Sentença de Julgado de Paz
Processo: 68/2018-JPCLD
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: DIREITO DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES DA INSTALAÇÃO - ÓNUS DA PROVA
Data da sentença: 08/14/2018
Julgado de Paz de : OESTE - CALDAS DA RAINHA
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 68/2018º-JPCLD
RELATÓRIO
Identificação das partes
Demandantes: A, NIF n.º ---------- residente na ---------, 48 em Caldas da Rainha
Demandadas: B – EQUIPAMENTOS PARA O LAR S.A., NIPC n.º -------, com sede na Rua -------------------, 505 em Matosinhos
E
C. S.A. , NIPC n.º --------------, com sede na Avenida ----------, Prior Velho

RELATÓRIO E OBJECTO DO LITIGIO
O Demandante propôs presente ação declarativa, pedindo a condenação da 1ª Demandada a reparar um móvel danificado por má instalação de uma máquina de lavar louça que havia adquirido na loja de Caldas da Rainha acrescido de uma indemnização no valor de 100,00€ pelos transtornos causados ou, em alternativa, no pagamento de uma indemnização no valor de 400,00€. (300,00€ para proceder á reparação do móvel danificado e 100,00€ pelo transtorno de não poder utilizar o referido móvel.)
Para tanto alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls 3 a 5 que aqui se dá por reproduzido.
Juntou 6 documentos para prova dos factos alegados, de fls 6 a 11 que igualmente se dão por reproduzidos.
Regularmente citada, veio a demandada B – Equipamentos para o lar S.A., apresentar a sua douta contestação de fls. 22 a 28 impugnando os factos alegados pelo demandante e requerendo a intervenção principal da segunda demandada – C. S.A. por ser a empresa a quem se poderia, ou não, assacar responsabilidade pelos danos alegados. Não juntou documentos..
Pese embora o disposto no art. 39º da LJP, perante a conveniência de decisões de mérito que ponham termo ao litigio de forma definitiva, foi admitida a intervenção da segunda demandada, que, devidamente citada veio apresentar a sua douta contestação de fls 54 a 57 apresentado a sua versão dos factos.. Juntou 2 documento de fls 58 e vs. que aqui se dão por reproduzidos.
Por requerimento de fls 63, em face da apresentação do documento 58, veio o demandante alegar a sua falsidade, porquanto não correspondia ao original que tinha em sua posse.
Afastada a fase de pré-mediação pela demandada foi agendada audiência de discussão e julgamento para o dia 6 de Agosto de 2018 a qual se realizou com cumprimento das formalidades legais conforme da respectiva acta se alcança.

Saneamento
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em 400,00€ – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.
Quanto à alegada falsidade do documento diremos que, apresentado que foi o suposto original, este não correspondia à cópia cuja falsidade se alegava por aquele se tratar de um triplicado de uma guia de transporte, que havia ficado na posse da 2ª demandada e o original ser aquele que se destinou ao cliente Questão relevante, em termos da prova, resulta do facto de ao referido documento, ter sido aposta uma nota, após a assinatura de quem recepcionou a máquina. Assim, verificou-se que a assinatura corresponde ao signatário, cabendo avaliar da força probatória da nota aposta e consequentemente do documento.
Assim, não estamos perante qualquer incidente de falsidade, mas antes se deverá considerar impugnada a nota nele aposta.
Ora, a referida nota com os dizeres :” s/rec”, no que diz respeito à matéria de facto controvertida assume pouca relevância.
Na realidade, o que se discute no presente processo é a instalação defeituosa da máquina de lavar louça que terá causado danos, e não propriamente se foi levantado o electrodoméstico usado.
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QUESTÃO A DECIDIR
A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se á responsabilidade civil contratual ou extracontratual da 1ª demandada e/ou responsabilidade civil por facto ilícito ou extracontratual da 2ª demandada
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FUNDAMENTAÇÃO de Facto
Com relevância para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1 – No dia 23 de Novembro de 2017, o demandante adquiriu uma máquina de lavar louça Hotpoint HF030 na loja B de Caldas da Rainha pelo valor de 399,99€ (cfr. doc. fls 6).
2 – O demandante solicitou na referida loja, a entrega da máquina identificada em 1 na sua residência, bem como a recolha da máquina usada, tendo-lhe sido entregue documento comprovativo do pedido com as clausulas do contrato (cfr. doc. fls. 7).
3 – Do referido documento, consta o quadro de competências a que a 1ª demandada se obrigou ao proceder á entrega, nomeadamente o seu desembalamento, remoção do tampo, destravar o tambor, colocação da mangueira de saída de água, instalação da mangueira de saída de água, colocação da ficha eléctrica e regulação dos pés.
2 – O referido electrodoméstico foi entregue em casa do demandante pela segunda demandada contratada pela 1ª demandada para o efeito. (art. 574 n.º 2 CPC)
3 – No dia 5 de Dezembro de 2017, a esposa do demandante verificou a existência de água no chão da cozinha e no móvel onde a máquina estava instalada;
4 – Na data referida em 3, o demandante apresentou reclamação escrita junto da 1ª demandada (cfr. doc. fls 9) relatando que a mangueira tinha sido mal apertada causando fuga de água e danos no móvel.
5 – A seguradora da segunda demandada procedeu a peritagem da situação ocorrida, tendo o perito referido que a reparação custaria cerca de 300,00€.
6 – No dia 14 de Março de 2018, a seguradora D Seguros remeteu carta ao demandante referindo não assumir o ressarcimento dos danos em virtude de a sua segurada não ter procedido á instalação do electrodoméstico.
7 – O móvel da cozinha onde a máquina de lavar louça foi instalada apresenta danos na madeira. (cfr. doc. fls11)

Não provados:
1 – No dia 8 de Dezembro de 2017, o demandante recebeu a visita de dois indivíduos que se identificaram sendo da empresa transportadora de entregas da Worten, que comprovaram a má instalação da mangueira, tendo-a colocado correctamente.
2 – O perito da seguradora referiu que lhe faltava apenas um documento ou confirmação por parte da empresa de transporte relativa á instalação da máquina.
3 – Para reparação dos danos que o móvel de cozinha apresenta será necessário despender a quantia de 300,00€.
4 – Que a segunda demandada tenha procedido à instalação da máquina de lavar louça, ligando a mangueira.
5 – Que tenham sido dadas instruções ao funcionário da 2ª demandada para que não instalasse a máquina que entregou. (facto instrumental decorrente de declarações da testemunha, devidamente contraditado na acareação)

MOTIVAÇÃO:
Para consideração da matéria como provada ou não provada atendeu-se aos documentos juntos por ambas as partes, identificados em cada item, bem como as declarações das partes e das testemunhas que prestaram os seus depoimentos.
Com especial relevância a testemunha do demandante Maria de Lurdes Alves - que recepcionou a máquina - e a testemunha da 2ª demandada Belmiro Mouro, - que procedeu á sua entrega.
A versão dos factos de cada uma destas testemunhas é diametralmente oposta, motivo pelo qual se procedeu á sua acareação a pedido do demandante, sem que da mesma tenha resultado qualquer alteração de qualquer dos depoimentos já prestados.
Na verdade, dos depoimentos resulta que, de facto a testemunha do demandante recebeu o serviço de entregas da máquina de lavar louça, sendo que esta refere que foi um funcionário da segunda demandada quem procedeu à instalação da máquina enquanto aquele refere que lhe foram dadas instruções para que não o fizesse, pelo que deixou a máquina por instalar.
Não foi possível apurar o valor dos danos do móvel em causa, porquanto apenas o perito terá referido o valor de 300,00€ segundo a testemunha do demandante, não se sabendo, no entanto em que se baseia o valor avançado por aquele. Por tal motivo se deu como não provado o ínsito sob o n.º 3 dos factos não provados.
Quanto aos factos nº 4 e 5 dos factos não provados, porquanto poderão parecer aparentemente contraditórios, explicita-se que o tribunal não se considera completamente esclarecido sobre quem instalou a máquina de lavar louça – motivo pelo qual dá como não provado que tivesse sido o funcionário da 2ª demandada – mas caso não o tenha feito também não resulta provado por que motivo assim teria procedido.

O DIREITO
Com a presente acção, o demandante pretende ver ressarcidos danos patrimoniais - causados no móvel da cozinha - e não patrimoniais – pela falta de utilização do bem - , resultantes da má instalação da máquina que adquiriu à 1ª demandada, sendo esta quem se obrigou, contratualmente, com este, a entregar e instalar o bem adquirido.
Quanto á segunda demandada, sendo executante da entrega, apenas poderá ser responsabilizada no âmbito da responsabilidade extracontratual ou por facto ilícito.
Estatui o artº 483º nº 1 do Código Civil, "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Aí se estabelece, pois o princípio geral da responsabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios.
Ora, no caso presente, os danos alegados teriam resultado de uma violação dos “deveres de protecção ou de cuidado” por parte de quem instalou o electrodoméstico, porquanto em nada se prende com o próprio bem vendido.
“Nestes casos, para eleger o regime jurídico da responsabilidade em causa parte-se no geral da distinção entre os danos causados, consoante são circa rem ou extra rem – neste sentido Pedro Romano Martinez in “Cumprimento Defeituoso” Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina 1994, pags. 231, e Pedro de Albuquerque/Miguel Assis Raimundo, Ob. cit. pags. 381 ss. Os primeiros encontram-se ainda no âmbito da obrigação e com ela relacionados e a eles se aplica o regime da responsabilidade contratual; os segundos, como os danos provocados em objectos estranhos à obra por inobservância dos deveres de cuidado e protecção, encontram a sua sede de regulamentação no seio da responsabilidade extracontratual ou aquiliana.” Cit. Acordão Tribunal da Relação de Guimarães de 20-3-2018 in www.dgsi.pt.
Ora, no caso presente o contrato celebrado entre o demandante e a 1ª demandada caracteriza-se por ser um contrato misto de compra e venda e prestação de serviços, pelo qual aquela se obrigou a entregar e instalar um determinado bem adquirido por este.
Na execução do contrato, alega o demandante, terão ocorrido danos num móvel, por incúria do executante. (2ª demandada).
Enquadra-se, portanto, o caso dos autos na responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana e ainda no disposto no art. 12º da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho.
Para que o pedido proceda, necessário se torna apurar se o demandante logrou provar, como lhe cabia, os requisitos de que depende a obrigação de indemnizar no âmbito daquela responsabilidade, a saber:
- a ocorrência de um facto, ou seja, uma acção humana sob o domínio da vontade;
- a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados;
- a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma
- e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
Dispõe o art. 414º do CPC que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o facto aproveita. Esta regra é consequência da consagração das normas de distribuição do ónus da prova. A dúvida equivale, pois, à falta de prova sobre o facto , in casu essencial, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus de o provar.
“As normas sobre a distribuição do ónus da prova constituem normas de decisão, pois, se destinam, em primeira linha, a possibilitar a decisão no caso de falta de prova; mas não deixam de influenciar o comportamento das partes, consequentemente levadas a ter a iniciativa da prova para evitar o risco duma decisão desfavorável.” Cit. Acordão STJ de 29-11-2005 in www.dgsi.pt.
Ora, como expendido supra, o tribunal não ficou devidamente esclarecido sobre a autoria da instalação do eletrodoméstico, nem sobre o nexo entre qualquer comportamento assacado às demandadas e o dano verificado, motivo pelo qual na falta do preenchimento dos requisitos legais cumulativos já referidos, a acção haverá de improceder na sua totalidade.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis,
julga-se a presente ação totalmente improcedente, absolvendo-se as demandadas do pedido.
Custas:
A cargo do Demandante, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos dos nº. 8º da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12 devendo ser pagas, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12; o n.º 10 com a redação dada pelo art.º único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).

Em relação ás Demandadas, cumpra-se o disposto no n.º 9 da mesma portaria, com restituição da quantia de € 35,00, referente à taxa de justiça paga.


Registe.
Julgado de Paz do Oeste, 14 de Agosto de 2018
A Juíza de Paz,

(Cristina Eusébio)