Sentença de Julgado de Paz
Processo: 90/2018-JPTRF
Relator: IRIA PINTO
Descritores: COMPRA E VENDA - GARANTIA
Data da sentença: 05/21/2018
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: Sentença

Processo nº 90/2018-JP
Relatório
A demandante ..............................., melhor identificada a fls. 3, intentou contra a demandada ......................................., S.A., melhor identificada a fls. 3, ação declarativa com vista a obter a resolução do contrato de compra e venda, formulando o seguinte pedido:
• Que a demandada seja condenada a devolver a quantia paga pelo equipamento, no valor de €1.056,90.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 3 e 4 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido. Juntou 6 (seis) documentos. Juntou posteriormente 7 (sete) documentos.
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Regularmente citada a demandada (fls. 18), apresentou a contestação de fls. 21 a 23, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando os factos alegados pela demandante e pugnando pela absolvição da demandada. Juntou 4 (quatro) documentos.
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A demandante prescindiu da realização de sessão de Pré-Mediação (fls. 13).
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Realizou-se audiência de Julgamento em 8/5/2018, com a observância das formalidades legais, como da respetiva Ata junta aos autos se infere.
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O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €1.056,90 (mil e cinquenta e seis euros e noventa cêntimos).
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Reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre proferir sentença, sendo que a alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, com a alteração da Lei nº 54/2013, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar, entre outros, uma “sucinta fundamentação”.

Fundamentação da Matéria de Facto
Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - Em 27 de novembro de 2016, o Demandante adquiriu à Demandada um equipamento computador híbrido portátil MS SURF PRO 4 – I5 256-276, no valor de €1.056,90.
2 – Este equipamento foi sempre utilizado por ..........................., sendo filho da demandante.
3 - Em 23 de fevereiro de 2018, o filho da demandante verificou que a bateria do equipamento se encontrava viciada, a caneta do computador não funciona, por vezes, quando o carregador se encontra ligado ao computador e algumas vezes o carregador não carrega o equipamento.
4 – Na mesma data, o filho da demandante deslocou-se à demandada para que procedesse à reparação do equipamento, por forças das queixas supra mencionadas.
5 – Nesse dia, a demandada recusou a aceitação do equipamento para reparação, o que originou reclamação por parte do filho da demandante.
6 – E, mediante a reclamação apresentada, a demandada informou o filho da demandante para se deslocar à loja da demandada para entrega do equipamento, para reparação à CPCDI, o que ocorreu em 1/3/2018.
7 – Em 14/3/2018, a demandada informou não assumir a responsabilidade de reparação do equipamento, por má utilização do mesmo, nomeadamente por estar amolgado.
8 – Entretanto, a demandada enviou à demandante orçamento para reparação do equipamento, de valor superior à sua aquisição.
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A fixação da matéria dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, dos documentos de fls. 5 a 10, 45, 47 e 48, 50 a 54 juntos aos autos, bem como da prova testemunhal apresentada pelas partes como se verá, o que devidamente conjugado com a exisbição do equipamento objecto dos autos, regras de experiência comum e critérios de razoabilidade alicerçaram a convicção do Tribunal.
A testemunha apresentada pela demandante é o seu filho, ..............., que é também o utilizador do computador portátil, o qual exibiu o equipamento objecto dos autos que foi manuseado pelos presentes. Esta testemunha reiterou o exposto no requerimento inicial e reclamação, expondo não haver qualquer má utilização do equipamento, o qual é elemento de estudo e manuseado com todo o cuidado, mas cujas qualidades técnicas asseguradas no momento da aquisição se não têm verificado, tal como a duração da bateria que deveria ser de cerca de 9 horas e consta das especificações técnicas, nesta altura é de cerca de 2 ou 3 horas ou menos, ou não carrega, além da caneta não ser possível ser usada em certas alturas, entre outras anomalias.
A testemunha apresentada pela demandada, ................., gerente de loja, veio expor que a recusa da reparação teve como base o dano físico, de acordo com as fotos juntas com a contestação que são as do equipamento mas muito ampliadas, esclarecendo que a assistência técnica da marca em causa, só é acessível por telefone através de linha de apoio ou portal e que se trata de um produto muito especifico e de tecnologia evoluída, tendo a marca ou congénere considerado que os danos significam má utilização e afastam a garantia.
Ambos os depoimentos testemunhais apresentados pelas partes foram considerados credíveis.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou insuficiência de prova nesse sentido.

Fundamentação da Matéria de Direito
A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada a devolver a quantia paga pelo equipamento adquirido, alegando em sustentação desse pedido a celebração de um contrato de compra e venda com a demandada, referente a um equipamento computador híbrido portátil MS SURF PRO 4 – I5 256-276, no valor de €1.056,90, com alegado incumprimento da demandada.
Dispõe o artigo 874º do Código Civil que: “ Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou direito, mediante um preço”. E um dos efeitos essenciais deste tipo de contrato é a transmissão da propriedade, conforme dispõe a alínea a) do artigo 879º do mesmo código.
No caso em apreço, transmitiu-se o direito de propriedade sobre o bem em causa, presumindo-se a culpa do vendedor nos termos do artigo 799º, nº1, do Código Civil, sendo assim aplicável o regime geral da responsabilidade contratual constante dos artigos 798º e seguintes do Código Civil.
Assim, não sendo ilidida a presunção de culpa do vendedor, a lei dá ao comprador os seguintes direitos: a reparação do defeito ou a substituição da coisa, a redução do preço, a resolução do contrato e indemnização.
À situação objeto dos autos, além dos dispositivos legais mencionados, é aplicável o preceituado no Decreto-Lei 84/2008, de 21.05 (atualizado). Na verdade, no referido Decreto-Lei é dada ao consumidor a possibilidade de denunciar junto do vendedor a falta de conformidade do bem adquirido, coberto pela garantia, comprovando a respetiva compra, aferida, em concreto, pela venda de 27/11/2016, de fls. 5 e 6 dos autos.
Tratando-se de coisa móvel, a garantia é de 2 anos, conforme dispõe o artigo 5º, nº 2. Ainda nos termos do nº 2 do artigo 5º-A do mencionado decreto lei, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar a falta de conformidade, num prazo de dois meses, tratando-se de bem móvel, a contar da data em que a tenha detetado, o que aconteceu no presente caso.
Como também dispõe o artigo 4º, nº 2 do decreto-lei atrás referido, a reparação deve ser realizada, num prazo razoável e tendo em conta a natureza do defeito, sem grave inconveniente para o consumidor.
Relativamente aos presentes autos ficou provado que a demandante, verificadas as anomalias no computador adquirido, denunciou-os atempadamente e quis a sua reparação (em determinado momento), pretendendo, a final, a resolução do contrato.
E é certo que o artigo 3º do referido decreto-lei dispõe que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos presumem-se existentes na data da sua entrega. E, também é certo que tal presunção não foi ilidida pela demandada, pois na realidade não juntou relatório técnico relativo às alegadas anomalias denunciadas nos autos, limitando-se a alegar má utilização do equipamento, por estar amolgado. Ora, nem a prova testemunhal, conseguiu ultrapassar essa fragilidade argumentativa.
Vejamos se existe falta de conformidade do bem vendido, assim, a coisa entregue pela vendedora, na execução do contrato de compra e venda, deve estar isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pela compradora.
Resultou, assim, provado que a demandante em 26/1/2018 apresentou o equipamento para reparação, dado apresentar problemas ao carregar e sobreaquecer não sendo possível trabalhar com a caneta, sendo que a duração do uso de bateria que era de 3 horas passou para metade ou menos ou sem carregar, como está especificado em Nota de serviço de fls. 45. Ainda resulta provado, que em 23 de fevereiro de 2018 é reiterado que equipamento em causa não funciona nas devidas condições, tendo sido apresentado na demandada que, após reclamação e insistência, diligenciou na sua entrega para reparação, o que acabou por acontecer em 1 de março desse ano.
Entretanto, veio a demandada ..........., através da empresa CPC-DI, a fls. 9, entender não reparar o aparelho em causa no âmbito da garantia, dado apresentar marcas de má utilização, aludindo a relatório técnico anexo, que corrobora que o equipamento tem marcas de má utilização, com cantos danificados e não aceite em garantia, juntando orçamento para reparação cujo valor é superior ao valor de aquisição do equipamento (fls. 10). Em contestação foram ainda juntas fotografias dos cantos de um equipamento que se presume ser o objeto dos autos, para comprovar o dano físico alegado para a demandada se excluir da garantia, o que não logrou fazer.
Na audiência, foi exibido o computador portátil objeto dos autos, com vista a comprovar ou não os alegados danos físicos ou mossas existentes nos seus cantos. Na verdade, ao manusear-se o equipamento vê-se que o mesmo se encontra em excelente estado de conservação e nota-se sendo quase imperceptível uma mossa mínima num dos cantos, que terá sido usado para fotografar, depreendendo-se que tal mossa mínima só é perceptível muito perto ou em fotografia muito ampliada, entendendo-se que tem a ver com o seu manuseamento normal ou utilização adequada, não tendo danos de quedas ou outros, como alega a demandada para afastar a garantia.
Ademais, a demandada não explicita como é que a alegada mossa é compatível com a avaria denunciada e não é uma falta de conformidade do bem ou advém de um defeito do mesmo.
Na verdade, em termos técnicos, a demandada ou a marca não tenta apurar qual a desconformidade existente no equipamento ou se ela não existe ou existe por má utilização, limita-se a expor que tem danos e que não é abrangido pela garantia.
Então, a ser assim, só se os aparelhos não forem usados é que poderão usufruir de garantia... ou só têm garantia no momento da sua aquisição, o que não se concede, nem concebe!
O que equivale a expor que a demandada não logrou provar o que lhe incumbia.
Ainda nos termos do artigo 334º do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Importa assim perceber se o consumidor pode de facto optar livremente por qualquer uma das soluções que a lei lhe concede, junto do vendedor ou produtor, nomeadamente a resolução do contrato. O que não pode é exercer esse direito de forma considerada abusiva, porquanto desproporcionada ao seu efetivo prejuízo, o que não é o caso, na medida do efeito retroativo da resolução.
Na verdade, o Tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido (artigo 609º do Código de Processo Civil), sob pena de nulidade. Ora, não resulta dos autos um pedido alternativo, pelo que procede o peticionado.
Pretendendo a demandante exercer o direito de resolução contratual que efetivamente lhe assiste, os artigos 432º, nº 1 e 436º, nº 1 do Código Civil admitem a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, mediante declaração à outra parte, o que a demandante efetivamente fez através do teor da reclamação de fls. 7. Os efeitos da resolução são equiparados aos da nulidade e anulabilidade, nomeadamente quanto à obrigação de restituição do que houver sido prestado, com exceção das prestações já efetuadas (artigos 433º, 434º e 289, nº 1 do Código Civil).
Assim sendo, considerando o direito da demandante à resolução do contrato, não há dúvida que a demandada está constituída na obrigação de pagar à demandante a quantia por esta peticionada no valor de €1.056,90, relativo ao preço pago pela demandante pelo bem adquirido à demandada, devendo, nessa medida, a demandante proceder à entrega do equipamento à demandada.

Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, declarando resolvido o contrato de compra e venda de um computador híbrido portátil MS SURF PRO 4 – I5 256-276, celebrado em 27/11/2016 entre demandante e demandada, e, em consequência, condeno ainda a demandada ......................., S.A. a proceder à devolução à demandante do valor de €1.056,90 (mil e cinquenta e seis euros e noventa cêntimos).

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, a demandada ..............., S.A. (NIF ................) é a responsável pelas custas do processo que ascendem a €70,00 (setenta euros), pelo que tendo pago a taxa de €35,00 (trinta e cinco euros), deve ainda proceder ao pagamento do valor restante de €35,00 (trinta e cinco euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso, comprovando o pagamento no Julgado de Paz.
Devolva à demandante a taxa de justiça paga de €35,00.
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A sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, com a alteração da Lei nº 54/2013.
Na data de leitura de sentença – 21/5/2018, pelas 16H00 – esteve presente a parte demandante, estando ausente a parte demandada, pelo que se procede a notificação postal.
Notifique e Registe.
Julgado de Paz da Trofa, em 21 de maio de 2018
A Juíza de Paz,
(Iria Pinto)