Sentença de Julgado de Paz
Processo: 354/2018-JPTVD
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO; CAUÇÃO
Data da sentença: 03/08/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: Proc.º 354/2018-JPTVD

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandante: A., com NIF: 000, residente na Rua XX Torres Vedras.

Demandada: B., com NIF: 000, residente na Rua XX Lisboa.


*

OBJECTO DO LITÍGIO:
O Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea g) do n.º -1 do art.º 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 445,00, sendo € 400,00 correspondentes à devolução do valor pago a título de caução; € 35,00 a título de taxa de justiça paga; € 10,00 de juros e despesas com a correspondência e na emissão e entrega dos recibos correspondentes às rendas pagas nos meses de junho e julho, nos termos plasmados no requerimento Inicial de fls 3 e 4.
Alegou, para tanto e em síntese, que por contrato de arrendamento habitacional de 23 de Dezembro de 2017, com prazo certo arrendou à Demandada uma fracção sua propriedade, pelo prazo de seis meses, automaticamente renovável, mediante o pagamento da renda mensal de € 400,00 e com início no dia 28 de janeiro de 2018 e término no dia 27 de julho de 2018. Foi feito o pagamento de uma caução no valor de € 400,00 a ser devolvida com a rescisão do contrato. Rescindiu o contrato no dia 23 de maio de 2018, mediante carta registada com aviso de recepção e procedeu à entrega das chaves à empresa imobiliária que serviu de intermediária. Notificou a Demandada para devolução da verba, o que não veio a acontecer. Juntou com o Requerimento Inicial, os documentos de fls. 5 a 13, e posteriormente os documentos de fls.80, 91 a 93, que se dão igualmente por reproduzidos.
*
Regularmente citada, a Demandada, apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 33 a 38, que aqui se dá por reproduzida. Em resumo, na contestação confirmou que foi estipulado o pagamento de uma caução de garantia no valor de € 400,00, mas que o Demandante não tem direito à sua devolução, na medida em que o apartamento apresentava um estado de sujidade generalizada, havia materiais e equipamentos danificados. O imóvel não foi devolvido no estado em que o recebeu, não tendo aquele cumprido o seu dever de manutenção, mantendo-o em bom estado de conservação e limpeza.
Juntou os documentos de fls. 39 a 63, que se dão por reproduzidos.
Realizou-se a sessão de pré-mediação e mediação, não tendo as partes logrado chegar a acordo. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com a observância das legais formalidades como da Acta, de fls 117 e 118 se infere.
*
O Julgado de Paz é competente em razão do objecto, da matéria, do território e do valor que se fixa em € 445,00 (quatrocentos e quarenta e cinco euros). – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do Código de Processo Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
*
DOS FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1. Em 23 de dezembro de 2017 Demandante e Demandada celebraram, por escrito, um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo de 6 meses, do prédio urbano correspondente à fracção autónoma “Z”, sita no cruzamento YY, em Santa Cruz, freguesia da Silveira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º 000 - Silveira. (crf. Doc.1, fls. 5 a 8 e 60 a 63v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. A C. serviu de intermediária na realização do contrato de arrendamento sendo o único contacto do Demandante.
3. O contrato foi celebrado pelo prazo certo de seis meses renovável por iguais períodos e teve início em 28 de janeiro de 2018, conforme a cláusula Primeira do supra mencionado contrato; (admitido por acordo).
4. A renda foi fixada no valor anual inicial de € 4.800,00, sendo paga em duodécimos de € 400,00, com vencimento no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que respeita (crf. cláusula Segunda e admitido por acordo).
5. Com a assinatura do contrato foi entregue a quantia de € 800,00, referentes aos meses de fevereiro e março de 2017, conforme previsto na cláusula segunda do Contrato de Arrendamento, (crf. Doc.1, fls. 5 a 8 e 60 a 63v, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
6. Foi pago o valor de € 400,00, a título de caução.
7. A caução não se destina a ser usada como renda do último mês do contrato, mas “… serve de garantia da boa utilização da casa e será devolvida ao inquilino 20 dias após o termo do contrato e depois de verificado o bom estado de funcionamento dos electrodomésticos e bom estado da casa”, nos termos da cláusula segunda do contrato de arrendamento, para a qual se remete (Doc.1, fls. 5 a 8 e 60 a 63v).
8. Por email de 05 de janeiro de 2018, o Demandante comunicou à C. – que o imóvel apresentava os seguintes estragos: 1. Chão da sala com o mosaico partido; -2. dois buracos na parede num dos quartos com cama; 3. campainha de fora não funcionava; 4. intercomunicador não abre a porta e não se ouve; 5. um dos quartos precisava de pintura.
9. As referidas deficiências não foram reparadas.
10. O imóvel foi entregue com as deficiências constantes do ponto 9 -1., 2., 5 e ainda o tecto da casa de banho apresentava humidades e fungos; o chão do poliban (base do duche) tinha manchas e ferrugem, as paredes estavam amareladas da humidade e a pedra da banca da cozinha apresentava uma rachadela.
11. Quando o Demandante deixou o imóvel, para além das deficiências já existentes à data da sua entrada, o mesmo apresentava: 1. Fogão sujo, tendo o forno gordura entranhada, ferrugem e restos de comida; 2. Frigorífico sujo, com as borrachas a não vedarem bem; Armários da cozinha sujos; bancada suja; vidros das janelas sujos; Churrasqueira suja com uma grelha do Demandante com gordura e ferrugem, bem como gordura nos mosaicos do chão junto à churrasqueira; sujidade generalizada do apartamento.
12. O imóvel – T3 - não era novo e apresentava desgaste pelo que foi pedida uma renda apenas de € 400,00.
13. Por carta de 23 de maio de 2018, registada e com aviso de recepção foi comunicada a denúncia do contrato de arrendamento, com efeitos em 27 de junho. - doc. fls 9 e 10.
14. Antes da saída o imóvel foi mostrado a uma potencial arrendatária, que recusou arrendar devido ao mau estado do mesmo.
15. Na data da saída definitiva e entrega do imóvel não se encontrava presente nem a Demandada nem representante da imobiliária.
16. Por indicação da Imobiliária o Demandante deixou as chaves do imóvel num café situado ao lado da sede daquela.
17. O Demandante fez os pagamentos das rendas (€ 400,00) até ao mês de julho inclusive.
18. Não foram entregues os recibos dos meses de junho e julho de 2018.
19. Após a saída do imóvel o Demandante solicitou a devolução da verba correspondente ao valor da caução.
20. O representante da C. – foi ver o imóvel “algum tempo” após a saída do Demandante.
21. A Demandada foi ver o imóvel, depois da saída do Demandante, entre a última semana de agosto e a primeira semana de Setembro.
DOS FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido.

FUNDAMENTAÇÃO FACTICA:
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual, depoimento testemunhal tendo sido importantes as declarações das testemunhas D. e E. apresentadas pelo Demandante e essencialmente de F. e G., apresentadas pela Demandada.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova ou prova convincente.

O DIREITO:
Da matéria fáctica provada resulta que entre o Demandante na qualidade de inquilino, e a Demandada na qualidade de senhoria foi celebrado um contrato de arrendamento para fim habitacional, junto a fls. 5 a 8 e 60 a 63v. O contrato em apreço rege-se pelas disposições previstas no Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado e anexo pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, ao qual se aplica também as normas constantes do Código Civil, relativa a princípios gerais em matéria contratual, e as normas especiais previstas para a locação em particular. Das mesmas resulta a noção de arrendamento. Nos termos do disposto no artigo 1022.º do Código Civil o arrendamento é a locação de uma coisa imóvel (“Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”). Como negócio bilateral que é, emergem do referido contrato direitos e obrigações para ambas as partes, consistindo uma dessas obrigações, a cargo do locatário (o aqui Demandante), pagar a renda no montante e demais termos acordados, conforme estipulam a alínea a), do artigo 1038.º, e artigo 1039.º, ambos do Código Civil. No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil, de acordo com o qual podem as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos que celebram, desde que dentro dos limites da lei.
O litígio em apreço pode resumir-se no seguinte: aquando da celebração do contrato de arrendamento o Demandante entregou à Demandada a quantia de € 400,00, como garantia das obrigações decorrentes do contrato - “Até final de fevereiro é paga a caução de 400 euros que serve de garantia da boa utilização da casa e será devolvida ao inquilino 20 dias após o termo do contrato e depois de verificado o bom estado de funcionamento dos electrodomésticos e bom estado da casa” (cláusula segunda).
Deste modo a caução destinava-se a garantir o pagamento de eventuais estragos no locado, quantia a ser devolvida pelo senhorio no termo do contrato.
Nos termos do disposto no nº1 do artº 1043º do C.Civil: “na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato presumindo-se, nos termos do n.º 2, que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.

Por sua vez, a cláusula sexta do contrato (que se dá por reproduzida), refere o estado de algumas partes do arrendado como normais e bom, sendo genéricas. A cláusula sétima refere ainda que as despesas de conservação e limpeza necessárias são da obrigação do inquilino e a cláusula oitava, no que aqui importa considerar: “que o arrendado deve ser entregue……em bom estado de conservação …. pagando à sua custa as reparações necessárias (…) ressalvando o desgaste proveniente da sua normal e prudente” - entendendo-se este bom estado de conservação, como sendo a reprodução do citado artº 1043º: em que o locatário é obrigado a restituir a coisa no estado em que a recebeu.
Vejamos, pois, quais os danos invocados pela Demandado e que resultaram provados: Quanto às deteriorações: Chão da sala com o mosaico partido; dois buracos na parede num dos quartos com cama; um dos quartos precisava de pintura, que foram comunicadas à Demandada e ainda o tecto da casa de banho apresentava humidades e fungos; o chão do poliban (base do duche) tinha manchas e ferrugem, as paredes estavam amareladas da humidade e a pedra da banca da cozinha apresentava uma rachadela, resulta provado que aquando da entrega do imóvel ao Demandante já existiam.
Após o exame da fracção primeiro pelo Sr. E. e depois a pela Demandada, esta pôde comprovar que o mesmo apresentava: 1. Fogão sujo, tendo o forno gordura entranhada, ferrugem e restos de comida; 2. Frigorífico sujo, com as borrachas a não pegarem bem; Armários da cozinha sujos; bancada suja; vidros das janelas sujos; Churrasqueira suja com uma grelha deixada pelo Demandante com gordura e ferrugem, bem como gordura nos mosaicos do chão junto à churrasqueira; sujidade entranhada e generalizada do apartamento.
Atendendo ao exposto, nomeadamente à cláusula sétima do contrato de arrendamento torna-se o locatário responsável, presumindo-se a sua culpa nos termos do n.º 1, do art.º 799º, do código Civil, pelas deteriorações correspondentes à falta de conservação e limpeza da fracção à data da entrega do locado, podendo o locatário reter no todo ou em parte a caução paga.
Atendendo a que o imóvel era usado, a que o Demandante apenas nele residiu seis meses, bem como ao facto da sua responsabilidade se consubstanciar na deficiente conservação do imóvel e falta de limpeza profunda do mesmo e dos seus eletrodomésticos e utensílios, com recurso à equidade, ou seja, a compensação que, no prudente arbítrio do julgador, seja a mais justa para o caso, (cf. nº 3, do artigo 566º do C. Civ), afigura-se que será adequado fixar o valor a reter pela Demandada, senhoria, em € 225,00, condenando-se a mesma a devolver ao Demandante a quantia de € 175,00.
Verifica-se igualmente a falta de entrega dos recibos de renda correspondentes aos meses de junho e julho de 2018 sendo que, na sua contestação, a Demandada se dispõe a entrega-los em conformidade com a lei, o que se determina por ser devida a quitação nos termos do art.º 787º do código civil.
Quanto às despesas com a correspondência, resulta provado que o Demandante enviou duas cartas registadas com aviso de recepção à Demandada, sendo que uma corresponde à oposição à renovação e outra com o fim de obter a devolução da caução paga. A primeira foi para o exercício de um direito seu, não podendo o seu custo ser imputável à Demandada, pois não existe nexo de causalidade entre a falta de devolução da caução e a despesa invocada. Quanto à segunda resulta do incumprimento da Demandada pelo que se fixa o valor a pagar pela Demandada em € 2,50.
Quanto ao pagamento de juros peticionados pelo Demandante: verificando-se um incumprimento imputável à Demandada, constituiu-se esta em mora, logo na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora Demandante – art. 804º do Código Civil. Resta averiguar a partir de quando são devidos juros de mora. Sendo obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia da constituição em mora – art.º 806º do Código Civil. Nos termos do art.º n.º 805º, n.º 1, do Código Civil, o devedor fica constituído em mora nomeadamente depois de ter sido judicialmente interpelado para cumprir.
Deste modo, além da devolução do valor de € 175,00 são devidos juros de mora, vencidos e vincendos desde a citação da Demandada, à taxa legal, actualmente de 4%, nos termos dos art.º 804.º, n.º 1, art.º 805.º, n.º 1, e art.º 559.º, todos do Código Civil.

DECISÃO:
Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 177,50 (cento e setenta e cinco euros).
Custas: serão a suportar pelo Demandante e pela Demandada na proporção do respetivo decaimento, fixando-se as mesmas em 60% para o primeiro e 40% para a segunda, (artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro).
Devolva € 7,00 à Demandada.
O Demandante deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 7,00 (sete euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder € 140,00, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Registe e notifique.
Após trânsito arquivem-se os autos.

Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 08 de março de 2019

A Juíza de Paz

______________________
(Luísa Ferreira Saraiva)
Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO