Sentença de Julgado de Paz
Processo: 13/2017-JP
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO - CONTRATO DE COMPRA E VENDA - RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO -
Data da sentença: 06/20/2017
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandante: A, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA
Demandada: B, LDA,

OBJETO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea i) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.687,61 (cinco mil seiscentos e oitenta e sete euros e sessenta e um cêntimos), sendo € 2.687,61 respeitantes ao valor das reparações pago pela demandante e € 3.000,00 devidos pelo valor da desvalorização da viatura, tudo acrescido dos juros que se vencerem à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

A Demandada apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 23 a 26, tendo impugnado os factos vertidos no RI, além de ter deduzido a exceção de caducidade para o exercício do seu direito com fundamento em que a denúncia dos alegados defeitos não foi efetuada no prazo legal de dois meses.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, além da que
infra se apreciará, que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.

Valor da ação: € 5.687,61

FACTOS PROVADOS:
A. A demandante é uma sociedade por quotas que tem como objecto do seu comércio a compra e venda de produtos congelados;
B. A demandada é uma sociedade por quotas, sendo objecto do seu comércio a compra e venda de veículos automóveis usados;
C. No âmbito do seu comércio a demandada, em 19/04/2016, vendeu à demandante, e esta comprou-lhe, um veículo automóvel, marca Mercedes, com caixa frigorífica, de 2003, com a matrícula xx-xx-xx, pelo preço de € 8.600,00, conforme fatura emitida pela demandada;
D. A demandante pagou integralmente o respetivo preço através do cheque nº x;
E. Em execução do contrato referido a demandada entregou à demandante, no próprio dia 19/04/2016, a viatura x e assegurou que esta se encontrava em perfeito estado de funcionamento e não padecia de nenhum vício;
F. Sucede que, logo nesse dia, durante a viagem de Vagos até Lamego, o gerente da demandante se apercebeu que o motor da viatura supra identificada não desenvolvia de forma regular;
G. Manifestava falta de potência, engasgando mesmo o trabalhar do motor;
H. De imediato, o gerente da demandante contactou telefonicamente o vendedor Z, dando-lhe conta do estado da viatura e tendo este reportado ao sócio gerente da Demandada, C;
I. Porque necessitava de utilizar a viatura e encontrando-se em Vila Real, foi à oficina de D, tendo-lhe sido diagnosticada avaria da válvula N75 e na Geometria RHV4/VJ36, com necessidade de limpeza;
J. Por essas peças mecânicas e pela mão de obra, pagou a demandante a esse oficina a quantia de € 375,89;
K. Em 12/05/2016 a demandante teve de se deslocar a Baltar, a uma casa especializada em turbos, para reparar o turbo do motor da viatura, tendo pago por esse trabalho e pelas peças substituídas a importância de € 835,72;
L. A demandante deu conhecimento destas avarias concretas e dos gastos feitos à demandada;
M. Mais tarde, o motor da viatura começou a efetuar um ruído intenso/anormal e a deitar fumo preto pelo escape;
N. A demandante recorreu à oficina para saber a causa da avaria, tendo-lhe sido comunicado que a mesma teria sido causada pela rutura do bimassa, que partiu o motor;
O. A demandante, em 25/05/2016, comprou um Bloco Armado com Cabeça (motor) em segunda mão, a E, tendo pago pelo mesmo € 1.476,00, em substituição do motor partido;
P. A demandante efetuou as supra descritas reparações e a substituiu as supra aludidas peças mecânicas, tendo gasto € 2.687,61;
Q. A demandante, por intermédio do seu mandatário, interpelou por e-mail a demandada para proceder ao pagamento da supra referia quantia.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 6 a 14, 42 e 43, da prestação dos depoimentos testemunhais em audiência final e da aceitação pela Demandada dos factos constantes nos Artigos 2 a 5 do requerimento inicial.
No que concerne às testemunhas indicadas pelo Demandante, foi ouvido e valorizado F, mecânico responsável pela reparação do veículo dos autos, que relatou, de forma objetiva, o seu estado.
Foi igualmente ouvido G, filho do representante da Demandante, que explicou, de modo claro e sucinto, o que sucedeu com a viatura, tendo sido relevante para a descoberta da verdade material.
Quanto ao depoimento de H, funcionária da Demandante, foi alvo de valoração em sede de prova porquanto acompanhou o processo de contactos com a parte contrária após a aquisição da viatura.
Por fim, a testemunha I, motorista da Demandante, depôs com sinceridade e isenção, tendo colhido merecimento probatório.
Quanto às testemunhas indicadas pela Demandada, J depôs em primeiro lugar, cujas declarações não foram tidas em linha de conta porquanto desconhecia as alegadas avarias que a viatura sofreu.
Quanto a L, trata-se do vendedor responsável pela alienação da viatura, cuja declarações foram valoradas na medida em que conhecia diretamente a questão controvertida.
Por fim, M, mecânico que presta serviços para a Demandada, foi igualmente atendível por ter respondido de forma técnica e precisa às questões de mecânica colocadas.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Visa a Demandante, com a presente ação, a condenação da Demandada no pagamento da reparação que efetuou ao seu veículo automóvel usado, na medida em que apresentava defeitos originários, ao tempo da sua aquisição, que o impediam de circular.
Nos termos do previsto nos Artigos 3º, al. a), e 4º da Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, atualizada pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril), o consumidor tem direito à qualidade dos bens, que devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem.
Assim como, de acordo com o Art. 2º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo DL n.º 84/2008 de 21 de Maio, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens conformes com o contrato de compra e venda.
Nos termos da lei civil, designadamente do Art. 913º do Código Civil, haverá uma venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.
E, dispõe o Art. 3º, nº 1, do DL n.º 67/2003, que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, dispondo o Art. 4º, nº 1, do mesmo diploma, que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (vejam-se também os Artigos 908º, 915º e 905º por força do Art. 913º, todos do Código Civil).
Conclui-se que o vendedor de bens móveis não consumíveis, como é o caso, está obrigado a garantir o seu bom estado e o seu bom funcionamento, de tal modo que o prazo que a lei imperativamente estabelece, para esse efeito, é de 2 anos, salvo se o comprador e o vendedor acordarem por escrito o prazo mínimo de 1 ano, conforme dispõe o n.º 1 e n.º 2 do Art. 5º do DL n.º 67/2003.
Nos presentes autos, ficou demonstrado que Demandante e Demandada celebraram um contrato de compra e venda que teve como objeto um veículo automóvel, com defeitos no motor, que o impediam de circular.
No entanto, não ficou demonstrado que o referido bem móvel tenha sido adquirido pela Demandante, enquanto consumidora final e que beneficie da tutela jurídica promovida pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.
Na verdade, a Demandante é uma sociedade por quotas que tem como objeto do seu comércio a compra e venda de produtos congelados, logo, não é uma consumidora final, não lhe sendo possível beneficiar da proteção que aquele diploma lhe confere.
Restará, assim, a cobertura jurídica prevista pelo regime previsto no CC para a venda de coisas defeituosas. Segundo o Art. 914º do CC, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela. Por outro lado, o n.º 1 do Art. 916º prevê que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, exceto se este houver usado de dolo, ao passo que o n.º 2 estatui que a denúncia deverá será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa, sendo um bem móvel, como é o caso dos presentes autos.
Da matéria dada por provada, deriva que a Demandante denunciou os defeitos do veículo logo que os conheceu porquanto, no próprio dia em que adquiriu a viatura, o gerente da demandante contactou telefonicamente o vendedor, dando-lhe conta do estado da viatura e tendo este reportado ao sócio gerente da Demandada.
Logo, a denúncia dos defeitos foi realizada em tempo útil, não tendo ocorrido a caducidade do direito à reparação, conforme foi arguido em sede de contestação.
No entanto, ficou igualmente provado que a Demandante efetuou uma série de despesas com a reparação do motor e que totalizaram a módica quantia de € 2.687,61.
Ora, por aplicação do já citado Art. 914º do CC, a reparação do bem defeituoso terá de ser efetuada pelo devedor e não pelo comprador, que não tem o direito de se substituir àquele na obrigação de reparação. A admitir-se uma tal solução, estar-se-ia, no fundo, a inviabilizar a consagração legal da tutela do comprador – cfr., neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa, de 01-04-2004, Processo 1020/2004-2, disponível no site www.dgsi.pt.
Por conseguinte, era dever da Demandada proceder à reparação do veículo e não uma prerrogativa arbitrária que a Demandante teria de o reparar por mote próprio e, com a possibilidade posterior, de lhe apresentar a “fatura”. De facto, a lei civil só vislumbra tal oportunidade, em sede executiva, após se terem esgotado as possibilidades de o vendedor não reparar, conforme estabelece o Art. 828º do Código Civil: “O credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor” (sublinhado nosso).
Na esteira deste entendimento, veja-se o Ac. do STJ, de 15-05-2001, Processo n.º 01A1325, cujo relator, o Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Ribeiro Coelho, vaticina: “O artº. 914º do CCivil não confere ao comprador, em caso de simples mora, o direito de se substituir ao vendedor na reparação da coisa vendida. Ao vendedor é que compete proceder à reparação, seja voluntariamente antes de instaurada a execução para a prestação de facto, seja depois da intimação aí feita (arts. 939º nº. 1 e 940º do CPC). Só se isto não suceder é que ocorre a possibilidade de prestação do facto à custa do devedor (artº. 828º do Cód. Civil), nos termos previstos nos arts. 935º e segs. do CPC.”
Face ao exposto, a proteção que a lei confere à Demandante consiste na Demandada proceder à reparação da viatura, e se se viesse a constatar que tal reparação não era possível, à sua substituição por outra, sendo certo que, como se provou, foi a Demandante quem promoveu tal reparação, sem que voluntária ou coercivamente, por via de decisão do Tribunal, a Demandada tivesse tido oportunidade de cumprir tal obrigação.
Melhor opção teria tomado a Demandante se tivesse ido à sede da Demandada e aí deixasse o veículo adquirido para reparação. E, mesmo que estivesse impossibilitado de circular, haveria sempre a hipótese de ser transportado através de um reboque até à sede da Demandada.
Terá, nesta medida, de decair a pretensão da Demandante no sentido de ser paga da reparação do veículo em debate, bem como improcederá o restante pedido atinente à desvalorização da viatura.
DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Demandada de todos os pedidos.


Custas pela parte vencida – a ora Demandante, em conformidade com o disposto nos Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro, a serem pagas no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento.

Registe e notifique.
Tarouca, 20 de Junho de 2017

A Juíza de Paz,
Daniela Santos Costa

Processado por computador. Art.º 131º/5 do C.P.C.
VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Tarouca