Sentença de Julgado de Paz
Processo: 12/2017- JPFNC
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: DIREITO DE SERVIDÃO PREDIAL DE PASSAGEM - USUCAPIÃO
Data da sentença: 12/28/2018
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 12/2017- JP
Sentença
Relatório:
A, B, e C, melhor identificados a fls. 1, intentaram contra D, E, F, e G, também melhor identificados a fls. 1, a presente ação declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 1 a 6, dos autos, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação dos Demandados ao seguinte: a) reconhecerem o direito de propriedade dos Demandantes sobre o prédio rústico, com a área de 1080,00 m2, ao Sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, inscrito na matriz respetiva sob o art.º n.º ---.º, Secção AA, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ----, Santo António; b) reconhecerem que o seu prédio misto ao Sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, inscrito na matriz respetiva a parte rústica sob o art.º n.º --.º, Secção AA, não descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, se encontra onerado por uma servidão de passagem a pé a favor do prédio dos Demandantes, feita em escadaria em pedra calcetada, com a largura de 0,60m e num comprimento de cerca de 100 m, existente na parte oeste do prédio dos Demandados, junto à extrema sudeste do prédio dos Demandantes até ao Caminho dos H; c) Destruírem as paredes e o barracão construídos sobe a referida escadaria, para que a escadaria ocupada fique liberta para passagem até onde seja possível chegar ao prédio dos Demandantes, ou seja até à extrema sudeste do mesmo; d) absterem-se de qualquer ato que dificulte ou impeça o livre exercício do direito de servidão suprarreferido; e) reconstruírem a parede sudeste do prédio dos Demandantes, repondo toda a pedra que lhe foi retirada; f) Destruírem todas as construções acima identificadas e que foram erigidas sem qualquer obediência aos afastamentos legalmente impostos.
Para tanto alegaram, em síntese que, são os legítimos proprietários do prédio rústico, com a área de 1080,00 m2, ao Sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, inscrito na matriz respetiva sob o art.º n.º --.º, Secção AA, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ----, Santo António, que adquiriram por sucessão hereditária. Pelo facto de estar encravado, o referido prédio goza de uma servidão de passagem apeada, feita por uma escadaria de pedra, que onera o prédio confinante, da propriedade dos Demandados. A referida servidão de passagem foi constituída pelo uso público, exercido de modo pacífico desde os anos 60, do século passado, pelos anteriores proprietários, pais da 1.ª e 3.ª Demandantes, e seus trabalhadores passando e transportando tudo o que necessitavam, sem necessidade de autorização, e sem oposição de quem quer que fosse, na convicção de estarem a exercer um direito próprio.
Devido ao facto de o pai das 1.ª e 3.ª Demandantes ter falecido, a propriedade deixou de ser cultivada e os Demandantes deixaram ir com frequência ao local. Dois ou três anos antes da propositura da presente ação, os Demandados obtiveram autorização para colocar uma piscina insuflável no terreno dos Demandantes.
Em 2016, os Demandantes aperceberam-se que os Demandados tinham construído um muro de pedra com mais de dois metros de altura, e feito obras de ampliação da sua residência, que bloqueiam completamente a escadaria, e assim impedem o acesso dos Demandantes à sua propriedade, bem como, edificaram as referidas construções sem obediência aos afastamentos legais.
Para além disso, os Demandados destruíram parcialmente a primeira parede existente na propriedade e procederam a uma escavação no terreno dos Demandantes e instalaram uma piscina com cerca de 10m2, e uma profundidade de mais de um metro, com escoramentos de ferro e madeira, e abriram uma porta com acesso direto para a propriedade dos Demandantes, colocaram um enorme depósito de água e dirigiram para a propriedade dos Demandantes dois tubos de escoamento de água.
Concluíram pela procedência da ação, juntaram procuração forense, 16 documentos e arrolaram testemunhas.
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Tramitação:
Regularmente citados, os Demandados apresentaram contestação de fls. 39 a 43, dos autos, e aperfeiçoamento a fls.90 e 91, documentos de fls. 92, que aqui se declaram integralmente reproduzidos.
Por impugnação (considerando o referido aperfeiçoamento), os Demandados alegaram, em síntese, que:
O 1.º Demandado, por amizade aos pais da 1.ª e 3.ª Demandantes, autorizou que os mesmos passassem esporadicamente pelas referidas escadarias, e que nunca existiu uma servidão.
O acesso à propriedade dos Demandantes era feito pela levada, ou seja, de cima para baixo, desde o Caminho dos H.
A única passagem a Sul para a propriedade da Demandantes era feita pela propriedade da família I, da qual hoje apenas restam dois degraus.
Por outro lado, a piscina é de facto um tanque que permite o acesso à água em caso de incêndio, e a sua construção foi autorizada pelo 2.º Demandante.
Que o muro de partilha foi levantado e as restantes construções foram edificadas na propriedade dos Demandados, uma vez que a escadaria lhes pertence, as mesmas não têm qualquer abertura ou janelas viradas para o terreno dos Demandantes, e cumprem todos os requisitos legais.
Concluíram pela improcedência da ação.
Juntaram 1 documento, e arrolaram testemunhas.
Os Demandados manifestaram-se no sentido de rejeitar a mediação.
Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se.
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, incluindo a inspeção ao local, como resulta documentado nas respetivas atas. (Fls. 76 e 77; 115 a 118; 152 a 156; 207 a 209; e 238 a 243, dos autos).
No decurso da audiência foram juntos os documentos constantes a fls. 157 a 167; 177 a 193, 197 a 205; e 212 a 237. Por convite do tribunal, os Demandantes juntaram o documento a fls. 252 e 253.
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Saneamento:
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.
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Valor: atribuo à causa o valor de €10.000,00 (dez mil euros). Cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
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Questões a decidir:
Na presente ação o objeto do processo é delimitado pela causa de pedir e pelo pedido, pelo que, as questões a decidir são as seguintes:
Se os Demandantes, enquanto proprietários de um prédio adquirido por sucessão hereditária, que se encontra encravado, utilizam desde há vários anos, de forma pública e pacifica, tal como faziam os seus antepassados, o acesso à sua propriedade pelas escadas existentes na extrema oeste da propriedade dos Demandados, na convicção de estarem a exercer um direito próprio de passagem no local, e se os Demandados se opuseram a essa situação, e procederam à construção de um muro e obras de ampliação da sua residência, que impedem o acesso dos Demandados à sua propriedade pelas referidas escadas.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
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Fundamentação – Matéria de Facto:
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que:
1. Os Demandantes são proprietários de terrenos localizados do sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal. Cfr., fls. 9, 10 e 10 vr.;
2. Os referidos terrenos fazem parte do acervo da herança indivisa de J, pai das 1.ª e 3.ª Demandantes. (Idem);
3. Os terrenos da propriedade dos Demandantes estão descritos na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º -----, freguesia de Santo António; Cfr. Fls. 1 e 1vr.;
4. Os referidos terrenos estão inscritos na matriz predial rústica, Secção AA, sob o artigo matricial n.º ---. Cfr. fls. 9;
5. J outorgou a escritura de justificação da posse dos referidos terrenos, em 20 de dezembro de 1993. Cfr., fls. 201 a 205;
6. Na data da referida escritura, os terrenos já estavam na posse de J, há mais de 20 anos. (Idem);
7. O referido adquiriu os terrenos da propriedade acima J identificada pela compra de duas parcelas, tendo adquirido a primeira por escritura pública de compra e venda lavrada a 8 de junho de 1943, e a segunda por escritura pública de compra e venda lavrada a 13 de abril de 1960. (Docs. de fls.157 a 165; e fls.197 a 200, respetivamente);
8. Os Demandantes adquiriram a propriedade do seu imóvel em 2010, por sucessão hereditária. (Cfr., fls. 9, 10 e 10 vr.);
9. Após a referida aquisição do imóvel o demandante João Carreira manteve por alguns anos a criação de animais de espécie caprina na propriedade e cultivava os terrenos da mesma;
10. O prédio dos Demandantes não tem qualquer acesso direto para a via pública;
11. As vias públicas mais próximas do terreno dos Demandantes são a Travessa dos H (também designado Caminho do Lombo dos H; aliás, Caminho dos H), situada na parte de baixo; e o Caminho dos H à Viana, situado na parte de cima. (Cfr. fls. 167);
12. A Travessa dos H está a uma distância de cerca de 100 metros da propriedade dos Demandantes;
13. O Caminho dos H à Viana está a uma distância de cerca de 300 metros, da propriedade dos Demandantes;
14. Os demandados D e E, são proprietários do prédio misto identificado a fls. 11, com o número 28. Cfr. fls. 252 e 253;
15. A propriedade dos Demandantes tem confrontação com a propriedade dos referidos Demandados;
16. Os terrenos de ambas as propriedades estão dispostos numa encosta de piso muito irregular, com plano de inclinação muito acentuada, e cortes em socalcos;
17. Na estrema esquerda do prédio 28, para quem está posicionado na Travessa dos H, existe uma escadaria com ligação à Travessa dos H; ---
18. A referida escadaria está disposta na perpendicular dos muros de contenção dos socalcos;
19. As referidas escadas estão calcetadas em seixo, de cor escura, caraterístico da Ilha da Madeira, e o piso apresenta irregularidade;
20. A referida escadaria é antiga, quase centenária;
21. A referida escadaria encontra-se representada na Planta de Localização do local a fls. 11, e 167;
22. A referida escada sempre foi utilizada pelos Demandados e pela sua família, para acesso à casa de habitação existente na sua propriedade, vindo da Travessa dos Três Paus, ou para se dirigirem para esta;
23. A referida casa é atualmente a residência dos demandados F, e G;
24. No ano de 2014 o demandado F pediu autorização ao demandante B, para colocar uma piscina amovível no terreno dos Demandantes;
25. O demandante B acedeu ao pedido e concedeu autorização ao demandado F para colocar uma piscina no terreno dos Demandantes;
26. Após terem dado a referida autorização os Demandantes deixaram de se deslocar ao local até ao mês de agosto de 2016;
27. No decurso do referido período o demandado F colocou no terreno dos Demandantes uma piscina amovível, em tela plástica, inserida numa moldura de barrotes de madeira e traves de metal. Fls. 20 e 21;
28. Em data não concretamente apurada, entre 2014 e 2016, o demandado F construiu um muro nas escadas com três metros de altura, que ocupa toda a largura das escadas. Cf. fls. 152 a 156;
29. O referido muro está construído em pedra emparelhada com cerca de um metro de espessura, assente sobre os degraus e, transversalmente, sobre o muro lateral de sustentação das terras;
30. O muro lateral existente ao longo da escadaria acompanha a largura dos socalcos, e vai diminuindo de altura à medida que se sobem as escadas, até que se atinge o nível de piso de cada socalco, onde começa o socalco seguinte, de altura variável, como ilustra a fotografia constante dos autos a fls. 13;
31. A referida construção bloqueia completamente a escada, obstruindo a passagem no acesso à parte final da mesma, eliminando um troço de, pelo menos, 10 metros de comprimento, até à linha de nível do vértice inferior direito da propriedade dos Demandantes;
32. Para além do referido muro, o demandado F fez benfeitorias e obras de ampliação da sua residência, que foram acopladas ao muro lateral de sustentação de terras, no limite confinante da “partilha” com a propriedade de um terceiro e com a propriedade dos Demandantes;
33. O Demandado F subiu o muro de “partilha”, até cerca de três metros de altura, para proceder à ampliação da área coberta e logradouro da sua residência;
34. O demandado F colocou um depósito de água no terreno dos Demandantes;
35. No ano de 2016, a demandante A solicitou à testemunha K, para proceder à limpeza e desmatação dos terrenos da propriedade dos Demandantes;
36. No dia 29 de agosto de 2016, a referida testemunha deslocou-se ao local para proceder à desmatação e limpeza dos referidos terrenos, tendo-se apercebido da existência do muro e das referidas construções e informou a Demandante dos factos;
37. Os Demandantes exigiram a retirada da piscina e dos materiais que o demandado F tinha colocado na propriedade, bem como, a eliminação da cancela com entrada para o terreno dos Demandantes e a demolição do muro construído nas escadas;
38. O demandado F procedeu à retirada da piscina, do depósito de água e dos restantes materiais que tinha colocado no local, e fechou a entrada direta que tinha aberto para a propriedade dos Demandantes;
39. Os Demandados recusam efetuar a demolição do muro que impede a subida das escadas até à linha de nível do vértice inferior direito da propriedade da Demandante; ---
40. No denominado Sítio dos H, na área circundante à “L”, há vários terrenos em estado de abandono, e já não se vêm alguns percursos que se faziam;
41. A escadaria denominada “L” é uma passagem pública;
42. O demandado F, quando era criança, utilizava a referida “L” para ir para a escola;
43. Havia várias passagens por terrenos de outros donos, confinantes com a “L”, que eram utilizados pelas pessoas, conforme era conveniente, sem necessidade de autorização;
44. Esporadicamente, quando o pai da Demandante utilizava a “L”, pedia autorização para atravessar o terreno dos Demandados, e aceder ao seu; -
45. A “L” não permite o acesso à Travessa dos H, e está atulhada com pedra;
46. No terreno da testemunha M, não é visível qualquer passagem para a propriedade dos Demandantes;
47. No mesmo local, a levada está intransitável por falta de limpeza e desmatação;
48. O muro de socalco existente na confrontação entre a propriedade dos Demandantes e a propriedade da testemunha M, tem uma altura superior a 2,00 m.; ---
49. Sem ser pelas “L”, a partir do Caminho dos H à Viana, o acesso à propriedade dos Demandantes só pode ser efetuado, após passagem pelo meio dos terrenos da testemunha M, pela própria levada ou por pedras incrustadas no socalco, o qual carece de obras de conservação, e não oferece segurança para o efeito;
50. O referido J, pai da 1.ª e 3.ª Demandantes, fazia vários trajetos de sua casa para os terrenos da propriedade dos Demandantes, e destes para os locais de destino dos produtos de cultura agrícola que produzia, materiais e alfaias, bem como, para trânsito dos animais que criava no local; ---
51. O referido J cultivava os terrenos, onde manteve carreiros de bananeiras, que os trabalhadores da «Cooperativa» colhiam e transportavam para fora do local, pelo lado de baixo;
52. Os trabalhadores subiam até à porta da levada para irem buscar água;
53. Um dos trajetos utilizados pelo pai da Demandante era o acesso das escadas existentes na propriedade dos Demandados;
54. A utilização deste trajeto remonta à década de 60, do século passado.
55. Atualmente a parte final da referida escadaria encontra-se emparedada pelas construções efetuadas pelo demandado F;
56. Anteriormente à construção do muro que bloqueia as escadas, a propriedade dos Demandantes tinha acesso à via pública, através das mesmas escadas para a Travessa dos H;
57. O acesso a partir das referidas escadas para o terreno dos Demandantes era feito na zona representada pela fotografia a fls., 24, correspondente à parte de baixo da propriedade, junto ao vértice inferior direito da mesma, onde está o muro construído pelo demandado F;
58. A utilização do referido acesso sempre foi feita por Álvaro Sousa e pelos Demandantes de forma pública e pacífica, sem ser precedida de qualquer autorização por parte dos Demandantes ou da sua família antepassada;
59. As referidas escadas eram também utilizadas por levadeiros, trabalhadores agrícolas, e por todas as outras pessoas que, vindas da Travessa dos H pretendessem dirigir-se à casa dos Demandados, ou à propriedade dos Demandantes;
60. Não há outro caminho visível e aparente da via pública para a propriedade dos Demandantes, a não ser através das escadas existentes na propriedade dos Demandados;
61. Os Demandantes têm acesso à levada, na parte de cima do seu terreno;
62. Não há nenhum caminho visível e aparente ou minimamente transitável, que permita fazer o percurso a partir do Caminho dos H à Viana, até aos terrenos de propriedade dos Demandantes.
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Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que:
i) Que a utilização das escadas existentes do lado esquerdo da propriedade atualmente pertencente aos demandados D, e E tivesse de ser precedida de autorização destes ou da sua família;
ii) Que as referidas escadas servissem exclusivamente para acesso e serviço da casa que atualmente é a residência dos F, e G;
iii) O muro lateral de contenção de terras que ladeia as referidas escadas é alto em toda a sua extensão;
iv) A altura do muro de contenção de terras existente nas escadarias impedia o acesso à propriedade dos Demandantes;
v) A parede de ampliação da residência do demandado F, assente sobre a linha de “partilha”, tem aberturas ou janelas viradas para o terreno dos Demandantes;
vi) Os Demandados destruíram parcialmente a primeira parede de socalco existente na propriedade dos Demandantes;
vii) Os Demandantes têm servidão de passagem pelo prédio identificado sob o número 34, a partir do Caminho do Lombo dos H, e atualmente a partir da Travessa dos H.
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Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações de parte, dos documentos constantes dos autos, os quais, com exceção do documento a fls. 166 (o qual não foi considerado relevante e nada provou), não foram impugnados por qualquer das partes, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, e em especial, da inspeção ao local, cujo auto consta de fls. 238 a 243.
Consideram-se provados por confissão dos Demandados os factos respeitantes aos números 28; 39 e 55, da matéria assente.
Da inspeção ao local, resultaram provados os seguintes factos: 12 e 13 (em articulação com o conjunto da prova); 16; 17 e 18 (em articulação com o conjunto da prova); 19; 29; 30 (e documento indicado); 31 a 33; 40 e 42; os factos 43; a 45 resultaram da articulação com as declarações do demandado F, que foram aceites conforme assentada do auto de inspeção; 45 a 49; 56 (em articulação com o conjunto da prova); 57; 60 (em articulação com o conjunto da prova); 61 (em articulação com o conjunto da prova e depoimento da testemunha Anacleto Serrão); e 62.
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 10; 11; 15 (em articulação com os documentos indicados); 17; 22; 23; 24 (excepto quanto à estrutura da piscina. Sobre a estrutura da piscina, a prova do facto resulta da prova testemunhal e fotografias juntas aos autos); 25 a 27; 37; 38; 43.
Pela prova documental consideram-se provados os factos correspondentemente indicados supra.
Os factos respeitantes aos números 9 e 50, resultaram do depoimento da testemunha M.
A testemunha K, depôs com objetividade e isenção, demonstrando razão de ciência sobre os factos constantes nos pontos 34 a 36, dos factos provados. A testemunha reconheceu as imagens reproduzidas nos documentos de fls. 13 a 24, e enquadrou as imagens com o seu depoimento e a matéria dos autos.
A prova da matéria vertida nos números 51; 53; e 59, resulta da concordância das testemunhas N, O e P, que nesta parte se mostraram credíveis.
O facto constante do número 58, resulta da concordância das testemunhas dos Demandantes, que nesta parte se mostraram credíveis, isentos e com razão de ciência.
A prova da matéria vertida no número 52, resulta da concordância das testemunhas N, e P, que nesta parte se mostraram credíveis, isentos e com razão de ciência.
A restante matéria, em especial a constante dos números 20 e 27, resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias da situação vivenciada pelas partes.
Relativamente ao depoimento das várias testemunhas, cumpre dizer o seguinte: ---
A testemunha Q, demonstrou isenção e razão de ciência quanto ao facto dado como provado no número 58; identificou o local ilustrado a fls. 12, afirmou que conhece o local desde muito nova e sempre utilizou as escadas existentes no terreno dos Demandados, porque a sua família tem propriedades confinantes e não conhece sequer o acesso ao local a partir do Caminho dos H à Viana.
A testemunha N reside nas imediações há cerca de 55 anos.
Foi levadeiro, na zona durante 8 anos, e declarou que subiu e desceu as escadas em causa muitas vezes, sem saber se as mesmas estavam na propriedade de alguém. Afirmou que era uma passagem utilizada com frequência, e recorda-se de ver o mencionado J e outras pessoas a fazer uso das mesmas, pelo menos, desde há 40 anos.
Afirmou desconhecer a existência de outro caminho para o local. Nunca fez o trajeto por cima a partir do Caminho dos H à Viana, até à propriedade dos Demandantes, mas apenas para “levar água” a outros terrenos situados mais acima, relativamente à referida propriedade.
A testemunha O declarou que era sobrinha do referido J. Afirmou que ia com frequência à propriedade dos Demandantes, ela ou os irmãos, para dar de comer aos animais do tio e utilizava sempre o trajeto a partir das mencionadas escadas. Afirmou que via a família I a utilizar as mesmas escadas.
O seu pai foi levadeiro e não passava pelo lado de cima. ---
A testemunha afirmou que também ia ao local com frequência porque ia levar o almoço ao pai.
A testemunha P afirmou que trabalhou para o 1.º Demandado, e quando estava de férias ou tinha tempo livre acompanhava o levadeiro, e ia sempre pelas escadas existentes no terreno dos Demandados.
A testemunha R é genro do 1.º Demandado, e cunhado do 2.º Demandado, e declarou que está na Madeira desde 1983, e foi para Angola em 2010, onde esteve até data recente, e atualmente está frequentemente fora da Madeira. A testemunha tinha em seu poder vária documentação sobre as propriedades dos Demandantes que estes, aparentemente, desconheciam existir, e que assim pôde ser junta aos autos. (fls. 157 a 167)
A testemunha S também é genro do 1.º Demandado, e cunhado do 2.º Demandado, e declarou que viveu na casa da propriedade, onde atualmente reside o 2.º Demandado, de 1983 a 1994.
Estas duas testemunhas (R e S) revelaram uma evidente posição de compromisso com os interesses dos Demandados, pelo que, o seu testemunho não pode ser considerado isento e credível, para a convicção a formar sobre os factos da prova.
Aliás, como foi referido acima, a testemunha R detinha em seu poder documentação, que disponibilizou aos Demandados para ser junta aos autos, o que é consistente com um posicionamento de parte interessada, pelo que, a avaliação da respetiva isenção tem de considerar esse circunstancialismo.
No entanto, as referidas testemunhas não revelaram conhecimento direto dos factos, e até demonstraram bastante distanciamento relativamente aos factos mais recentes, designadamente, desde data anterior ao falecimento do pai da 1.ª e 3.ª Demandadas, e de tudo o que ocorreu após a aquisição da propriedade pelos Demandantes em 2010, à exceção de reconhecerem as obras efetuadas pelo Demandado F.
A testemunha M afirmou que o seu terreno “faz partilha” com o terreno dos Demandantes. Do seu depoimento resulta uma clara falta de isenção, e declarações conclusivas, ao afirmar repetidamente que os Demandantes não deviam vir ao tribunal reclamar um direito sobre propriedade alheia, e que sabem bem que não têm esse direito.
No entanto, do seu depoimento resulta que o referido J passava para a propriedade por onde era mais conveniente, “por onde dava mais jeito”, pelo que, não faz qualquer sentido negar que o mesmo utilizada as escadarias em causa.
A testemunha T afirmou que conhece o local porque ia a casa do 1.º Demandado brincar com os filhos deste, em especial aos fins de semana. O depoimento da testemunha mostrou-se vago e inconsistente. No entanto a mesma admitiu que os trabalhadores “desciam com os cachos de bananas para chegar à -------------”, mas que o faziam por um troço de terra batida existente ao lado das escadas dos Demandantes. Ora, a existência de um caminho em terra batida paralelo às escadas, não foi alegado por nenhuma das partes e aparece descontextualizado e não merece qualquer credibilidade, para além de não ser visível na inspeção feita ao local.
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos.
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados ou dos depoimentos das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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Fundamentação – Matéria de Direito:
A causa de pedir na presente ação remete-nos para o instituto da usucapião, como forma de aquisição originária de direitos reais de gozo, in casu, do direito de servidão predial de passagem.
Sendo assim, a causa é enquadrável nas alínea e), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP).
Dos pedidos deduzidos pelos Demandantes extrai-se que, para além do mais, pretendem a condenação dos Demandados, no seguinte: “a) reconhecerem o direito de propriedade dos Demandantes sobre o prédio rústico, com a área de 1080,00 m2, ao Sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, inscrito na matriz respetiva sob o art.º n.º ---.º, Secção AA, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ----, Santo António; b) reconhecerem que o seu prédio misto ao Sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, inscrito na matriz respetiva a parte rústica sob o art.º n.º --.º, Secção AA, não descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, se encontra onerado por uma servidão de passagem a pé a favor do prédio dos Demandantes, feita em escadaria em pedra calcetada, com a largura de 0,60m e num comprimento de cerca de 100 m, existente na parte oeste do prédio dos Demandados, junto à extrema sudeste do prédio dos Demandantes até ao Caminho dos H; c) Destruírem as paredes e o barracão construídos sobe a referida escadaria, para que a escadaria ocupada fique liberta para passagem até onde seja possível chegar ao prédio dos Demandantes, ou seja até à extrema sudeste do mesmo; d) absterem-se de qualquer ato que dificulte ou impeça o livre exercício do direito de servidão suprarreferido; e) reconstruírem a parede sudeste do prédio dos Demandantes, repondo toda a pedra que lhe foi retirada; f) Destruírem todas as construções acima identificadas e que foram erigidas sem qualquer obediência aos afastamentos legalmente impostos”.

Vejamos se lhes assiste razão:
Ficou provado que a propriedade dos Demandantes configura um prédio encravado, nos termos da noção legal resultante do disposto no art.º 1550.º, do Código Civil (CC), que define como encravados os “prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio.
É, de facto, a situação da propriedade dos Demandantes, e sempre assim foi, pelo menos, desde a aquisição da segunda parcela da propriedade dos Demandantes, por J, pai da 1.ª e 3.ª Demandantes.
Da matéria provada, resulta que no prédio misto da propriedade dos 1.º e 2.º demandados existe uma escadaria, quase centenária, que antigamente dava acesso à entrada da casa de habitação da propriedade.
A referida escadaria encontra-se representada nas plantas de localização do local, e também constituem uma forma de marcar fisicamente, no terreno, as delimitações do prédio dos referidos Demandados com os prédios confinantes, pertencentes à família I, bem como, relativamente ao prédio da propriedade dos Demandantes.
Atualmente o acesso à referida casa de habitação, na qual residem os 3.º e 4.º demandados, faz-se a partir de outro ponto de entrada na propriedade, com ligação à Travessa dos H.
Também ficou provado que desde os anos sessenta do século passado as referidas escadas eram utilizadas por J, anterior proprietário dos terrenos que compõem a propriedade dos Demandantes, bem como, pelos levadeiros e pessoal agrícola.
O referido J utilizou as referidas escadas de forma pública e pacífica durante, pelo menos, cinquenta anos, fazendo o percurso apeado no acesso desde a Travessa dos H à sua propriedade, e desta para a mencionada via pública.
Como decorre da prova feita, J não pedia autorização para entrar ou sair da sua propriedade através da utilização das referidas escadas.
Dispõe o art.º 251.º, do Código Civil (CC), que “Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”
Ora, ficou provado que a utilização feita por J corporizou a posse de um direito de passagem no local, exercido ao longo do tempo como um direito próprio, sem depender da autorização ou tolerância dos Demandados.
Aliás, a lei, no art.º 1268.º, do CC, estabelece uma presunção da titularidade do direito a favor do possuidor, não tendo sido feita prova em contrário nos presentes autos, capaz de ilidir a referida presunção, sendo certo que tal prova cabia ao Demandados. Cf. art.º 342.º, do CC.
Por sua vez, o art.º 1287.º, do CC determina que “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião.”
Nos termos do disposto no art.º 1543.º, CC, “Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.”
Sobre a possibilidade de constituição da servidão de passagem por usucapião tem de se ter presente o disposto nas normas conjugadas dos artigos 1547.º, do CC, que expressamente admite a constituição de servidões prediais por usucapião, e o art.º 1548.º, também do CC, que no seu n.º 1, determina que “As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.” Enquanto no n.º 2, do citado artigo, a lei esclarece que “Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes.”
Ora, a referida escadaria é um sinal visível e permanente. As referidas escadas estão no local há quase cem anos, e a única razão plausível para que tenham sido construídas só pode ser encontrada numa forte necessidade, que desde há longo tempo foi sentida, para facilitar o trânsito de pessoas no local. Ou seja, para realizar a passagem de acesso da via pública para as propriedades situadas acima, incluindo a propriedade dos Demandantes.
Resulta da prova e do acima exposto, que já J adquiriu por efeito de usucapião (posse superior a vinte anos), o direito de servidão de passagem pelo local Cfr., art.º 1296.º.
Da prova resulta, ainda, que em 2010, a 1.ª e 3.ª Demandantes adquiriram os terrenos por via sucessória, através da herança aberta pelo óbito de J.
Com a aquisição da propriedade os Demandantes sucederam no direito de servidão de passagem já adquirido por usucapião pelo seu antecessor, dado que, esse direito é transmissível, com o direito de propriedade do prédio dominante.
Por outro lado, sempre haveria que se considerar que a posse continuou nos sucessores de J, desde o momento da morte deste, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 1255.º, e 1288.º, ambos do CC.
Ficou também provado que o 2.º Demandante, durante vários anos a seguir à aquisição da propriedade, cultivava os terrenos e mantinha gado de espécie caprina na propriedade, e que exercia o direito de passagem pelas referidas escadas.
Assim, resulta provado que, pelo menos durante cerca de cinquenta anos, os Demandantes exerceram a posse com o respetivo “corpus” – servindo-se fisicamente ao longo do tempo da utilidade potenciada pelo acesso à sua propriedade pelas escadas, de acordo com as suas necessidades (art.º 1565.º, do CC); bem como o “animus possidendi”, isto é, a intenção ou elemento psicológico de se comportarem como os titulares do direito correspondente ao poder de facto, resultante do livre exercício de passagem pelas referidas escadas consoante a sua conveniência, sem dependência de autorização nem qualquer espécie de tolerância dos proprietários do prédio serviente, por considerarem que exercitavam um seu direito.
O exercício da passagem no local como um direito ficou bem patenteado nos autos (em consonância com a prova testemunhal respeitante à aquisição da servidão por usucapião) quando em 2016, os Demandantes decidiram efetuar os trabalhos de limpeza e desmatação do terreno, e contrataram a testemunha K para realizar o serviço, e para fazer o acesso à propriedade pelo local, sem haver precedência de qualquer pedido dirigido aos Demandados para o efeito.
O facto de, nos últimos anos, designadamente desde 2014, os Demandantes terem deixado de cultivar os terrenos e de ter animais na propriedade, não impede que a posse da servidão se tenha mantido interruptamente durante todo o tempo; e muito menos implica a extinção do direito de servidão de passagem anteriormente adquirido, dado que, as formas de extinção das servidões estão taxativamente elencadas no art.º 1569.º, do CC, e nenhuma das situações previstas na referida disposição legal ficou provada nos autos.
Assim é, designadamente, porque o exercício da servidão deve ser realizado segundo as necessidades do prédio dominante, com o menor prejuízo para o prédio serviente. Cfr. art.º 1565.º, do CC.
Ficou igualmente provado que o Demandado F realizou construções de alteamento do muro lateral existente na referida escadaria, para benfeitorias de ampliação da sua casa de habitação.
Aliás, toda a situação de litígio constante dos autos surgiu quando a demandante A foi informada pela testemunha K que haviam construções novas, feitas no muro e uma cancela que dava passagem direta da propriedade dos Demandados para os terrenos dos Demandantes, no qual estava instalada a piscina ilustrada pela fotografia constante a fls. 20 e 21.
Foram dados como provados alguns factos instrumentais, designadamente, 41 a 46, no sentido de fazer vincar que o trajeto entre o local onde estão as propriedades e o Caminho dos H (situado na parte de cima das mesmas) é, e sempre foi, muito acidentado.
Desses factos instrumentais provados resulta também que, havia o uso geral das pessoas passarem pelos trajetos existentes que lhes fossem mais convenientes, e que isso era aceite por todos, incluindo pelos donos dos terrenos adjacentes à “L”.
O demandado F admitiu que, quando era criança, utilizava a dita “L” para ir para a escola.
Ora, em momento algum foi afirmado que o trajeto pela levada era uma alternativa a ser utilizada, ainda que seja mais perto da casa de habitação do Demandado, o que denota que esse não é, nem nunca foi, um trajeto principal.
Por outro lado, são os Demandados que reconhecem (fls 90), que no acesso existente na propriedade de U e Q para a Travessa dos H, atualmente apenas restam três degraus. Pelo que, não há sinais de qualquer passagem desse local para a propriedade dos Demandantes, nem foi feita prova testemunhal nesse sentido.
Por outro lado, ficou dado como provado que J só esporadicamente vinha para a sua propriedade pelo lado de cima, ou seja, pelo caminho dos H à Viana, e utilizava as “L”.
Efetivamente, não existem outros sinais de passagem para a propriedade dos Demandantes, para além das escadarias existentes no prédio do Demandados, e, neste momento, só não é possível realizar (diretamente) a passagem das referidas escadas para a propriedade dos Demandantes devido às obras realizadas pelo demandado F, entre 2014 e 2016.
Na inspeção ao local foi possível verificar que o muro lateral existente ao longo da escadaria, para contenção das terras, acompanha a largura dos socalcos, pelo que, o mesmo vai diminuindo de altura à medida que se sobem as escadas, até que se atinge o nível de piso de cada socalco, como está ilustrado na fotografia de fls. 13.
Assim verificou-se que a existência do referido muro ao longo da escadaria, não seria impeditivo da passagem para a propriedade da Demandante como também se vê pelas fotografias a fls. 220 e 22, que ilustram a parte da escadaria atualmente inacessível em virtude da construção realizada pelo demandado F.
O facto de o muro ter zonas de fácil transposição está ainda ilustrado na fotografia a fls. 226, com pedras muito baixas, permitindo a passagem para o terreno ao lado sem qualquer esforço, por qualquer pessoa em condições normais de mobilidade, incluindo crianças minimamente autónomas.
O acesso para o terreno dos Demandantes era feito das escadas onde exerciam o direito de servidão de passagem, a partir na zona representada pela fotografia a fls,. 24, onde é visível o muro construído pelo Demandado F.
De facto, foi um pouco mais abaixo da mesma zona que, na data da inspeção ao local se efetuou a passagem das referidas escadarias para o terreno confinante (família I) e daí para o terreno dos Demandantes, permitindo presumir que, era dessa mesma forma que se fazia a transposição do muro lateral das escadas para o terreno dos Demandantes anteriormente à existência das construções realizadas pelo demandado F.
Ora, a escassa dificuldade que os presentes na referida inspeção sentiram em realizar essa passagem, seria ainda menor se tivesse sido realizada mais acima, junto ao vértice do canto inferior direito da propriedade dos Demandantes, onde o muro lateral era ainda mais baixo.
De facto, não deixa de ser contraditória a afirmação dos Demandados ao afirmarem, por um lado que, o muro lateral das escadas impedia a passagem para o terreno dos Demandantes; e ao mesmo tempo, alegarem que a passagem era sempre efetuada por transposição do socalco situado na parte de cima da propriedade dos Demandantes, com mais de dois metros de altura.
Ora, pelo conjunto da prova, é por demais evidente que a servidão de passagem pelas escadas existentes na propriedade dos 1.º e 2.º Demandados foi efetivamente constituída por usucapião.
Da inspeção feita ao local não foi possível constatar qualquer outra passagem, aparente, visível e minimamente transitável, a não ser pelas referidas escadas existentes na propriedade do 1.º e 2.º Demandados.
Por outro lado, o acesso pelos terrenos da testemunha M a ser viável, teria de ser feito pela levada, já que a falta de segurança do socalco exclui essa hipótese. No entanto, na inspeção ao local não foi detetado qualquer sinal de haver exercício de passagem pela levada ou pelos terrenos da referida testemunha para a propriedade dos Demandantes.
Acrescente-se que as testemunhas que depuseram com isenção e razão de ciência sobre o assunto, foram unânimes em afirmar que as escadas eram utilizadas por F e pelos Demandantes, como sendo o acesso normal à propriedade destes, pelo menos, desde os anos sessenta do século passado.
Assim, devem proceder os pedidos respeitantes à constituição, por usucapião do direito de servidão de passagem, a favor do prédio da propriedade dos Demandantes e os pedidos respeitantes à abstenção de atos que impeçam o gozo do referido direito de passagem, incluindo a demolição de construções que bloquearam as escadas por onde é feita a passagem ente o prédio dos Demandantes e a via pública.
Relativamente à falta de conformidade com as regras de construção e afastamentos legais, designadamente, o disposto nos artigos 1360.º do CC, não foi feita prova devida, a qual estava a cargo dos Demandantes, nos termos do disposto no art.º 342.º, do CC.
De facto, verificou-se a existência de vestígios de uma abertura com cancela, para passagem direta da propriedade dos 1. º e 2.º Demandados para a propriedade dos Demandantes, mas a situação estava resolvida à data da inspeção ao local, tal como consta da matéria dada como provada, sem que tenha sido provado que a regularização foi superveniente, pelo que, a ação deve improceder nesta parte, com a absolvição dos Demandados do correspondente pedido. Cfr. art.º 414.º, do CPC.
Relativamente a outras situações de construção ilegal em prejuízo dos Demandantes ou do prédio de sua propriedade, nada ficou provado, pelo que, deve a ação improceder nesta parte, e os Demandados serem absolvidos do pedido. ---
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DECISÃO
Pelo exposto, e com os fundamentos acima invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente: ---
a) Condeno os demandados D, E, F, e G, a reconhecerem o direito de propriedade dos Demandantes sobre o prédio rústico, com a área de 1.080,00 m2, ao Sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, inscrito na matriz respetiva, sob o artigo número --.º, Secção AA, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o número ----, da freguesia de Santo António;
b) Condeno os demandados D, e E, a reconhecerem que o prédio misto, de sua propriedade, ao Sítio dos H, freguesia de Santo António, concelho do Funchal, inscrito na matriz, a parte rústica, sob o artigo número --.º, Secção AA, e a parte urbana, sob o artigo número -----, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, freguesia de Santo António, sob o número a ----, encontra-se onerado por uma servidão de passagem a pé, a favor do prédio dos Demandantes, sendo a referida servidão constituída sobre uma escadaria em pedra calcetada, com a largura de 0,60 metros e num comprimento de cerca de 100 metros, existente no prédio dos Demandados, junto à extrema sudeste do prédio dos Demandantes, até à Travessa dos H (também designado Caminho do Lombo dos H; aliás, Caminho dos H);
c) Mais, condeno os demandados D, E, F, e G a demolirem todas as construções realizadas sobre a referida escadaria, e muro lateral originalmente construído para contenção das terras, para que a referida escadaria fique desocupada e com passagem livre até onde seja possível chegar ao prédio dos Demandantes, ou seja, até ao vértice a sudeste do mesmo, confinante com a referida escadaria existente na propriedade dos Demandados;
d) Condeno, ainda, os demandados D, E, F, e G, a absterem-se de qualquer ato que dificulte ou impeça o livre exercício do direito de servidão de passagem constituído a favor do prédio dos Demandantes.
e) Absolvo os Demandados do restante peticionado nos autos.

Custas:
Nos termos da Portaria 1456/2001, de 28/12, declaro os Demandados parte vencida, condenando os mesmos ao pagamento das custas do processo no montante global de €70,00 (setenta euros), pelo que, devem proceder ao pagamento da segunda parcela de €35,00 (trinta e cinco euros) no prazo de três dias úteis e comprovar o facto no Julgado de Paz, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação.
Cumpra-se o disposto no art.º 9.º, da Portaria 1456/2001, de 28/12, relativamente aos Demandantes.
Registe.
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Julgado de Paz do Funchal, em 28 de dezembro de 2018

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira