Sentença de Julgado de Paz
Processo: 426/2015-JP
Relator: FERNANDA CARRETAS
Descritores: FORNECIMENTOME DE DICAMENTOS-LAR - JUROS DE MORA
Data da sentença: 03/09/2016
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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RELATÓRIO:
A, LDA., identificada a fls. 1 e 3, intentou, em 13 de novembro de 2015, contra B LARES PARA IDOSOS E APOIO DOMICILIÁRIO, LDA., melhor identificada a fls. 2 e 3 a presente ação declarativa de condenação, pedindo que estas fossem, solidariamente, condenadas a pagar-lhe a quantia de 1.149,01 € (Mil, cento e quarenta e nove euros e um cêntimos) relativa a medicamentos fornecidos para os utentes do Lar e juros de mora vencidos. Mais pediu a condenação das Demandadas no pagamento de juros de mora vincendos, contados desde 6 de novembro de 2015, até integral pagamento.
Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 7, que se dá por reproduzido, dizendo que a primeira Demandada e o seu cônjuge são os únicos sócios e representantes da segunda Demandada que tem por objeto social a exploração de lar para idosos; a Demandante é uma farmácia, que tem por atividade a venda de medicamentos, a qual durante muitos anos estabeleceu acordos de fornecimento de medicamentos a pessoas ou entidades com atividade idêntica à da segunda Demandada; a primeira Demandada procurou a Demandante para fornecer medicamentos para os seus utentes, sendo que a Demandada realizava um desconto de 20% sobre o Preço de Venda ao Público dos medicamentos que viessem a ser adquiridos pelos utentes da primeira Demandada, ficando esta obrigada ao pagamento dos medicamentos que fossem fornecidos aos utentes da primeira e segunda Demandadas; a Demandante procedia à entrega dos medicamentos na sede da segunda Demandada, em entregas periódicas e conforme solicitação da primeira Demandada, os quais deviam ser pagos mensalmente, até trinta dias após os fornecimentos; o prazo tinha em vista permitir à primeira Demandada cobrar os medicamentos aos seus utentes; os fornecimentos iniciaram-se em junho de 2008 e a Demandante tinha um funcionário que era responsável por acompanhar os fornecimentos e realizar as cobranças; nos finais de 2013, a Demandante após já ter fornecido medicamentos no valor de 3.018,13 €, manifestou à primeira demandada indisponibilidade para continuar a fornecer os medicamentos sem que houvesse pagamentos, o que ocorreu; a Demandante manteve o propósito de receber as quantias em dívida e a primeira efetuou uma transferência de 1.000,00 €, em 12 de setembro de 2013; outra no montante de 600,00 €, em 11 de dezembro de 2013; a Demandante continuou a pedir o pagamento e a primeira Demandada efetuou nova transferência de 300,00 €, em 7 de abril de 2014, ficando em dívida o montante de 1.118,13 €; após abril de 2014, a Demandante continuou a insistir junto da primeira Demandada pelo pagamento, mas esta deixou de responder, pelo que mais de um ano depois, por intermédio do seu mandatário, a Demandante enviou carta à primeira Demandada para que esta procedesse ao pagamento da quantia em dívida ou apresentasse proposta de pagamento, no prazo de oito dias; prazo que terminou, sem qualquer resposta a primeira Demandada deve ser condenada no pagamento da quantia em dívida e de juros de mora, à taxa legal de 7,05%, para dívidas comerciais, estando liquidados os juros vencidos até 6 de novembro de 2015, no montante de 30,88 €; para a Demandante apenas há uma devedora, a primeira Demandada, por ter sido quem, em nome pessoal, procurou a Demandante e acordou proceder ao pagamento dos fornecimentos que viessem a ser realizados, porém, não desconhece que os medicamentos eram usados no estabelecimento da segunda contraente pelos seus utentes, pelo que deverá também esta ser solidariamente condenada a pagar os medicamentos à Demandante.
Juntou 3 documentos (fls. 8 a 12) que igualmente se dão por reproduzidos.
As Demandadas foram, pessoal e regularmente, citadas para contestarem, no prazo, querendo, tendo apresentado a douta contestação de fls.42 a 51, que se dá por reproduzida, na qual as Demandadas se defendem por exceção, arguindo a sua ilegitimidade por não terem celebrado qualquer contrato com a Demandante e por impugnação, contrariando a versão dos factos trazida aos autos pela Demandante, dizendo que não lhe assiste qualquer razão de facto ou de direito; a demandante pretende imputar-lhes uma dívida de 1.118,13 € referente a alegados medicamentos que foram vendidos e entregues pela Demandante; desconhecem as Demandadas a que medicamentos é que a Demandante se refere, quais as datas dos seus pedidos; por quem foram efetuados e se os mesmos foram entregues; qualquer crédito é titulado por determinado documento, sendo, no caso, a emissão de faturas e competentes receitas, realidade que a Demandante não apresentou, nem alegou a que medicamentos, datas valores discriminados se está a referir, limitando-se a vir nos presentes autos a peticionar uma quantia referente a medicamentos que as Demandadas alegadamente solicitaram, não alegando factos/elementos concretos que integrem a causa de pedir; as demandadas desconhecem, em absoluto, quais os medicamentos em causa, valores, utentes, etc.; é verdade que a segunda Demandada por conta dos serviços prestados aos seus utentes e através do seu diretor técnico responsável da saúde nas suas instalações, solicitava medicação à demandante, pedida pela médica dos utentes, sendo a mesma entregue pela Demandante no local da residência dos utentes; e a medicação era liquidada no final do mês, conforme contratado com os utentes; por outro lado e ao contrário do que alega a Demandante, a determinada altura esta começou a enviar informação de que existiam medicamentos pendentes com valores muito elevados e o Diretor técnico, com a médica dos utentes, fizeram um trabalho exaustivo, concluindo que alguns dos medicamentos não tinham sido solicitados e outros já se encontravam pagos, razão pela qual os utentes começaram a consumir medicamentos de outra farmácia que não a da Demandante; face ao exposto, não são as Demandadas responsáveis por qualquer dívida que possa existir. Termina pedindo que se declarem procedentes as exceções da ilegitimidade passiva, absolvendo-se as Demandadas da instância ou, não concedendo, deverá a ação ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência, as Demandadas absolvidas do pedido, com custas, procuradoria e o mais que for de lei pela Demandante.
Juntaram 2 documentos (fls. 52 a 54) que, igualmente se dão por reproduzidos.
Notificada para responder às exceções, veio a Demandante juntar aos autos o douto requerimento de fls. 91 a 94, no qual reitera a legitimidade das Demandadas e, aproveitando, junta documentos e produz uma verdadeira alteração do requerimento Inicial, explicando, agora, o que não explicara antes, porque, segundo alega, nunca imaginou que a Demandada viesse a assumir uma postura de desresponsabilização e litigância com a utilização de expedientes processuais ou a simples afirmação de que nada deve, continua por ali explicando, então que os documentos 1ª e 1B se referem a fornecimentos ou vendas suspensas de medicamentos sujeitos ao desconto acordado e em março de 2013, tinha de ser paga a quantia de 1.219,56 €; em maio de 2013, a demandante efetuou fornecimentos ou vendas suspensas nas mesmas condições e tinha de ser paga a quantia de 164,69 €; acrescia a quantia de medicamentos sem desconto, que, em maio de 2013, ascendiam ao montante de 684,48 €; a Demandante junta todos os documentos que justificaram a elaboração dos referidos documentos, correspondente a uma das quatro vias emitidas quando do fornecimento ou regularização da venda aos utentes da segunda Demandada; face à quantidade de documentos, os mesmos encontram-se agrupados por ordem alfabética dos utentes, sendo os documentos 2 a 81 respeitantes ao documento 1ª e os documentos 82 a 99, respeitantes ao documento 1B. Termina pedindo que as exceções sejam julgadas improcedentes, devendo ser admitida a junção dos documentos, no mais concluindo como no Requerimento Inicial.
Juntou 99 documentos (fls. 112 a 198).
Notificadas para exercerem o direito ao contraditório sobre o referido requerimento e bem assim quanto aos documentos cuja junção era requerida pela Demandante, vieram as Demandadas juntar aos autos o douto requerimento de fls. 212 a 215, no qual elaboram as contas com os valores indicados no Requerimento Inicial e, comparando-as com as contas agora apresentadas, verifica-se que existe contradição, alegando, afinal e agora, a Demandante que o valor alegadamente em dívida seria de 702,84 € e não a quantia peticionada; que na verdade e ao contrário do que a Demandante alega na resposta à contestação, as listagens dos medicamentos não eram entregues mensalmente, chegando a demandante a entregar listagens de pendentes referentes a medicamentos teoricamente solicitados há mais de três anos, de utentes que já nem se encontravam no lar e outros que tinham falecido, pelo que se impugna expressamente o conteúdo dos referidos documentos.
No início da Audiência de Julgamento, foram ainda juntos pelas Demandadas 1 documento para contraprova do articulado no art.º 13.º da resposta à contestação e aperfeiçoamento do RI, demonstrativo que, num único documento emitido em 16 de novembro de 2012, se fazia a listagem de, pelo menos três anos de alegado fornecimento de medicamentos e, a instâncias do Tribunal, a demandante juntou 1 documento, cópia de uma carta de interpelação para pagamento, com notas manuscritas (fls. 228 a 236), que igualmente, se dão por reproduzidos.
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Cabe a este tribunal decidir sobre a exceção da ilegitimidade passiva das Demandadas e, na negativa, determinar, em primeira linha e com os escassos factos alegados, que medicamentos foram fornecidos aos utentes da segunda Demandada; que valor estará, se estiver, em dívida e qual a responsabilidade das Demandadas pelo seu pagamento. Na afirmativa se as Demandadas devem ser condenadas no pagamento de juros de mora, à taxa legal para as transações comerciais, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
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Tendo a Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 4 de dezembro de 2015 para a realização da sessão de Pré-Mediação, a qual se realizou, seguida de sessão de Mediação que terminou sem acordo entre as partes. Assim, resolvida a questão da legitimidade e da junção de documentos, foi designado o dia 4 de fevereiro de 2015, para a realização da Audiência de Julgamento e não antes, por absoluta indisponibilidade de agenda, devido á acumulação com o Julgado de Paz de Óbidos (fls.197).
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Aberta a Audiência, e estando presentes a representante legal da demandante – Sra. D. C, acompanhada do seu Ilustre mandatário – Sr. Dr. D – e a primeira Demandada, por si e na qualidade de representante legal da segunda Demandada – Sra. D. E – também acompanhada da sua Ilustre mandatária – Sra. Dra. F – foram todos ouvidos, tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, que não se revelou possível, pelo que se procedeu à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança.
Face ao adiantado da hora foi a audiência suspensa e designado o dia 5 de fevereiro de 2016 para a produção de breves alegações por parte dos Ilustres mandatários, o que ocorreu e, face à necessidade de ponderação da prova produzida, foi a diligência suspensa e designado o dia 24 de fevereiro de 2016 para a sua continuação, com prolação de sentença.
A referida data viria a ser dada sem efeito, por motivos de serviço, tendo sido designada a presente data, em sua substituição (fls. 247).
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Cumpre, antes de mais, apreciar e decidir a exceção da ilegitimidade passiva, invocada pelas Demandadas:
As Demandadas, alegando que não celebraram nenhum contrato com a Demandante, sendo meras intermediárias entre esta e os utentes do Lar, louvando-se no disposto no n.º 3, do art.º 30.º, do Código de Processo Civil (CPC), entendem serem partes ilegítimas na presente ação.
Ora, dispõe o art.º 30.º, n.º 1, do CPC que “O autor é parte legitima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
Por seu turno, dispõe o n.º 3, do referido dispositivo legal que “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Ora é precisamente nos termos do referido dispositivo que as Demandadas são partes legítimas na presente ação, tendo em consideração a forma como a Demandante configura a ação.
Efetivamente e como é consabido, os casos de ilegitimidade são, após a alteração a este n.º 3 do referido dispositivo, residuais, uma vez que basta que o Demandante alegue factos que estabeleçam essa legitimidade para que a exceção não se tenha por verificada.
Neste caso, não obstante emitir os documentos relativos aos fornecimentos de medicamentos aos utentes da segunda Demandada, o certo é que a própria segunda demandada era detentora de um número de cliente e recebia um desconto de 20% sobre certos medicamentos fornecidos aos seus utentes.
Quanto à primeira Demandada, alega a demandante que esta a procurou e que se responsabilizou pessoalmente pelo pagamento dos medicamentos fornecidos aos utentes do Lar.
È, a nosso ver, quanto basta para estabelecer os pressupostos da legitimidade para a presente ação. Se serão condenadas no pedido, já é outra questão que decorrerá da apreciação de mérito da ação.
Decisão:
Face ao que antecede, declaro improcedentes as exceções da ilegitimidade das Demandadas.
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Estando reunidos os pressupostos de estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomadas em consideração as declarações das partes em audiência de julgamento e os documentos juntos por ambas as partes.
Foram, ainda, ponderados os depoimentos das testemunhas apresentadas por ambas as partes, as quais, apesar da relação de dependência relativamente aos seus empregadores (Demandante e segunda Demandada) prestaram depoimento com isenção e credibilidade, revelando conhecimento direto dos factos sobre os quais testemunharam. Assim:
1.ª G, que, aos costumes declarou ser funcionária da Demandante, conhecendo a primeira Demandada de vista. A sua especial qualidade não retirou credibilidade ao seu depoimento.
2.ª H, que, aos costumes declarou ser funcionário da Demandante, há 24 anos, conhecendo a primeira Demandada por ser cliente da farmácia. A sua especial qualidade não retirou credibilidade ao seu depoimento.
3.ª I, que, aos costumes declarou ser o responsável técnico da área da saúde do Lar e quem contatava com a farmácia para pedir medicamentos. A sua especial qualidade não retirou credibilidade ao seu depoimento.
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Com interesse para a decisão da causa ficaram provados os seguintes factos:
1. A Demandante dedica-se à atividade de farmácia;
2. A segunda Demandada tem por objeto social Lares para idoso, serviço de apoio domiciliário, gestão e administração de lares para idosos, fornecimento de refeições a pessoas relacionadas com a atividade profissional (Doc. fls. 22 a 26);
3. No âmbito do exercício da sua atividade a Demandante estabelece acordos de fornecimento de medicamentos com pessoas ou entidades com atividade idêntica à segunda Demandada;
4. Nessa conformidade, em data que não foi possível apurar, a representante legal da Demandante contactou a primeira Demandada, na qualidade de representante legal da segunda Demandada, com vista a fornecer medicamentos aos utentes do lar que dirigia, oferecendo-lhe o desconto de 20%, sobre o preço de Venda ao público de alguns dos medicamentos a fornecer;
5. A primeira Demandada aceitou iniciando-se o fornecimento de medicamentos aos utentes do Lar em junho de 2008;
6. Os medicamentos eram fornecidos em consequência de pedidos formalizados pelo Lar e entregues pessoalmente no mesmo;
7. Havia fornecimento de medicamentos com base em receita médica e outros com a chamada venda suspensa;
8. A venda suspensa, habitualmente de curta duração, ocorre, nas farmácias, quando um doente necessita de um medicamento, sujeito a receita médica, que o cliente ainda não tem em seu poder;
9. Neste caso, eram efetuadas vendas suspensas, em número substancial, cujas receitas deveriam, depois, ser emitidas pela médica do Lar e entregues na farmácia;
10. Eram elaboradas pela Demandante listagens dos medicamentos fornecidos, sendo entregue cópia das mesmas no Lar;
11. O pagamento era efetuado pelos utentes ao Lar e por este à farmácia, sendo certo que os documentos relativos ao fornecimento de medicamentos eram emitidos em nome dos utentes;
12. O fornecimento de medicamentos ao Lar cessou em maio do ano de 2013, por haver avultado valor, não apurado, em dívida;
13. Após insistência da Demandante, a primeira Demandada fez três pagamentos, em 12 de setembro de 2013, 11 de dezembro de 2013 e em 7 de abril de 2014, no montante total de 1.900,00 € (Mil e novecentos euros);
14. Em 4 de junho de 2015, através do seu Ilustre mandatário, a Demandante interpelou as Demandadas para o pagamento da quantia de 1.118,13 € (Mil, cento e dezoito euros e treze cêntimos), dando-lhes o prazo de oito dias para procederem ao pagamento ou apresentar proposta válida de pagamento (Doc. 1 e 2);
15. Na sequência, a primeira Demandada chegou a falar com o Ilustre mandatário sobre o que eventualmente estaria em dívida pelos utentes, mas nada ficou resolvido;
16. Dos documentos de fls. 95 a 98, consta um valor total a pagar de 2.602,84 € (Dois mil, seiscentos e dois euros e oitenta e quatro cêntimos) resultante da soma dos meses de março de 2013 e maio de 2013;
17. No âmbito do seu objeto social a segunda Demandada é detentora de um Lar onde presta serviços aos seus utentes (Doc. 2, junto com a contestação);
18. Nos termos dos contratos de Prestação de Serviços celebrados com os utentes, para além da mensalidade, são da responsabilidade daqueles o pagamento dos medicamentos, conforme a cláusula 9.º do referido contrato (idem);
19. Por essa razão todas as receitas e faturas de medicamentos fornecidos são emitidas em nome de cada um dos utentes;
20. Consoante as necessidades dos utentes, eram prescritos os medicamentos pela médica daqueles e solicitados à Demandante que os entregava no local onde os utentes se encontravam: o Lar;
21. As Demandadas desconhecem as datas dos pedidos de medicamentos; a que medicamentos se refere o valor alegadamente em dívida; por quem foram pedidos e se os mesmos foram entregues;
22. Quando a Demandante, a determinada altura, começou a enviar informação de que existiam medicamentos pendentes com valores elevados, o diretor técnico e a médica fizeram um trabalho exaustivo e verificaram que alguns medicamentos não tinham sido solicitados e outros que já haviam sido pagos, havendo mesmo medicamentos que nenhum utente do Lar consumia;
23. O extrato da Conta corrente emitido em 16 de novembro de 2012, contém inúmeras vendas suspensas efetivadas entre maio de 2009 e novembro de 2012 (mais de três anos), no montante total de 4.804,63 e (Quatro mil, oitocentos e quatro euros e sessenta e três cêntimos) – Doc. de fls. 228 a 235.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes, ou instrumentais, com interesse para a decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
A Demandante, por intermédio da primeira Demandada, iniciou o fornecimento de medicamentos aos utentes do Lar que a segunda Demandada explora, podendo a relação entre a Demandante e os utentes da segunda Demandada classificar-se de vários contratos de compra e venda.
Ora, dispõe o Art.º 874.º do Código Civil que “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”
São efeitos essenciais do contrato de compra e venda: a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa e c) A obrigação de pagar o preço (cfr. Art.º 879.º do Código Civil).
Neste caso, resulta provado que a Demandante, no âmbito dos contratos celebrados, entregava no Lar que a segunda Demandada explora os medicamentos encomendados e receitados aos utentes, encarregando-se a segunda Demandada, através da sua sócia gerente – a primeira Demandada – ou da pessoa que esta designasse, em regra ao seu Diretor técnico, de os entregar aos utentes e de cobrar o preço devido.
No caso de a médica não ter passado a respetiva receita, os medicamentos eram fornecidos através da chamada venda suspensa, ou seja a venda do medicamento é feita pelo preço de venda ao público e, quando a receita é entregue, é, então emitida a fatura com o preço que contempla já a comparticipação do estado no medicamento.
É uma prática corrente nas farmácias para os clientes de maior confiança, sendo certo que, pela sua própria natureza, a venda suspensa deverá ser regularizada num curto espaço de tempo.
Verifica-se, no entanto que, em novembro de 2012, existiriam inúmeras vendas suspensas por regularizar, em montante também substancial que, naturalmente, corresponderia ao valor pago.
Ou seja, a lista de vendas suspensas não corresponde, não pode corresponder, a valores em dívida, uma vez que regularizada a situação, o preço do medicamento desceria substancialmente.
A Demandante alega que as vendas suspensas não eram regularizadas com a cadência que deviam ser e as Demandadas alegam que a médica ia todas as semanas ao Lar e passava todas as receitas relativas às vendas suspensas.
O que é certo é que o sistema; o controlo; a transparência que devia presidir às relações entre a Demandante e a segunda Demandada não resulta provada e, como diz a conhecidíssima lei de Murphy “Qualquer coisa que possa correr mal, correrá mal, no pior momento possível.”
Neste caso, o sistema, a flexibilidade instalada era apta a provocar um número razoável de situações anómalas (v.g. pedidos de medicamentos para terceiros, em nome dos utentes; duplicação de registos de fornecimentos; sobrefaturação, etc.) como, aliás provocou. Tanto que a Demandante não conseguiu provar o efetivo valor em dívida, não tendo mesmo alegado os factos que conduziriam ao sucesso da sua pretensão.
Torna-se necessário chamar aqui à colação a população a quem se destinavam os medicamentos, pessoas idosas que, como é consabido, sofrem de várias patologias e cujo decesso se verifica, em geral num curto período, após o ingresso no Lar.
E, assim sendo, como é, deixar passar três anos sem regularizar as vendas suspensas é no mínimo temerário da parte da Demandante e propício a todo o tipo de legitimas especulações.
Ora, nos termos do disposto no art.º 342.º, do CC “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”
A Demandante, estranhamente, vem dizer que sintetizou o seu pedido sem juntar documentos porque “jamais imaginou que a Demandada viesse assumir postura de desresponsabilização e litigância com a utilização de expedientes processuais ou a simples afirmação de que nada deve.” (sic) e porque bem sabe que a junção de documentos no Julgado de Paz se pode realizar apenas no dia agendado para a audiência de julgamento, podendo sempre proceder à sua junção se as Demandadas viessem afirmar, o que afirmaram, que faltavam documentos.
Bom, esta postura pode ser relevante para os documentos a juntar, mas, salvo o devido respeito, não já para o ónus de alegação e é a esse que as Demandadas se referem, dizendo que não estão alegados os factos constitutivos da causa de pedir.
E, de facto, somos forçados a concluir que assim é porque, apesar da aturada análise dos factos alegados e dos profusos documentos juntos aos autos, não conseguiu o tribunal apurar quanto estaria em dívida pelos utentes do Lar; a que medicamentos se referia; a que preço; quando foram fornecidos, etc.
Ora a mobilização probatória (o ónus de alegação e de prova) pertence às partes e não cabe ao tribunal dar por provados factos que, nem na segunda oportunidade, foram alegados.
Como assim, não pode deixar de improceder o pedido formulado.
Pedido que sempre improcederia relativamente à primeira Demandada pelas razões que vimos expondo.
De facto, a primeira Demandada não se vinculou a proceder ao pagamento dos medicamentos fornecidos aos utentes do Lar, mesmo que estes não os pagassem ou, entretanto, tivessem falecido.
Apenas a segunda Demandada, através da primeira, se encarregou de cobrar os valores devidos pelo fornecimento de medicamentos aos utentes do Lar e – dizemos nós – contra a entrega da respetiva fatura a quem tinha de os pagar – os utentes a quem se destinavam.
Tarefa que ficou, a nosso ver, irremediavelmente, comprometida quando a Demandante surpreende as Demandadas com uma listagem de fornecimentos, por venda suspensa, de há três anos, não podendo estar à espera que as coisas corram bem e que estas paguem, do seu bolso, medicamentos consumidos pelos utentes e cuja responsabilidade pelo pagamento a estes pertencia.
Isto porque pode haver utentes que não tenham pago e tenham abandonado o Lar; utentes que, entretanto, faleceram, etc.. Ao que acresce que é impossível fazer uma conferência séria dos medicamentos fornecidos e alegadamente em dívida ao fim de três anos.
Por isso e sempre a nosso ver, a presente ação sempre estaria votada ao insucesso, mesmo no que à segunda Demandada concerne.
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação totalmente improcedente, porque não provada, decido absolver as Demandadas do pedido contra si formulado pela Demandante.
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As custas serão suportadas pela Demandante (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
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Registe.
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Seixal, 9 de março de 2016
(Juíza de Paz que redigiu e reviu pelos meios informáticos – Art.º 131.º/5 do C.P.C.)
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(Fernanda Carretas)