);
5 – O demandante declarou no auto de polícia que o acidente ocorreu “ao descer o túnel do Grilo o piso muito escorregadio a viatura entrou em despiste e foi embater no rail” (cfr. doc 8, fls. 39);
6 – O TP ficou com os danos visíveis que as fotos juntas como docs. 2 a 7, a fls. 30 a 35 ilustram, e se consideram aqui integralmente reproduzidas;
7 – À data do sinistro a demandante possuía seguro automóvel obrigatório válido com a apólice n.º ------------ (cfr. doc 8, fls. 36); 8 – Após o acidente o demandado, através da supra referida apólice, providenciou que o TP fosse rebocado para a Oficina H, na Póvoa de Santa Iria (admitido);
9 – No dia seguinte a demandante foi informada do ocorrido e deslocou-se à Oficina H (admitido);
10 – Esta oficina estimou o arranjo do TP em €2.500,00, sem ir ao banco de ensaio nem contemplar airbags (confirmado pela testemunha I, responsável pela Oficina H);
11 – A demandante retirou o TP da Oficina H e colocou-o na oficina do Sr. J (confirmado pela testemunha J);
12 – Na oficina do Sr. J a reparação do TP foi orçamentada em €3.500,00, sem desmontagem (confirmado pela testemunha J);
13 – O valor de mercado de um veículo equivalente ao TP ronda os 2.600,00/€3.000,00 (afirmado pela testemunha K);
14 – A mãe da demandante disponibilizou-lhe de imediato a sua viatura, que não tem ar condicionado e só tem dois lugares (confirmado pela testemunha L);
15 – Em data não apurada a demandante retirou o TP da oficina do Sr. J e colocou-o na F, Ld.ª.
16 – Nesta oficina foi orçamentada a reparação do veículo em €8.314,12.
17 – A demandante andou de oficina para oficina para se assegurar de que os danos estavam a ser convenientemente avaliados (confirmado pela testemunha M que acompanhou a demandante nas idas à oficina e à casa da mãe da mulher do demandado numa tentativa de resolver o problema);
18 – O TP não foi reparado na oficina F, Ld.ª.
19 - O TP continua por reparar.
20 – O demandado ofereceu à demandante a quantia de €2.651,00, correspondente ao valor comercial de um veículo equivalente de acordo com os preços da eurotax, mas esta não aceitou (admitido);
21 – A demandante despendeu a quantia de €52,00 com a aquisição do auto de noticia (cfr. doc 8, fls. 39 A);
22 – A demandada despendeu a quantia de €73,80 com o reboque (cfr. doc 16, fls. 56 e 57);
23 – A demandante despendeu a quantia de €10,80 com a abertura de Processo no Centro de Arbitragem (cfr. 14, fls. 52).
Factos não provados.
Consideram-se não provados os factos não consignados.
Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respetivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual e nos depoimentos das testemunhas apresentadas, igualmente referidos nos respetivos factos.
Do Direito.
Nos presentes autos pretende a demandante que o demandado a indemnize dos prejuízos que lhe causou ao danificar a sua viatura num acidente, a qual lhe foi emprestada no interesse do demandado. O acidente não envolveu quaisquer outras viaturas, ocorreu por despiste do demandado à saída do denominado Túnel do Grilo, devido ao piso estar escorregadio, como o próprio afirmou no auto de policia, o que significa que não adotou a condução adequada às condições do piso, mormente a velocidade, violando o disposto no n.º 1, do artigo 24.º do CE. Sem dúvida que, no caso, se verificam os pressupostos do dever de indemnizar no contexto da responsabilidade civil extracontratual. Constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstrato, segundo a diligência de um “bom pai de família”. A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. É o primado da reconstituição natural e a consequente subsidiariedade da obrigação de indemnizar, consagrado no nosso sistema jurídico.
Dispõe o artigo 562.º do Código Civil: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Prescreve o n.º 1 do artigo 566.º do mesmo diploma legal: “A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou
seja excessivamente onerosa para o devedor.” Daqui resulta que, no caso, o lesado não é obrigado a aceitar o valor de mercado do veículo, podendo optar pela reparação do mesmo se esta não se revelar excessivamente onerosa. Ora, considerando o orçamento junto aos autos a fls. 42 a 44, no montante de €8314,12, entenderíamos que o valor é excessivamente elevado, atento o valor de mercado da viatura em questão. Contudo, há um outro orçamento defendido em audiência pela Testemunha J, que afirmou em audiência que repararia o TP por €3.500,00, orçamento que se apresenta como razoável no caso concreto. Ora, a reparação do veículo é a solução mais conforme com a reconstituição natural.
A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais a lei contempla também a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados – art.º 494º, n.º2, do Código Civil.
Quanto à reclamada indemnização por privação de uso, é hoje pacífico que o dano sofrido pelo dono de um veículo automóvel é constituído pela simples privação da possibilidade de uso do mesmo, não sendo necessário demonstrar a concreta utilização que daria ao veículo durante o período em que o não pode utilizar, a não ser que alegue outros prejuízos para além dessa privação.
Tal decorre do já aludido princípio da reconstituição natural, decorrente do referido artigo 562.º do CC. Esta reconstituição, no caso da privação de uso de veículo pode (e deve) ser assegurada pela disponibilidade de um veículo com as características do veículo paralisado. Se tal não ocorrer, então, o dano constituído pela privação de uso deverá ser reparado através da fixação de indemnização em dinheiro, nos termos previstos no art.º 566.º do CC. E, quanto a esta, não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, conforme determina o n,º 3, do citado art.º 566.º. Ora, não pode este tribunal deixar de ter em conta o facto da mãe da demandante lhe ter disponibilizado de imediato a sua viatura, mas também não pode deixar de ter em conta, igualmente, o facto de a demandante se ter sujeitado a um veículo sem ar condicionado e apenas de dois lugares. Assim, entendemos justo e equitativo um montante €1.655,00, correspondentes a cerca de €5,00 diários.
Quanto a danos morais, não logrou a demandante provar factos suscetíveis de preencher os requisitos de gravidade exigidos no n.º 1, do artigo 496.º do CC. -
Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência condeno o demandado a pagar à demandante a quantia de €5.291,60 (cinco mil duzentos e noventa e um euros e sessenta cêntimos), acrescidos de juros de mora contados da citação até integral pagamento, ficando absolvido do restante pedido.
Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, determino custas em partes iguais já inteiramente pagas.
Julgado de Paz de Lisboa, em 02 de dezembro de 2014
A Juíza de Paz
Maria Judite Matias