Sentença de Julgado de Paz
Processo: 88/2017-JPMMV
Relator: ISABEL BELÉM
Descritores: : RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - AUTOR DO FACTO
Data da sentença: 02/21/2018
Julgado de Paz de : MONTEMOR-O-VELHO
Decisão Texto Integral:

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A e mulher, B, residentes em X.
Demandado: C, com domicilio em Y.

II- OBJECTO DO LITÍGIO
Os Demandantes intentaram contra o Demandado a presente ação declarativa, pedindo, em suma, a condenação deste na limpeza do local e desobstrução das valas afetadas em prédios da sua propriedade bem como no pagamento aos Demandantes do valor de €1.900,00 a título da danos patrimoniais e de € 1.000 a titulo de danos não patrimoniais sofridos em virtude da atuação do Demandado.
Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial (fls. 1 a 5), que se dão por reproduzido), juntando dois documentos. Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação, por exceção, invocando a sua ilegitimidade passiva, e por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.
Na 1ª sessão de Audiência de julgamento os Demandantes foram convidados a pronunciarem-se sobre a invocada exceção arguida pelo Demandado, o que fizeram tendo de imediato sido proferido despacho a julgar improcedente a exceção de ilegitimidade processual do Demandado tendo a Audiência prosseguido para a produção de prova que se realizou com obediência às formalidades legais, como das atas se infere.
Fixo o valor da causa em € 2.900,00.
Cumpre apreciar e decidir
A alínea c) do nº 1 do artigo 60º da Lei nº 78/2001, de 13/7, alterada pela Lei 54/2013, 31/7, estatui que, nas sentenças proferidas, deve constar uma “sucinta fundamentação”, o que se procurará fazer de seguida.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A - Factos provados:
Com interesse para a causa, resultou provado:

A. Os Demandantes são possuidores e legítimos proprietários de dois prédios rústicos, sitos em -----, freguesia de -----, Concelho de Montemor-o-Velho, inscritos na respetiva matriz sob os n.ºs xxxx e yyyy, constando das cadernetas prediais as seguintes confrontações: Artigo xxxxº: do Norte com D, Sul com E, Nascente com F, Poente com Caminho; Artigo 0000: do Norte com Caminho, Sul com Vala, Nascente com F, Poente com G;
B. Em data não concretamente, durante o mês de agosto de 2016, num prédio confinante com o dos Demandantes pertencente a H, foi efetuado o corte de árvores e trabalhos de surriba;
C. Depois dos trabalhos referidos em B), um dos prédios pertencente aos Demandantes, numa parte em que confina com aquele, ficou com alguma ramagem das árvores cortadas espalhada no terreno;
D. Bem como com dois pequenos pinheiros caídos no chão, e ainda dois com a ramada danificada e um com a carota igualmente danificada, todos eles plantados há cerca de 4/5 anos;
E. Na ocasião dos trabalhos referidos em B), no caminho público junto ao terreno dos Demandantes foi feita uma abertura para o terreno destes para escoamento da água que estava concentrada naquela zona do caminho;
F. Por aquela abertura, em data não apurada, escoaram águas lamacentas para o prédio dos Demandantes;
G. O filho dos Demandantes utilizou um trator para transportar areia para tapar abertura no caminho;
H. Toda esta situação provocou nos Demandantes incómodos, tristeza e revolta;
I. Da certidão comercial da sociedade I – Unipessoal Lda., pessoa coletiva matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra, com o NIPC X, e com sede social na Rua do -----, em -----, consta como objeto social a exploração florestal, nomeadamente abate e corte de árvores, comercialização de material relacionado com a referida atividade, estando indicado como gerente da mesma o aqui Demandado C;
J. O Demandado na qualidade de gerente e legal representante da sociedade referida em I) negociou com a Sra. H a compra de árvores das suas propriedades;
K. A sociedade referida, na execução do negócio acima indicado, pagou a H a quantia de 6.000,00, por cheque datado de 16.07.2017 junto a fls. 112 e que se dá por integralmente reproduzido;
L. E emitiu a fatura com o nº AF xx/x em sistema de autofacturação a fls. 39 e que se dá por integralmente reproduzido;
M. No corte das árvores compradas no terreno da H, confinante com o dos Demandantes, participaram o Demandado e outros trabalhadores.

B - Factos não provados:

1. O Demandado deixou a rama resultante dos cortes toda espalhada pelos terrenos e entulhou a vala com o resto desses cortes e terra, de forma a tapá-la criando o entupimento da mesma e provocando a obstrução ao escoamento das águas que nela se fazia;
2. O que impossibilitou o regadio e escoamento aos moinhos, criando graves prejuízos aos Demandantes, originando a seca dos pinhais e das sementeiras;
3. Foi necessário a intervenção do filho dos Demandantes para que, com recurso ao trator, se procedesse à desobstrução da vala, num determinado sítio de modo a evitar mais prejuízos, levando um dia de serviço, cujo valor nunca se pauta por inferior a €100,00;
4. Face ao entulhamento da vala com as ramas e terras desbravadas, o poço que existe na propriedade dos Demandantes, aquando do escoamento da vala entretanto desobstruída, foi inundado com a lama e lodo resultantes dos desperdícios dos pinhais vizinhos, tornando o mesmo impróprio para o consumo e rega, criando um prejuízo direto de €300,00 pela sua inutilização;
5. Os Demandantes não têm o uso e fruição dos seus prédios na sua plenitude, reduzindo-lhe os rendimentos que normalmente obtinham;
6. Criando um prejuízo efetivo num valor nunca inferior a €500,00, já que deixaram de cultivar a área destinada ao cultivo, sendo a área cultivável é de cerca de 250,0000 m2.
7. O Demandado procedeu ao corte de árvore no prédio dos Demandantes e levou consigo a madeira, no valor de cerca de 700,00€ e que após ter esbulhado a propriedade dos Demandantes deixou-a cheia de lixo dos cortes, não tendo limpo rigorosamente nada;
8. Foi necessária a sua limpeza, tendo os Demandantes contratado pessoas para o efeito, o que implicou um gasto de €300,00.
9. O Demandado agiu de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que a sua conduta era e é proibida e punida por lei.

C- Convicção:
A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada foi adquirida através da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, das declarações prestadas pelos Demandante e Demandado, do teor dos documentos juntos aos autos, do acordo das partes, da inspeção ao local, bem como de toda a prova testemunhal inquirida em Audiência.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa.
Assim, o facto da alínea A) resulta do teor dos documentos de fls. 6 e 7(certidão matricial) e dos depoimentos das testemunhas MB e EB.
O facto em B) resultou da admissão do mesmos pelas partes, nos articulados.
Os facto das alíneas C), D) E), F), G e H) resultam da conjugação da prova testemunhal, das declarações das Partes, da inspeção ao local e das fotos juntas a fls. 100 a 105. Foi possível verificar no local o prédio pertencente à H onde foi feito o corte das árvores (eucaliptal) e que o mesmo, em parte, confina com um dos terrenos dos Demandantes (pinhal) Mais se verificou que numa parte em que ambos confinam, há dois pequenos pinheiros caídos no terreno, dois com a rama partida e um com a carota danificada, o qual poderá ter facilmente resultado da queda dos eucaliptos aquando do corte dos mesmos no prédio vizinho, tanto mais que os danos nos pinheiros apenas se verificaram junto à zona do corte. Foi ainda possível verificar numa outra zona do terreno dos Demandantes, o local onde foi feita uma abertura junto ao caminho, tendo sido possível percecionar que, encontrando-se o prédio dos Demandantes nessa parte junto ao caminho a uma cota inferior em relação àquele, resultou evidente que por efeito da gravidade, não havendo qualquer obstáculo, as lamas e águas escorrem naturalmente para o prédio dos Demandantes. Quanto aos demais danos, resultam da prova testemunhal designadamente da testemunha H (proprietária do terreno confinante com o dos Demandantes) e ED, que confirmaram ter visto alguma ramagem dos eucaliptos cortados no terreno dos Demandantes, junto ao limite com os terrenos da referida H, o que também resulta das fotografias. Quanto às testemunhas MB e ED, filhos dos Demandantes, referiram-se aos pinheiros partidos ou danificados, com cerca de 5 anos de desenvolvimento, bem como à ramagem existente no chão e ainda que foi a testemunha MB que teve de tapar a abertura no caminho com areia, tendo de recorrer a um trator para a transportar. Depuseram também sobre o desgosto dos pais com toda a situação, depoimentos que nesta parte se mostraram cedíveis e corroborados, além do mais, por outros meios de prova como se referiu. A testemunha MB referiu-se ainda ao poço existente na propriedade dos pais que diz ter sido inundado com lama, lodo e detritos tornando a água do mesmo imprópria para consumo, o que não ficou minimamente demonstrado, sendo que da inspeção ao local, resultou ser muito improvável tal acontecimento. Referiu-se ainda a uma vala que diz ter ficado completamente obstruída com ramos do corte matéria, o que da inspeção ao local também não se confirmou. Quanto aos demais danos dados como não provados, resulta da ausência de prova quanto aos mesmos.
O facto da alínea I) resulta do teor da certidão comercial de fls. 120 .Os factos das alíneas J),K),L)e M) resultam do teor dos documentos de fls. 39 e 112 a 115 (fatura/auto faturação, cheque para pagamento em nome da testemunha H, comprovativo bancário do seu desconto e certidão comercial da sociedade) e ainda do depoimento da testemunha H, a qual, no essencial, declarou que o Demandado, há cerca de dois anos, a contactou para lhe comprar madeira dos seus terrenos, desconhecendo, porém, se o fez em seu nome ou em nome de uma firma, o que para a testemunha se revelou ser totalmente indiferente, confirmando o recebimento da fatura e pagamento por cheque em nome de uma firma que não soube identificar. Por sua vez, a testemunha ED, referiu que na altura do corte das árvores passou junto ao terreno dos Demandantes tendo visto o Demandado e outras pessoas a cortar o eucaliptal, depoimento que mereceu credibilidade.
Quanto aos factos não provados resultaram da ausência de prova ou prova credível quantos aos mesmos.

IV - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Vem o Demandante pedir a condenação do Demandado no pagamento de uma indemnização para ressarcimento de danos por si sofridos na sequência de atos lesivos que atribui ao Demandado.
Estamos no âmbito da responsabilidade civil extracontratual que visa transpor os prejuízos resultantes de uma atuação danosa para a esfera do agente, constituindo exceção ao princípio de que os danos ocorridos em certo património deverão ser suportados pelo seu titular. No entanto, esta transposição exige a verificação de certos requisitos.
O artigo 483.º do Código Civil estabelece que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São vários os pressupostos da responsabilidade civil por atos ilícitos, tal como se extrai do artigo 483.º, do Código Civil, a saber: O facto do agente; a ilicitude; o nexo de imputação do facto ao lesante ou a culpa do agente; o dano; o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
Incumbindo ao Demandantes o ónus da prova de todos os pressupostos referidos no artigo 483º do CC
O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente, um facto voluntário, pois só quanto a factos dessa natureza tem cabimento a ideia da ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos termos impostos por lei.
Com efeito, na base da responsabilidade por factos ilícitos está necessariamente uma conduta da pessoa obrigada a indemnizar, ou seja, um facto voluntário do agente.
Por isso, o problema de saber quem está obrigado a reparar os danos resultantes de um facto ilícito consiste na definição da pessoa ou pessoas às quais, nos termos da lei, se atribui a conduta constitutiva da responsabilidade.
Da prova produzida resulta que os Demandantes sofreram danos na sua propriedade e que os mesmos terão sido consequência da atividade de corte de árvores levada a cabo num terreno com eles confinante.
O Demandantes demandam o Demandado em nome individual e imputam ao mesmo a responsabilidade pela verificação dos danos por si sofridos.
Do conjunto da matéria de facto provada resulta que o corte de árvores no terreno confinante com o dos Demandantes, que terá dado origem aos danos na propriedade destes, foi negociado entre a sua proprietária, H, e uma sociedade comercial denominada I, Unipessoal, Lda, através do seu gerente, J, que foi quem, por conta daquela sociedade, negociou com a H.
Nem nos parece verosímil que no quadro do que se apurar se retire outra conclusão.
A fatura/autofaturação, o cheque para pagamento da compra da madeira passado à ordem de Maria de Fátima Sebastião Eulálio, o comprovativo bancário do seu desconto e certidão comercial da sociedade, além da demais prova, demonstram que o negócio de corte e compra da madeira nos terrenos da testemunha H não foi celebrado com o Demandado enquanto pessoa singular e em nome individual, mas na qualidade de gerente e representante legal da sociedade I, Unipessoal, Lda. Refira-se que o sistema de autofacturação é um sistema com apoio legal , consistindo em o cliente se substituir aos seus fornecedores na emissão das respetivas faturas, tendo surgido de exigências comerciais dos próprios adquirentes em virtude de os vendedores no âmbito de atividades económicas informais, como foi o caso dos autos, não disporem de estrutura de natureza administrativa que lhes permita emitir faturas que contenham todos os elementos para efeitos fiscais. Por outro lado da instrução da causa não resultou provado que o Demandado tenha utilizado o nome da sociedade como instrumento de fachada e proteção contra comportamentos de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros. Referir ainda que raro não é confundir a personalidade jurídica da sociedade com a personalidade jurídica da pessoa que está ao comando daquela e com quem são estabelecidos os contactos comerciais.
Contudo juridicamente não se deve confundir a pessoa coletiva com a pessoa física singular do sócio ou gerente da mesma. Não há coincidência de personalidades jurídicas nem de patrimónios, assim como diferentes são as responsabilidades que sobre eles recaem.
Falta assim o requisito da imputação subjetiva da autoria dos factos ao Demandado enquanto pessoa que desenvolve a atividade em nome individual, sendo que tal ónus cabia aos Demandantes como pressuposto autónomo do dever de indemnizar e facto constitutivo do direito que se arrogam, nos termos do artº. 342º, nº. 1, do CC.
Faltando tal nexo de imputação desnecessário se torna apreciar se a atividade danosa foi licita ou ilícita, culposa, ou não, bem como o valor dos danos patrimoniais sofridos pelos Demandantes.
Pelo exposto, improcede o peticionado, absolvendo-se, em consequência, o demandado dos pedidos.

V - DECISÃO:

Em face do exposto, julgo a ação improcedente, por não provada, absolvendo o Demandado do pedido.
Custas: da responsabilidade dos Demandantes, devendo efetuar o pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros) num dos 3 dias úteis subsequentes a notificação da presente decisão, sob pena de incorrer na sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento desta obrigação legal, sujeitando-se a eventual execução (art.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, com as alterações da Portaria n.º 209/2005 de 24/02).
Proceda-se ao reembolso do Demandado da quantia de 35,00€, nos termos do art.º 9 da referida Portaria.
Montemor, 21 de fevereiro de 2018
A Juíza de Paz Coordenadora
(Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária.
(Artigo 18º LJP
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(Isabel Belém)